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ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ATIVIDADE PERIGOSA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC) A presunção judicial não constitui meio de prova (ainda que impróprio) apto a alterar para provado facto considerado não provado na sentença. O facto que pode ser considerado provado por presunção judicial é aquele que não foi alegado nem objeto de discussão, aquele que é desconhecido e que, pelas regras da experiência, pode ser presumido a partir de factos conhecidos. Em suma, a presunção judicial, em sede de decisão de facto, apenas pode reconduzir ao aditamento dos factos provados, reunidos os respetivos pressupostos – e não à alteração do sentido da decisão de facto, a afastar os meios probatórios produzidos, valorados e apreciados na decisão recorrida e que determinaram que tenha sido considerado não provado. No artº 493º, nº 2 do CC estabelece-se uma presunção de culpa, constituindo uma exceção à regra do art. 487º, nº 1 do CC, que impende sobre o titular de uma atividade perigosa, operando a inversão do ónus da prova, em conformidade com o disposto no art. 344º e 350º do CC, deixando o lesado de estar onerado com a respetiva prova; exigindo-se ao lesante, a fim de ilidir a presunção, que demonstre ter empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos. Não definindo a norma o que se entende por atividade perigosa, sendo um conceito indeterminado, deve ser casuisticamente concretizado em face das circunstâncias de cada caso. Nessa ponderação a perigosidade deve ser aferida pelas características da atividade ou dos meios utilizados, abstraindo dos danos efetivamente causados, por referência à sua potencialidade para os causar. O artº 493º, nº 2 do CC apenas desonera o demandante da prova da culpa, incumbindo-lhe o ónus da prova dos restantes requisitos da responsabilidade civil extracontratual, de harmonia com o disposto no artº 487º do CC.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. (posteriormente designada Ageas Portugal-Companhia de Seguros SA.) intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Género Simétrico, Unipessoal, Lda. e S… & A…, Serralheiro Civil, Lda., pedindo a condenação solidária das RR. no pagamento do valor de 94.042,25 € (noventa e quatro mil, quarenta e dois euros e vinte cinco cêntimos), acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, a apurar desde a primeira interpelação daquela até efetivo e integral pagamento, decorrente de um incêndio que deflagrou no prédio que atingiu as frações que a A. segurava, e que decorreu de obras realizadas pela 2ª R, enquanto subcontratada da 1ª R.
Foi admitida a intervenção principal espontânea da Lusitânia Companhia de Seguros SA, como associada da A., a qual pediu a condenação das RR no pagamento de € 37.878,26, acrescida dos juros de mora vincendos, calculados sobre o capital em dívida, à taxa de juros comercial e até efetivo e integral pagamento, decorrente dos valores que pagou ao seu segurado em virtude do incêndio.
As 1ª e 2ª RR. apresentaram contestação, em separado, pugnando pela improcedência da ação.
A 2ª R. requereu a intervenção da sua seguradora, Fidelidade – Companhia de Seguros SA, a qual veio a ser admitida, como intervenção acessória.
A interveniente Fidelidade apresentou contestação, alegando a exclusão do sinistro dos autos das garantias da apólice e da limitação da responsabilidade da Seguradora por efeito do capital coberto e da franquia, concluindo pela improcedência da ação.
A A., após convite do Tribunal, apresentou resposta às exceções deduzidas pela interveniente Fidelidade, pugnando pela sua improcedência.
Foi ordenada a apensação da ação nº …./22.0T8LSB, que passou a constituir o apenso A.
Essa ação foi intentada pela Aegon Santander Portugal Não Vida - Companhia de Seguros, a qual demandou as aqui RR., e ainda a Fidelidade Companhia de Seguros e a Generali Seguros SA, em virtude dos danos causados no prédio em apreço, pelo mesmo incêndio, na fração do … e ainda indemnização pela reparação das partes comuns, no valor de € 115.949,20.
As RR contestaram, pugnando pela improcedência da ação.
Realizada audiência prévia, foi absolvida da instância a R. Generali, convolada a admissão da Fidelidade, no Apenso A, para interveniente acessória, julgada improcedente a exceção de prescrição relativamente ao pedido deduzido pela interveniente Lusitânia. De seguida foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu as RR. dos pedidos.
A A. Ageas Portugal interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1) Deflagrou um incêndio no local seguro, não havendo dúvidas quanto aos danos que foram consequência do mesmo, tendo resultado provado que a Apelante indemnizou a sua segurada na exata medida daqueles.
2) Em sinistros como o dos presentes autos, amiúde, não há forma de se provar de forma absoluta, clara, estanque e objectiva a origem do incendio, não só porque o seu autor ou autores materiais não o assumem como, por norma, o incendio já só é detetado depois da sua ignição.
3) A Apelante não aceita nem concorda, no que à factualidade dada como provada diz respeito, que os factos 31., 34., 50., 51. e 56., sejam qualificados como tal.
4) No facto 31. deve passar a constar que trabalhos estavam a ser realizados, devendo o facto em causa ver a sua redação alterada para a seguinte:
“Nesse dia 11/1/2019 estavam a decorrer obras levadas a cabo por funcionários da empresa S… & A… Serralheiro Civil Lda. nomeadamente CC e por EE, funcionário da Género Simétrico, designadamente trabalhos de soldadura” [acrescento sugerido a negrito].
5) O trabalhador da Apelada S… e A… estava a efectuar trabalhos de soldadura e isto é o que decorre da factualidade provada no facto 53., e bem assim do depoimento da testemunha CC, gravado em acta no dia 31.05.2024 entre as 12:06 e as 13:03, designadamente ao minuto 11:47 e 11:57 do seu depoimento;
6) O incendio teve início na cobertura do edifício – vide facto provado 35. É referido que os trabalhos de soldadura estavam a ser efectuados juntos à cobertura do edifício – facto provado 53. – e que após as 10:00 os trabalhos realizados pelos trabalhadores da Apelada S… e A…, passaram a ser realizados numa zona inferior, mais propriamente a 4 ou 5 metros abaixo do telhado – facto provado 54.
7) A testemunha CC, no seu depoimento gravado em acta no dia 31.05.2024 entre as 12:06 e as 13:03, referiu, ao minuto 04:17, que estavam a fazer o trabalho de acabamento das escadas. De acordo com esta testemunha, o trabalho a ser realizado era próximo da cobertura, vide minuto 04:29 do seu depoimento
8) É impossível considerar-se como provado que “O local onde o incêndio começou dista mais de 7 metros da escada de emergência que o soldador estava a reparar” – facto provado 34
9) Deve por isso o facto 34., tal como se encontra redigido ser alterado, passando no mesmo a constar a seguinte redação: “O local onde o incêndio começou fica próximo da escada de emergência que o soldador estava a reparar” [acrescento sugerido a negrito].
10) Atento o depoimento da testemunha CC, não é possível aceitar-se como provado o facto 51. Já que a testemunha em causa no seu depoimento gravado em acta no dia 31 de Maio de 2024 entre as 12:06 e as 13:03 refere que tinha consigo e perto de si extintores e baldes de água – veja-se o referido ao minuto 18:37 do seu depoimento.
11) Esta alegação infirma naturalmente o facto 51. devendo por essa razão o mesmo ser retirado do catálogo dos factos dados como provados
12) O facto 50. não consubstancia um facto, trata-se de uma conclusão abstrata e genérica que não tem lugar no acervo fáctico, seja provado seja não provado, revelando-se antes como uma falha técnica que carece de correção a qual passa objetivamente pela retirada do mesmo da seleção fáctica.
13) Fez a MMª Juíza do Tribunal “a quo” constar no facto 56. que o soldador da Apelada S… A… tinha muita experiência. Mais uma vez, trata-se de uma conclusão e acima de tudo, uma mera convicção do decisor, absolutamente desprovida de confirmação.
14) Deve por isso ser retirada tal convicção do texto do facto 56., devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação “O soldador da R. S… & A… utilizou uma máscara protetora com viseira, bem como, luvas, botas de biqueira de aço e um avental resistente ao fogo”.
15) A ausência de prova directa sobre a forma como o incêndio deflagrou no edifício, não significa que não se possa chegar a essa conclusão, designadamente com recurso aos factos que deveriam ter sido dados como provados por meio de presunção judicial.
16) Para adensar o núcleo de factos bases que devem estar subjacentes à ilação sobre a origem do incendio em causa nos presentes autos, temos de nos ater ao depoimento da testemunha GG – Bombeiro - gravado em acta no dia 31 de Maio de 2024 entre as 10:08 e as 10:32, onde ao minuto 16:23 do seu depoimento referiu que a cobertura do edifício era em madeira.
17) Deve por isso, ser aditado ao acervo fáctico que a “cobertura do edifício era composta por madeira.”
18) O facto dado como não provado 5., deveria passar para os factos provados, não só porque tal decorre do normal ser das coisas, mas porque corrobora o alegado pela testemunha, CC, quando este no seu depoimento gravado em acta no dia 31 de Maio de 2024 entre as 12:0606 e as 13:03 refere que tinha consigo e perto de si extintores e baldes de água – veja-se o referido ao minuto 18:37 do seu depoimento.
19) Deve por estes motivos, ser aditado ao catálogo de factos provados o seguinte facto: “A máquina de soldar irradia bastante calor e origina que a zona onde é aplicada fique vermelha e incandescente”.
20) Temos assim a realização de trabalhos de soldadura, junto à cobertura do edifício em causa, composta por madeira, material reconhecidamente inflamável, realizados pelo trabalhador da Apelada S… A…, com recurso a máquinas que irradiam imenso calor de tal forma que tornam as estruturas onde é aplicada a solda, incandescentes.
21) Não foi apurada qualquer outra causa possível e idónea a causar a ignição de qualquer incendio.
22) Atenta a ordem normal das coisas, o incêndio teve de facto origem naqueles trabalhos de soldadura, devia e deve por isso, com base numa adequadíssima utilização da figura da presunção judicial, ou material, considerarem-se como provados os factos elencados como não provados em 2. e 3.
23) Factos provados a serem alterados no seu teor:
- facto 31. Alteração proposta - “Nesse dia 11/1/2019 estavam a decorrer obras levadas a cabo por funcionários da empresa S… & A… Serralheiro Civil Lda nomeadamente CC e por EE, funcionário da Género Simétrico, designadamente trabalhos de soldadura”;
- facto 34. Alteração proposta - “O local onde o incêndio começou fica próximo da escada de emergência que o soldador estava a reparar”;
- facto 56. Alteração proposta - “O soldador da R. S… & A… utilizou uma máscara protetora com viseira, bem como, luvas, botas de biqueira de aço e um avental resistente ao fogo”.
24) Factos a serem retirados do catálogo de factos provados:
- Facto 50. – “Quando há combustão dos materiais combustíveis tal é percetível para o operador da máquina de soldar;
- Facto 51. – “Se o ferro aquecer perde o calor em poucos minutos e os electrodos que ressaltem da soldadura saltam para uma área inferior a um metro e arrefece instantaneamente;
25) Factos a serem aditados ao catálogo de factos provados:
- “cobertura do edifício era composta por madeira.”;
- “A máquina de soldar irradia bastante calor e origina que a zona onde é aplicada fique vermelha e incandescente”.
- “A origem do incêndio foram os trabalhos de soldadura que tinham estado a ser desenvolvidos pelos funcionários da R. S… & A…, subcontratada pela R. Género Simétrico minutos antes de terem ido almoçar”
- “Os trabalhos de soldadura nos perfis metálicos que estavam a ser executados pela R. S… & A… levaram ao seu aquecimento o que em contacto com a madeira levou ao início do incêndio”
26) Da prova produzida e atentos os factos decorrentes da mesma, tal como evidenciados na presente Apelação, resulta que tal como peticionado pela Apelante, devem as Apeladas ser condenadas a pagar uma indemnização a esta no valor de 94.042,25 €.
27) A atividade de soldadura é uma atividade perigosa, por si só, atendendo à sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que resulta da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados, no caso, máquinas de soldar, que irradiam bastante calor, originando que a zona onde a solda é aplicada fique incandescente.
28) No caso em concreto a utilização de máquinas de soldadura teve a potencialidade de produzir graves danos, o que faz com que tenha de ser encarado como uma coisa ou atividade perigosa, sendo que a sua perigosidade resulta necessariamente, desde logo, pela sua natureza, e depois pelos meios utilizados para a sua execução.
29) Uma vez provado nos presentes autos que os danos havidos, estiveram na origem do incêndio que deflagrou no local onde os funcionários da Apelada S… & A…, tinham estado a soldar ferro, não precisa a Apelante provar que tal se ficou a dever a culpa das Apeladas
30) Acresce que, quanto à Apelada Género Simétrico, não temos dúvidas que a sua responsabilidade, ainda que solidária, advém do facto de ter sido esta empresa a subcontratar a Apelada S… & A….
31) impende sobre as Apeladas, solidariamente, a obrigação de indemnizar a Apelada pelos prejuízos decorrentes do sinistro sub judice que a respetivo segurada sofreu e que a Apelada suportou, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 483º e nº 2 do artº 493º, ambos do Código Civil
32) Concedendo provimento ao recurso, revogando a decisão do Tribunal “a quo” nos termos propugnados, farão V. Exas. a costumada Justiça!”
A interveniente Lusitânia e a A. Aegon aderiram ao recurso interposto pela A. Ageas Portugal.
A R. Género Simétrico apresentou contra-alegações, sem que tenha formulado conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.
A R S… & A…, Lda. apresentou contra-alegação, com pedido subsidiário de ampliação do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
“A. O recurso apresentado pela Recorrente deve improceder na íntegra por ser totalmente destituído de fundamento, tanto fáctico, como jurídico.
B. A própria Recorrente refere de forma expressa nas suas alegações que “Admite-se que da prova produzida não resultou, tal como se começou por alegar nestas motivações, de forma absolutamente objectiva o motivo pelo qual o incendio deflagrou no edifício”.
C. Em consonância, tem também razão o Douto Tribunal “a quo” ao considerar que:
“A origem do incêndio era também essencial como tema de prova. E quanto a esta desde já se diga que ninguém pode atestar a sua origem/causa. Não teve lugar perícia nos autos, e nenhuma testemunha podia atestar com segurança a sua origem. Os próprios “peritos” das seguradoras nada avançaram nesse sentido, senão o valor dos danos que suportaram.”
D. O pedido de aditamento da Recorrente quanto ao Ponto 31 dos Factos Provados deverá ser rejeitado, porquanto, pretender limitar o âmbito dos trabalhos que estavam a ser executados no dia em causa apenas a trabalhos de soldadura é redutor e limitativo quando comparado com a prova produzida em julgamento. A acrescer, a matéria que a Recorrente pretende aditar já resulta dos pontos 38.º, 53.º, 54.º, 55.º e 56.º.
E. O pedido de alteração referente ao Ponto 34 dos Factos Provados deverá ser rejeitado porquanto o mesmo colide com as declarações prestadas pelas testemunhas CC e FF. A acrescer, a expressão “próximo” tem um caráter indeterminado, o que gerará incerteza quanto à fixação da matéria de facto, e consequentemente, dificultará a aplicação do respetivo Direito.
F. O pedido de eliminação do 50 dos Factos Provados deverá ser rejeitado uma vez que não estamos perante uma “conclusão genérica ou abstrata”, mas sim, numa descrição de um processo causal (combustão) e da perspetiva de quem o perceciona (soldador), relevante para a compreensão dos factos conexos com processos que sejam ou não suscetíveis de causar um incêndio e de quem os perceciona.
G. O pedido de eliminação do ponto 51 dos Factos Provados deverá ser rejeitado uma vez que o mesmo, para além de ser incongruente de um ponto de vista lógico, também vai contra as declarações da testemunha CC e da testemunha FF.
H. O pedido de alteração do 56 dos Factos Provados deverá ser rejeitado uma vez que a realidade de alguém “ter experiência” ou não numa determinada área não é uma realidade estritamente conclusiva.
I. A experiência da testemunha CC resultou provada através do rigoroso escrutínio ao depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento, tendo a testemunha explicado a vasta experiência que tinha na área e em sub-áreas, incluindo na marinha, isto ao longo de cerca de 20, 25 anos e os conhecimentos que adquiriu na matéria, de tal modo que até o Tribunal “a quo” referiu de forma expressa que “Já percebeu que o senhor é perito em soldadura e segurança”.
J. Aliás, subsidiariamente, sempre se requer que deverá o Douto Tribunal “ad quem”, nos termos e para os efeitos do Art. 636.º, n.º 2 do CPC, acrescentar tal realidade à matéria de facto, passando o artigo 56.º a ter a seguinte redação: 56. O soldador da R. S… & A… tinha muita experiência em soldar, cerca de 20 a 25 anos, e utilizou uma máscara protetora com viseira, bem como, luvas, botas de biqueira de aço e um avental resistente ao fogo”.
K. O Pedido de aditamento do alegado facto de que “a cobertura do edifício era composta por madeira” deverá ser rejeitado uma vez que em momento algum a Recorrente, ou as demais Autoras, alegaram que a cobertura do edifício era de madeira, nem tão pouco tal resulta dos temas da prova.
L. As declarações de GG a respeito da composição do edifício e da cobertura divergiram das declarações prestadas por CC, o qual referiu que o prédio era de tijolo e de betão, e também, que não estava a soldar metal com madeira, nem próximo de madeira.
M. O Pedido de aditamento do alegado facto de “A máquina de soldar irradia bastante calor e origina que a zona onde é aplicada fique vermelha e incandescente” deverá também ser rejeitado, uma vez que vai contra as declarações prestadas pela testemunha CC e não se encontra sustentado em qualquer outro meio de prova. A acrescer, a utilização de argumentos e expressões indeterminadas como aquilo que a Recorrente considera ser “o normal ser das coisas” não é suficiente para se alterar a matéria de facto.
N. O pedido de aditamento dos alegados factos de que “A origem do incêndio foram os trabalhos de soldadura que tinham estado a ser desenvolvidos pelos funcionários da R. S… & A…, subcontratada pela R. Género Simétrico minutos antes de terem ido almoçar” e de que “Os trabalhos de soldadura nos perfis metálicos que estavam a ser executados pela R. S… & A… levaram ao seu aquecimento o que em contacto com a madeira levou ao início do incêndio” deverá ser rejeitado.
O. Competia à Recorrente e às Autoras terem alegado factos e apresentado meios de prova que demonstrassem, em concreto, que teria sido a atividade da S… & A…, Lda. que conduziu ao incêndio, o que manifestamente não o fizeram.
P. Não existe uma única prova concreta produzida que vá no sentido pretendido pela Recorrente, a qual admite, de forma clara, que para este efeito recorre fundamentalmente, a uma presunção, para tentar sustentar a responsabilidade das Rés.
Q. Na esteira da jurisprudência invocada em sede de alegações, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio e não servem como meio de modificar a factualidade essencial que foi considerada como provada / não provada pelo Tribunal “a quo”.
R. A matéria provada, com particular destaque (mas não apenas) para os pontos 34, 35, 38, 40, 51, 54 e 55 demonstram que não pode ter sido a atividade da Recorrida que causou o incêndio, não podendo a Recorrente pretender que tais matérias sejam invertidas com base numa mera presunção judicial e/ou muito menos naquilo que a Recorrente “acha” que aconteceu.
S. De forma subsidiária, a Recorrida requer igualmente a Ampliação do Âmbito do presente Recurso, impugnando a decisão proferida no que respeita a pontos determinados da matéria de facto não impugnados pela Recorrente, prevenindo assim a hipotética procedência de quaisquer questões por esta suscitada (Artigo 636.º, n.º 2 do CPC).
T. No âmbito de tal ampliação deverá passar a constar da matéria provada os seguintes pontos:
- O empregado da S… & A…, Lda. utilizou uma máquina eletrónica de soldar com elétrodos, com um sistema de arrefecimento, com sistema para regular a amperagem e desligamento automático, tendo tido em consideração que iria soldar uma escada de metal, sendo a máquina adequada para a tarefa em causa.
- “O empregado da S… & A…, Lda. utilizou também extintor, baldes de água, chapa de metal de proteção, tendo inspecionado o local, avisado os vizinhos, tendo o cuidado de verificar se havia ali alguma espécie de substância química ou inflamável, procedido à limpeza do local, desligado e arrumado as máquinas no Rés-do-Chão, verificado se existia alguma zona incandescente ou sobreaquecida aquando do término do trabalho e limpado o local.”
U. Tais pontos resultam do depoimento da testemunha CC, o qual não foi contrariado por qualquer outro meio de prova.
V. Tal matéria é relevante uma vez que caso o Douto Tribunal da Relação, em sede de recurso, considerasse a atividade de soldadura executada pela Recorrida como “atividade perigosa” nos termos e para os efeitos do Art. 493.º, n.º 2 do Código Civil - o que não se concede e apenas se considera de forma hipotética - então a Recorrida teria de ilidir a presunção de culpa decorrente do Art. 493.º, n.º 2 do Código Civil, demonstrando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
W. Face à matéria provada, não se concede que no caso concreto estejamos perante atividade “perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados” (Artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil), isto tendo em consideração a natureza dos trabalhos efetuados na data em causa, os quais consistiram em meros acabamentos e limpeza.
X. Não obstante, caso porventura o Douto Tribunal “ad quem” tenha um entendimento diferente - o que aqui apenas se conjetura de forma hipotética, subsidiária e por estrito dever de patrocínio - é patente que a Recorrida conseguiu provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir a ocorrência de danos, preenchendo assim o ónus previsto no Art. 493.º, n.º 2 do Código Civil in fine.
Y. No presente caso não resultam demonstrados os factos integrantes dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual estatuídos no Artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, o qual determina que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Z. Não ficou demonstrado qualquer tipo de facto ilícito e culposo por parte da Recorrida, nem tão pouco qualquer nexo de causalidade entre os factos e os danos alegados, o qual, recorde-se envolve primeiramente matéria de facto, exigindo, em concreto, a prova de um nexo naturalístico.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente, e, em consequência, deverá manter-se na íntegra a Sentença Recorrida.”
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto: “1. No exercício da sua atividade a A. Ocidental celebrou com LL, vários contratos de seguro, mormente:
- Um contrato de seguro “Homin - Seguro Casa”, ramo Multirriscos, titulado pela apólice n.º MR…., válido de 06/11/2018 a 06/11/2019, cujo objeto seguro é um imóvel sito …, com atividade de habitação, para utilização como residência principal, propriedade da segurada;
- Um contrato de seguro “Homin - Seguro Casa”, ramo Multirriscos, titulado pela apólice n.º MR…., válido de 06/11/2019 a 06/11/2020, cujo objeto seguro é um imóvel sito …, com atividade de habitação, para utilização como residência principal, propriedade da segurada;
- Um contrato de seguro “Proteção Casa Mais”, ramo Multirriscos, titulado pela apólice n.º MR…, válido de 02/07/2011 (data de início da apólice), renovado a 02/07/2020 e válido até 02/07/2021, cujo objeto seguro é uma fração sita …, propriedade da segurada,
- Um contrato de seguro “Proteção Casa Mais”, ramo Multirriscos, titulado pela apólice n.º MR…., válida de 02/07/2011 (data de início da apólice), renovada a 02/07/2020 e válida até 02/07/2021, cujo objeto seguro é uma fração sita …, propriedade da segurada, conforme apólices juntas aos autos e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais;
2. Locais de risco, todos eles propriedade da Segurada;
3. Em virtude da celebração dos contratos de seguro supra indicados foi transferida para a Autora Ocidental a responsabilidade civil pelos danos identificados nas mencionadas apólices;
4. No dia 11 de janeiro de 2019, ocorreu um incêndio no telhado do edifício sito …, resultando na destruição total do telhado desta fração e nas frações do 3.º andar do presente edifício, bem como danos parciais nas restantes frações.
5. No exercício da sua atividade, ora Autora Aegon celebrou com JJ, um Contrato de Seguro do Ramo Multirriscos Habitação, titulado pela Apólice n.º …, relativo ao Edifício, sito em …, que se regem pelas Condições Particulares e Gerais;
6. Pelo referido Contrato de Seguro, referente ao Edifício, a ora Autora Aegon assumiu a responsabilidade pela cobertura dos danos sofridos, nomeadamente dos danos decorrentes de incêndios, queda de raios, explosão e fumo, em termos e condições que constam das apólices juntas aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7. O presente contrato foi celebrado com o Segurado JJ;
8. Foi, ainda, constituído como credor hipotecário o Banco Santander Totta, S.A, de acordo com o contrato junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. No exercício da sua atividade, a Lusitânia Companhia de Seguros celebrou com BB, o contrato de seguro, do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice n.º …, com início a 24 de Março de 2017, conforme consta do documento de fls. 127 e 128 junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
10. No âmbito desse contrato de seguro estavam seguros, entre outros, os danos causados por água, incêndio e outros fenómenos no local de risco constante das condições particulares, ou seja, na fração autónoma sita no ….
11. Foi indicado como capital seguro o valor de € 101.230,00;
12. A A. Ocidental procedeu ao pagamento à segurada LL dos valores mencionados no art. 36º da pi, discriminados nos termos que desse artigo constam e no total de 94 042,25 €;
13. A Autora Aegon procedeu ao pagamento ao credor hipotecário do valor de € 65.446,43;
14. E ainda ao pagamento do total de € 401,18 (quatrocentos e um Euros e dezoito cêntimos), referente à reparação de danos em partes comuns;
15. Pagou ainda ao Segurado o total de € 8.400, a título de seis meses de arrendamento de residência provisória;
16. E ainda ao pagamento do total de € 218,58 (duzentos e dezoito Euros e cinquenta e oito cêntimos), referente à reparação de danos em partes comuns;
17. Houve a necessidade de trabalhos de remodelação do apartamento, que ascenderam ao total de € 25.305,65;
18. E a Autora Aegon ressarciu o ora Segurado do valor correspondente ao valor do IVA, nomeadamente € 1.432,40;
19. A reparação destes danos adicionais totalizou-se em € 1.261,88;
20. Tendo em conta a permilagem a ora Autora Aegon procedeu ao pagamento ao credor hipotecário do total de € 132,50;
21. A A. Aegon pagou ainda a quantia de €29.421,4, em termos de fls. 326 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
22. A. Aegon procedeu aos pagamentos referidos nos artigos 45.º a 49.º da p.i nos termos que constam dos documentos junto aos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
23. A A. Aegon procedeu ao pagamento referidos nos artigos 53.º da p.i, em termos que constam do documento de fls. 332 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
24. A A. Aegon procedeu ao pagamento da quantia de € 1783,50 em termos que consta de fls. 333 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
25. A A. Aegon, pagou o custo associado à mudança efetuada no valor de €1.230, em termos do documento que constam de fls. 335 vs dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido.
26. A A Aegon, ressarciu o segurado no valor correspondente ao valor do IVA designadamente €282,9, em termos dos documentos juntos aos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido.
27. A interveniente Lusitânia honrando os compromissos por si assumidos no âmbito da apólice em causa, pagou ao seu Segurado, até à presente data, a quantia global de € 22.717,52, correspondente às seguintes importâncias parcelares: - € 408,50, a título de adiantamento da permilagem segura em partes comuns na reparação da cobertura do imóvel; - € 14.363,23, a título de reparação da fração autónoma segura; e - € 7.945,79, a título de reparação da fração autónoma segura;
28. A interveniente Lusitânia procedeu ao pagamento à “MGTM Gestão e Administração de Condomínios, Lda.”, até à presente data, a quantia global de € 14.660,74, correspondente à permilagem da fração autónoma segura;
29. A interveniente Lusitânia despendeu, ainda, a quantia de € 500,00 com a averiguação e regularização do sinistro;
30. Quando os funcionários da obra da R. S… &A… saíram para ir almoçar não havia fumo visível e quando regressaram do almoço visualizaram fumo no topo do edifício;
31. Nesse dia 11/1/2019 estavam a decorrer obras levadas a cabo por funcionários da empresa S… & A… Serralheiro Civil Lda nomeadamente CC e por EE, funcionário da Género Simétrico;
32. A S… & A… Serralheiro Civil Lda havia sido subcontratada pela empresa “Género Simétrico, Unipessoal, Lda.”, Empreiteiro Geral da obra adjudicada pela administração do condomínio MGTM – Administração de Condomínio (dono da obra), para realização de uma intervenção de conservação e manutenção na cobertura e fachadas do edifício em causa nos autos;
33. Segundo o relatório dos Bombeiros Voluntários de …, o fogo foi considerado extinto às 13h22, tendo o rescaldo decorrido até cerca das 16h00;
34. O local onde o incêndio começou dista mais de 7 metros da escada de emergência que o soldador estava a reparar;
35. O incêndio iniciou-se na cobertura do edifício;
36. Em consequência do sinistro, ocorreram os seguintes danos:
- Danos no telhado da fração segura;
- Danos nas partes comuns do Edifício;
- Danos elevados pela ação da água utilizada no combate ao incêndio, nomeadamente nos tetos, pavimentos, instalação elétrica e diverso mobiliário presente na fração segura;
- Houve a necessidade de colocação de uma cobertura provisória, em 18 de março de 2019, para evitar o agravamento dos danos;
- Sucede que, houve um agravamento generalizado dos danos após a colocação desta cobertura provisória.
37. Em virtude do incêndio o segurado da A. Aegon, 1ºDto, sofreu danos no recheio do imóvel, os quais se encontram elencados no art. 52º da pi cujo teor se dá por reproduzido;
38. No dia em apreço os trabalhadores da R. Género Simétrico estavam a trabalhar na cobertura do prédio e os da R. S… e A… na escada de emergência, no exterior do prédio, tendo feito retoques e limpeza;
39. Os trabalhadores saíram para almoçar por volta das 11h50, 12h, e quando regressaram pelas 12h50 viram fumo a sair da cobertura do prédio;
40. As máquinas usadas pelos trabalhadores ficaram no prédio, quando estes foram almoçar e quando voltaram não tinham ardido, tendo umas sido retiradas logo e outras uns dias depois mas todas intactas, sem terem ardido;
41. O incêndio consumiu a quase totalidade do edifício fosse pelas chamas, fosse pela água necessária para o apagar, tendo de ser desabitado por completo;
42. Os imóveis da segurada da Autora Ocidental, LL, tiveram vários estragos em virtude do incêndio, mormente:
- No Rés-do-chão, Direito: danos no pavimento flutuante que teve que ser substituído, bem como os rodapés que o acompanham; danos nas portas interiores e aduelas afetadas pela água, as paredes e tetos que tiveram que ser pintados, porque se encontravam danificados e manchados devido às infiltrações de água utilizada no combate ao incêndio; foi, ainda, necessário efetuar, por razões de segurança, uma revisão à instalação elétrica;
- No Rés-do-chão Esquerdo, danos no pavimento, tetos e paredes, por causa escorrência de água utilizada no combate ao incêndio;
- Na LOJA A – danos no pavimento, teto e paredes, uma vez que a cave da loja, após o incêndio, se apresentava com bastante água acumulada no pavimento, parte da qual se encontrava a passar através de pontos de luz do teto
- E, na LOJA B, danos no pavimento, teto e paredes, uma vez que após o incêndio, o teto se encontrava fissurado com água proveniente do combate ao incêndio a passar através dos mesmos, bem como tetos apresentavam- se abaulados e paredes com escorrência de água
43. Para a reparação dos estragos mencionados, no R/C, Direito foi necessário substituir-se o pavimento, pintar paredes e tetos, mudar portas interiores e aduelas também afetadas pela água, bem como levar-se a cabo uma inspeção à rede elétrica.
44. No R/C, Esquerdo – foi, igualmente, necessário o arranque do pavimento flutuante danificado e transporte a vazadouro; Arranque de rodapé danificado e transporte a vazadouro; Reparação pontual da base do pavimento flutuante; Fornecimento e assentamento de pavimento flutuante AC4 de 8 mm; Fornecimento e assentamento de rodapé; Pintura de rodapés; Arranque de teto falso danificado; Execução de teto falso em pladur liso; Fornecimento e montagem de alçapão igual ao existente; Pintura de tetos danificados e manchados devido a infiltrações; Reparação pontual de argamassa do teto; Pintura de paredes na cor banco; Reparação pontual de estuque danificado; Pintura de portas e aros de portas interiores incluindo afinação devido à dilação provocada pela água. Não incluem a substituição de portas; Substituição de prateleiras de arrecadação danificadas pela água proveniente da infiltração; Revisão da instalação elétrica; Proteção de pavimentos e limpeza final obra;
45. Na LOJA A - Reparação de tetos interiores em gesso cartonado com aplicação argamassas para o efeito, execução completa de esquema de pintura, em tetos interiores composto por primário, acrílico aquoso branco e acabamento com tinta de água DYRUP, cor branco, nas demãos necessárias; aplicação de cera acrílica em pavimento de microcimento; verificação de instalação elétrica por eletricista especializado; Reparação e pintura de teto e paredes da mezanine, e afagamento de pavimento em madeira;
46. Na LOJA B, iguais trabalhos nas paredes, tetos e pavimento, mormente: reparação de paredes, pintura de paredes, reparação/picagem de tetos, substituição de teto falsos, Pintura de tetos, Limpeza em pavimentos em mosaico hidráulico, incluindo reparação pontual, limpezas gerais e revisão da instalação elétrica se afiguraram imprescindíveis para repor a situação dos mesmos à que se encontrava antes do sinistro;
47. Nas partes comuns do edifício em causa nos autos, procedeu ainda ao pagamento da reparação da quota parte que cabia à segurada da A Ocidental, nos prejuízos que o condomínio teve;
48. A fração do 2º Esq, segurada pela Lusitânia, foi afetada pelo efeito do incêndio e das águas para apagar o incêndio e das chuvas, decorrentes da derrocada da cobertura e da impossibilidade de isolamento integral do local, nos tetos, paredes e soalho de madeira da sala e dos quartos e ficou sem condições de habitabilidade por falta de água, gás e eletricidade;
49. Com vista à reparação da aludida fração autónoma foram necessários os seguintes trabalhos: a. Reconstrução dos tectos; b. Pintura dos tectos e sancas; c. Reparação das paredes danificadas; d. Pintura de todas as paredes; e. Reparação e pintura dos rodapés; f. Reparação do soalho; g. Reparação das portas, molduras, aduelas e bandeiras; e h. Limpeza durante a execução da obra e no termo da mesma.
50. Quando há combustão dos materiais combustíveis tal é percetível para o operador da máquina de soldar;
51. Se o ferro aquecer perde o calor em poucos minutos e os electrodos que ressaltem da soldadura saltam para uma área inferior a um metro e arrefece instantaneamente;
52. Os trabalhos executados por parte da R. S… & A… tiveram início no dia 11 de janeiro de 2019 sensivelmente pelas 08h30m.
53. Até às 10h00m da manhã, os trabalhos de soldadura estavam a ser efetuados numa zona junto à cobertura do edifício;
54. Contudo, a partir das 10h00m da manhã, os trabalhos a executar pela Ré passaram a ser executados numa zona inferior, em concreto, a cerca de quatro/cinco metros abaixo do telhado.
55. Na verdade, pelas 10h00m, o empregado da Ré, CC, desceu para o andar debaixo com vista a retocar soldaduras com o objetivo de evitar rutura nos metais da escada.
56. O soldador da R. S… & A… tinha muita experiência em soldar e utilizou uma máscara protetora com viseira, bem como, luvas, botas de biqueira de aço e um avental resistente ao fogo;” *
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“1. Quando os trabalhadores para irem almoçar saíram os materiais usados na soldadura estavam ainda quentes e incandescentes;
2. A origem do incêndio foram os trabalhos de soldadura que tinham estado a ser desenvolvidos pelos funcionários da R. S… & A…, subcontratada pela R. Género Simétrico minutos antes de terem ido almoçar;
3. Os trabalhos de soldadura nos perfis metálicos que estavam a ser executados pela R. S… & A… levaram ao seu aquecimento o que em contacto com a madeira levou ao início do incêndio;
4. Posto que os trabalhadores das RR foram almoçar sem se certificarem das condições de segurança da obra;
5. A máquina de soldar irradia bastante calor e origina que a zona onde é aplicada fique vermelha e incandescente;
6. O incêndio teve origem numa máquina de soldadura utilizada pela R. S… e A…;
7. A instalação elétrica do prédio estava em mau estado de conservação precisando de ser substituída;
8. Os proprietários do prédio proibiram o acesso da R. Género Simétrico e dos trabalhadores ao prédio, o que a impediu de tentar proteger a cobertura do prédio das águas da chuva.
9. A R. S… e A… assegurou-se previamente que os equipamentos de trabalho a utilizar na obra eram adequados ao trabalho a efetuar e garantia a segurança dos trabalhadores durante a sua utilização, tendo neste caso utilizado uma máquina de soldar com elétrodos e com sistema de arrefecimento automático;
10. Atendeu, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho de soldar em questão (escada de metal), aos riscos existentes para a segurança (riscos de queimaduras, lesões nos trabalhadores, danos no local da obra), bem como, aos riscos resultantes da sua utilização, incluindo, o risco de incêndio.
11. Por outro lado, o trabalhador que executou as soldaduras: Inspecionou previamente, antes de iniciar os trabalhos, os instrumentos de soldar e os cabos, bem como, os locais onde a soldadura iria ser efetuada, assegurando a respetiva limpeza dos mesmos, prestando especial atenção à existência de substâncias químicas ou de zonas inflamáveis; Colocou sempre uma proteção sobre os materiais circundantes à zona de soldadura, mantendo-se sempre atento à ocorrência de faíscas e faúlhas; fez-se acompanhar de um extintor de incêndio devidamente carregado para qualquer eventualidade, de dois baldes de água e de uma chapa de ferro com vista a prevenir para prevenir inflamações e evitar que fagulhas possam causar incêndios; Após conclusão/interrupção do trabalho: - Desligou os equipamentos em questão, desligou a alimentação da máquina, arrumando a máquina e enrolando os respetivos cabos; Arrumou e limpou as zonas de trabalho; - Verificou se existiam zonas incandescentes ou ainda sobreaquecidas, porquanto tal poderia acarretar risco de incêndio; - Ainda antes de ter ido para almoço, permaneceu na área de trabalho durante algum tempo depois de terminar a soldadura, precisamente para garantir que não havia qualquer foco de ignição ou de incêndio.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
As questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Da verificação dos requisitos da responsabilidade extracontratual 1. Da impugnação da decisão de facto
Observados suficientemente os ónus exigidos pelo art. 640º do CPC cumpre apreciar.
A apelante impugna os factos provados 31, 34, 50, 51 e 56, os factos não provados 2, 3 e 5 e pretende aditamento de um facto à materialidade provada.
Defende que o facto provado 31 está incompleto, pelo que deve passar a ter a seguinte redação (destaque na parte a aditar): “Nesse dia 11/1/2019 estavam a decorrer obras levadas a cabo por funcionários da empresa S… & A… Serralheiro Civil Lda nomeadamente CC e por EE, funcionário da Género Simétrico, designadamente trabalhos de soldadura”.
Afirma que é pacífico que o trabalhador da apelada S… e A… estava a efetuar trabalhos de soldadura, como decorre da factualidade provada no facto 53, e bem assim do depoimento da testemunha CC.
A realização de trabalhos de soldadura no dia em que deflagrou o incêndio já resulta dos factos provados 34, 53 e 55, pelo que não se vislumbra qualquer utilidade em alterar o teor do facto provado 31, a fim de repetir tal circunstância. Acresce que nesse dia foram executados outros trabalhos.
Entende que o facto provado 34 deve ser alterado, não aceitando que contemple a distância de 7 metros entre o local onde o incêndio se iniciou e a escada de emergência, por tal não resultar da prova produzida. Acrescenta que de acordo com o teor dos factos 35, 53 e 54, que aceita, estavam a ser realizados trabalhos de soldadura nas escadas e que estas ficavam próximas da cobertura. Indica o depoimento da testemunha CC.
Pretende que o facto 34 passe a ter o seguinte teor: “O local onde o incêndio começou fica próximo da escada de emergência que o soldador estava a reparar”.
Na fundamentação de facto da sentença pode ler-se, em relação ao depoimento da testemunha CC: “Foi particularmente importante o depoimento do soldador CC que afirma que nesse dia estavam (a S… A…) a trabalhar na escada exterior, a fazer retoques e alguma limpeza e até a soldadura nas escadas tinha acabado, e estavam a fazer retoques. (…) Mais esclareceu que do 3 andar da dita escada até à cobertura distam pelo menos três metros.”
Há que dizer que “próximo” é um conceito relativamente indeterminado, que não deve ser usado na factualidade apurada.
No seu depoimento a testemunha CC afirmou que a distância que medeia entre a zona onde estava a trabalhar (a executar retoques na soldadura da escada exterior) e a cobertura do prédio é de cerca de 3 metros, 3 metros e 25, 4 metros. Ou seja, esta distância é reportada entre a escada e a cobertura e não o local onde deflagrou o incêndio, pois quanto a este apenas se apurou que foi na cobertura (mas não um determinado ponto desta) e a testemunha referiu estar a executar retoques na soldadura (e não propriamente reparações).
Assim, o facto provado 34 deve conter estes aspetos em substituição da ali vertida: “34. A distância entre a cobertura do prédio e a escada de emergência, exterior, que o soldador estava a retocar é de 3 a 4 metros”
Impugna os factos 50, 51 e 56, por se teremobtido do depoimento da testemunha CC, não tendo sido alvo de confirmação por qualquer outro meio de prova. Realça estar infirmado o facto 51 pela referida testemunha, que disse ter perto de si extintores e baldes de água; o facto 50 ser puramente conclusivo, assim como a expressão “muita experiência” constante do facto 56, e não ter qualquer apoio probatório.
Conclui pela eliminação do elenco dos provados dos factos 50 e 51 e pela alteração do teor do facto 56 (retirando a expressão “muita experiência”).
Os factos 50 e 51 contêm aspetos relevantes quanto ao funcionamento de uma máquina de soldar, cujo conteúdo se prende com os temas de prova enunciados (v.g. 4, 7, 8, 10, 12 15) e que não é manifestamente conclusivo.
Não se vislumbra que resulte infirmado o ponto 51 pelo depoimento da testemunha CC, na parte em que afirma que tinha junto de si baldes de água e extintor, porquanto estes constituem uma medida de segurança, o que foi alegado no artº 27º da contestação da R. S… & A….
A apelante não indica meios probatórios que sustentem a sua posição quanto a estes três factos, limitando-se a concluir que o depoimento da testemunha CC não foi corroborado por outro meio de prova. Tal asserção por si só não é suficiente para inquinar o depoimento, nem para proceder à alteração da factualidade impugnada.
Acresce que a testemunha FF, coordenador da obra, por conta da R. Género Simétrico, explicou o funcionamento da máquina de soldar ali usada, em conformidade com o teor do facto 51, afirmando, além do mais, que é uma máquina com elétrodo e não tem chama.
A apelante fundamenta grande parte da impugnação de facto no depoimento da testemunha CC, servindo-se deste, de forma algo contraditória, quer para sustentar a prova de factos quer para questionar a prova de outros.
CC era o trabalhador da R. S… & A… que, no dia em que deflagrou o incêndio, procedia a retoques de soldadura nas escadas de segurança, estando em condições privilegiadas para relatar como foram executados e todo o circunstancialismo. Questão diversa é a da credibilidade da testemunha, que não foi pela apelante questionada de forma geral e fundamentada, até porque, como já assinalado, também se fundou no seu depoimento para sustentar parte da impugnação de facto. Afigura-se-nos que, das passagens da gravação indicadas pela apelante e apelada S… & A…, nada resulta que ponha em causa a sua credibilidade.
A expressão “muita experiência” constante do facto 56 é conclusiva, carecendo de concretização, se houver elementos para tal. Caso contrário deve ser eliminada, como pretende a apelante.
Logo no início do seu depoimento a testemunha explicou que trabalhou para a S… & A…, até há 2-3 anos, estava a trabalhar nas escadas exteriores de emergência do prédio onde deflagrou o incêndio. Esclareceu que tem experiência na área da serralharia, que inclui a soldadura, desde que esteve na marinha brasileira, o que aconteceu há cerca de 20 a 25 anos, tendo conhecimento de normas regulamentares de segurança na área.
Assim, altera-se o facto 56, o qual passa a ter o seguinte teor:
“56. O soldador da R. S… & A…, com experiência há cerca de 20 a 25 anos em soldar, utilizou uma máscara protetora com viseira, bem como, luvas, botas de biqueira de aço e um avental resistente ao fogo;”
Defende a apelante que o facto dado como não provado 5 deveria passar para os factos provados, por tal decorrer do normal ser das coisas, e porque corrobora o alegado pela testemunha CC, quando refere que tinha consigo e perto de si extintores e baldes de água.
Quanto a este aspeto consta da fundamentação de facto o seguinte, e por referência ao depoimento de CC: “Explicou com detalhe de horas o que fizeram (da S… A…), e nunca envolveu trabalho de soldadura, mas sim uma máquina com eletros, com sistema de arrefecimento automático e que corta a energia ao menor problema elétrico, pelo que não fica tudo vermelho e incandescente como afirma a Ocidental, o que se deu por não provado em 5 (…)”. “O normal ser das coisas” invocado pela apelanteé manifestamente vago e conclusivo, encontrando-se o pretendido aditamento aos factos provados em oposição com o facto provado 51. E do depoimento da testemunha CC, quando referiu ter consigo baldes de água e um extintor – tal como já acima exposto – não é possível estabelecer o nexo causal pretendido.
A testemunha esclareceu em pormenor em que consistiram os trabalhos de retoque de soldadura que executou: a máquina não trabalha a toda pressão, trabalha com pingos menores, a máquina trabalha com bem menos intensidade do que para a soldadura estrutural, que já estava feita; porque o diâmetro do elétrodo é menor, o arco elétrico é menor, a corrente elétrica é menor, tudo é menor nesse sistema.
Também FF referiu que a máquina usada não tem chama.
Improcede, pois, a alteração pretendida.
Pugna a apelante pelo aditamento aos factos provados do seguinte: “a cobertura do edifício era composta por madeira”.
Justificou a sua pretensão nos seguintes termos:
“Para adensar mais o núcleo de factos bases que devem estar subjacentes à ilação sobre a origem do incendio em causa nos presentes autos, temos de nos ater ao depoimento da testemunha GG”, que referiu que a cobertura do edifício era em madeira.
Ora, GG, bombeiro aposentado que esteve no combate ao incêndio, afirmou realidade diversa: a estrutura da cobertura do prédio era em madeira. Ou seja, a “camada” superior do telhado não é em madeira, como resulta do relatório elaborado pela Dualperi – Gabinete de Peritagem (cfr. pág. 9) e o certificado elaborado pela Riser (cfr. pág. 3), juntos aos autos, os quais referem que a estrutura da cobertura do prédio era em madeira, sendo a cobertura em telha (o que é perfeitamente percetível das fotografias anexas a esses documentos).
Assim, adita-se aos factos provados o seguinte:
“57. A estrutura da cobertura do prédio era composta por madeira e a cobertura em telha”.
A apelante termina a impugnação da decisão de facto pugnando pelo aditamento aos provados dos factos não provados 2 e 3, com a seguinte argumentação: “Admite-se que da prova produzida não resultou, tal como se começou por alegar nestas motivações, de forma absolutamente objectiva o motivo pelo qual o incendio deflagrou no edifício, o que não significa que não se possa chegar a essa conclusão, designadamente com recurso aos factos que deveriam ter sido dados como provados por meio de presunção judicial (…) Socorrendo-nos dos factos bases que temos disponíveis no momento, constatamos que no dia 11.01.2019 deflagrou um incêndio no edifício em causa nos presentes autos – facto provado 4.. Nesse mesmo dia, os trabalhadores da Apelada S… e A… estavam a executar trabalhos de soldadura - facto 31. com alteração proposta na presente apelação - perto da cobertura do edifício – facto 34. com alteração proposta na presente apelação e facto provado 53. – tendo o incêndio início na cobertura do edifício – facto provado 35. (…) Deve por isso, ser aditado ao acervo fáctico que a “cobertura do edifício era composta por madeira.” (…) Deve por estes motivos, ser aditado ao catálogo de factos provados o seguinte facto: “A máquina de soldar irradia bastante calor e origina que a zona onde é aplicada fique vermelha e incandescente” Temos assim a realização de trabalhos de soldadura, junto à cobertura do edifício em causa, composta por madeira, material reconhecidamente inflamável, realizados pelo trabalhador da Apelada S… A…, com recurso a máquinas que irradiam imenso calor de tal forma que tornam as estruturas onde é aplicada a solda, incandescentes. No mesmo dia em que estes trabalhos estavam a ser realizados, pouquíssimo tempo após os mesmos serem concluídos, deflagra um incendio na cobertura. Não foi apurada qualquer outra causa possível e idónea a causar a ignição de qualquer incendio. Parece-nos, pois, absolutamente evidente, designadamente por recurso a um caminho de lógica que atenta esta factualidade, a única causa apurada, altamente plausível e provável para originar o incêndio dos presentes autos, foram os trabalhos de soldadura realizados pelo trabalhador da Apelada S… e A…. Assim, atenta a ordem normal das coisas,o incêndio teve de facto origem naqueles trabalhos de soldadura, devia e deve por isso, com base numa adequadíssima utilização da figura da presunção judicial, ou material, considerarem-se como provados os factos elencados como não provados em 2. e 3..
Estes factos são do seguinte teor: “2. A origem do incêndio foram os trabalhos de soldadura que tinham estado a ser desenvolvidos pelos funcionários da R. S… & A…, subcontratada pela R. Género Simétrico minutos antes de terem ido almoçar; 3. Os trabalhos de soldadura nos perfis metálicos que estavam a ser executados pela R. Si… & A… levaram ao seu aquecimento o que em contacto com a madeira levou ao início do incêndio”.
Ou seja, a apelante sustenta a impugnação dos factos não provados 2 e 3 em presunção judicial. Mais admite que da prova produzida não resultou objetivamente provado o motivo pelo qual o incêndio deflagrou no edifício.
Dispõe o artigo 349.º do Código Civil que “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, acrescentando-se no artigo 351.º do Código Civil que “as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
“O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).
A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).” [1]
A recorrente indica os factos que, no seu entender, constituem a base da presunção, socorrendo-se quer de factos provados (4, 31, 34, 35, 53, bem como o aditado) quer de facto não provado, que impugnou para que fosse considerado provado, sem que tenha sido bem sucedida (facto não provado 5) e pretende, com base neles e nas regras da experiência, por presunção judicial, se considere provado, grosso modo, que o incêndio teve origem nos trabalhos de soldadura que tinham estado a ser desenvolvidos pelos funcionários da R. S… & A…, que levaram ao aquecimento dos perfis metálicos, o que em contacto com a madeira levou ao início do incêndio – realidade que foi dada como não provada (correspondente aos factos não provados 2 e 3). A presunção judicial não constitui meio de prova (ainda que impróprio) apto a alterar para provado facto considerado não provado na sentença. O facto que pode ser considerado provado por presunção judicial é aquele que não foi alegado nem objeto de discussão, aquele que é desconhecido e que, pelas regras da experiência, pode ser presumido a partir de factos conhecidos.Em suma, a presunção judicial, em sede de decisão de facto, apenas pode reconduzir ao aditamento dos factos provados, reunidos os respetivos pressupostos – e não à alteração do sentido da decisão de facto, a afastar os meios probatórios produzidos, valorados e apreciados na decisão recorrida e que determinaram que tenha sido considerado não provado.
“No entanto, a falta de prova do facto não pode ser colmatada ou suprida por presunção judicial, pois que, se um facto concreto é submetido a discussão probatória e o julgador o não dá como provado, seria contraditório tê-lo como demonstrado com base em simples presunção. Na verdade, as presunções apenas são admissíveis para integração ou complemento da factualidade apurada nas respostas do tribunal à matéria controvertida e não já para contrariar ou modificar a matéria de facto ou mesmo suprir a falta de prova, veja-se neste sentido, entre outros, o Ac.RP de 17.09.2009 e o Ac.STJ. de 20.06.2006, ambos in www.dgsi.pt. Sendo, deste modo, não pode de forma alguma ser alterada a matéria de facto decidida pela 1ª instância, nos termos pretendidos pela apelante, não se vislumbrando que tenha sido cometido qualquer erro na avaliação das provas produzidas.” [2]
Mantêm-se inalterados os factos não provados 2 e 3.
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto apresentada pela A. Ageas Portugal, com alteração do teor dos factos provados 34 e 56 e aditamento aos provados do facto 57.
*
A R./apelada S… & A… requereu a ampliação do recurso, mediante impugnação dos factos não provados 9 a 11, a título subsidiário, para o caso de procedência de quaisquer questões suscitadas pela apelante, designadamente de vir este Tribunal a considerar a atividade de soldadura executada pela Recorrida como “atividade perigosa”.
Como infra veremos não se verifica a circunstância de que dependia a apreciação da impugnação de facto deduzida pela apelada. 2. Da verificação dos requisitos da responsabilidade extracontratual
A apelante pugna pela revogação da sentença e pela condenação das apeladas no pagamento da indemnização peticionada, ao abrigo do disposto nos artºs 483º, nº 1 e 493º, n 2 do CC, considerando que, provado que os danos havidos estiveram na origem do incêndio que deflagrou no local onde os funcionários da apelada S… & A…, tinham estado a soldar ferro, não precisa a apelante provar que tal se ficou a dever a culpa das apeladas, impendendo sobre a apelada Género Simétrico, responsabilidade solidária, por ter subcontratado a apelada S… & A….
A apelante fundou a ação na responsabilidade civil extracontratual, cujos requisitos (cumulativos) são o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artº 483º do CC). O alegado direito à indemnização (assim como do invocado pela A. Aegon e pela interveniente principal Lusitânia) radica nos pagamentos que efetuaram aos lesados, em virtude de contratos de seguro que com eles celebraram.
O art. 493º, nº 2 do CC dispõe:
“Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
Estabelece-se uma presunção de culpa, constituindo uma exceção à regra do art. 487º, nº 1 do CC, que impende sobre o titular de uma atividade perigosa, operando a inversão do ónus da prova, em conformidade com o disposto no art. 344º e 350º do CC, deixando o lesado de estar onerado com a respetiva prova; exigindo-se ao lesante, a fim de ilidir a presunção, que demonstre ter empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
A doutrina e jurisprudência têm entendido que, não definindo a norma o que se entende por atividade perigosa, sendo um conceito indeterminado, deve ser casuisticamente concretizado em face das circunstâncias de cada caso.[3] Nessa ponderação a perigosidade deve ser aferida pelas características da atividade ou dos meios utilizados, abstraindo dos danos efetivamente causados, por referência à sua potencialidade para os causar.
“A jurisprudência também tem salientado, com frequência, que a actividade da construção civil, quer de obras públicas quer de obras particulares, não constitui, em si mesma, intrinsecamente, uma actividade perigosa. Será perigosa em determinadas situações, mas noutras não. Tudo depende da natureza das obras em execução, da tarefa concreta no decurso da qual ocorreram os danos, da forma como a mesma está organizada, do perigo inerente a essa tarefa, da natureza ou características dos meios e equipamentos afectos à sua realização, da sua dimensão e envergadura, dos materiais que estão a ser empregues, do risco inerente ao manuseio desses meios, equipamentos e materiais.” [4]
A apelante funda a sua pretensão no facto de os danos ocorridos terem origem no incêndio que deflagrou no local onde os funcionários da apelada S… & A…, tinham estado a soldar ferro, o que constitui atividade perigosa.
Afigura-nos que a atividade de soldar, pela sua natureza, não constitui atividade perigosa. No caso concreto apurou-se que o trabalhador da R. S… & A… executou retoques de soldadura numa escada exterior do prédio, a uma distância de 3 a 4 metros da cobertura, sendo que a partir das 10 horas, tais trabalhos decorreram no piso inferior, a cerca de quatro/cinco metros abaixo do telhado (mas sempre no exterior). No dia do incêndio decorriam também trabalhos na cobertura do edifício, realizados pela R. Género Simétrico. Os trabalhadores saíram para almoçar por volta das 11h50, 12h, e quando regressaram pelas 12h50 viram fumo a sair da cobertura do prédio, cuja estrutura é composta de madeira. E sendo os trabalhos executados meros retoques de soldadura numa escada exterior, num piso inferior à cobertura do prédio, num dia de inverno, cremos que os meios utilizados também não assumiam a perigosidade exigida na norma em apreço.
A tese da apelante pressupõe que entre a escada exterior e a cobertura não existia qualquer obstáculo físico – ou seja, que o prédio não tinha paredes erguidas, nem que por cima da estrutura da cobertura, que era em madeira, não existiam telhas. Mas tais factos não constam do elenco dos provados, antes neles figurando que, sendo a estrutura da cobertura em madeira, a cobertura era em telha.
A apelante cita o acórdão do STJ de 31/10/2006, proc. nº 06A2388, in www.dgsi.pt, em abono da tese de que a soldadura é uma atividade perigosa.
O sumário do referido acórdão é do seguinte teor:
“I - As operações de soldadura são operações que comportam elevado risco, pelas altas temperaturas a que se processa, pela utilização em grande número de casos de maçaricos a gás, pela ocorrência frequente de projecções de partículas de metal.
II - A situação em apreço de soldagem de um depósito de combustível de uma viatura com a utilização de um maçarico deve ser considerada como susceptível de gerar danos ainda mais graves, pelo risco de inflamação dos gases, em virtude do calor desenvolvido pelo maçarico. (…)
V - Provando-se que o Réu procedia à soldadura de um depósito de gasóleo - previamente lavado com água -, em local afastado da entrada, usando um maçarico, quando foi abordado pelo Autor, que lhe entregou uma corrente, ocorrendo então a inflamação dos gases existentes no interior do depósito, o qual não continha água no seu interior, “regra de boa prática” adequada ao caso para garantir uma maior dissipação do calor e diminuir a libertação de vapores inflamáveis, vindo o Autor a ser atingido, é de concluir que o Réu não tomou todas as medidas necessárias a evitar o perigo, não ilidindo a presunção que sobre ele recaía (art. 493.º, n.º 2, do CC).”
O aresto trata de situação completamente distinta da vertida nos presentes autos, mormente quanto às circunstâncias da realização de trabalho de soldadura de um depósito de combustível, com utilização de maçarico a gás.
O potencial risco/perigo do ato de soldar não é igual em todas as circunstâncias, pelo que só avaliando estas se pode ou não concluir pela sua perigosidade. Ou seja, a perigosidade não decorre da atividade em si, mas poderá ocorrer pela natureza dos meios empregados (existindo máquinas de soldar com características diferentes).
Independentemente de se afastar a atividade como perigosa ou não, decisivo é não estarem reunidos os pressupostos de aplicação da norma do nº 2 do artº 493º do CC, porquanto as AA. e interveniente não lograram demonstrar o nexo de causalidade entre os danos e a atuação dos trabalhadores da R. S… & A…. O artº 493º, nº 2 do CC apenas desonera as peticionantes da prova da culpa, incumbindo-lhes o ónus da prova dos restantes requisitos da responsabilidade civil extracontratual, de harmonia com o disposto no artº 487º do CC. Com efeito, não se mostra provado que o incêndio deflagrou em virtude dos trabalhos de soldadura, nem sequer que o evento (incêndio) ocorreu no local onde decorriam os trabalhos de soldadura (como afirmou a apelante na alegação de recurso, como estando provado). O incêndio iniciou-se na cobertura do edifício e, repete-se, os trabalhos de soldadura foram realizados na escada exterior.
Não pode, pois, afirmar-se que os danos foram causados no exercício da atividade de soldadura. Não estando demonstrado o facto base da presunção, esta não funciona.
Neste sentido, v. entre outros, os seguintes acórdãos, disponíveis em www.dgsi.pt:
“Por outro lado, dispõe o artigo 350º, nº 1, do CC, que “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção, porquanto “desde que o queixoso alegue e prove que os danos foram causados no exercício de uma actividade perigosa (por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados), a lei (art. 493º, nº2, do Código Civil) presume, a partir desse facto (base de presunção), que o acidente foi devido a culpa do agente”. [5]
“II - Essa presunção só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa.
III - Esse ónus de prova (do facto que serve de base à presunção de culpa) cabe ao lesado (art. 342º, n.º 1, do Código Civil). (…)
É de referir, no entanto, que a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do art. 493.º do CC não envolve simultaneamente a dispensa da prova do nexo de causalidade, exigindo-se, por isso, a demonstração de que a atividade perigosa foi juridicamente a causa da ocorrência daqueles danos. E esse ónus de prova cabe ao lesado.” [6]
Soçobrando os requisitos da responsabilidade civil extracontratual (desde logo, o facto ilícito, mas também a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e os danos), a ação tinha de improceder.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso apresentado, a que aderiram a Lusitânia e a Aegon, mantendo-se a sentença recorrida
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 9 de outubro de 2025
Teresa Sandiães
Cristina Lourenço
Rui Poças
_______________________________________________ [1] Ac. STJ de 19/01/2017, proc. nº 841/12.6TBMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt [2] Ac. RP de 18/11/2019, proc. nº 1892/17.0T8PNF.P1, base citada [3] Nesse sentido, v. Antunes Varela e Pires de Lima, CC Anotado, Coimbra Ed., 3ª edição, vol. I, pág. 469 [4] Ac. RG de 07/11/2024, proc. nº 128/22.6T8GMR.G1, in ww.dgsi.pt [5] Ac. STJ de 07/03/2017, proc. nº 6091/03.5TVLSB.L1.S1 [6] Ac. RG de 07/11/2024, já citado