PERSI
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO DL N.º 272/2012
DE 25.10
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO QUE OPERA EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS
SUCURSAL
Sumário

Sumário:(elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
«1. O âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que estabelece regras para a prevenção e resolução extrajudicial do incumprimento de contratos de crédito, abrange todas as instituições de crédito que operam em território português (incluindo sucursais de instituições com sede noutros países e as que operam na Zona Franca da Madeira). A lei visa proteger os clientes bancários, obrigando as instituições a implementar sistemas para identificar o risco de incumprimento e a prestar apoio e acompanhamento no processo de regularização de dívidas.
2. É o facto de a instituição de crédito operar em território português que define a aplicabilidade do Decreto-Lei 272/2012, de 25 de outubro, e não, como refere a decisão recorrida, a nacionalidade do(s) contraente(s).
3. Concluindo-se que o recorrido não integrou o recorrente no PERSI, verifica-se a excepção dilatória inominada impeditiva da instauração da execução, que conduz à extinção da instância executiva».

Texto Integral

Em 27 de fevereiro de 2025 foi proferido Acordão por este Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu “1. Julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo executado e, em consequência, revogam a sentença recorrida julgando agora os embargos procedentes, por falta de título executivo e, em consequência, determinam a extinção da execução com o consequente levantamento da penhora.
Custas da execução, do recurso e dos embargos pelo exequente.
Dê conhecimento ao AE com nota de que o acórdão ainda não está transitado”.

Inconformada, veio o exequente “Novo Banco, SA” interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 3 de julho de 2025, decidiu considerar que há título executivo, assim constando da parte dispositiva: “É concedida parcialmente a revista.
Porque na apelação não foram conhecidas as questões prejudicadas pela solução decidida no sentido de não haver título executivo, revoga-se o acórdão e determina-se que as mesmas sejam conhecidas, mantendo-se a penhora, por agora.
Dê conhecimento ao AE.
Custas a final, em função do decaimento, com dispensa do remanescente da taxa de justiça”.

Em obediência à referida decisão do STJ, acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Na execução sumária para pagamento de quantia certa que Novo Banco S.A (em substituição do Banco Espírito Santo, SA) instaurou contra A…. e B…., vieram estes como embargantes deduzir oposição, peticionando a extinção da execução. Os embargantes invocaram a excepção de falta de título executivo, um eventual incumprimento por facto que não lhes é imputável e a existência de causa prejudicial passível de justificar a suspensão da execução.
O embargado apresentou contestação, defendendo a improcedência da oposição à execução e impugnando a matéria de facto alegada pelos embargantes.
Subsequentemente, num requerimento intitulado «articulado superveniente», os embargantes invocaram a excepção peremptória de prescrição da obrigação exequenda e a excepção dilatória decorrente da falta de integração no PERSI.
Por decisão de 13 de setembro de 2022, o tribunal deu como não escrito o articulado com a ref. 4753197, na parte respeitante à excepção peremptória de prescrição, e consignou que oportunamente seria apreciada a excepção dilatória decorrente da eventual falta de integração no PERSI.
Após realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual foi feito o saneamento tabelar, apreciadas, decididas e julgadas improcedentes a exceção dilatória de falta de título executivo, a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI e apreciado e indeferido o pedido de suspensão formulado pelos embargantes.
Foi indicado o objeto do processo e elencados os temas de prova, admitida a prova e designada data para a audiência final.
Por decisão de 7 de maio de 2024 o tribunal declarou extinta a oposição à execução em relação a B…, nos termos do artigo 47.º n.º 3 do CPC
Realizada a audiência final foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo improcedentes os embargos de executado.
Custas pelo embargante (artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC)”.
Desta decisão interpôs o embargante recurso de apelação, alinhando as seguintes conclusões:
“1. O contrato de financiamento …./09, sucessivamente, alterado, aos 13/11/2010, 13/11/2011,12/11/2012 e 11/01/2014 não tem as características de um título executivo, pois não tem a constituição de uma obrigação de pagamento de qualquer quantia Embargantes, nem qual a quantia que foi liquidada, nem aquela que é devida.
2. O exequente não cumpriu o artº 2.º nº 1 e 12º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, pois nunca promoveu qualquer diligência no sentido de acautelar os interesses dos Embargantes, nem os enquadrou no PERSI.
3. O despacho saneador recorrido violou os artºs 46º nº 1 al. c) e artº 707º do CPC ao não decidir que a prova complementar para a existência de prestações futuras só é possível quando estejam causa documentos autênticos ou autenticados com o argumento de que esta questão ficou prejudicada pela confissão dos Executados, que admitem na petição inicial ter recebido o valor de 1.040.000,00 €.
4. O despacho saneador recorrido, violou o artº 46º nº 1 c) do CPC socorre-se do teor da petição inicial de embargos de executado para aferir da qualidade do documento dado à execução como título executivo, olvidando que o que releva apenas é o teor e a imanência intrínseca do próprio documento no momento da instauração da ação executiva.
5. Só o próprio teor e conteúdo do título dado à execução e não os factos supervenientes num apenso e em embargos de executado, é que qualificam um documento como título executivo.
6. A exequibilidade de um documento como título executivo é uma questão imperativa e de ordem pública, estando arredada de qualquer acordo ou confissão das partes, que não podem modificar a previsão legal.
7. A sentença recorrida não atendeu aos factos que devem ser considerados provados por acordo dada a ausência de impugnação por parte do Embargado, na sua contestação violando os artºs 574º nº 1 e 3 do CPC.
8. O Embargado na sua contestação e nos artºs 15º e 16º não cumpriu o ónus de impugnação especificado, não impugnou a factualidade alegada pelo Recorrente nos artºs da p. i.
9. Devem ser considerados provados pelo Tribunal da Relação os factos alegados pelo Recorrente na p. i, e que a sentença recorrida deu como não provados ( Factos 1,2,3,4,5,6,7,8,9 dos factos não provados) , por acordo das partes por incumprimento do ónus de impugnação especificada por parte do Embargado.
10. Subsidiariamente e para a inesperada hipótese se se entender que o contrato de mútuo é o título executivo, então, mesmo assim, esse documento não preenche os requisito legais, por não se encontrar assinado pelos Executados , mas sim por procurador, mas sem que exista a junção aos autos da procuração, o que equivale a falta de assinatura dos Executados ,
11. Esta sobredita questão nunca foi suscitada nos autos por nenhuma das partes, nem a sentença recorrida a aborda, mas a insuficiência do título é de conhecimento oficioso pelo que deve ser declarada a extinção da execução por manifesta insuficiência deste, uma vez que o mesmo não se encontra assinado pelos executados mas sim por arrogado procurador que não juntou aos autos a procuração nem mandato.
O exequente apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes conclusões:
“I- Vem o Recorrente A… recorrer:
- 1.º: do douto despacho saneador de 12/05/2023, que, entre outros julgou “improcedente a excepção dilatória de falta de título executivo” e, bem assim, a “excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI”;
- 2.º: da douta sentença de 10/07/2024, a qual julgou “improcedentes os embargos de executado.”
II- O embargado, ora Recorrido, organizou a sua resposta da seguinte forma: num primeiro momento, olhou aos factos provados e aos factos não provados e, de seguida, procedeu à análise da apelação, desconstruindo-a, abordando os seguintes temas, e concluindo, a final:
a) Concretizando, do despacho saneador:
1) Da alegada excepção dilatória de falta de título executivo;
2) Da (eventual) falta de integração no PERSI;
3) Prestações futuras.
b) Da sentença:
1) Da alegada não atendibilidade aos factos confessados na contestação dos embargos de executado;
2) Subsidiariamente – da alegada questão de conhecimento oficioso – da alegada inexistência de título executivo (ainda, o contrato de mútuo) – da alegada falta de procuração
III- Isto posto, diz-se, desde logo que, a alegação a que ora se responde é, com o devido respeito, incauta.
IV- Na prática, o embargante arquitecta uma narrativa indemonstrada na sede própria - leia-se, nos articulados e na audiência de julgamento -, socorrendo-se, agora, de forma “forçada”, a institutos jurídicos, cuja génese da correspectiva disposição normativa tem distinto desígnio.
V- Aliás, o embargante, ora Recorrente, nunca colocou em causa a entrega efectiva do valor de 1 200 000,00 €, sendo que toda a defesa parte da premissa de que quantia mutuada foi entregue.
VI- Admitir o inverso tornaria inepta, por contradição insanável, a petição inicial.
VII- O embargante confessou que o empréstimo nunca foi liquidado e que deve efectivamente a quantia peticionada.
VIII- Por este acervo de motivos, outra não podia ser a decisão do tribunal “ a quo”.
IX- Concretizando, do DESPACHO SANEADOR e da alegada excepção dilatória de falta de título executivo: a reflexão acerca da exequibilidade do escrito dado como título, denominado «Financiamento n.º FEC …./09», datado de 13/11/2009, com sucessivas alterações, é feita à luz do artigo 46.º n.º 1 c) do CPC, na redacção anterior.
X- Os escritos particulares dados como título executivo consubstanciam um contrato de abertura de crédito, com sucessivas alterações. Neles se estabelece a possibilidade de ser utilizado um determinado valor pelo embargante, ora Recorrente; cfr. doc.s 1 a 5 junto ao requerimento executivo..
XI- Tendo sido complementados pela disponibilização da quantia mutuada; cfr. extracto junto ao requerimento executivo como doc. 6.
XII- Trata-se, efectrivamente, do extracto bancário n.º 1/2014, alusivo à conta empréstimo – conta corrente, relativo ao período compreendido entre 31/07/2012 a 25/10/2014, o qual reflecte a quantia disponibilizada/mutuada de €1.200.000,00, a ausência de movimentos a crédito, e, por isso, a sua ulterior passagem à gestão da direcção de recuperação de crédito do embargado, porque não paga.
XIII- Aliás, o indicado extracto faz expressa menção ao contrato exequendo mais se indicando que foi remetido para recuperação da divida, nos termos que se transcrevem: “contrato ….05 remetido a 25/10/2014 para recuperação central da dívida de€1.200.000,00 (sobre este montante acrescem juros, comissões e outros encargos, caso existam).” (destaque nosso)
XIV- Vide, pois, e ainda, o aludido extracto, em conjugação com o doc. 1 junto ao requerimento executivo de onde consta na parte superior o número do contrato aposto manuscritamente: …..05.
XV- Extracto bancário que, por seu lado, sequer foi impugnado pelo embargante, ora Recorrente.
XVI- E que faz parte integrante do título executivo.
XVII- Com efeito, o ponto 7.º da Cláusula 38.º das Condições Gerais do contrato junto como doc. 1 ao requerimento executivo, intitulada “disposições diversas” dispõe expressamente que, “os documentos, seja de que natureza forem, incluindo extractos de conta, em que o Cliente figure como responsável (…) faz parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do disposto no artigo 46.º do Código de Processo Civil.”
XVIII- E dita o art.º 707.º do CPC que, “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes (…).
XIX- Ou seja, a prova complementar foi feita através de extrato bancário, porque, de resto, assim expressamente previsto no contrato.
XX- Tendo, nessa conformidade, sido como provado o facto E, com o qual o embargante se conformou.
XXI- Na verdade, insista-se, o embargante sequer colocou em causa a utilização da quantia exequenda.
XXII- Aliás, o embargante confessou que o empréstimo nunca foi liquidado e que deve efectivamente a quantia peticionado.
XXIII- No que tange aos argumentos esgrimidos pelo embargante, ora Recorrente, para defender a falta de título executivo, facilmente se conclui pela manifesta improcedência, visto que os documentos dados como título executivo contêm a identificação das partes, o montante, o prazo e finalidade do financiamento, o regime de utilização, a taxa de juro e a constituição de garantias.
XXIV- Quanto ao mais, o reembolso total ou parcial da quantia mutuada constitui excepção peremptória, a qual tinha de ser alegada e provada pelo embargante, ora Recorrente, não tendo por isso de constar dos documentos juntos pelo credor.
XXV- Perante estes elementos, é mister considerar que os sobreditos documentos, conjugados com a confissão de recebimento efectivo da quantia de € 1.200.000,00 (cf. artigos 4.º, 5.º, 6.º, 12.º, 14.º, 18.º e 19.º da petição inicial), constituem título executivo, porquanto importam a constituição e/ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
XXVI- Tendo, de resto, sido dado como provado o contrato exequendo e as suas subsequentes alterações, bem como a quantia entregue pelo então BES; cfr. factos A a E dos factos provados.
XXVII- Pelo exposto, improcede a excepção dilatória de falta de título executivo.
XXVIII- Tendo, de resto, sido dado como provado o contrato exequendo e as suas subsequentes alterações, bem como a quantia entregue pelo então BES; cfr. factos A a E dos factos provados.
XXIX- Pelo exposto, improcede a excepção dilatória de falta de título executivo.
XXX- A intento a (eventual) falta de integração no PERSI, considerando o disposto no artigo 3.º e) do DL n.º 227/2012, de 25/10, segundo o qual o mesmo se aplica às instituições financeiras que operem em Portugal, é mister concluir que tal diploma não é aplicável o regime do PERSI ao caso vertente
XXXI- Ora, a entidade bancária que celebrou o contrato – Banco Espírito Santo, SA – Sucursal Financeira Exterior (Zona Franca da Madeira) – exercia actividade bancária e intervinha em operações financeiras internacionais com não residentes em Portugal, estando por isso excluída do perímetro do referido diploma; cfr. o facto F dos factos provados, com o qual o embargante se conformou.
XXXII- Demais, nem sequer se alcança como pretende o embargante, ora Recorrente, concatenar a sua alegação de que o financiamento em causa nos autos estava integrado numa larga operação de rentabilização (aquisição de produtos financeiros, aquisição de imóveis, aquisição de empresas offshore) com a noção de «consumidor» adoptada por este diploma
XXXIII- Não se alcança também razoabilidade atendível para se apresentar, agora, a alegar novos factos, que sequer demonstra (“a empresa Executada que adquiriu o imóvel mantém-no na sua posse há mais de dez anos, não o tendo destinado a comércio jurídico”), para “forçar” o enquadramento da situação “sub judice” no visado Decreto-Lei.
XXXIV- Cria, no fundo, uma narrativa à medida do seu subjetivo intento, violando o princípio segundo o qual não é lícito invocar nos recursos questões/factos que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
XXXV- Donde, naufraga a argumentação do embargante, ora Recorrente.
XXXVI- No contexto das prestações futuras, afigura-se que o Recorrente, sabendo não lhe assistir razão, arrazoa, propositadamente de forma pouco clara, chegando, até, a ser ininteligível o seu ponto de vista jurídico.
XXXVII- Com efeito, conforme supra explanado, o embargante demonstrou a disponibilização da quantia mutuada por meio idóneo; cfr. extracto junto ao requerimento executivo como doc. 6, em conjugação com o ponto 7.º da Cláusula 38.º das Condições Gerais do contrato junto como doc. 1 também ao requerimento executivo.
XXXVIII- Cumprindo, portanto, o disposto no art.º 707.º, 1.ª parte., do CPC.
XXXIX- Depois, o próprio embargante confessou logo na petição inicial ter recebido o valor de 1.200.000,00 €.
XL- Mais, os documentos dados como título executivo nos autos contêm a identificação das partes, o montante, o prazo e finalidade do financiamento, o regime de utilização, a taxa de juro e a constituição de garantias; cfr. .factos provados A a D e docs. 1 a 5 juntos ao requerimento executivo - bem como a disponibilização; cfr. facto E dos factos provados e o doc. 6 junto ao requerimento executivo.
XLI- Perante estes elementos, renove-se, é mister considerar que os sobreditos documentos, conjugados com a confissão de recebimento efectivo da quantia de € 1.200.000,00, constituem título executivo, porquanto importam a constituição e/ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
141- Donde, improcede a pretensão do Recorrente.
XLII- A intento da SENTENÇA, a alegada não atendibilidade aos factos confessados na contestação dos embargos de executado, é inconcebível.
XLIII- Vide os art.ºs 12.º a 18.º e 4.º a 24.º da contestação de embargos onde o embargado contesta especificamente tal factualidade, a qual por assim ser foi levada a temas de prova, mediante despacho saneador de 12/05/2023 e objecto da audiência de discussão e julgamento de 25/06/2024 e consequentemente da sentença de 10/07/2024, em crise.
XLIV- Visto o exposto, é visivelmente improcedente o aduzido e pretendido pelo embargado, ora Recorrente, o qual faz, sim, um uso reprovável o processo, atento o disposto no art.º 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do CPC.
XLV- Por fim, a propósito da alegada questão de conhecimento oficioso – da alegada inexistência de título executivo (ainda, o contrato de mútuo) – da alegada falta de procuração, desde logo, não há espaço legal para o excerto da alegação a que ora se responde.
XLVI- O embargante, ora Recorrente, aproveita, no fundo, para lançar a dúvida nos autos, após o douto tribunal “ a quo” ter decidido o pleito.
XLVII- Com efeito, invocou, nos seus embargos, a excepção dilatória de falta de título executivo, a qual foi conhecida e decidida logo no despacho saneador de 12/05/2023, com carácter de improcedência
XLVIII- Nos termos do n.º 1 do art. 195.º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, conduz à nulidade do acto, devendo, por isso, ter- se por não escrito, para todos os efeitos legais; o que se requer.
XLIX- Assim não se entendendo, sempre o presente excerto seria manifestamente extemporâneo, mostrando-se precludidos os direitos de defesa do executado.
L- Por cautela e dever de patrocínio, o embargante, ora Recorrente, reconhece, inclusivamente, que o contrato de mútuo dado à execução está assinado pelo seu procurador.
LI- Depois, a assinatura de C….. foi reconhecida nos termos legais, e sequer foi impugnada pelo embargante, ora Recorrente,. seja a assinatura propriamente dita, seja inclusivamente os poderes de representação que em tempos conferiu ao visado, os quais sequer negou.
LII- Logo, o embargante, ora Recorrente, não demonstra o que aduz, fazendo, de novo, um uso reprovável do processo, ao abrigo do art.º 542.º, n.º 2, alíneas a), b), e d) do CPC, em face
de:
- por um lado, lança a dúvida nos autos (sem a demonstrar), depois de realizado o julgamento, já com sentença, e inclusivamente sequer negando que C…… é seu procurador e sequer impugnando os poderes que lhe conferiu; e
- por outro lado, ter o executado na qualidade de executado/embargante, em sede de declarações de parte, no âmbito da audiência de julgamento que teve lugar aos 25/06/2024 expressamente confessado quer a regularidade do título dado a execução, quer a dívida peticionada, e mais ainda a regularidade do mandado do procurador por si indicado, C…...
LIII- Não é, pois, consentâneo.
LIV- Mais ainda, embora o art.º 734.º, n.º 1 do CPC permita teoricamente a invocação da excepção dilatória de falta de título executivo nos autos principais, entendemos não assistir razão ao embargado, ora Recorrente, desde logo porque a lei não faz depender a exequibilidade da junção da procuração que dá poderes ao representante negocial de um devedor/mutuário.
LV- No caso vertente, como resulta da última página do documento n.º 1 do requerimento executivo, a assinatura foi inclusive reconhecida por notário, tendo sido feita menção expressa aos poderes (qualidade e suficiência) decorrentes da procuração e substabelecimento exibidos, o que afasta quaisquer dúvidas que pudessem subsistir.
LVI- Trata-se, na verdade, de questão que o tribunal superior não pode indagar na presente fase recursal, porque dependia da alegação concreta de que quem assinou não tinha poderes, ou de outro vício, o que o embargante, ora Recorrente, não fez na sede própria: os embargos de executado.
LVII- Ao invés, o embargante, ora Recorrente, assumiu o empréstimo quer na petição inicial de embargos quer em declarações de parte na audiência final.
LVIII- Na audiência final, confessou até que o empréstimo nunca foi liquidado e que deve efectivamente a quantia peticionada, como se fez menção na sentença proferida em 10/07/2024 (cf. penúltimo parágrafo da motivação).
LIX- Acresce que o executado assinou pelo seu próprio punho as alterações ao contrato inicial, como resulta dos documentos n.ºs 2, 3, 4 e 5 do requerimento executivo, o que torna este argumento formal de última hora deveras incongruente.
LX- Em síntese: a exequibilidade dos documentos juntos com o requerimento executivo não está dependente da junção da procuração subscrita a favor do Exmo. Sr. Dr. C……., que assinou o primeiro dos contratos (documento n.º 1 do requerimento executivo) em representação dos executados, porque não foi alegada a prática de acto sem poderes ou outro vício.
LXI- No caso em crise, a excepção dilatória arguida é ostensivamente improcedente.
LXII- Pelo exposto, ter-se-á, pois, de concluir, “in totum”, como no outo despacho saneador e na douta sentença, ambos recorridos.
LXIII- Aliás, os expostos temas (todos) já foram decididos com carácter de improcedência, definitiva, em autos muito idênticos ao presente, ainda que que com distinta sciedade mutuária, títulos exequendos e garantias, que correram termos pelo juiz …. do Juízo de Execução do …., processo n.º 8…/21.8…..-A (embargos) e autos principais.

II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim sendo:
- No recurso do despacho saneador datado de 12 de maio de 2023:
a) apreciar a exceção inominada de falta de integração no PERSI.
b) a prova admitida para as prestações futuras.
- No recurso da sentença proferida em 8 de julho de 2024:
1. não atendibilidade dos factos confessados na contestação dos embargos de executado;
2. Argumento subsidiário – alegada questão de conhecimento oficioso –inexistência de título executivo (para o caso de se entender que o contrato de mútuo (na expressão do recorrente) é o título executivo, por alegada falta de procuração.
III – Fundamentos de Facto
Na sentença recorrida o tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
“1. Factos Provados (A factualidade provada corresponde à matéria dada como assente no despacho saneador.)
A. Por escrito particular outorgado (no Funchal) em 13/11/2009, denominado «Financiamento n.º FEC …./09», que se dá por integralmente reproduzido, o BES (através da Sucursal Financeira Exterior/Madeira Branch, titular do NIPC …) declarou conceder a A….. e B…… (segundos outorgantes) um crédito no montante máximo de 1.325.250,00 €, em conta-corrente, para «aquisição de imóvel» e «fundo de maneio», pelo prazo renovável de 365 dias, a ser reembolsado no prazo de 12 meses, acrescido de juros à taxa anual efectiva de 1,943 %.
B. Por escrito particular de 13/11/2010, denominado «Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC…./09», que se dá por integralmente reproduzido, o BES (através da Sucursal Financeira Exterior na Madeira), A…. e B….. declararam acordar em reduzir o crédito concedido (mencionado na alínea anterior) para o montante máximo de 1.300.000,00 €.
C. Por escrito particular de 13/11/2011, denominado «Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC…./09», que se dá por integralmente reproduzido, o BES (através da Sucursal Financeira Exterior na Madeira), A….. e B….. declararam acordar em reduzir o crédito concedido (mencionado nas alíneas anteriores) para o montante máximo de 1.200.000,00 €.
D. O escrito particular de 13/11/2011 foi ainda alterado por dois escritos particulares denominados «Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC…./09», que se dão por integralmente reproduzidos, datados de 12/11/2012 e 11/01/2014, nos quais o BES interveio através da sua sucursal no Luxemburgo, o Banco Espírito Santo, S.A. - Succursale Luxembourg.
E. No âmbito da operação referida nas alíneas anteriores, o BES entregou a A….. e B….. a quantia de 1.200.000,00 €.
F. O Banco Espírito Santo, SA – Sucursal Financeira Exterior (Zona Franca da Madeira) tinha o seguinte objecto social: «[sic] Actividade bancária, operações financeiras internacionais com não residentes em Portugal».
Factos Não Provados
1. O contrato dado como título executivo foi integrado numa operação de rentabilização de activos financeiros proposta pelo BES aos embargantes.
2. No âmbito dessa operação, os embargantes entregaram ao BES a quantia de 12 000 000,00 €.
3. Foi acordado aplicar os 12 000 000,00 € na aquisição de produtos financeiros do BES, em constituição de empresas offshore, para que estas adquirissem produtos mobiliários ao BES, celebrassem contratos de apoio à tesouraria e investimento, e adquirissem imóveis mediante a celebração de contratos de financiamento com o BES e a constituição de hipoteca legal a favor deste.
4. Foi acordado que os resultados das aplicações do montante de 12 000 000,00 € seriam utilizados para pagar os empréstimos concedidos neste âmbito e capitalização dos lucros sobejantes.
5. Foi acordado que as movimentações das contas de depósito das sociedades offshore seriam feitas, exclusivamente, pelo gestor designado pelo BES.
6. Foi acordado que os empréstimos concedidos seriam também aplicados na aquisição de dois imóveis à escolha dos embargantes, mediante constituição de hipoteca a favor do BES.
7. Foi acordado que o pagamento do empréstimo em causa na presente execução seria feito com o lucro das aplicações feitas com os 12 000 000,00 € em produtos mobiliários resultantes da intermediação financeira do BES.
8. Foi acordado que o BES passaria a gerir os 12 000 000,00 € e que geriria a carteira de activos mobiliários com a obrigação de prestar informação sobre a situação financeira dos mesmos.
9. Por força da operação de rentabilização de activos financeiros, o embargado tinha na sua disponibilidade dinheiro suficiente para liquidar o montante em falta em relação ao contrato dado como título executivo”.
Para além destes factos, para a decisão do recurso de acordo com todas as soluções plausíveis da questão de direito, nos termos prevenidos no artigo 607.º, n.º 4, aplicável aos acórdãos ex vi artigo 663/1 do CPC, mostra-se ainda provado por documentos, cuja veracidade e genuinidade não foi impugnada, que:
G. Com o requerimento executivo a exequente juntou o contrato de financiamento celebrado em 13 de novembro de 2009 por documento particular e as alterações ao mesmo ocorridas em 13 de novembro de 2010, 23 de novembro de 2011, 12 de novembro de 2012 e 11 de janeiro de 2014, um extracto de conta datado de 25 de outubro de 2014 que comprova o depósito efectuado pela exequente na conta do executado n.º ….05 SBL- ZA, da quantia de €1.200.000,00, a escritura pública de constituição de hipoteca e o registo da hipoteca, e, para além dos que foram considerados em primeira instância, alegou os seguintes factos:
« Finalidade: Iniciar Novo Processo
Tribunal Competente: Funchal - Tribunal Judicial da Comarca da Madeira
Especie: Execução Sumária (Ag.Execução)
Valor da Execução: 1 792 005,73 € (Um Milhão Setecentos e Noventa e Dois Mil e Cinco Euros e Setenta e Três Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]
Título Executivo: Outro título com força executiva
Factos:
1.º - O Novo Banco, S.A. sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A. (que figura como credor no(s) título(s) executivo(s) que serve(m) de base a esta execução), na titularidade da(s) obrigação(ões) exequenda(s) e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (cfr. art.º 145.º - G n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras e, ainda, certidão permanente – código de acesso: 5702-3835-4874), sendo, assim, parte legítima (activa), na presente execução (cfr. n.º 1 do art.º 53 e n.º 1 do art.º 54.º do NCPC).
2.º - Em 13/11/2009 o Exequente celebrou com os Executados A….. e B……, um contrato de financiamento …./09, até ao montante máximo global de € 1.325.250,00 (um milhão trezentos e vinte cinco mil e duzentos e cinquenta euros), que foi, sucessivamente, alterado, aos 13/11/2010, 13/11/2011,12/11/2012 e 11/01/2014 - cfr. documentos que se juntam com os n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5.
3.º - O Exequente efectivamente entregou aos Mutuários aí identificados a quantia mutuada – cfr. documento que se junta com o n.º 6.
4.º -Para garantia das obrigações emergentes do contrato de financiamento, constituíram os Executados, a favor do Exequente, hipoteca voluntária sobre o imóvel nomeado à penhora (cfr. documento n.º 7 e 8).
5.º - A última prestação paga pelo(s) Executados() foi a vencida em 01/06/2014, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes, apesar de, por diversas vezes, interpelados para o fazerem pelos serviços do Exequente – o que tornou vencida a dívida na sua totalidade, nos termos do art. 781.º do Código Civil.
6.º - Depois, o documento particular junto como n.º 1, não obstante eliminado das espécies de títulos executivos, do artigo 703º do NCPC, porque anterior àquela alteração, mantêm a anteriormente reconhecida característica de exequibilidade, em atenção ao princípio da segurança e protecção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 847/2014, datado de 3 de Dezembro de 2014.
7.º - O tribunal é territorialmente competente por força do n.º 2 do art. 89.º do CPC.
(…)
Liquidação da Obrigação
Valor Líquido: 1.200.000,00€
Valor dependente de simples cálculo aritmético 592.005.73€
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 1.792.005,73€
1.º - Sobre o capital de € 1.200.000,00 acrescem juros vencidos desde a data da entrada em mora de 01/06/2014 até 09/02/2021, à taxa contratual de 4,259%, acrescida de 3,000% de mora e imposto do selo sobre juros o que totaliza a quantia de € 592.005,73.
2.º - A soma do capital e juros e imposto do selo sobre os juros, calculados nos indicados termos até 09/02/2021, perfaz € 1.792.005,73.
3.º - A final, o Agente de Execução deverá contar os juros vencidos e vincendos, sobre os capitais indicados, até efectivo e integral pagamento, desde 10/02/2021, às indicadas taxas, acrescida de imposto de selo sobre juros – tudo nos termos do disposto no n.º 2 do art. 716.º do CPC”
IV. Fundamentos de Direito
4.1. Recurso do despacho-saneador proferido em 12 de maio de 2023
4.1.1 saber se ocorre a excepção dilatória decorrente da eventual falta de integração no PERSI (conclusão 2).
Alega o recorrente que o exequente não cumpriu o artº 2.º nº 1 e 12º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, pois nunca promoveu qualquer diligência no sentido de acautelar os interesses dos Embargantes, nem os enquadrou no PERSI.
No despacho saneador, pronunciando-se sobre esta questão, o tribunal a quo, julgou improcedentes a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI sustentando que “(…) Aqui chegados, e considerando o disposto no artigo 3.º e) deste diploma, segundo o qual o mesmo se aplica às instituições financeiras que operem em Portugal, é mister concluir que não é aplicável o regime do PERSI ao caso vertente.
Com efeito, a entidade bancária que celebrou o contrato – Banco Espírito Santo, SA – Sucursal Financeira Exterior (Zona Franca da Madeira) – exercia actividade bancária e intervinha em operações financeiras internacionais com não residentes em Portugal, estando por isso excluída do perímetro do referido diploma; cfr. o facto F dos factos provados, com o qual o embargante se conformou”.
Apreciando.
Vejamos, então, o que decorre do invocado regime do PERSI.
O Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a protecção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida.
Desta forma, após a entrada em vigor do referido diploma, as instituições bancárias ficam obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado DL nº 272/2012, de 25 de Outubro), “no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”.
De entre as situações em que a instituição de crédito terá necessariamente de iniciar o PERSI, inclui-se aquele em que “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI”. Assim, o DL 227/2012 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, decorrente da actual e progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criem um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que possibilitem o cumprimento. Trata-se de um conjunto de medidas e procedimentos destinados a impulsionarem e facilitarem a regularização extrajudicial (evitando o recurso aos tribunais) das situações de incumprimento dos contratos de crédito celebrados pelas instituições de crédito com clientes que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas, designadamente, através da criação do PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do cliente e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades daquele. Impõe a estas instituições, entre outras, a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento (Ver, detalhe no artigo 6.º, do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 e anexo I), a disponibilizar, aos clientes bancários, informação sobre os procedimentos implementados para a regularização das situações de incumprimento em resultado da aplicação das regras previstas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e legislação complementar – dever de informação a todos os clientes bancários que se encontrem em situação de mora no cumprimento dos contratos de crédito (situações de mora anteriores ou posteriores à entrada em vigor da legislação em causa). Certo é que, no período compreendido, entre a data de integração do cliente no PERSI e a extinção, por qualquer motivo, deste procedimento, as instituições de crédito estão impedidas de: – Resolver o(s) contrato(s) de crédito com fundamento em incumprimento; – Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos; – Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do(s) crédito(s) em causa; – Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. art. 18, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012).
Este regime foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 6 de agosto, mantendo, contudo, a sua essencialidade, na questão que ora nos ocupa.
O artigo 12º do referido diploma estabelece, genericamente, que «[a]s instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.». Concretizando estas diligências, o artigo 13.º, sob a epígrafe «Contactos preliminares» estabelece que «[n]o prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.». Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, tem lugar a “fase inicial” do PERSI, regulada no artigo 14º do diploma em análise, sendo a instituição bancária credora obrigada a integrar o cliente bancário no PERSI «entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa» (cfr. o nº 1 do referido artigo 14º), bem como a «informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro» (cfr. o nº 4 do mesmo artigo 14º). Seguem-se as fases de “avaliação e proposta” e de “negociação”, reguladas, respectivamente, nos artigos 15º e 16º do dito Decreto-Lei, ocorrendo a extinção do PERSI nas situações previstas no artigo 17º do mesmo, sendo que, tal como acontece com a integração no PERSI, a instituição bancária está também obrigada a informar o cliente bancário «através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento» (cfr. o nº 3 do referido artigo 17º), extinção essa que só produz os seus efeitos após essa comunicação, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 17º.
Decorre, assim, deste regime do Decreto-Lei nº 227/2012, que as instituições de crédito, relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, estão obrigadas a um procedimento que tem em vista esgotar as hipóteses de renegociação do crédito, daí resultando para os clientes um conjunto de garantias enunciadas no artigo 18º do referido diploma, entre elas a de que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento; b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito; c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão; ou d) transmitir a sua posição contratual (cfr. as alíneas a) a d) do nº 1 do referido artigo 18º).
Assim, o PERSI constitui um procedimento pré-judicial que comporta três fases de natureza obrigatória: fase inicial, fase de avaliação e proposta, e fase de negociação, com vista a possibilitar a composição do litígio por mútuo acordo entre credor e devedor.
Sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI e a inerente comunicação (cfr. artigo 14º), bem como a comunicação da sua extinção (cfr. artigo 17º), se o credor instaurar qualquer acção judicial (declarativa ou executiva) tendo em vista a cobrança do crédito a preterição deste procedimento ou a falta de demonstração de que ele teve lugar constitui uma excepção dilatória inominada que conduzirá à absolvição da instância [cfr., neste sentido, e entre outros, os Acórdãos do STJ de 09-12-2021 (proc. n.º 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2022 (proc. n.º 824/20.2T8ANS.C1), do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2022 (proc. n.º 1112/20.0T8LOU-A.P1) e de 07- 03-2022 (proc. n.º 121/20.3T8VLG-A.P1), (todos acessíveis in www.dgsi.pt] ou, segundo outro entendimento, configura-se como falta de verificação de uma condição objectiva de procedibilidade, a enquadrar, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias [cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 06-10-2016 proc. n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, e de 28-06-2018 proc. n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-09-2020 proc. n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7 e de 14-07-2022 proc. n.º 6804/14.0T8ALMC.L1-2 e do Tribunal da Relação do Porto, de 10-03-2022 proc. 8027/14.7T8PRT.P1].
Conforme referido, as comunicações a que se referem os artigos 14º nº 4 (integração do devedor no PERSI) e 17º nº 3 (extinção deste procedimento) do referido Decreto-Lei nº 227/2012, têm de ser feitas ao devedor em suporte duradouro, que consiste em «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas» (cfr. al. h) do artigo 3º do dito diploma), portanto reconduzível à noção de documento estabelecida no artigo 362 do Código Civil.
É pacífico que tais comunicações são declarações receptícias (artigo 224 do Código Civil), e não podendo perder de vista que o regime em causa atenta nas assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito, que o PERSI consiste num instrumento concebido pelo legislador para protecção dos clientes bancários consumidores que se encontram em dificuldades financeiras para cumprirem as suas obrigações, e que, nesse conspecto, recaem sobre a instituição bancária os deveres acima mencionados entre eles o de proceder à integração do devedor no PERSI, extinção deste, e correspondentes comunicações, logo se alcança que cabe à instituição bancária credora o ónus de prova da integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e das respectivas comunicações a este em suporte duradouro (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-10-2020, Pº 6/19.6T8GMR-A.G1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-05-2022, Pº 829/17.0T8ENT-D.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022, Pº 172/20.8T8VLF-A.C1); não apenas a demonstração, num plano puramente formal, da existência material dessas comunicações, mas a demonstração de que tais comunicações foram enviadas e efectivamente recebidas pelo devedor ou que, de alguma forma, as mesmas chegaram ao seu conhecimento, porquanto apenas o real conhecimento delas por parte do devedor permite realizar o objectivo da lei de alcançar, por via negocial, medidas para a superação das dificuldades do devedor no cumprimento das responsabilidades assumidas, mediante renegociação ou modificação do modo de cumprimento da dívida, esgotando as hipóteses de renegociação do crédito (cfr. neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.02.2022, proc. 1091/20.3T8OVR-A.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2022, Pº 824/20.2T8ANS.C1).
Ora, nos autos, é o recorrido que reconhece não ter integrado o recorrente/embargante no PERSI, não só por entender não se aplicar a este o identificado diploma 227/2012, de 25 de outubro, como também porque o contrato com este celebrado, e posteriores alterações, dificilmente permitirão incluir o recorrente na categoria de “consumidor” a que alude o diploma referido.
Não concordamos com a decisão recorrida, atentos os dois argumentos, que de seguida apresentamos:
Em primeiro lugar, é claro que os documentos dados como título executivo consubstanciam um contrato de abertura de crédito, com posteriores alterações, em que o ora recorrente assume a posição de consumidor, tal como definido na Lei 24/96, de 31 de Julho- Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios. Repare-se no facto provado A da decisão recorrida da qual consta que “Por escrito particular outorgado (no Funchal) em 13/11/2009, denominado «Financiamento n.º FEC …./09», que se dá por integralmente reproduzido, o BES (através da Sucursal Financeira Exterior/Madeira Branch, titular do NIPC …) declarou conceder a A….. e a B…. (segundos outorgantes) um crédito no montante máximo de 1.325.250,00 €, em conta-corrente, para «aquisição de imóvel» e «fundo de maneio», pelo prazo renovável de 365 dias, a ser reembolsado no prazo de 12 meses, acrescido de juros à taxa anual efectiva de 1,943 %” e nos factos não provados n.º 1 a 9 dos quais consta, nomeadamente que não se provou que “1. O contrato dado como título executivo foi integrado numa operação de rentabilização de activos financeiros proposta pelo BES aos embargantes.
Em segundo lugar, o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que estabelece regras para a prevenção e resolução extrajudicial do incumprimento de contratos de crédito, abrange todas as instituições de crédito que operam em território português (aqui se incluindo as sucursais de instituições com sede noutros países e as que operam na Zona Franca da Madeira). A lei visa proteger os clientes bancários, obrigando as instituições a implementar sistemas para identificar o risco de incumprimento e a prestar apoio e acompanhamento no processo de regularização de dívidas.
Ora, a entidade bancária interveniente no caso dos autos foi o Banco Espírito Santo, SA – Sucursal Financeira Exterior (Zona Franca da Madeira) que tinha o seguinte objecto social: «[sic] Actividade bancária, operações financeiras internacionais com não residentes em Portugal (alínea F) da matéria de facto provada».
O Novo Banco, S.A. sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A.
Quer o Banco Espírito Santo, SA quer o Novo Banco, SA são entidades bancárias com sede em Portugal, que atuaram, no caso, através da sua sucursal, entendendo-se por esta o “estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa” (artigo 13/5 do Decreto-Lei 298/92, de 31 de dezembro).
É o facto de a instituição de crédito operar em território português que define a aplicabilidade do Decreto-lei 272/2012, de 25 de outubro, e não, como refere a decisão recorrida, a nacionalidade do(s) contraente(s).
Por isso, é aplicável ao caso dos autos o Decreto-Lei 272/2012, de 25 de outubro.
Aqui chegados se conclui que o recorrido não integrou o recorrente no PERSI e por isso verifica-se a excepção dilatória inominada impeditiva da instauração da execução, que conduz à extinção da instância executiva, devendo ser revogada a decisão recorrida.
Perante a procedência do recurso, nesta parte, não se conhece, por inútil, das outras questões invocadas nas alegações e conclusões recursivas.
V. Custas.
A responsabilidade tributária inerente, nesta instância, incidirá sobre o recorrido, atento o seu decaimento, em conformidade com o regime resultante do artigo 527/1 e 2 do CPC.
VI. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão proferida.
Custas a cargo pela recorrida.

Escrito e revisto pela Relatora.
Assinaturas eletrónicas.
Lisboa, 9 de outubro de 2025
Maria Teresa Lopes Catrola
Carla Matos
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros