Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PARTILHA DE COMUNHÃO CONJUGAL
ACTO ONEROSO
MÁ-FÉ
TRANSMISSÃO SUCESSIVA
TERCEIRO DE BOA FÉ
Sumário
Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1. Os pontos concretos da matéria de facto que se pretendem impugnar devem constar obrigatoriamente das conclusões finais (ainda que imperfeitamente delimitados ou referenciados, desde que não resulte prejudicada a sua apreensão). A omissão, na síntese conclusiva, da indicação de um facto que fora impugnado no corpo das alegações, configura incumprimento do ónus contido na al. a), do nº 1, do art. 640º, do CPC, que determina, nessa parte, a rejeição do recurso. 2. Em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, se a Relação concluir que o(s) factos(s) impugnados(s) são irrelevantes para o mérito da decisão, pode não conhecer da impugnação, sob pena de estar a praticar ato inútil e, por conseguinte, ilícito (cf. art. 130º, do CPC). 3. A partilha da comunhão conjugal é um ato que para efeitos de impugnação pauliana tem de ser reputado como oneroso. 4. Como tal, recai sobre a Autora/credora o ónus da prova da má fé do devedor e de terceiro(s). 5. A má fé revela-se com a consciência dum e doutro(s) sobre o prejuízo que o ato impugnado causa ao credor. 6. No caso de sucessão de transmissões, a possibilidade de o credor executar o bem no património de terceiro(s) depende da existência de uma sequência ininterrupta de transmissões impugnáveis. 7. No caso de bem que ingresse em património de terceiro de boa fé, imune à impugnação pauliana, o alienante de má fé é responsável pela satisfação do crédito do impugnante, no caso, na medida do valor recebido como contrapartida da venda, e limitado ao crédito por aquele peticionado (art. 616º, nº 2, CC).
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório “Hortafina – Produção Hortícola, Ldª”, com NIPC …., propôs a presente ação de impugnação pauliana, que segue a forma única de processo comum contra os seguintes Réus:
1. R…, com o NIF…;
2º M…, com o NIF ….;
3º “Tironeco, Uinpessoal, Ldª”, com o NIPC …..;
4º I…., com o NIF ….;
5º M..P…, com o NIF….;
6º T…., com residência em …;
7º J…., com residência em …...
A autora alegou, em síntese, que o 1º Réu era pessoalmente responsável pelo pagamento de valor decorrente do fornecimento de bens que fez à sociedade “Qualifrutas - Comércio Grossista de Frutas, S. A.”; que o mesmo prestou o seu aval numa letra de câmbio com o valor de € 90 000,00; que após o vencimento da dívida, os Réus, em conluio entre si, e com finalidade de a Autora não conseguir obter a satisfação daquele crédito à custa do património pessoal do 1º Réu, este e sua mulher (2ª Ré), efetuaram partilhas mediante as quais foram adjudicados todos o bens a esta última, que, por sua vez, os transmitiu a terceiros.
Vem, por isso, a Autora impugnar as transmissões dos bens de modo a poder executá-los no património onde se encontram.
Foram formulados os seguintes pedidos:
- Seja a partilha efetuada entre o 1.º e 2.ª Réus declarada ineficaz em relação à Autora.
- Sejam as subsequentes transmissões de bens efetuadas entre o 2.ª, 3.ª, 4.º, 5.ª, 6.ª e 7.º Réus, declaradas ineficazes em relação à Autora;
- Seja ordenada a restituição do prédio urbano habitacional sito à Rua ….., n.º…, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na conservatória de registo predial de Santa Cruz sob o n.º …. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …., bem como do veículo automóvel e todo o recheio que compunha o prédio à data da partilha;
- Podendo a Autora executar tais bens no património dos Réus na medida do seu crédito, no montante de € 99.932,05, acrescidos de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
- Podendo ainda a Autora praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, devendo os Réus ser condenados a reconhecer o sobredito direito de restituição da Autora;
- Ou, no caso de os bens terem sido alienados, terem perecido ou deteriorado por caso fortuito, sejam os Réus condenados ao pagamento do seu valor em dívida à aqui Autora, a liquidar em execução de sentença.
Sem conceder,
- Deverá a 2.ª Ré ser condenada a indemnizar a aqui Autora pelo valor dos bens que alienou a terceiros e até ao valor do crédito desta última, nos termos do art. 616.º n.º 2 do Código Civil;
Sem prescindir e à cautela,
- Deverá a 2.ª Ré, beneficiária do negócio, ser condenada a indemnizar a aqui Autora, na medida do seu enriquecimento, isto é, pelo valor que o 1.º Réu haveria que receber na partilha, nos termos do art. 616.º n.º 3 do Código.
**
Procedeu-se à citação dos Réus.
A 6ª Ré contestou a ação, pugnando pelo seu indeferimento e a sua consequente absolvição do pedido, por ter adquirido o veículo de boa fé.
O 1º Réu contestou a ação. Alegou que não se verificam os requisitos gerais da impugnação pauliana previstos no artº 610º do C.C, e que é manifesto o abuso de direito por parte da Autor nesta litigância, tendo pedido a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.
Na contestação apresentada, diz o 7º Réu que adquiriu o veículo ao seu titular, não tendo intervindo em qualquer outro negócio da Autora e/ou dos restantes Réus. Concluiu, igualmente, pela improcedência da ação e pela consequente absolvição do pedido que contra si é formulado.
A 2ª Ré contestou a ação e pediu igualmente a sua absolvição do pedido, em resultado de não ocorrer nos autos um dos requisitos da impugnação pauliana, qual seja, o da inexistência de evidência de que da partilha mencionada na petição inicial resulte a impossibilidade de a Autora obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
A 3ª Ré também apresentou contestação e disse, por seu turno, que adquiriu o imóvel identificado nos autos e que o vendeu posteriormente, no âmbito daquela que é a sua atividade comercial, sendo alheia a toda a situação económico-financeira dos anteriores proprietários do imóvel. Pediu a improcedência da ação e a absolvição do pedido que contra si é formulado.
*
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi fixado o objeto do processo e enunciados os temas da prova.
*
Posteriormente, a Autora apresentou articulado superveniente, que justificou com a prolação de sentença em 10 de novembro de 2020 no âmbito de incidente de qualificação da insolvência da sociedade “Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, S. A.”, e com a decisão proferida a 16 de setembro de 2021 no incidente de liquidação por si instaurado, com base nas quais pediu que se reconhecesse que o seu crédito ascende atualmente ao valor de € 315.900,56.
Tal articulado foi admitido.
*
Realizou-se audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, decide-se:
a) Declaram-se ineficazes em relação à autora as transmissões da propriedade do veículo automóvel com a matrícula …., realizadas em 18 de outubro de 2011 e 21 de março de 2012, aos réus T… e J…, podendo a autora executá-lo no património do réu J… e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei;
b) Condena-se a ré M… a pagar à autora a quantia de 90.000 (noventa mil) euros;
c) Absolvem-se os réus do demais peticionado.
Custas pela autora, na proporção de 30%, pelos réus T… e J…, na proporção de 20%, e pelos réus R… e M…, na proporção de 50%.”
*
Registe e notifique.”
**
A autora veio recorrer, pedindo que, julgado procedente o recurso, seja revogada a sentença e substituída por outra que condene os 2º e 3º Réus a pagarem uma indemnização no montante de € 315.722,56.
Formulou as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto (com reapreciação da prova gravada) e de Direito da decisão proferida nos presentes autos que julgou Declarar ineficazes em relação à autora as transmissões da propriedade do veículo automóvel com a matrícula …, realizadas em 18 de outubro de 2011 e 21 de março de 2012, aos réus T… e J…, podendo a autora executá-lo no património do réu J… e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; b) Condena-se a ré M… a pagar à autora a quantia de 90.000 (noventa mil) euros; c) Absolvem-se os réus do demais peticionado..
II. Quanto à matéria de facto cumpre dizer o seguinte
III. O legal representante da sociedade 3º ré, compadre dos 1º e 2º réus tentou de forma deliberada invocar esquecimento depois de várias ter tentado não comparecer a julgamento.
IV. Não se logra compreender que não tenha sido dado como provado que o crédito referido no ponto18) foi reconhecido no processo de insolvência.
V. O documento 68 junta como a petição inicial é a certidão do processo de insolvência da sociedade qualifrutas.
VI. Inclusive face ao documento a fls.1196 foi reconhecido um crédito global no montante de 315.722.56€ à autora
VII. Devendo ao invés do que ser dado como provado a alínea a) dos factos dados como não provados.
VIII. Quanto à alínea d) dos factos dados como não provados no sentido em que a autora não logrou ver-se ressarcida de qualquer quantia não se pode concordar, face à documentação junta bem como o depoimento pela testemunha S… impunha-se decisão diversa.
IX. Devendo ao invés do que sucedeu a alínea d) dos factos dados como não provados ser dada como provada.
X. Quanto ao ponto F) dos factos dados como não provados novamente não se percebe que não tenha sido dado como provado este documento.
XI. Novamente não se concebe nem se aceita que não tenha sido dado como provado o ponto g) dos factos dados como não provados em que é dito “o referido em 25 foi criada com o único fim de promover a venda de imóveis do Réu R… e de outros pertencentes à sociedade por aquele detidas.
XII. Atenta a prova documental e o depoimento de parte do legal representante do 1º e 2º réus não se pode aceitar esta conclusão.
XIII. Principiemos pela prova documental.
XIV. Esta sociedade é constituída em 22 de Agosto de 2011.
XV. Passados seis dias é lavrada a escritura de compra e venda melhor descrito no ponto dos factos dados como provados na qual a referida sociedade adquire um imóvel à recorrida M….
XVI. Quem assina na qualidade de comprador do referido é o Sr. …. que era Diretor Financeiro da sociedade Qualifrutas, o qual tinha plena noção da situação deficitário da sociedade.
XVII. Era alguém que seria um “braço direito” do réu R….
XVIII. Mas mais do que isso, qual a explicação para que a sociedade não tenha tido qualquer outra atividade.
XIX. Atente-se na comunicação remetida pelo Banco Santander Totta a fls. datada de 06-06-2016, no que se reporta aos extratos bancários, de 01-05-2013 a 31-12-2013 a empresa não tem qualquer atividade.
XX. E o dinheiro recebido no montante de 225.000.00€ é transferido escassos dias a seguir.
XXI. Mais atente-se a postura do legal representante da sociedade Tironeco.
XXII. Se por um lado sabemos que o 1º e º 2º réus recusaram-se a depor o legal representante da Tironeco andou fugido à Justiça
XXIII. E estranhamente sobre isso nada é dito em sede de redação da sentença proferida.
XXIV. Ao invés do que aconteceu o oficio de 03-10-2024 devia ter tido outro sentido a nível de avaliação.
XXV. O Sr. A… é compadre dos 1º e 2 réus.
XXVI. O Sr. A… nada sabe sobre a sociedade da qual é sócio-gerente
XXVII. Os compradores do imóvel objeto dos presentes autos nunca ouviram falar do 3º réu do seu legal representante.
XXVIII. Pelo que, perante toda esta factualidade deveria ter sido dado como provado o ponto g), h) dos factos dados como não provados.
XXIX. Deveria ter sido dado como prova atenta a prova produzido que o 1º, 2º, 3, 6 e 7º réus sabiam deste plano e qual o seu escopo.
XXX. O 1º, 2º, 3, 6 e 7º réus agiram de forma concertada com o objetivo comum de que os credores do réu R… vissem os seus meios de pagamento diminuídos ou até extintos
XXXI. Deveria ter sido face à documentação agora alegada o ponto U dos factos dados como não provados.
XXXII. O 7º réu foi apenas um peão nas mãos do Réu R…
XXXIII. Para além dos factos dados como provados, a aqui recorrente pretende o seguinte aditamento aos factos como provados: A sociedade Tironeco, Unipessoal, Lda., foi constituída com o único propósito da realização do negócio de compra e venda do imóvel objeto dos presentes autos; O Réu R… estabeleceu as condições do negócio de compra e venda realizado entre a 3º ré e o 4º e 5º réus; O legal representante da sociedade 3 ré era um mero gerente de direito, apensa agindo de acordo com as ordens do 1º réu; O 1º réu contratou o advogado do 7º réu de forma a poder eximir ao pagamento perante a aqui autora.
XXXIV. Quanto ao bem imóvel o tribunal ad quo considerou que “Já no que concerne ao prédio partilhado, tendo estado em causa, indubitavelmente, atos onerosos (pontos 8. e 9. Do factos provados), da factualidade apurada descrita na fundamentação de facto, não se mostra possível retirar que os posteriores adquirentes, quais sejam, a ré Tironeco, Lda. e os réus I… e …, tenham agido de má fé, nos termos que ficaram definidos.
XXXV. Perante tudo isto afigura-se que a presente ação deveria ter sido julgado procedente quanto ao imóvel partilhado não só contra a 2º ré mas igualmente contra a sociedade 3º ré
XXXVI. Que foi apenas meramente uma sociedade veículo.
XXXVII. Atento ao facto do 4º e 5º réus estão de boa fé teremos de aplicar aqui o artigo 616º/2 do C.C.
XXXVIII. Conforme prevê o artigo 616º/2 do C.C:O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado
XXXIX. A perícia indica que o valor do imóvel ascendia á data da 2º transmissão ascende a 352.875.98€ sendo esse o valor global do prejuízo da recorrente, na medida em
que se viu impedida de penhorar e alinear esse bem.
XL. O valor do crédito reconhecido ao aqui recorrente em sede de incidente de liquidação de sentença ascende a 315.722,56€
XLI. Pelo que, a indemnização a ser fixada deverá corresponder ao valor do crédito da aqui recorrente na medida em que o mesmo é abaixo do valor da perícia.
XLII. Toda a atuação do cérebro do 1º Réu visa defraudar a hipótese da aqui recorrente ser ressarcida do seu crédito.
XLIII. Ao agir como agiu o tribunal ad quo violou o estatuído no artigo 616º/2 do C.C., artigo 411º do C.P.C.
XLIV. Face à prova produzida, documental, e depoimentos de parte e prova testemunhal impunha-se decisão diversa
XLV. Devendo ao invés do que sucedeu o 2º e 3º réus serem condenados pagar à recorrente o montante de 315.722,56€ a título indemnizatório.”
*
Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.
*
O recurso foi admitido.
Por despacho inicial da relatora, foi alterado o efeito fixado em 1ª instância.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
- Impugnação da decisão de facto;
- Saber se a sentença deve ser revogada na parte atinente ao arbitramento de indemnização à Autora, designadamente, se o respetivo valor deve ser fixado nos termos peticionados pela recorrente e se também a 3ª Ré deve ser condenada no seu pagamento.
Fundamentação de Facto
Em 1ª instância foi fixado o seguinte quadro factual: Factos provados:
1. A sociedade “Hortafina – Produção Hortícola, Limitada”, aqui Autora, tem por objeto social a cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos; comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, exceto batata.
2. O Réu R… foi vogal do conselho de administração da sociedade “Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, S. A.” desde 20-09-2007 a 9-02-2012, conforme deliberações de 15 de junho de 2007 e de 31-01-2012.
3. O réu R… exerceu a presidência do conselho de administração da sociedade Qualifrutas, S. A. entre 8-11-2010 e 29-12-2011, conforme deliberação de 27-12-2011 e voltou a ocupar o cargo de vogal desse órgão entre 27-12-2011 e 31-01-2012, cargo a que renunciou nesta data.
4. A ré M… foi vogal do conselho de administração da sociedade Qualifrutas, S. A. de 21-07-2010 a 29-08-2011 tendo sido destituída do cargo por deliberação de 18-07-2011.
5. Em 31-10-2011, “Hortafina – Produção Hortícola, Lda” dirigiu ao processo executivo n.º 2521/11.0TBTVD pendente no Tribunal Judicial de Torres Vedras, em que figurava como executada a Qualifrutas, S. A. um requerimento executivo para cumulação sucessiva de execuções dirigido contra R…. e M…., tendo por título executivo uma letra, com data de emissão de 11-07-2011, no valor de € 90 000,00, com data de vencimento de 11-08-2011, em que figura como sacador Hortafina, Lda. e como sacada “Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, S. A.”, avalizada, entre outros, por R….
6. A sociedade “Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, S. A.” foi declarada insolvente por decisão proferida em 14-05-2012 no âmbito do processo n.º…. que correu termos no extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Funchal.
7. Em 22 de julho de 2011, foi lavrada escritura de partilha a folhas 27 a 28 verso do Livro de Notas para escrituras diversas n.º …. do Cartório Notarial do Notário …. mediante a qual R…, como primeiro outorgante e M…, como segundo outorgante, declararam que foram casados um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos, que o seu casamento foi dissolvido por decisão proferida em 21 de junho de 2011, no processo de divórcio n.º …. de 2011 da Conservatória do Registo Civil …. e que procedem à partilha dos bens comuns, sendo a verba número Um o prédio urbano habitacional sito à Rua …., freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …. a que atribuem o valor de cento e vinte mil euros; a verba número Dois o recheio do prédio no valor de cinco mil euros e a verba número Três um veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ….., marca AUDI, ao qual atribuíram o valor de dez mil euros, verbas que adjudicaram à segunda outorgante, M…, pelo valor de € 167 500,00, prescindindo o primeiro outorgante das tornas a que tem direito.
8. Com data de 29 de agosto de 2011, foi lavrada escritura de compra e venda a folhas 6 a 7 verso do Livro n.º …. do Cartório Notarial do Notário ….mediante a qual M…, como primeiro outorgante, declarou vender à sociedade “Tironeco –Unipessoal, Lda.”, pelo preço de cento e vinte mil euros, já recebido, o prédio urbano identificado em 7., destinando-se a revenda.
9. Com data de 5 de junho de 2013, foi lavrado documento intitulado “Compra e Venda” mediante o qual a sociedade “Tironeco – Unipessoal, Lda”. declarou vender a I…. o prédio urbano identificado em 7., que declarou comprar, pelo preço € 500 000,00.
10. Em 18 de outubro de 2011, a ré M… alienou o veículo com a matrícula …. a T…..
11. Em 21 de março de 2012, T… transmitiu o veículo mencionado em 10. para o réu J….
12. Em 31-08-2011, a Autora, para obter o pagamento de faturas, requereu junto do Balcão Nacional de Injunções uma injunção contra a Qualifrutas, S. A. solicitando a notificação desta para proceder ao pagamento doo valor de € 113 756,89, injunção que recebeu o n.º …..
13. No âmbito da execução n.º ….. referida em 5. foi deduzida oposição pela executada M…. que recebeu o n.º …. e no âmbito da qual foi proferida sentença em 11-01-2013 que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da executada M… e a absolveu da instância.
14. Para além do réu R… apuseram a sua assinatura no verso da letra referida em 5., sob a menção “Bom para aval à firma sacadora” S…, T… e M…C…, constando ainda dois carimbos da sociedade Autora com a aposição da assinatura de M…C… sobre estes.
15. No âmbito do apenso R do processo referido em 6. foi proferida sentença no incidente de qualificação de insolvência em 10-11-2020, transitada em julgado, com a seguinte decisão: Face ao exposto, qualifico a insolvência de Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, S.A., NIPC …., com sede (…) como culposa e, em consequência:
a) Declaro R… afetado pela qualificação da insolvência como culposa.
b) Declaro R… inibido para o exercício do comércio, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa durante o período de quatro anos e seis meses.
c) Determino a perda por R… de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condeno-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
d) Condeno R… a indemnizar todos os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, em quantia a liquidar, em sede de liquidação de sentença (cfr. documento de fls. 1196).
16. A Autora deduziu incidente de liquidação, no âmbito do qual foi proferida a seguinte decisão em 16-09-2021: “Em face do exposto, decido julgar procedente, por provado, o presente incidente e, em consequência, liquidar em €315.722,56 (trezentos e quinze mil, setecentos e vinte e dois euros e cinquenta e seis cêntimos - sendo a quantia de €215.179,09 a título de capital e o restante a título de juros vencidos), a quantia a pagar pelo Requerido R…, a título indemnização pelo seu crédito não satisfeito, até às forças do respetivo património, acrescido dos juros de mora sobre o capital, até efetivo e integral pagamento.
17. Em 08 de outubro de 2021 foi apresentada nota discriminativa e justificativa de custas de parte no referido incidente de liquidação, sendo peticionado o pagamento da
quantia que ascende ao montante de €178,00.
18. No âmbito da sua atividade a Autora forneceu à sociedade “Qualifrutas-Comércio Grossista de Frutas, S.A.”, NIPC …., diversos produtos comércio, de que resultou um saldo a favor da autora de € 193.266,820, o qual nunca foi pago.
19. No rosto de documento referido em 5. encontra-se inscrita a expressão “no seu vencimento pagará (ão) V.EXA(S) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia noventa mil euros, com a “data de emissão” de 11.07.2011 e de “vencimento” de 11.08.2011, no qual figura a Autora como sacador e “Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, Lda.”, do qual consta, encontrando-se nele aposta, de forma transversal, e no espaço reservado ao aceite de tal documento, a assinatura manuscrita do réu R… antecedida de um carimbo com a inscrição “QUALIFRUTAS, SA”. Do verso da letra consta, por quatro vezes, a expressão “Bom para aval à firma sacadora”, imediatamente seguidas, cada uma, das assinaturas manuscritas do réu (…).
20. O documento referido em 19. foi entregue à Autora.
21. O montante referido no documento referido em 19. não foi pago até à presente data.
22. O réu R… foi citado nos autos de execução referidos em 5.
23. Com o ato referido em 7., os Réus R… e M… atuaram com o propósito de frustrar os créditos detidos sobre o réu R…, tendo o ato sido praticado por forma a obstar o pagamento da dívida que pelo réu R… havia sido contraída perante a autora.
24. O preço referido em 8. é inferior ao valor de mercado do imóvel.
25. A ré “Tironeco Unipessoal, Lda” foi constituída em 22 de agosto de 2011, com o objeto de “compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis. Promoção imobiliária.
26. A ré M…, depois da celebração do negócio, manteve-se a residir na habitação.
27. A Ré M…, T… e J…. tinham conhecimento da atividade comercial do réu R….
28. A Ré M… admitiu e aceitou que as transmissões referidas em 7. a 10. visavam frustrar o ressarcimento dos débitos que o réu R… havia contraído, incluindo o da Autora, que igualmente pretenderam.
29. Com a realização de tais transmissões a ré M… sabia que o réu R… iria ficar numa situação patrimonial que não permitia a qualquer credor ver ressarcido o seu crédito, desiderato que presidiu à outorga das mesmas.
30. Os negócios referidos em 7. a 10. celebrados visaram apenas salvaguardar o património dos réus R… e M…, mantendo-o a salvo de qualquer execução que viesse a incidir sobre os seus patrimónios.
31. Tais réus tinham consciência do prejuízo que as transmissões iriam causar aos credores do réu R….
32. A ré M… sabia que o referido em 7. iria afetar direitos da autora.
33. A execução referida em 5. foi instaurada em 07.09.2011, constando do requerimento inicial que “A Exequente é titular de uma letra comercial, a qual se venceu em 2011.08.11, no valor de € 90.000,00 (noventa mil euros) e sacada a ora executada Qualifrutas, SA.”.
34. A ré foi professora, agora aposentada.
35. A faturas da autora para com a Qualifrutas, SA não estabeleciam qualquer prazo de pagamento.
36. A casa referida em 7. foi construída com recurso a um empréstimo, a 10 anos, na modalidade de crédito à habitação, contraído junto do BCP, da quantia de PTE 8.000.000,00 (€ 39.903,83).
37. D…, filho do casal R… e M…, à data, em junho de 2011, encontrava-se no 4º ano do curso de medicina.
38. Após o divórcio e partilha, a ré liquidou ao Banco Santander Totta a importância de € 39.837,83.
39. E ao BCP, juntamente com outros, a quantia de € 30.790,24 de uma dívida de € 79.652,29 já em fase de execução (Proc. n.º….);
40. No âmbito do Proc. n.º …. foi feito um acordo de pagamento em prestações.
41 No âmbito deste processo, ocorreu a penhora de parte do vencimento mensal da ré M… em 05/11/2012.
42. Em 21/02/2014, o mesmo BANIF, no âmbito do processo n.º …., penhorou, da pensão da ré M…, a importância de € 428,89.
43. Ainda, no âmbito deste processo, o BANIF bloqueou € 2.513,22 que à M… cabia a título de reembolso de IRS relativa ao ano de 2012.
44. Mediante documento escrito datado de 1 de setembro de 2011, a ré Tironeco, Lda., declarou dar de arrendamento à ré M…, que aceitou, para habitação, pelo prazo de 10 anos, com início em 1 de setembro de 2011, renovável por iguais períodos, e mediante a renda mensal de 300 euros, a casa referida em 7.
45. O valor patrimonial atualizado do imóvel passou a ser, em 2013, € 92.280,00.
46. Mediante documento escrito denominado de “Acordo de Revogação de arrendamento para Fins Habitacionais”, datado de 18 de fevereiro de 2013, A…, em representação da sociedade ré, e a ré M… acordaram revogar o contrato de arrendamento entre ambos existente, com efeitos a partir de 1 de junho de 2013.
47. Durante o período compreendido entre o momento referido em 44. o momento referido em 47., a ré M… pagou as rendas.
48. Foram creditados em conta titulada pela ré M…, por ordem da Ré Tironeco, Lda, os montantes seguidamente descriminados:
Em 05/set/11 19.990
Em 26/set/11 20.000
Em 28/out/11 32.950
Em 23/dez/11 20.000
Em 09/jan/12 17.000
Em 01/fev/12 10.600
Total 120.540
49. Do valor da compra e venda referida em 9., foi pago pelos compradores e recebido pela Tironeco – € 225.000, por depósito, e 250.000 euros em dinheiro;
50. O réu I… é cidadão russo.
51. Os réus I…. e … , fizeram obras, instalaram alarmes.
** Factos não provados
a) O crédito referido em 18. foi reconhecido no âmbito do processo de insolvência;
b) Na sequência do referido em 22. o réu R… não deduziu oposição à execução nem contestou a dívida exequenda;
c) No âmbito da ação executiva, foram efetuadas buscas pela Agente de Execução, relativamente ao património dos executados;
d) Não obstante todas as diligências encetadas no âmbito dos autos de execução, a Autora não logrou ver-se ressarcida de qualquer quantia;
e) Os réus R… e M… figuram como executados nos seguintes processos judiciais:
- no processo que sob o n.º …, corre os seus termos no 1.º Juízo no Tribunal Judicial de Santa Cruz, no valor de 6.212,58€, no qual é Exequente Banco BPI, S.A. -Sociedade Aberta;
- no processo que sob o n.º …, corre os seus termos no 2.º Juízo no Tribunal Judicial de Santa Cruz, no valor de 22.073,09€ no qual é Exequente BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A.;
- no processo que sob o n.º …, corre os seus termos no 2.º Juízo no Tribunal Judicial de Santa Cruz, no valor de € 40.971,99, no qual é Exequente o Banco BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A.;
- no processo que corre os seus termos no Tribunal Judicial do Montijo, no 3.º Juízo, sob o n.º ….., no valor de € 2.704,34, na qual figura como Autor J…., Lda.;
- num outro que corre os seus termos no Tribunal Judicial do Funchal, nas Varas de Competência Mista do Funchal, 2.ª Secção, sob o n.º …., no valor de € 81.562,65, no qual é Exequente Banco Comercial Português, S.A.;
- E, ainda, num outro, em que é Executado o 1.º Réu, que corre os seus termos neste Tribunal Judicial do Funchal, no 3º Juízo Cível, sob o n.º …., no valor de € 54.789,29, no qual é Exequente o Banco BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A.;
f) O recheio do prédio que tinha sido adjudicado à ré M… não foi transmitido à ré Tironeco, Lda.;
g) O referido em 25. foi criada com o único fim de promover a venda de imóveis do réu R… e de outros pertencentes às sociedades por aquele detidas;
h) O réu R…. sempre viveu com o seu cônjuge mesmo após a separação;
i) Do que a Autora tomou conhecimento no âmbito do processo executivo que move contra o Réu R…, mais concretamente na data em que foi realizada a diligência de penhora (em 24.04.2013), uma vez que os Réus M… e R… encontravam-se a residir nessa residência, o que faziam, à vista de todos;
j) O preço referido em 8. não foi pago;
l) A viatura mantém-se com os Réus R… e M…;
m) Os valores comerciais dos bens ascendiam, à data das transmissões, a não menos de € 615.000,00;
n) Os demais réus, para além dos referidos em 27., tinham conhecimento da atividade comercial do Réu R…., e todos os réus tinham conhecimento do estado dos seus negócios em geral, e, bem assim, da sua situação patrimonial, sabendo que as transmissões descritas visavam unicamente frustrar o ressarcimento de débitos que este havia contraído, nomeadamente o detido pela autora;
o) Todos os Réus sabiam deste plano e qual o seu escopo;
p) Todos os Réus agiram de forma concertada com o objetivo comum de que os credores do réu R… vissem os seus meios de pagamento diminuídos ou até extintos.
q) Foi verificada pela ré T… a titularidade do veículo referido em 10. em relação à ré M…;
r) A venda referida em 11. deveu-se ao facto de se ter verificado que o veículo consumia um nível de combustível insuportável para a ré T… e do facto de lhe ter nascido um filho, com as consequentes necessidades de fazer face a mais despesas;
s) Só no momento em que foi citado no âmbito da execução referida em 33. o réu R…teve conhecimento de que a letra não havia sido paga.
t) Na data referida em 7. os réus R… e M… não sabiam da instauração da execução referida em 25. para obter o pagamento da letra, que tivessem sido excluídos os demais coavalistas, que a letra se tinha vencido ou que tivesse sido apresentada a pagamento;
u) O crédito da autora sobre a insolvente Qualifrutas resulta de fornecimentos de fruta efetuados entre 2010.03.29 e 2011.07.01;
v) O aval do réu R… foi dado depois dos fornecimentos terem sido efetuados;
x) A autora sabia que na data em que o réu R… deu o seu aval à letra já não era casado, por isso não exigiu o aval da ré M…;
z) A autora sabia que o réu R… tinha dívidas quando deu o aval;
aa) A situação económica e financeira da Qualifrutas, SA era do conhecimento da autora antes de ter efetuado os fornecimentos referidos em 17.
bb) Por isso a letra foi avalizada pelos sócios e por uma das gerentes da autora;
cc) A primeira das faturas foi emitida a 06.04.2010 e a última em 22.03.2011;
dd) Durante todo esse tempo (entre 06.04.2010 e 22.03.2011) a autora nunca interrompeu os fornecimentos, não recebeu qualquer pagamento, nem pediu quaisquer garantias que assegurasse tal pagamento;
ee) Do Relatório do administrador da insolvência consta que “a Qualifrutas seria viável não fosse um arresto programado para paralisar totalmente a empresa e terminar de vez com a sua atividade…”;
ff) O réu R…, em julho de 2010, foi a única pessoa que se disponibilizou para comprar a Qualifrutas;
gg) Não foi o réu R… que preencheu ou mandou preencher a letra, nomeadamente, não foi ele que apôs a data de vencimento da mesma, que não constava do título quando o assinou como avalista;
hh) Quem preencheu o restante da letra não foi o mesmo que preencheu o campo relativo ao vencimento;
ii) O réu R… prescindiu das tornas a que tinha direito na partilha uma vez que a coré M… ficou com a responsabilidade de liquidação do passivo/responsabilidades do casal existentes à data;
jj) Fê-lo também por que a sua companheira de toda uma vida acompanhou-o no desespero que foram os últimos anos na gestão da Qualifrutas;
ll) Da Qualifrutas nada levou;
mm) O que ficou na partilha foi para pagar dívidas ao Banco decorrentes do tempo da gestão de R… e de dívidas antigas de seu filho T… em que era coavalista;
nn) Em contrapartida do facto de o réu R… ter prescindido das tornas, a ré M…, para além de suportar as despesas com a educação e sustento do filho mais novo do casal, pagou ao Banif, BCP e Banco Santander Totta, dívidas do dissolvido casal no montante de € 153.949,69;
oo) O réu R… tem penhorada parte da sua reforma ao Banif.
pp) O aval do réu R… foi obtido quando o mesmo já estava mentalmente afetado;
qq) Em junho de 2011, o réu R… entrou em esgotamento nervoso, tendo sido, mais tarde, obrigado a ficar internado por vários dias e de baixa médica por dois meses;
qr) Após o divórcio, o réu R… acabou por fixar a sua residência num apartamento, à Rua …. Funchal;
ss) O réu R… residiu na Rua…. por um período de 10 meses (entre julho de 2011 e abril de 2012) antes de se mudar definitivamente para a Ilha do Porto Santo onde reside até hoje, mais concretamente na ….;
tt) Quando o réu R… deu o aval o campo do vencimento estava em branco;
uu) Nunca foi combinado entre o réu R… e a autora o vencimento da letra;
vv) A ré M… nunca deixou de exercer em exclusividade a sua atividade de professora e não tomava nem executava deliberações como vogal do conselho de administração da Qualifrutas, SA e nunca participou na gestão de tal sociedade;
xx) A ré M… sabe que a Qualifrutas, SA foi declarada insolvente, mas nada sabe acerca da data da decisão judicial;
zz) O prédio urbano referido 36., foi adquirido em 1994, como terreno para construção;
aaa) O empréstimo bancário foi totalmente liquidado em 2003;
bbb) Os bens do casal foram adjudicados à ré M… porque o réu R… reconheceu que a ré M… nada tinha a ver com o insucesso dos negócios, como também por ficar a cargo desta as despesas com a educação do filho D…;
ccc) A ré M… já liquidou € 33.600,00 de uma dívida de € 54.600,00 relativamente ao referido em 37., e restante desta dívida tem vindo a ser paga através de prestações mensais ao longo de 2013 e 2014, faltando ainda liquidar € 25.405,2;
ddd) Falta liquidar da dívida referida em 42. € 19.000,00;
eee) Uma empresa do ramo propôs à ré M… adquirir o imóvel por € 120.000,00, 46% acima do valor patrimonial, e dá-lo de arrendamento à ré por 12 meses, tempo que a ré considerou suficiente para encontrar uma solução de residência alternativa e mais económica;
fff) Na data referida em i) a ré …. ainda estava a residir na casa referida em 7. e confirmou à agente de execução que o réu R… já não residia naquela casa;
ggg) À data já o réu R… residia na Ilha do Porto Santo, depois de entre julho de 2011 e abril de 2012, foi viver provisoriamente num apartamento à Rua …., na cidade do Funchal;
hhh) A ré … vendeu a viatura Audi 4 à T…, que tinha liquidez para pagar o preço da viatura, porque necessitava do dinheiro para pagar as suas dívidas e garantir a educação e sustento do filho …, as mesmas razões que a levaram a vender a casa;
iii) A autora não pediu o aval da ré …;
jjj) A autora tinha conhecimento que sobre o réu R… impendiam ações e execuções judiciais;
lll) A situação financeira da Qualifrutas era conhecida do mercado e da autora, que acompanhava a empresa desde a gestão da GCT entre 2009 e 2010;
mmm) A ré M… pagou as dívidas da Qualifrutas avalizadas por ela e pelo R… ao BCP e ao Banif, no total de € 158.913,69;
nnn) Só ao Banif, BCP e Banco Santander, a R…. pagou, após a partilha, dívidas do dissolvido casal um montante superior a € 153.949,69;
ooo) O réu R… residiu na Rua … por um período de 10 meses (entre julho de 2011 e abril de 2012) e atualmente na …;
ppp Foi verificada a titularidade do veículo referido em 10. em relação à ré T…, concretamente, nos serviços da conservatória do registo automóvel;
qqq) A compra efetuada em 21.03.2012 deveu-se única e exclusivamente ao facto de o réu necessitar à altura de um veículo, sendo que o mesmo correspondia às características pretendidas;
rrr) Desde o ano de 2008, o valor dos imóveis em Portugal diminuiu;
sss) A procura pelo arrendamento de imóveis aumentou;
ttt) A constituição da sociedade Tironeco visou aproveitar estas circunstâncias e a Tironeco procurava imóveis que estivessem à venda por preço atrativo, preferentemente em zonas turisticamente privilegiadas, como é o caso da ilha da Madeira;
uuu) Feita prospeção do mercado, a sociedade ré encontrou alguns imóveis à venda nestas condições e, após análise de todas as possíveis situações, optou pelo imóvel
referido em 7. por se lhe afigurar tratar-se daquele que consubstanciava melhor negócio.
vvv) Após negociações com a proprietária do imóvel, a ré M… a sociedade Tironeco, Lda. logrou acordar com aquela a venda do imóvel;
xxx) O preço foi determinado pelas condições de mercado, bem como pelo facto de a sociedade Tironeco, Lda. Ter acordado em arrendar à ré M… o imóvel adquirido;
zzz) A sociedade ré obrigou-se a arrendar o imóvel à ré M…, arcou com os respetivos custos de manutenção do imóvel que se encontrava com vários sinais de degradação e, assim, a sociedade conseguiu adquirir o imóvel por um preço mais baixo, para posterior venda;
aaaa) O referido em 49. ocorreu por acordo entre as partes, em razão da falta de liquidez imediata, à data, face ao início de atividade da sociedade ré, segundo o qual o da
transação referida em 7. seria pago de forma faseada, pelo que a ré Tironeco, Lda. pagou, €540,00 adicionais referentes a juros à taxa de 3%;
bbbb) Já à data da aquisição do imóvel identificado, a Administração Fiscal estava a avaliar os imóveis por valores superiores aos que o mercado então lhes atribuía;
cccc) O referido em 9. permitiu aos réus I… e …. a obtenção de autorização de residência permanente no nosso país pela aquisição de bem imóvel em território nacional;
dddd) O dinheiro referido em 49. era dinheiro de caixa utilizado para pagamento de dívidas relativas a despesas e investimentos devidamente contabilizados em que a sociedade incorreu;
eeee) Tendo a Tironeco declarado as mais valias inerentes ao aludido negócio;
ffff) A ré Tironeco logrou adquirir outros imóveis no Brasil, e procura igualmente desenvolver a sua atividade também em Angola desenvolvendo operações de prospeção neste mercado;
gggg) O réu I… casado com a ré … no regime de comunhão de adquiridos;
hhhh) Os réus I… e …. apenas conhecem o sócio gerente da ré Tironeco, Lda., desconhecendo os demais réus;
iiii) A partir da data referida em 9. os réus I…. e …. não mais tiveram contacto com a ré Tironeco, Lda.;
jjjj) A ré … é cidadã russa e esta e o réu I… residem em Priozersk, São Petersburgo, Federação Russa;
llll) Há cerca de 3 anos os réus …. têm viajado regularmente para a Região Autónoma da Madeira;
mmmm) Criando afetos com esta ilha e desejando adquirir uma moradia para se deslocarem à mesma mais amiúde;
nnnn) Os réus …. pretendiam, como vieram a conseguir, que lhes fosse concedida uma autorização de residência para atividade de investimento, na modalidade de aquisição de um bem imóvel no valor de 500.000€;
oooo) O réu I… efetuou diversas buscas na internet a fim de verificar a existência de uma moradia que estivesse para venda e que se coadunasse com o seu gosto;
pppp) No início de 2013, o réu I…, teve conhecimento através da internet da existência da moradia referida em 9.;
qqqq) Como não sabe falar português, nem inglês, solicitou a um amigo seu, R…K… que diligenciasse sobre as possibilidades de aquisição da moradia;
rrrr) R…K… reside nesta ilha há cerca de 14 anos e tem conhecimento do mercado imobiliário, pois já trabalhou em diversas agências imobiliárias;
ssss) R…K… diligenciou junto da ré Tironeco, Lda. sobre a viabilidade da compra, por parte do réu I…, da moradia referida em 9.;
tttt) Uma vez que a mesma se encontrava desocupada de pessoas e bens e inexistia;
uuuu) R…. K… informou o réu I… que poderia adquirir tal moradia;
vvvv) Os réus I… e …., desde que adquiriram a moradia alteraram e modificaram interiores na moradia, com o propósito de a tornarem mais confortável e condicente com os seus gostos;
xxxx) O réu I… desconhece a forma como a ré Tironeco, Lda. era proprietária da moradia;
zzzz) As obras que os réus I… e … realizaram na moradia ascenderam a 17.556,12€;
aaaaa) Os réus I… e … apenas conheceram a ré Tironeco no dia referido em 9.
** Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
De acordo com o disposto no art. 639º, nº 1, do CPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”, explicando António Abrantes Geraldes[1] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”.
O nosso sistema processual civil garante um duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão de facto e os ónus a cargo do recorrente que a impugne encontram-se enunciados no art. 640º, do CPC. No nº 1 estão especificados os ónus ditos primários, que se traduzem na indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (al. a); na concretização dos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, na sua ótica, impõem decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados (al. b); na designação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c). Já o nº 2 do mesmo preceito legal, nomeadamente, a sua alínea a), e por referência à al. b), do nº 1, enuncia o ónus denominado secundário, e que diz respeito ao modo como o recorrente deve indicar os meios probatórios em que funda a impugnação, impondo, no caso em que os meios invocados como fundamento do erro de julgamento tenham sido gravados, a indicação exata das passagens da gravação em que funda o recurso, sem prejuízo de transcrever os excertos que considere relevantes.
A propósito dos ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, salienta aquele mesmo autor, o seguinte[2]:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”.
No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 12/2023, de 17.10.2023, que a final, e sobre o ónus de que trata em concreto a al. c), do nº 1, do art. 640º, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, decidiu-se o seguinte:
“(…)
Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63).
5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.”
Deste modo, é indiscutível que os pontos concretos da matéria de facto que se pretendem impugnar devem constar obrigatoriamente das conclusões finais (ainda que imperfeitamente delimitados ou referenciados, desde que não resulte prejudicada a sua apreensão). Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2023 (proferido no processo nº 4696/15.0T8BRG.G1.S1, e acessível em www.dgsi.pt), decidiu o seguinte:
“(…) as conclusões de um recurso exercem a importante função de delimitação do objeto do seu objeto, através da identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende impugnar na decisão recorrida e sobre o qual se pretende que o tribunal superior faça uma reapreciação. O tribunal superior só aprecia o objeto definido pelas conclusões e, por isso, não tem de conhecer de uma questão, seja ela factual ou de direito, que não consta das conclusões, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso. E essa identificação não pode ser efetuada apenas por uma simples e genérica remissão para o corpo das alegações, uma vez que ela não define, com certeza qual o âmbito do recurso interposto, não cumprindo os objetivos visados com a exigência da existência de conclusões nas alegações de recurso.
(…)
Quando essa deficiência ocorre nos requisitos da impugnação da matéria de facto a sanção é aquela que está prevista no artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – rejeição imediata do recurso, sem hipóteses de correção.
Esta solução não infringe qualquer princípio constitucional, designadamente a exigência de um processo equitativo, uma vez que este modelo processual não impõe que em qualquer situação de omissão de cumprimento de determinados requisitos formais legalmente previstos não possa ser determinada a perda de um direito processual sem que seja concedida à parte uma oportunidade de suprir essa omissão, conforme tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional.
Na verdade, na definição da tramitação do processo civil, vigora uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, desde que não sejam surpreendentes, sejam funcionalmente adequadas aos fins do processo e que as preclusões que decorram do seu incumprimento não se revelam totalmente desproporcionadas à gravidade e relevância da falta”.
“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º,nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusõesdos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meiosprobatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…)
As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[3].
As conclusões da recorrente, apesar de pecarem por falta de clareza na sua exposição, identificam os seguintes pontos da matéria de facto impugnados: alíneas a), d), f), g), h), e u), da factualidade julgada como não provada. Acresce, a indicação na conclusão XXXIII, da matéria de facto que a recorrente pretende que seja aditada ao rol dos factos provados.
No corpo das alegações a recorrente manifestou intenção de impugnar a matéria julgada como não provada e descrita sob a alínea m).
Nas conclusões omitiu tal impugnação, pelo que em face do que se deixou expendido e estando o objeto do recurso delimitado pela síntese conclusiva da recorrente, rejeita-se o recurso quanto à impugnação do dito ponto da matéria de facto.
*
Sob a alínea a) resultou como não provada a seguinte factualidade: O crédito referido em 18. foi reconhecido no âmbito do processo de insolvência.
E sob o ponto 18 foi julgado como provado que: 18. No âmbito da sua atividade a Autora forneceu à sociedade “Qualifrutas-Comércio Grossista de Frutas, S.A.”, NIPC …., diversos produtos comércio, de que resultou um saldo a favor da autora de € 193.266,820, o qual nunca foi pago.
A impugnação pauliana, cujo regime decorre do disposto nos arts. 610º a 618º do Código Civil, confere ao credor “(...) a possibilidade de reagir contra actos praticados pelo devedor, que inconvenientemente diminuam o activo ou aumentem o passivo do património deste”.[4]
Respondendo o património do devedor perante o credor, pelo cumprimento das obrigações, podem ocorrer situações em que um devedor, com o objetivo de frustrar a garantia geral do credor, faça desaparecer do seu património os bens necessários a garantir a satisfação total do crédito do credor.
A impugnação pauliana é um “meio de tutela da expectativa do credor poder executar o património do devedor, para satisfação do seu direito de crédito”[5]
A procedência da ação pauliana exige a verificação simultânea dos requisitos mencionados nos arts. 610º a 612º, do CPC, sintetizados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de outubro de 2009 (cujo texto integral está acessível no sítio da internet www.dgsi.pt), a saber:
“a) realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal;
b) que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
c) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente;
d) que resulte do acto a impossibilidade do credor obter a satisfação integral do crédito ou agravamento dessa impossibilidade”.
Ora, a satisfação do crédito que a Autora e recorrente se propõe obter com a procedência da presente impugnação pauliana, é aquele que identificou na petição inicial (cf. arts. 27º e 28º da petição inicial: 27. É inequívoco o valor do crédito pertencente à Autora, que se cifra em € 99.932,05; 28. E que o mesmo é anterior à outorga da escritura de partilha a que se alude no ponto 14), e relativamente ao qual e com vista à sua cobrança coerciva intentou já a competente ação executiva, visando, com a procedência da presente ação, vir a executar bens que já se encontram na esfera patrimonial de terceiros na sequência do ato aqui impugnado.
No articulado superveniente apresentado em 21/10/2021, a Autora/recorrente veio pedir que fosse atualizado o valor do crédito em conformidade com o que foi decidido em incidente de qualificação de insolvência (ver pontos 15 e 16 dos factos provados). A Autora não alegou, porém, quaisquer outros factos, designadamente, que o ato aqui impugnado (partilha) tenha sido praticado com o intuito de visar impedir a satisfação do direito emergente da decisão aí proferida.
No ponto 5 da matéria de facto provada, está já assente o seguinte: Em 31-10-2011, “Hortafina – Produção Hortícola, Lda” dirigiu ao processo executivo n.º …. pendente no Tribunal Judicial de Torres Vedras, em que figurava como executada a Qualifrutas, S. A. um requerimento executivo para cumulação sucessiva de execuções dirigido contra R… e M…, tendo por título executivo uma letra, com data de emissão de 11-07-2011, no valor de € 90 000,00, com data de vencimento de 11-08-2011, em que figura como sacador Hortafina, Lda. e como sacada “Qualifrutas – Comércio Grossista de Frutas, S. A.”, avalizada, entre outros, por R….
Conjuntamente com esta factualidade, cabe ter ainda em consideração aquela que ficou demonstrada sob os pontos nºs 19 a 22.
Este conjunto de factos permite aferir sobre a existência do crédito da Autora reclamado na petição inicial e a data da sua constituição, o que significa que a matéria descrita sob a alínea a) dos factos não provados e que a recorrente pretendia ver aditada ao rol dos factos provados, é inócua à apreciação do mérito da causa.
Deste modo, uma eventual alteração daquele facto nos termos pugnados pela recorrente não se repercutiria na reapreciação da decisão de mérito, e, deste modo, o conhecimento da impugnação referente à sobredita alínea a) dos factos não provados sempre redundaria na prática de um ato inútil, que a lei processual civil qualifica como ilícito (cf. art. 130º, do CPC).
“(…) A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que nada impede o Tribunal da Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil. Assim, “Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (…) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (…)”. Na verdade, “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância””[6].
Neste mesmo sentido, aponta-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2023, relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Belo Morgado, igualmente acessível em www.dgsi.pt, em cujo sumário, e com interesse para os autos, lemos o seguinte:
“(…)
III- Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. IV- De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte. V- Deste modo, o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio. VI- Na parte em que na revista se visa (em última análise) que a Relação adite à matéria de facto determinados pontos que são insuscetíveis de influir na decisão da causa (à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito), o recurso é inútil, o que obsta ao conhecimento do respetivo objeto.”
Pelo exposto, não se conhece da impugnação da decisão relativa à matéria de facto no que tange ao ponto atrás assinalado.
*
Sob a alínea d) foi julgado como não provado o seguinte facto: Não obstante todas as diligências encetadas no âmbito dos autos de execução, a Autora não logrou ver-se ressarcida de qualquer quantia.
A Autora/recorrente pretende que tal factualidade seja dada como provada.
Ora, tendo por referência os factos provados sob os nºs 19 a 23, é manifesto estarmos de novo perante matéria que em nada releva para a reapreciação do mérito da decisão, pelo que pelos mesmos fundamentos acabados de referenciar, decide-se não conhecer da impugnação que incide sobre aquela matéria factual.
*
No ponto X das conclusões, a recorrente diz o seguinte: “Quanto ao ponto F) dos factos dados como não provados novamente não se percebe que não tenha sido dado como provado este documento.”
Não é clara a redação desta conclusão, considerando que do facto que concretamente ficou descrito sob a alínea f) do rol dos factos não provados, não consta a referência a qualquer documento.
Consta da dita alínea f), o seguinte: o recheio do prédio que tinha sido adjudicado à ré M… não foi transmitido à ré Tironeco, Lda.
Cotejando aquela conclusão com o que a recorrente deixou escrito no corpo das alegações (“26. Ora se apenas temos uma escritura de compra e venda melhor descrita no ponto 8 dos factos dados como provados e se a mesma não inclui o recheio é por que o mesmo não foi transmitido; 27. O mesmo, isto é, o recheio do imóvel figurou como figura na posse da recorrida M….”), concluímos que o documento que a recorrente pretenderia que ficasse demonstrado, é a escritura de compra e venda expressamente referenciada no ponto 8 dos factos provados, que tem o seguinte teor:
- Com data de 29 de agosto de 2011, foi lavrada escritura de compra e venda a folhas 6 a 7 verso do Livro n.º …. do Cartório Notarial do Notário … mediante a qual M…, como primeiro outorgante, declarou vender à sociedade “Tironeco –Unipessoal, Lda.”, pelo preço de cento e vinte mil euros, já recebido, o prédio urbano identificado em 7., destinando-se a revenda.
Tendo por base este facto, é manifesto que o documento que o fundamenta sempre poderá ser utilizado pelo julgador no âmbito do julgamento de direito, face ao disposto no art. 607º, nº 4, in fine, do CPC, pelo que sempre se revelaria inócuo dar como provado o teor integral do documento, como aparenta querer a recorrente. E dizemos que é essa a sua intenção aparente, porque não existe consentaneidade entre o que diz nas conclusões e no corpo das alegações sobre a decisão que a seu ver deve ser proferida sobre o facto contido na dita alínea f), já que naquela sede parece querer que o facto seja dado como provado.
Ora, sendo esta a sua real intenção, o meio probatório em que sustenta a decisão por que pugna, não é idóneo e/ou suficiente para a demonstrar. A transmissão de bens móveis não carece de ser feita por documento escrito e, muito menos, por documento autêntico. Por seu turno, e como é consabido, a transmissão de um imóvel não acarreta, de per si, a transmissão do seu eventual recheio, pelo que do “silêncio” do documento acerca de tal tipo de bens e na ausência de qualquer outro meio probatório (em 1ª instância o facto foi julgado como não provado por ausência de meio probatório suscetível de o evidenciar, conforme parágrafo final da motivação da decisão de facto), nunca poderia ter-se como provada a dita matéria factual.
Improcede, assim, e nesta parte, a impugnação.
*
Sob a alínea g) foi dada como não provada a seguinte matéria: O referido em 25. foi criada com o único fim de promover a venda de imóveis do réu R… e de outros pertencentes às sociedades por aquele detidas.
Está provado sob o nº 25, que:
- A ré “Tironeco Unipessoal, Lda” foi constituída em 22 de agosto de 2011, com o objeto de “compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis. Promoção imobiliária.
A recorrente pugna que o facto impugnado seja dado como provado, alicerçando-se, para tanto, na prova documental que especifica: contrato de constituição da 3ª Ré; escritura pública de compra e venda do imóvel e já acima referenciada; e comunicação remetida pelo Banco Santander Totta, datada de 06-06-2016, no que se reporta aos extratos bancários, de 01-05-2013 a 31-12- 2013, de cuja análise conjunta conclui que aquela empresa não tem qualquer atividade, o que reforça com o depoimento de parte do legal representante da 3ª Ré, A… (a referência ao legal representante do 1º e 2º Réus constitui, manifestamente, um lapso de escrita, dado tratarem-se de pessoas singulares e não terem prestado depoimento de parte por se terem recusado a fazê-lo, como resulta da sessão da audiência de julgamento a que respetivamente comparecerem), com os depoimentos de parte dos 4º e 5º Réus, e com o testemunho de R…K….
No que diz respeito às declarações dos depoentes e às declarações daquela testemunha, a recorrente cumpriu de forma deficiente o ónus que sobre si recaía e que se encontra previsto na alínea a), do nº 2, do art. 640º, do CPC, já que não identificou com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, nomeadamente, por referência aos ficheiros informáticos em que se encontram gravadas, para além de que não procedeu à transcrição dos excertos das declarações consideradas relevantes, não podendo aceitar-se como transcrição a reprodução de frases colocadas entre aspas, como constituindo respostas a questões que não estão transcritas, ou os “resumos livres” efetuados pela recorrente quanto ao contexto em que as frases descritas foram proferidas, acrescendo que o que está escrito entre aspas nem sempre coincide integralmente com aquilo que foi efetivamente dito pelos depoentes, o que concluímos depois de termos procedido à audição integral dos depoimentos respetivos. Além disto, a recorrente tece considerações fundadas em “factos” que traz ao presente recurso e que não estão demonstrados, assim como tece considerações sobre atos/práticas processuais ocorridas nos autos, sem valor probatório e, que, nessa medida, não poderão relevar no âmbito da reapreciação da dita decisão de facto.
Pese embora as deficiências apontadas, o tribunal ouviu os depoimentos de A…, dos 4º e 5º Réus, e da sobredita testemunha, em ordem a identificar as passagens da gravação em que a recorrente funda o seu recurso, pelo que se decide apreciar a impugnação do sobredito facto.
De acordo com o disposto no art. 662º, nº 1, do CPC, a “…Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Não obstante estar garantido um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não compete à Relação proceder a um segundo julgamento, competindo-lhe apenas reapreciar os pontos de facto que deverão ser enunciados pela(s) parte(s), mantendo-se em vigor na instância de recurso o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 607º, nº 5, do Código de Processo Civil segundo o qual, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
O julgador é livre na apreciação das provas, mas liberdade não é sinónimo de arbitrariedade. A liberdade está “..vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no probatório” (vide sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1/10/2008, processo nº 3/07.4GAVGS.C2, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt.).
A fundamentação, e nomeadamente a decisão de facto constitui uma parte crucial da decisão, pois é através dela “(…) que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório”[7].
Exige-se, por isso do julgador, e desde logo em 1ª instância, onde estão plenamente presentes os princípios da imediação, da oralidade, e da concentração – princípios limitados na instância de recurso -, que exponha as razões da sua convicção.
Fundamentar uma decisão relativamente a cada facto concreto (ou com referência a um conjunto de factos, desde que entre eles exista qualquer conexão), significa expor as razões que conduziram à decisão de julgar como provado ou não provado, respetivamente, um facto ou conjunto de factos, de tal modo que em função da consistência da argumentação apresentada pelo julgador seja possível, em termos objetivos, aceitar a decisão como razoável. O julgador tem de fazer a análise crítica da prova, o que significa que tem não só de indicar os meios de prova produzidos e em que funda a decisão, mas, sobretudo, e necessariamente, explicar as razões que o levaram a conferir mais credibilidade a umas provas do que a outras, de modo a que seja possível entender a razão pela qual julgou como provados determinados factos e como não provados outros.
No que diz respeito à prova testemunhal, com referência aos factos sobre que depôs cada testemunha, o julgador deve dar a conhecer os motivos por que julgou credível o seu testemunho, conjugando-o e analisando-o conjunta e criticamente com os depoimentos de outras testemunhas que tinham conhecimento sobre o mesmo facto ou conjunto de factos, ou com outras provas que tenham sido apresentadas, designadamente, com prova documental, que sempre que seja usada para firmar a convicção do tribunal, deve também ser não só concretamente indicada, como explicada, de modo a perceber-se como é que determinado documento, por si, ou conjugado com a prova testemunhal (ou outra prova) permite confirmar, ou não, determinado facto ou factos.
“(…) tendo presente o alcance da exigência legal ínsita no n.º4 do artigo 607.º do CPC, não pode deixar de se entender que a “fundamentação suficiente” se consubstancia na indicação do fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção[4] por forma a que se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado(..)”.
A impugnação da decisão de facto tem como ponto de partida a fundamentação de facto da 1.ª instância, pois será sobre tal decisão que o Tribunal da Relação terá de aferir se ocorreu qualquer erro na formação da convicção do julgador ou se, pelo contrário, em face da exposição de motivos, se pode concluir pela razoabilidade da sua convicção, quando analisada e avaliada à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência de vida.
Deste modo, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo tribunal de recurso quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando seja possível formar uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto.
Na instância recursiva e ainda em obediência ao sobredito princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal pode socorrer-se de todos os meios probatórios constantes dos autos, e, se necessário, recorrer a presunções judiciais, e caso venha a proceder à alteração de qualquer facto terá de aferir sobre a necessidade de alterar outro ou outros factos concretos, que não obstante não tenham sido objeto de impugnação, exijam também alteração em consequência e por força das alterações introduzidas na matéria de facto que tinha sido objeto de impugnação.
Em 1ª instância, a referida matéria (conjugação do facto provado em 25, com a matéria não demonstrada e descrita na alínea g) foi assim motivada:
“(… Fundou também o tribunal a respetiva convicção nos depoimentos de parte dos réus I…, M….P…. e A…, gerente da ré Tironeco, Lda. e pai do genro do réu R…, os quais nenhuma matéria que lhes foi questionada reconheceram, admitiram ou confessaram (…) fls. 651 verso a 732 (alínea g) da fundamentação de facto, sendo que o documento não se mostra suficiente para demonstrar tal materialidade (…)”.
Os documentos concretamente identificados pela recorrente (a alusão no âmbito da impugnação do ponto factual em crise, à existência de “vasta documentação” que determinaria a prolação de uma decisão diversa sobre o facto, redunda em incumprimento do ónus previsto na al. b). do nº 1, do art. 640º, do CPC) quando analisados crítica e conjugadamente e à luz das regras da experiência, não permitem ter como verificada a veracidade do facto. A escritura de constituição da sociedade revela o fim para que foi constituída (finalidade genérica, sem referência a bens em concreto); a escritura pública de compra e venda do imóvel identificado nos autos comprova a efetivação da venda dum único bem imóvel que foi propriedade dos 1º e 2º Réus e a documentação bancária nada permite concluir sobre a finalidade da constituição da sociedade, ora 3ª Ré, nomeadamente (e é disso de que trata o facto em causa), se a mesma foi constituída para promoção da venda de imóveis do 1º Réu (para além do que foi objeto de venda e de que foi proprietário, não foram identificados outros), e/ou de outros pertencentes a sociedades por aquele “detidas”, que também não vêm expressamente identificado(a)s (quer as sociedades de que seria legal representante, quer os bens pertencentes a tais sociedades), sendo que, nesta última parte, sempre se trataria de matéria sem relevância para os autos, por se tratar de imóveis pertencentes a terceiros. Por seu turno, o legal representante da sociedade, e 3ª Ré, não confessou o facto em questão, como assinalado em 1ª instância, tendo-se limitado, no geral, a dizer que não se recordava dos factos sobre que foi questionado, sendo que para além da venda comprovada nos autos não foi questionado sobre outros imóveis eventualmente pertencentes ao 1º Réu e relativamente aos quais tivesse sido equacionada a possibilidade de venda, como se extrai das gravações correspondentes aos “tempos de gravação assinalados nos autos”.
Como salientado em 1ª instância, os 4º e 5º Réus também não confessaram a factualidade em questão e revelaram não possuir qualquer conhecimento sobre o processo intencional subjacente à constituição da sociedade e ora 3ª Ré, o mesmo sucedendo relativamente à testemunha supra identificada, reiterando-se que o facto em questão diz respeito à constituição da sociedade com o único fim de proceder à venda de uma alegada pluralidade de imóveis, de que seria proprietário o 1º Réu e sociedades(s) de que o mesmo seria legal representante – tal como foi alegado na petição inicial – não versando o facto sobre realidade distinta e autonomizada pela própria Autora, como se extrai da pretensão aqui formulada de pretender ver aditado à matéria de facto provada o seguinte facto: A sociedade Tironeco, Unipessoal, Lda., foi constituída com o único propósito da realização do negócio de compra e venda do imóvel objeto dos presentes autos.
Em face do exposto, improcede a impugnação no que diz respeito ao ponto g) da matéria de facto não provada.
*
Ainda com base naqueles mesmo meios probatórios, a recorrente pede que seja dada como provada a matéria factual julgada como não provada e descrita sob a alínea h): O réu R… sempre viveu com o seu cônjuge mesmo após a separação.
Trata-se de matéria alegada no art. 45º da petição inicial.
Os documentos acima referenciados em nada relevam para a matéria em causa.
O depoimento de A… não incidiu sobre a matéria de facto contida naquele artigo da petição inicial, como se alcança da sessão de julgamento realizada no dia 8 de novembro de 2024 (cf. ata respetiva).
Já relativamente aos restantes Réus, que foram admitidos a depor sobre toda a matéria daquele mesmo articulado, não ocorreu confissão da dita factualidade (cf. ata da sessão de julgamento realizada em 8 de novembro de 2023), como se extrai inequivocamente dos respetivos depoimentos, que ouvimos, atenta a deficiência apontada ao cumprimento do ónus previsto no art. 640º, nº 2, al. b), do CPC.
De igual modo, a testemunha R…K… revelou não ter conhecimento direto sobre matéria atinente ao foro pessoal dos 1º e 2º Réus, sendo exemplo disso as passagens da gravação referenciadas pela recorrente.
Improcede, assim, e também nesta parte, a impugnação.
*
Na conclusão XXXI, e em consonância com o que deixou referido nas alegações, diz a recorrente: “Deveria ter sido face à documentação agora alegada o ponto U dos factos dados como não provados.”
Podemos depreender que pretende que o facto que foi julgado como não provado e que está descrito sob a alínea u), seja dado como provado?
O dito facto tem o seguinte teor: o crédito da autora sobre a insolvente Qualifrutas resulta de fornecimentos de fruta efetuados entre 2010.03.29 e 2011.07.01.
A eventual prova de tal matéria não teria qualquer repercussão na análise jurídica da causa, considerando a respetiva causa de pedir e os pedidos que nela são fundados, pelo que o conhecimento da impugnação traduziria mais uma vez um ato inútil, cuja prática a lei não admite, pelo que pelos mesmos fundamentos atrás aduzidos, não se conhece da impugnação da dita matéria factual.
*
Nas conclusões XXIX e XXX, diz a recorrente:
“XXIX. Deveria ter sido dado como prova atenta a prova produzido que o 1º, 2º, 3, 6 e 7º réus sabiam deste plano e qual o seu escopo.
“XXX. O 1º, 2º, 3, 6 e 7º réus agiram de forma concertada com o objetivo comum de que os credores do réu R… vissem os seus meios de pagamento diminuídos ou até extintos”
O que pretende a recorrente, na realidade, com estas afirmações, nomeadamente com a primeira, que enferma de notórias deficiências de redação? Impugnar o facto julgado como não provado sob a alínea o), o qual tem a seguinte redação: Todos os réus sabiam deste plano e qual o seu Escopo.
Não se nos afigura que assim se possa concluir, uma vez que tal matéria está estritamente conexionada com a descrita no ponto n), dos factos julgados igualmente como não demonstrados, e que não foi objeto de impugnação.
O ponto XXX da síntese conclusiva não coincide, por outro lado, com a factualidade julgada como não provada sob a alínea p), pelo que, sem mais, não pode concluir-se que foi intenção da recorrente impugnar aquele ponto concreto da matéria de facto, também estritamente conexo com o descrito na alínea n) que, reitera-se, não foi objeto de impugnação.
Acresce, por seu turno, que ainda que se entendesse que a recorrente impugnou parcialmente cada um daqueles factos, certo é que não especificou a decisão que em concreto deveria ser proferida relativamente a cada um deles (art. 640º, nº 1, al. c), do CPC), como não indicou, também quanto a qualquer deles, e nomeadamente, no corpo das alegações, os concretos meios de prova que conduziriam a decisão diversa da recorrida (art. 640º, nº 1, al. b), do CPC).
Deste modo, salvaguardando-se a hipótese de a recorrente ter pretendido impugnar a dita matéria de facto, sempre seria de rejeitar a impugnação, por falta de observância dos ónus apontados.
*
Finalmente, a recorrente pede o aditamento da seguinte factualidade ao rol dos factos provados: i. A sociedade Tironeco, Unipessoal, Lda., foi constituída com o único propósito da realização do negócio de compra e venda do imóvel objeto dos presentes autos. ii.O Réu R… estabeleceu as condições do negócio de compra e venda realizado entre a 3º ré e o 4º e 5º réus. iii. O legal representante da sociedade e 3ª Ré era um mero gerente de direito, apensa agindo de acordo com as ordens do 1º réu. iv. O 1º Réu contratou o advogado do 7º Réu de forma a poder eximir ao pagamento perante a aqui autora.
Da leitura da petição inicial resulta que a recorrente não alegou a matéria que agora pretende ver aditada ao rol dos factos provados.
Sob o art. 42º da petição inicial alegou o seguinte: “Tendo sido tal sociedade criada com o único fim de promover a venda de imóveis do 1.º Réu e, bem assim, de outros pertencentes às sociedades por aquele detidas”.
Trata-se de matéria que foi objeto de impugnação, e que já foi apreciada e decidida.
O facto descrito em i., embora apresente verosimilhança com o que foi oportunamente alegado, é distinto.
Os restantes, como se disse, também não foram alegados.
Dispõe o art. 5º, do CPC: “1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2023, já acima referenciado, decidiu em conformidade com a síntese feita no respetivo sumário, nomeadamente, e na parte que ora importa considerar, nos seus pontos I, e II:
“I- O julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes, nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC [sem prejuízo das circunstâncias particulares contempladas nas alíneas a) a c) deste mesmo nº 2].
II- Se determinados pontos não foram alegados pelas partes, nem constam do elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença da primeira instância, eles são insuscetíveis de constituir o objeto de impugnação da decisão de facto dirigida a aditá-los à factualidade provada.”
Admitindo-se a possibilidade de a sobredita factualidade poder qualificar-se como complementar da que que foi concretamente alegada na petição inicial, poderia ter sido considerada em 1ª instância em resultado da instrução da causa, desde que a parte a quem interessasse tal matéria tivesse manifestado a vontade de dela se aproveitar e tivesse sido conferido o direito ao contraditório, tudo isto sem prejuízo de o próprio tribunal, oficiosamente, e no decurso da discussão, poder ter manifestado a intenção de aproveitar tal factualidade, ter comunicado às partes tal intenção e conferido o direito ao contraditório, após o que teria de ter-se pronunciado sobre cada um dos factos, julgando-os como provados ou não provados em função da prova que sobre os mesmos tivesse sido produzida.
Neste sentido, entre outros, a título meramente exemplificativo, aponta-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de janeiro de 2025, proferido no processo nº 6578/23.3T8VNG.P1, acessível em www.dgsi.pt, e em cujo sumário lemos o seguinte:
“I - Os factos essenciais são os que integram a causa de pedir, (isto é, aqueles em que se baseia a pretensão do A. deduzida judicialmente; concretizando e densificando a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida) ou aqueles que integram as exceções materiais opostas à pretensão do autor e, devem ser alegados pelas partes e, só por estas,(nos termos do art. 5.º/1 do CPC).
II - São ainda essenciais, os factos que sejam complemento ou concretização da causa de pedir/exceção embora não façam parte do núcleo fundamental da situação jurídica alegada nos articulados (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC).
III - Ao tribunal não é licito conhecer de factos essenciais que pelas partes não hajam sido alegados (salvo as exceções previstas nos artigos 412º e 612º, do Código de Processo Civil) sem prejuízo, porém, de no que respeita aos “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, resultantes da instrução da causa se admitir que o juiz possa deles conhecer oficiosamente, desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o devido contraditório (atento o disposto nos art. 3.º/3 e 5.º/2/b) do CPC), ou seja, desde que o juiz anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” (previsto no art. 5.º/2/b) do CPC) de ampliação da matéria de facto.
(…)”.
No caso, analisadas as atas respeitantes à audiência de julgamento, é patente que não foi acionado o referido procedimento legal. A Autora e ora recorrente não manifestou vontade de pretender beneficiar dos ditos factos e não ocorreu o contraditório sobre tal matéria, que não foi incluída na fundamentação de facto; por seu turno, o tribunal também não tomou oficiosamente qualquer iniciativa com o fito de vir a considerar a dita matéria na decisão e a mesma, reitera-se, não foi efetivamente ponderada aquando da decisão de facto. Consequentemente, não pode o tribunal de recurso conhecer da impugnação que tem por objetivo o aditamento da dita matéria de facto, que consubstancia matéria nova.
Neste sentido, entre outros, vejam-se os seguintes arestos, acessíveis em www.dgsi.pt
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/12/203, proferido no processo nº 2017/11.0TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, e em cujo sumário lemos o seguinte:
“I. A possibilidade de serem considerados factos não alegados pelas partes que resultaram da instrução da causa, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, exige que ambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles.
II. Essa possibilidade só pode ser proporcionada se o tribunal, antes de proferir a sentença, sinalizar às partes os factos que, apesar de não terem sido por elas alegados, se evidenciaram na instrução da causa e sejam relevantes para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobre eles e concedendo-lhes prazo para indicarem os meios de prova que pretendam produzir, relativamente aos factos aditados ao objeto do litígio.
(…)”
Pelo exposto, improcede também nesta parte a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Consequentemente, para além dos factos descritos no relatório, os factos a ponderar para reapreciação do recurso no plano do direito, são os que foram fixados em 1ª instância.
Fundamentação de Direito
Diz a recorrente nas suas conclusões:
“107. (…) afigura-se que a presente ação deveria ter sido julgado procedente quanto ao imóvel partilhado não só contra a 2º ré mas igualmente contra a sociedade 3º ré.
108. Que foi apenas meramente uma sociedade veículo.
109. Atento ao facto do 4º e 5º réus estão de boa fé teremos de aplicar aqui o artigo 616º/2 do C.C.
110. Conforme prevê o artigo 616º/2 do C.C:O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado
111. A perícia indica que o valor do imóvel ascendia à data da 2º transmissão ascende a 352.875.98€ sendo esse o valor global do prejuízo da recorrente, na medida em que se viu impedida de penhorar e alinear esse bem.
112. O valor do crédito reconhecido ao aqui recorrente em sede de incidente de liquidação de sentença ascende a 315.722,56€
113. Pelo que, a indemnização a ser fixada deverá corresponde ao valor do crédito da aqui recorrente na medida em que o mesmo é abaixo do valor da perícia.
114. Toda a atuação do cérebro do 1º Réu visa defraudar a hipótese da aqui recorrente ser ressarcida do seu crédito.
115. Ao agir como agiu o tribunal ad quo violou o estatuído no artigo 616º/2 do C.C., artigo 411º do C.P.C.
(…)
117. Devendo ao invés do que sucedeu o 2º e 3º réus serem condenados pagar à recorrente o montante de 315.722,56€ a título indemnizatório.”
A matéria de facto fixada em 1ª instância não sofreu alterações em consequência da impugnação da recorrente, pelo que relativamente à pretendida responsabilidade da 3ª Ré, sufragamos o que foi decidido em 1ª instância, e que, nessa medida, se passa a transcrever:
“(…)
Não será despiciendo referir que a partilha da comunhão conjugal é um ato que, para efeitos de impugnação pauliana, deve ser reputado como oneroso.
Os negócios onerosos pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, existindo, segundo a perspetiva destas, um nexo ou relação sinalagmática entre as referidas atribuições patrimoniais, enquanto que os negócios gratuitos se caracterizam, ao invés, pela intervenção de uma intenção liberal, em que uma das partes tem por objetivo, devidamente, manifestado, efetuar uma atribuição patrimonial a favor de outra, sem contrapartida ou correspetivo, o que nem sempre significará altruísmo ou generosidade (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., 2005, 400 e 401 e nota (495).
E a partilha é um ato de divisão modificativo de direitos, em que se opera uma transformação de que resulta a cedência, por cada um dos condividentes, de um direito indiviso sobre uma totalidade que têm em relação aos bens em geral, em troca do direito exclusivo sobre uma parte daqueles que lhe são assinados, correspondendo à saída de um direito a entrada de um outro, na esfera jurídica de todos os participantes, devendo, portanto, ser considerada como um ato, a título oneroso (VAZ SERRA, Responsabilidade Patrimonial, BMJ nº 75, 248; e RLJ, Ano 102º, 7 e 8; JOÃO CURA MARIANO, Impugnação Pauliana, 2ª ed., revista e aumentada, 2008, 222; ANDREA MORA, Il Contratto Divisione, 238 a 241 e 403 a 406).
Assim sendo, carece a autora, credora, de fazer prova da má fé, quer do devedor, quer do terceiro.
A lei não exige, quanto à má-fé, a concertação do devedor e do terceiro para atentar contra o direito do credor, bastando para esse fim que tenham agido com consciência do prejuízo que o ato causa ao credor.
Para tanto basta a negligência consciente, não se exigindo a intenção fraudulenta.
ALMEIDA COSTA (Direito das Obrigações, 12ª ed., 2016, p. 866) explicita o teor do artigo 612º, nº2, do Código Civil nos seguintes termos: "Não se reclama, deste modo, a intenção de prejudicar ou o conhecimento da insolvência do devedor.
Trata-se de fórmulas que correspondem a realidades diversas. Repare-se que pode existir a consciência do prejuízo que o ato causa aos credores, sendo o mesmo realizado, todavia, sem o intuito de lhes produzir dano; assim como essa consciência do prejuízo não pressupõe, necessariamente que se reconheça ou exista a situação patrimonial deficitária do devedor, e vice-versa."
ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA (Código Civil Anotado, p. 629), entendem que a consciência do prejuízo consiste na “(...) consciência de que o ato de alienação e o subsequente esbanjamento do preço recebido prejudicam o credor. (...)”
Pode dizer-se que o conceito adotado representa uma solução intermédia entre o antigo conceito psicológico do conhecimento da insolvência e o requisito bem mais apertado da intenção de prejudicar (animus nocendi) os credores”.
Para efeitos de impugnação pauliana, o conceito de má fé é de natureza psicológica, não se exigindo a intenção, o propósito ou a vontade de prejudicar os credores (dolo direto), bastando apenas a consciência, a representação do prejuízo que o negócio causa ao credor (dolo necessário) - cff. Acórdãos do STJ de 6.12.2001, de 6.11.2003, de 25.3.2004, todos acessíveis em www.dgsi.jstj/pt, de 9.12.2004, CJA cSTJ 2004 – III, pg. 134.
Refere CURA MARIANO (Impugnação Pauliana, 2004, p. 191, que “(…) a má fé é a consciência de que o ato em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade. Tendo os outorgantes representando atempadamente as consequências danosas do seu ato, têm a possibilidade de o omitir, pelo que, se nele insistem, apesar desse conhecimento, esta sua atitude é eticamente censurável e por isso considerada de má fé.
Pelo contrário, quando o ato é gratuito a impugnação procede ainda que o devedor e o terceiro ajam de boa fé (segunda parte do nº 1 do artigo 612º do Código Civil).
Esta diversidade de regime decorre da consideração de que, sendo o ato gratuito, há sempre prejuízo injustificável para o credor pois quem procura interesses (certat de lucro capiendo) deve ceder a quem procura evitar prejuízos (certat de damno vitando).
Ora, analisando a factualidade provada, designadamente a descrita nos pontos 7., 23. e 28. a 32. dos factos provados, à luz do que ficou dito, impõe-se a conclusão de que se verifica também o requisito da má fé da ação de impugnação pauliana relativamente ao ato de partilha referido no ponto 7. da fundamentação de facto.
(…)
Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (artigo 616º, n.º 1 do Código Civil).
Com a presente ação pretende a autora exercer o direito de impugnação pauliana em relação a atos subsequentes de transmissão, por um lado, do prédio partilhado, concretamente, no que concerne ao negócio formalizado em 29 de agosto de 2011, por escritura de compra e venda a folhas 6 a 7 verso do Livro n.º 233-A do Cartório Notarial do Notário Ernesto C. Santos (…).
Neste domínio, o artigo 613.º do Código Civil estabelece o seguinte:
1. Para que a impugnação proceda contra as transmissões posteriores, é necessário:
a) Que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores;
b) Que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso;
2. O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à constituição de direitos sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro.
Deste modo, a lei permite o recurso à impugnação pauliana em caso de transmissões posteriores ou constituição de direitos sobre os bens transmitidos pelo devedor «desde que verificados os requisitos estabelecidos nos artigos 610º e 612º, relativamente à primeira transmissão, e o requisito da má fé, tal como enunciado no artigo 612º, relativamente às transmissões posteriores dos bens por efeito de ato oneroso.
Neste caso, o requisito da má fé deverá observar-se tanto na pessoa do alienante ou constituinte do direito como do subadquirente ou beneficiário do direito em cada uma das transmissões.
Em caso de uma sucessão de transmissões, a possibilidade de o credor poder executar o bem no património do subadquirente ou beneficiário depende da existência de uma sequência ininterrupta de transmissões impugnáveis nos termos referidos.
No caso em apreciação, resulta do que ficou dito que, relativamente à primeira transmissão de ambos os bens (partilha), se verificam os requisitos da impugnabilidade.
(…)
Já no que concerne ao prédio partilhado, tendo estado em causa, indubitavelmente, atos onerosos (pontos 8. e 9. Dos factos provados), da factualidade apurada descrita na fundamentação de facto, não se mostra possível retirar que os posteriores adquirentes, quais sejam, a ré Tironeco, Lda. e os réus I… e …., tenham agido de má fé, nos termos que ficaram definidos.
Com efeito, percorrendo toda a factualidade provada, conjugando-a ou mesmo procurando dela recolher elementos que, eventualmente, a mesma diretamente não espelhe, não se vislumbra sequer razoável qualquer conclusão no sentido da aludida má fé daqueles adquirentes.
Nesta sequência, não poderão considerar-se preenchidos todos os requisitos da impugnação das transmissões do prédio posteriores à primeira, fica vedada à autora a execução do bem no património dos subadquirentes, no caso, os réus …..”
Improcede, por conseguinte, a pretensão formulada pela recorrente nas conclusões 107 e 108.
No que diz respeito ao valor a atribuir à autora nos termos e ao abrigo do disposto no art. 616º, nº 2, do CC, diz-se na sentença recorrida, o seguinte:
“O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor.
Este dispositivo dirige-se aos casos em que o ato impugnado se traduz na alienação de bens do património garante. Nestas situações os bens alienados pelo devedor podem já não existir, por terem perecido, podem ter-se diluído no novo património (v.g. dinheiro), ou podem ter ingressado em património imune à impugnação pauliana, por terem sido sub-alienados onerosamente a terceiro de boa-fé.
No caso decidendi está em discussão a alienação posterior do prédio e ingresso do mesmo em património imune à impugnação pauliana, estando, como resulta do que se disse, a ré M… ciente de que o esse ato podia dificultar ou impedir a realização do crédito da autora.
Ora, comprovada a má-fé da ré M… na alienação do imóvel a terceiros, torna-se a mesma responsável pelo valor do bem alienado (que, à data, seria, pelo menos, 120.000 euros, montante do preço da compra e venda – ponto 8. dos factos provados) para satisfação do crédito do autora, mas limitado ao crédito peticionado pela autora e que constituiu fundamento da impugnação do ato (90.000 euros (artigo 616º nº 2 do Código Civil).”
A propósito da responsabilidade do alienante de má fé, nos termos e para os fins do disposto no art. 616º, nº 2, do CC, o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido em 9 de maio de 2024, no âmbito do processo nº 755/22.1T8PVZ.P1S1, decidiu que, “(…) comprovada a má-fé da R naquela alienação do imóvel a terceiros, torna-se responsável pela satisfação do crédito do A, na medida do valor, individualmente recebido (€160.500,00), mas limitado ao crédito peticionado pelo mesmo A (€ 89.231,18) – artº 616º nº 2 do CC”.
A decisão recorrida vai neste mesmo sentido, porém, temos de discordar quando nela se diz que o crédito peticionado e que constitui fundamento da impugnação do ato ascende ao valor de € 90.000,00, pois não foram considerados os juros reclamados em sede de execução e também nesta ação.
A este propósito, e muito sucintamente, face ao que anteriormente se deixou dito em sede de impugnação da decisão de facto a propósito do crédito que aqui se tem como coberto/protegido pelo ato impugnado, é manifesto não poder considerar-se que o crédito ascende ao valor de € 315.722,56.
Deste modo, ainda que por fundamento distinto do alegado, e em face do quadro factual emergente da prova produzida em audiência, procede parcialmente a apelação, sendo a 2ª Ré responsável pela satisfação do crédito da Autora (capital e juros) até ao limite do valor recebido como contrapartida da venda do imóvel (€ 120.000,00), pois não resultou, sequer, como demonstrado, que fosse outro o valor do imóvel à data da alienação à 3ª Ré.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação e em revogar parcialmente a decisão recorrida, nomeadamente, no que diz respeito à alínea b), do dispositivo final, substituindo-se a mesma pela seguinte decisão:
b) Condena-se a 2ª Ré a satisfazer o crédito da Autora identificado na petição inicial (€ 90.000,00 a título de capital, acrescido de juros vencidos e vincendos, até integral pagamento) até ao limite do valor recebido pela venda do imóvel (€ 120.000,00).
No mais, mantém-se a decisão recorrida, nomeadamente quanto a custas.
As custas da apelação ficam a cargo da recorrente e da 1ª Ré, na proporção de 95% e 5%, respetivamente (art. 527º, nº 1, do CPC).
Lisboa, 9 de outubro de 2025
Cristina Lourenço
Rui Vultos
Fátima Viegas
____________________________________________________ [1] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181. [2] In,“Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181. [3] António Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 199-200. [4] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 4ª Edição, pág. 434. [5] João Cura Mariano, “Impugnação Pauliana”, Almedina, página 14. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2021, proferido no processo nº 26069/18.3T8PRT.P1S1, acessível em www.dgsi.pt. [7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de janeiro de 2019, proferido no processo 19/14.4T8VVDG1.S.1, acessível no sítio da internet, www.dgsi.pt.