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INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. É pacífico que são as conclusões do recurso que contêm e delimitam as questões que são submetidas pelo Recorrente à apreciação do tribunal superior, como decorre dos art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC, pelo que não importa avaliar as questões sobre as quais a decisão recorrida se pronunciou, definindo e interpretando a legislação aplicável ao caso, quando as mesmas não vêm a merecer por parte da Recorrente uma manifestação de contrariedade nas conclusões de recurso 2. O art.º 96.º do CPC estabelece os casos de incompetência absoluta do tribunal, distinguindo, na al. a) a infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; e na al. b) a preterição de tribunal arbitral, sendo que a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral não se confunde com a infração das regras de competência do tribunal em razão da matéria ou das regras de competência internacional. 3. O Regulamento 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 - relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria Civil e comercial, reporta-se, no seu art.º 25.º a pactos atributivos de jurisdição e não a pactos ou convenções arbitrais, o que constituem convenções distintas. 4. O Regulamento 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, exclui do seu âmbito de aplicação a arbitragem, como decorre do art.º 1.º que regula o âmbito de aplicação e definições do Regulamento, prevendo expressamente no seu n.º 2 al. d) que “O presente regulamento não se aplica à arbitragem”, o que também resulta explicado no ponto (12) das considerações iniciais que constam do diploma em questão.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem a CESMAN – Exportação e Importação, Lda. intentar a presente ação declarativa de condenação, contra a Hill’s Pet Nutrition España, SL e Bio 2 – Representações e Comércio de Produtos Agropecuários, SA, pedindo a condenação da 1ª R. no pagamento da quantia de 157.163,99€ a título de não cumprimento de aviso prévio, e de 146.868,57€ a título de indemnização prevista no art.º 32º, do DL 178/86, bem como a condenação de ambas as RR. no pagamento da quantia de 593.174,40€ de indemnização de clientela, tudo acrescido de juros de mora calculados à taxa legal a partir da citação.
Alega, em síntese, para fundamentar os seus pedidos, que:
- em 01.01.2005 celebrou com a 1ª R. um contrato de distribuição comercial, que vigorou até 31.12.2021, formalizado em vários documentos escritos assinados anualmente pelas partes, nos termos do qual a R. lhe concedeu o direito de proceder à distribuição e venda, em Portugal, dos produtos por aquela comercializados, sob as marcas registadas Hill´s Science Plan, Hill´s Prescription Diet e Hill’s Vet Essential, passando a ser o distribuidor para Portugal dos produtos daquela sociedade (HILL’S);
- o contrato tinha um período de vigência inicial de 1 ano, expirando automaticamente na data de vencimento, a não ser que, antes do vencimento, as partes entrassem em negociações sobre os termos e condições para um novo acordo, por escrito, e foi executado normalmente por ambas as partes desde janeiro de 2005 até dezembro de 2020, tendo-se renovado em 01.01.2021 até 31.12.2021.
- em fevereiro/2021, a 1ª R. enviou A. o contrato de distribuição para vigorar nesse ano e, em março de 2021, envia uma nova versão do contrato de distribuição para vigorar no ano de 2021, com efeitos a partir de 1 de abril de 2021, em que altera substancialmente as condições contratuais, no que respeita a vendas, margens e comissões da A., aumentando o preço dos produtos e reduzindo a margem de lucro da A. de 26% para 16,8%;
- em 21 de junho de 2021, a HILL’S comunicou por escrito a sua decisão de não prorrogar o prazo do contrato de distribuição após a data de vencimento (31.12.2021) e que o contrato (de distribuição) em vigor para o ano de 2021, permanecia “inalterado”, apenas, com as alterações, entretanto, impostas, no decorrer deste ano, e com a especificidade de certos detalhes relacionados com o termo do contrato, e que estariam previstos num acordo de transição, a formalizar no final da vigência do contrato;
- posteriormente ao envio da carta de denúncia do contrato, a 1ª R. enviou à A. uma proposta do Plano de Negócios Modelo para Portugal, destinado a vigorar para o ano de 2022, propondo a venda direta a clientes, ficando a A. com clientes próprios, alterando a margem de lucro da A. para 10,8% e passando a 1ª R. a cobrir todo o investimento com o marketing, o que a A. aceitou, invocando a 1ª R. um novo Projeto para Portugal, que passava por a A. ficar apenas como distribuidor e armazenista dos produtos em Portugal, ficando a força de vendas a seu cargo e pediu à A. que elaborasse um outro Plano de Negócios para 2022, que satisfizesse a nova filosofia da empresa Hill´s, que passaria a vender diretamente em Portugal, o que a A. aceitou, elaborando novo Plano de Negócios para 2022;
- a A. concluiu que o contrato existente seria cumprido até ao final do ano de 2021 e que a carta a denunciar o contrato com efeitos no final do ano, apenas se compreendia tendo em vista o processo de restruturação e de toda a filosofia da 1ª R., que passava pelo alargamento das suas vendas diretas em Portugal, criando-lhe uma expectativa de continuação do negócio para o ano de 2022, em moldes diferentes dos que existiam nos sucessivos contratos que foram formalizados ao longo dos 16 anos de relacionamento comercial;
- a partir de junho de 2021, a 1ª R. começou a ratear os fornecimentos à A., o que determinou para esta não ter podido cumprir com as encomendas efetuadas pelos seus clientes, no valor de 287.250€, e consequente perda de margem de lucro (16,8%) no valor de 48.258€, e impedindo-a de receber o rappel de 3% sobre as suas compras à Hill’s, no valor de 8.617,50€;
- paralelamente, veio a saber que a 1ª R., na execução da sua estratégia, em agosto de 2022, encontrava-se no mercado português, a negociar com a 2ª R., que passaria a ser o novo distribuidor em Portugal;
- por e mail de 27.09.2021, a 1ª R. informou a A. de um aumento dos preços em 8%, com efeitos em 1 de novembro/2021, reduzindo ainda mais as margens de lucro, tendo a A., para não prejudicar os seus clientes, decidido absorver esse aumento, reduzindo a sua margem de lucro de 16,8% para 8,8%, o que a impediu de auferir a sua margem de lucro no valor de 71.738,85€;
- devido a esta atuação da 1ª R., foi obrigada a oferecer um desconto de 2% aos seus clientes para vender os produtos, o que determinou um prejuízo de 8.540,34€ no mês de novembro e de 30.156,60€ em dezembro/21;
- por causa dos rumores que corriam no mercado sobre o novo distribuidor e com a 1ª R. a celebrar contratos de rappel com os clientes da A., ainda na vigência do contrato, a 1ª R. congelou por completo as relações comerciais da A. com os seus clientes, pelo que deixou de receber qualquer retribuição por contratos negociados e concluídos em novembro de 2021, respeitantes aos produtos da 1ª R. que envolveram a sua clientela;
- ainda em novembro de 2021, a 1ª R. anuncia publicamente o fim do contrato, publicando numa revista veterinária uma informação sobre a alteração do mercado português a partir de 1 de janeiro de 2022, enviando tal informação a vários clientes seus;
- a cessação do contrato pela 1ª R. tem de caracterizar-se como denúncia sem observância de pré aviso, tendo a 1ª R., ainda na vigência do contrato e no período de pré aviso, adotado um comportamento em violação do princípio da confiança, num verdadeiro venire contra factum proprium, traindo as suas legítimas expectativas e os ditames impostos pela boa fé, assistindo-lhe o direito a ser indemnizada nos termos do nº 2 do art. 29º, do art. 32º e arts. 33º e 34º, todos do DL 178/86;
- tem ainda direito a ser indemnizada nos termos do art. 33º do DL 178/86, pela clientela, tanto mais que, não obstante, não ter dado autorização para a utilização da sua firma: CESMAN, Lda.- em produtos Hill’s Pet Nutrition – as RR. não se coibiram, a partir de 1 de janeiro de 2022 e até à presente data, de utilizar indevidamente a mesma e o seu contacto telefónico em todos os produtos Hill’s comercializados em Portugal e noutros países da Europa;
- a 1ª R. nomeou concessionário dos produtos da marca Hill’s em Portugal a aqui 2ª R. para o ano de 2022 que assim, passou a beneficiar diretamente do esforço promocional desenvolvido pela A em favor daqueles produtos, que tiveram como resultado a angariação de 1136 clientes, que continuaram a adquirir os produtos Hill’s e a vendê-los.
Devidamente citadas as RR. vieram contestar a ação.
A R. BIO 2- Representações e Comércio de Produtos Agropecuários, S.A. veio contestar invocando a sua ilegitimidade processual para a presente ação e caso assim não se considere conclui pela improcedência dos pedidos quanto a si.
A R. Hill’s Pet Nutrition Espana, S.L. veio também apresentar contestação. Começou por excecionar a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral, alegando que: é uma sociedade de direito espanhol que se dedica à comercialização de produtos de alimentação para animais domésticos da marca Hill´s Pet Nutrition em Espanha e Portugal, sendo a comercialização dos referidos produtos em Portugal feita através de empresas distribuidoras portuguesas e tendo a A. sido sua distribuidora, vendendo produtos Hill´s no mercado português desde 2005, ao abrigo de diversos contratos de distribuição celebrados ao longo dos anos; em todos os contratos que foram celebrados entre as partes, foi sempre acordada e fixada uma cláusula arbitral, como a cláusula 19. do contrato junto como Doc. 1 da petição inicial, que dispõe:
«19. RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS E DIREITO GOVERNAMENTAL 19.1 As partes comprometem-se a tentar resolver qualquer disputa, desacordo ou reclamação relativa ao presente Acordo, incluindo mas não se limitando à sua preparação, validade, efeitos legais, interpretação, execução, não execução ou rescisão, através de negociações que não podem exceder o período mínimo de trinta (30) dias de calendário a contar da data da notificação correspondente. 19.2 Caso não seja possível chegar a acordo, qualquer das Partes pode submeter o litígio a arbitragem em conformidade com as regras então existentes da Câmara de Comércio Internacional: 19.2.1 O local designado para a arbitragem será Praga, República Checa; 19.2.2 A língua a ser utilizada no processo de arbitragem será o inglês; 19.2.3 A disputa será ouvida e decidida por três árbitros, um seleccionado por cada Parte e o terceiro seleccionado pelos dois árbitros seleccionados pelas Partes; 19.2.4 Os custos e honorários razoáveis relativos ao processo de arbitragem serão pagos por ambas as Partes em conjunto e em partes iguais, e cada Parte pagará os custos dos seus próprios advogados e peritos, a menos que o painel de arbitragem decida em contrário; e 19.2.5 A decisão do painel de arbitragem será final e vinculativa. 19.3 Durante o período de arbitragem, as partes continuarão a exercer os seus respectivos direitos e a cumprir as respectivas obrigações nos termos do presente Acordo, excepto no que diz respeito à questão que tenha resultado na instauração do processo arbitral. 19.4 A validade, execução e interpretação de todas as cláusulas do presente Acordo, bem como os direitos e obrigações das Partes no presente Acordo, serão regidos pelas leis de Espanha. 19.5 A resolução de todos os conflitos, disputas ou reclamações deve ser feita de acordo com as leis de Espanha.»;
Conclui pela verificação da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, pedindo a sua absolvição da instância. Mais impugna os factos alegados pela A., pedindo a final a improcedência dos pedidos contra si formulados.
Em resposta, a A. veio pronunciar-se pela não verificação da exceção suscitada, contrapondo que:
- no número 19.2 do Contrato diz-se que caso não seja possível chegar a um acordo, qualquer uma das partes poderá submeter a controvérsia à arbitragem de acordo com as regras então existentes na Camara de Comércio Internacional, sendo o local designado para a arbitragem Praga, República Checa, mas o que não diz é que o Tribunal arbitral de Praga é o único competente;
- também, no número 19.5 do Contrato diz-se que a resolução de todos os conflitos, disputas ou reclamações deve ser feita de acordo com as leis de Espanha, não fazendo qualquer sentido, face a todo o conteúdo da cláusula que o vendedor possa recorrer ao Tribunal arbitral – o de Praga - e aplicar a lei espanhola e o Distribuidor apenas possa recorrer ao Tribunal arbitral de Praga, com exclusão de qualquer outro, pois tal ofenderia grave e clamorosamente o princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa, que vincula quer as entidades públicas, quer as privadas, nos termos do nº 1 do artº 18º da mesma CRP;
- o contrato que foi junto sob o Doc. 1 com a p.i. não foi negociado individualmente pelas partes: foi presente em globo pela Hill’s Pet Nutrition España,S.L. ao representante da aqui A. que não teve outro remédio – se queria ficar com a Distribuição – que assiná-lo, sendo-lhe aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais constantes do DL 446/85, de 25.10, nos termos de cujo art. 17º, nas relações entre empresários são proibidas as cláusulas contratuais contrárias à boa-fé (artº 15º) e são proibidas (relativamente) cláusulas que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
- nos termos do disposto no art. 38º, do DL178/86, de 03.07, “os contratos (regulados por este diploma) que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente”: no caso para o concessionário (distribuidor), pelo que, em matéria de cessação do contrato de concessão comercial será sempre aplicável a legislação portuguesa – substantiva e processual e a lei estrangeira em abstrato potencialmente aplicável apenas o será se for mais vantajosa para o concessionário (que desenvolva a sua atividade em território nacional), o que não é o caso;
- ainda assim, a invocação pela ré contestante desse mesmo direito quando, tendo sede em Madrid, nenhum interesse tem em que o conflito seja decidido num Tribunal arbitral Checo, constituiria um claro abuso de direito, e é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art. 334º do Cód. Civil -, sendo, pois, o Tribunal Português, competente para dirimir o conflito.
Em face do invocado abuso de direito e pretendo o tribunal conhecer da mencionada exceção, foi concedido o contraditório à R., que aduziu:
- contrariamente ao que alega a autora a cláusula 19. do contrato em discussão nos presentes autos diz que, por vontade das partes contratantes, o Tribunal Arbitral de Praga será o único Tribunal competente para dirimir qualquer litígio emergente do contrato de distribuição em causa, sendo evidente sentido do uso da palavra “pode” (tradução de “may”) usada na cláusula 19.2: caso não seja possível chegar a acordo, qualquer uma das partes pode submeter o litígio à arbitragem; caso contrário pode optar por não litigar de todo;
- não se consegue compreender em que medida é que o estabelecimento de uma cláusula arbitral e a escolha de lei – algo que está na disponibilidade das partes – pode colidir com o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
- o argumento de que o contrato de distribuição está sujeito ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais também não tem – salvo o devido respeito e melhor opinião – qualquer cabimento, pois, não só o contrato de distribuição em discussão nos presentes autos está longe de poder ser considerado um modelo pré-elaborado – tendo sido minuciosamente discutido entre as partes antes da sua celebração, como a autora não assume, no mesmo, a posição de “cliente” ou “consumidora”.
- sem prejuízo, a cláusula 19. do contrato de distribuição não só não é atentatória da boa-fé – sendo as partes totalmente livres de estabelecer cláusulas arbitrais se assim o entenderem –, como não se enquadra em nenhuma das alíneas dos artigos 18.º e 19.º do DL 446/85, de 25.10 – sendo certo que, tendo presente que a autora é uma sociedade comercial de Direito português e a R. uma sociedade comercial de Direito espanhol, não se poderá considerar que a escolha do foro “envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem”;
- contrariamente ao que alega a A., o disposto no art. 38º do DL 178/86, de 03.07, respeita somente à lei substantiva e não à lei processual, pois, se tal como se refere, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14.11.2006, no âmbito do processo nº 06A3304, as partes num contrato de distribuição são livres de escolher qual o tribunal (judicial) internacionalmente competente para dirimir litígios “nascidos após a cessação do contrato mas com ele relacionados”, então também são livres de estabelecer – como aconteceu no contrato em discussão nos presentes autos – cláusulas arbitrais.
- invocar, agora, a invalidade da cláusula 19. com esse fundamento, estaria a agir em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ainda para mais atendendo a que em todos os contratos de distribuição (anuais) celebrados por ambas, entre 2005 e 2021 – foi fixada uma cláusula arbitral semelhante à contemplada na cláusula 19. do Doc. 1 junto com a petição inicial.
- não consegue compreender em que medida é que atribuir a competência ao Tribunal Arbitral de Praga constitui abuso de direito, nomeadamente quando é consabido que este é um dos melhores e mais procurados tribunais arbitrais na Europa – o que poderá ser facilmente constatado através do artigo publicado no Eurojuris International, que junta, como é do conhecimento da A.;
- nos termos e para os efeitos do disposto no art. 5º, nº 1, da Lei da Arbitragem Voluntária “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância”, sendo que nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do mesmo diploma legal “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.
Foi proferida decisão que concluiu pela procedência da exceção da incompetência absoluta do tribunal judicial para tramitar e julgar a presente ação, por a mesma caber ao tribunal arbitral, absolvendo as RR. da instância.
É com esta decisão que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue verificada a competência do tribunal Judicial para a presente ação, apresentando as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A- O Tribunal Recorrido não apreciou a parte substantiva da clausula sobre a competência inserida no contato de agência, como lhe impõe a Lei comunitária, nomeadamente o art.º 25º do Regulamento EU 1215/2012, que impõe a apreciação da validade substantiva, ao excecionar “ a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substancialmente nulo”;
B- Tal é reforçado pelo ponto 20 do preâmbulo do mesmo Regulamento, onde expressamente se refere que “A questão de saber se o pacto atributivo de jurisdição a favor de um tribunal ou dos tribunais de um Estado-Membro é nulo quanto à sua validade substantiva deverá ser decidida segundo a lei do Estado-Membro do tribunal ou tribunais designados no pacto, incluindo as regras de conflitos de leis desse Estado-Membro”.
C- No caso concreto se o Tribunal a quo tivesse feito essa apreciação substantiva, concluiria que o pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes em causa é nulo à luz da Lei Espanhola e, consequentemente que são os Tribunais Portugueses os competentes para dirimir este litígio.
D- É o que deveria ter feito em decorrência da aplicação da Lei comunitária, nomeadamente a previsão excecionada do art.º 25.º do Regulamento n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, e a necessária e consequente aplicação da Lei espanhola para aferir a nulidade do pacto, resultando que nenhuma interpretação existe que não seja a da competência dos tribunais portugueses, como sempre se defendeu.
E- De acordo com a lei espanhola, nomeadamente a disposição adicional segunda da Lei 12/1992, de 27 de maio, supra transcrita, conclui-se que, por norma de caracter imperativo, as ações sobre contratos de agência têm de ser julgadas pelo tribunal do domicílio do agente e, qualquer pacto contrário é nulo.
F- Nesta medida, como no caso em concreto nem Espanha nem a República Checa não são o país do domicílio do agente, tal pacto atributivo de jurisdição é nulo e o Tribunal de Praga não é competente. Assim, por força da Lei comunitária que expressamente remete para a Lei nacional –a Lei Espanhola – são os Tribunais Portugueses os competentes para dirimir o presente litígio.
G- Também, a aplicabilidade das normas da lei espanhola, nomeadamente a ley 12/1992, de 27 de mayo é inequívoca, pois, de acordo com a Convenção de Haia, caso as partes estipulem no contrato celebrado qual a lei aplicável é essa que se aplica - Artigo 5.º Convenção de Haia – “A lei interna designada pelas partes regula a relação de representação entre o representado e o intermediário. A designação deve ser expressa ou resultar com razoável certeza das disposições do contrato e das circunstâncias da causa.”
H- No caso concreto como as partes estipularam no contrato de agência celebrado que a lei aplicável é a lei espanhola é essa lei que se aplica. E, mesmo que assim não fosse, por força quer do artigo 25º quer do ponto 20 do preâmbulo do Regulamento 1215/2012, de 12 de dezembro, sempre será à luz da Lei espanhola que terá de se aferir da validade substantiva do pacto atributivo de jurisdição, por estas disposições remeterem para a Lei do Estado-Membro designado no pacto.
I- Após uma apreciação substantiva do pacto atributivo de jurisdição que culmina na nulidade do mesmo, deverá aplicar-se a exceção prevista no artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e recorrer quer ao disposto na Lei espanhola, quer ao artigo 7º do mesmo Regulamento.
J- De acordo com o artigo 7º referente à competência especial, desconsiderando o pacto atributivo de jurisdição celebrado entre as partes, é competente o tribunal do lugar do cumprimento da obrigação em questão, que no caso de venda de bens, é no Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, ou seja Portugal. Assim, mais uma vez, quer por força da lei espanhola quer por força do Regulamento da UE, o tribunal competente é o tribunal português.
K- A presente clausula de competência configura uma verdadeira fraude á lei no conflito de jurisdições, com o intuito de evitar a competência do tribunal que normalmente seria competente ou de provocar a competência de um outro tribunal.
L- Também a lei portuguesa, no seu artigo 94º do CPC, embora seja derrogada em benefício do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, estipula que um dos requisitos de validade do pacto atributivo de jurisdição é a aceitação pela lei do tribunal designado, o que não se verifica no caso em concreto como supra demonstrado.
M- Confrontados e conjugados todos os ordenamentos jurídicos relevantes para a presente demanda, o tribunal competente é o tribunal português, não podendo ser outro.
N- Sob pena de nenhum tribunal existir para julgar o pleito, gerando-se um vazio e impossibilidade de acesso aos Tribunais Constitucionalmente protegido.
O- Ao declarar-se incompetente, e absolver as Rés da instância, o Tribunal recorrido abriu portas a esse vazio, e violou, entre outros, o disposto nos artigos 25º e 7º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, bem como o ponto 20 do preâmbulo do mesmo Regulamento, a lei espanhola, nomeadamente a disposição adicional segunda da Ley 12/1992, de 27 de maio e os artigos 94º do CPC.
P- Pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que reconheça a competência internacional deste Tribunal ou dos tribunais portugueses, com o consequente prosseguimento da ação de processo comum.
Q- Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, por provado, revogando-se, consequentemente, a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, reconheça a competência internacional dos Tribunais Portugueses, com o consequente prosseguimento da ação de processo comum”.
A R. veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e manutenção a decisão recorrida.
II. Questões a decidir
É apenas uma a questão a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine :
- da (im)procedência da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que resultam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito - da (im)procedência da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral
Vem a Recorrente alegar que à luz do Regulamento (UE) 1215/2012 de 12 de dezembro, bem como da Lei Espanhola - Ley 12/199 de 27 de maio e do art.º 94º do CPC, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar e decidir a presente ação, não se verificando a incompetência absoluta do tribunal.
A decisão recorrida considerou procedente a exceção da incompetência absoluta do tribunal, por competir ao tribunal arbitral a tramitação e julgamento da pressente causa, atenta a convenção contratual nesse sentido.
Em face da forma como a Recorrente vem configurar o seu recurso, importa chamar a atenção para duas situações.
Em primeiro lugar, verifica-se que a A. veio anteriormente pugnar no sentido de não se verificar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral suscitada pela R., referindo em síntese que: (i) a cláusula 19ª do contrato celebrado entre as partes, atenta a sua redação, apenas consagra a possibilidade, que não a obrigatoriedade, das partes recorrerem ao tribunal arbitral para dirimir os conflitos entre elas resultantes do contrato; (ii) ao estabelecer em Praga, República Checa, o local designado para a arbitragem, é violado o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP; (iii) a cláusula arbitral em questão não foi negociada entre as partes, correspondendo a uma cláusula contratual geral que é nula; (iv) o art.º 38.º do DL 178/86 de 3 de julho, determina que apenas é aplicável lei diferente da portuguesa se for mais favorável, pelo que sempre se verifica um abuso de direito por parte da R. ao invocar a competência de um tribunal arbitral Checo, quando a atividade da A. sempre se desenvolveu em Portugal, aqui se situando o seu domicílio.
O tribunal a quo apreciou e decidiu estas questões no âmbito da sentença que veio a proferir, indicando a legislação aplicável e a interpretação seguida, constatando-se que a Recorrente, não obstante aluda às mesmas de forma muito sintética na motivação do seu recurso, a verdade é que, nas suas conclusões, não contraria o referido na sentença quanto a esta matéria, não submetendo nenhuma destas questões à apreciação deste tribunal.
Nas conclusões do recurso que apresenta a Recorrente vem antes invocar “que o pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes” é nulo, por violar o art.º 25.º do Regulamento (EU) 1215/2012 de 12 de dezembro, bem como a Lei Espanhola que as partes consideraram aplicável - Ley 12/199 de 27 de maio - que determina que as ações sobre contratos de agência têm de ser julgadas pelo tribunal do domicílio do agente, e até o art.º 94º do CPC, embora afirmando que esta norma é derrogada pelo Regulamento (EU) 1215/2012.
É pacífico que são as conclusões do recurso que contêm e delimitam as questões que são submetidas pelo Recorrente à apreciação do tribunal superior, como decorre dos art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC.
Como nos diz Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 118: “As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.”.
Sobre a exceção dilatória de preterição do tribunal arbitral suscita pela R. e à luz das razões invocadas pela A. para se lhe opor, o tribunal a quo pronunciou-se da seguinte forma: “Por sua vez, os tribunais arbitrais, «embora não sejam órgãos de soberania como os tribunais estaduais, não deixam de ser entidades jurisdicionais a quem cabe definir o direito nas situações concretas que lhes são submetidas» - Acórdão do STJ, de 20.01.2011, in www.dgsi.pt -, estabelecendo o art. 1º, nº1, da Lei nº63/2011, de 14.12 (que aprovou a Lei da Arbitragem Voluntária, doravante LAV), que desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros, podendo a convenção de arbitragem ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº3, do referido artigo. Assume-se pacífico que, do contrato celebrado entre as partes e invocado como causa de pedir, consta a cláusula 19, segundo a qual: «19. RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS E DIREITO GOVERNAMENTAL 19.1 As partes comprometem-se a tentar resolver qualquer disputa, desacordo ou reclamação relativa ao presente Acordo, incluindo mas não se limitando à sua preparação, validade, efeitos legais, interpretação, execução, não execução ou rescisão, através de negociações que não podem exceder o período mínimo de trinta (30) dias de calendário a contar da data da notificação correspondente. 19.2 Caso não seja possível chegar a acordo, qualquer das Partes pode submeter o litígio a arbitragem em conformidade com as regras então existentes da Câmara de Comércio Internacional: 19.2.1 O local designado para a arbitragem será Praga, República Checa; 19.2.2 A língua a ser utilizada no processo de arbitragem será o inglês; 19.2.3 A disputa será ouvida e decidida por três árbitros, um seleccionado por cada Parte e o terceiro seleccionado pelos dois árbitros seleccionados pelas Partes; 19.2.4 Os custos e honorários razoáveis relativos ao processo de arbitragem serão pagos por ambas as Partes em conjunto e em partes iguais, e cada Parte pagará os custos dos seus próprios advogados e peritos, a menos que o painel de arbitragem decida em contrário; e 19.2.5 A decisão do painel de arbitragem será final e vinculativa. 19.3 Durante o período de arbitragem, as partes continuarão a exercer os seus respectivos direitos e a cumprir as respectivas obrigações nos termos do presente Acordo, excepto no que diz respeito à questão que tenha resultado na instauração do processo arbitral. 19.4 A validade, execução e interpretação de todas as cláusulas do presente Acordo, bem como os direitos e obrigações das Partes no presente Acordo, serão regidos pelas leis de Espanha. 19.5 A resolução de todos os conflitos, disputas ou reclamações deve ser feita de acordo com as leis de Espanha.». Na apreciação, chama-se à colação e assume-se o decidido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça (por acórdão de 12.11.2019, processo 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1, in www.dgsi.pt)1, segundo o que a «declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (nº1 do artigo 236º do Código Civil); sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº2 do artigo 236º do Código Civil). Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (nº1 do artigo 238º do Código Civil); esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (nº2 do artigo 238º do Código Civil). Por força do disposto na LAV, a convenção de arbitragem deve adotar forma escrita (nº1 do artigo 2º), encontrando-nos, assim, perante um negócio jurídico formal, impondo a lei a forma escrita. Como refere Menezes Cordeiro, “interpretação e integração da convenção de arbitragem seguem as regras gerais aplicáveis aos negócios: 236º a 239º, do CC (…). Todavia, as inerentes operações devem recair sobre o contrato (no seu todo) onde, porventura, se contenha a convenção em causa; cabe ir ainda mais além e ter em conta o complexo contratual (vários contratos) onde se insira”. - Tratado da Arbitragem, 2016, pág.88. Ou como refere Manuel Pereira Barrocas, “a convenção de arbitragem está submetida às regras gerais de interpretação do negócio jurídico. Avultam, assim, as disposições contidas nos artigos 236º, número 1, e 238º, número 1, CC, ou seja, a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento” - Manual de Arbitragem, 2ª edição, pág. 169. Assim, nos termos das disposições legais citadas, a cláusula compromissória terá o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, pudesse razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, desde que tenha um mínimo de correspondência na letra do texto do documento (negócio formal), seguindo-se o ensinamento de Mota Pinto (“a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” - Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pág.419). Ora, no caso presente, verifica-se que: (…) A Recorrente refere que a expressão “poderá” utilizada no nº4 da cláusula 34ª. conduz-nos a uma solução em que as partes tinham a faculdade de recorrer ao tribunal arbitral ou ao tribunal estadual. Ora, a interpretação da cláusula feita pela Recorrente não será a mais correta. Assim, prevê-se na cláusula 34ª que: No caso do litígio ou disputa quanto à execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão (nº2); Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos dos números anteriores, qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ao abrigo dos números seguintes (nº4). Deste modo, o nº2 prevê a obrigatoriedade de uma fase conciliatória prévia à arbitragem. E se não for possível a solução amigável, então as partes poderão recorrer à arbitragem. Este poder recorrer à arbitragem, após a inviabilidade de uma solução amigável, está a referir-se à possibilidade de qualquer das partes se socorrer da via litigiosa, com a constituição de um tribunal arbitral, e não à possibilidade de uma alternativa ao tribunal estadual. Como atrás se referir, o Acórdão do STJ, de 20/01/2011, num caso próximo do dos presentes autos, afirmou: “É que o termo podem, inserto na falada cláusula contratual, não se conexiona directamente com a opção pela competência jurisdicional clausulada, mas apenas com a condição (…) de as partes tentarem uma via conciliatória (acordo amigável, como consta do texto) antes de enveredarem pela contenciosa, e só em caso de frustração de tal via, ficarem livres para (poderem) enveredar pela via contenciosa por recurso à arbitragem, como linearmente se colhe da expressão: “Caso não seja possível encontrar uma solução amigável … ambas as partes podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem de acordo com os termos abaixo descritos”. Por todo o exposto se conclui que a convenção arbitral estabeleceu competência exclusiva dos tribunais arbitrais». É este, exatamente, o caso dos autos: as partes convencionaram compromisso de tentarem a via conciliatória previamente à litigiosa e só, na frustração da primeira, recorrerem à segunda, caso em que qualquer das partes pode submeter o litígio ao tribunal arbitral, que escolheram para esse desiderato, convencionando, pois, competência exclusiva dos tribunais arbitrais. No sentido de afastar a cláusula e a competência dos tribunais arbitrais, a autora invoca ainda: - violação do princípio da igualdade, ínsito no art. 13º da CRP; - proibição da cláusula, pela aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais; - imposição da aplicação da lei adjetiva portuguesa, conforme art. 38º, do DL 178/86, de 03.07; - abuso de direito, por a ré interesse algum ter em que o conflito seja dirimido num Tribunal Arbitral Checo, sendo ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé – art. 334º, do Cód. Civil. À semelhança do argumentado pela ré, não se afere em que fundamenta à autora a violação do princípio da igualdade com a escolha de foro e de lei aplicável, desde logo por nada adiantar quanto a quais sejam as desvantagens ou vantagens para uma ou outra parte em virtude da aplicação de uma ou outra lei ou foro. De igual sorte, não se lobriga fundamento para aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais. O contrato em juízo (e as suas renovações) foi negociado entre as partes (conforme alegado pela própria autora – vd. art. 35º da p.i.), não se tratando de um qualquer contrato quadro ou de adesão, em que as respetivas cláusulas gerais foram elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar ou de cláusula inserida em contrato individualizado, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar – art. 1º, do DL 446/85, de 25.10. Anote-se que se trata de uma cláusula convencionada no contrato inicial e nas renovações que se sucederam, como alega a autora, durante dezasseis anos. Renovações essas dependentes de negociações sobre os termos e condições para um novo acordo – veja-se o referido art. 35º da p.i.. Também e trazendo à liça os arts. 15º, 17º e 19º do DL 446/85, de 25.10, sem prejuízo do mais, a autora nada alega quanto ao que pudesse aferir-se configurar, ou não, graves inconvenientes para si, sem que os interesses da outra parte o justifiquem. E, esta omissão de alegação estende-se ao aventado abuso de direito, não se logrando atingir, na ausência de outra alegação, a ausência de interesse da ré pelo tribunal arbitral de Praga por ter sede em Madrid e no que é que tal opção excede os limites da boa fé. Por fim, também carece de razão o alegado por referência ao art. 38º, do DL 178/86, de 03.07, que, conforme jurisprudência invocada pela ré, se cinge ao direito substantivo. Sem embargo, e apelando, uma vez mais, ao acórdão de 12.11.2029 do Colendo Supremo Tribunal de Justiça supra citado, impõe-se ter presente que ao apreciar a exceção de incompetência em causa devem «os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência). (…) É que vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral. Com efeito, o artº 21º nº1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção»”. Como refere Lopes dos Reis, “Aquele princípio (“Kompetenz-kompetenz) acarreta o efeito negativo de impor à jurisdição pública o dever de se abster de pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido a oportunidade de o fazer. Isto é, do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência, decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial. (…) Todas estas cautelas da lei significam que ela quis que o tribunal judicial olhasse a convenção de arbitragem como um sinal de proibição: há convenção de arbitragem, é plausível que ela vincule as partes no litígio, então, quanto ao litígio entre elas, o tribunal judicial não pode intervir senão em sede de impugnação da decisão arbitral. Para que esse limite fique claro, para que fique nitidamente delimitada essa fronteira estabelecida ao poder do juiz, questões relativas à própria convenção, como a sua validade, a sua eficácia, a sua aplicabilidade, só podem ser apreciadas pelo tribunal judicial depois de o árbitro proferir a sua decisão final. Só se ocorrer nulidade da convenção de arbitragem é que o tribunal judicial pode decidir de outro modo”. (A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral) - cfr., neste sentido, Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, pág. 203. (…) O STJ vem entendendo que face ao princípio consagrado no artigo 18º, nº1 da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação. Suscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio - Acórdão do STJ, de 20/03/2018 – - cfr., no mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 21/06/2016. Deste modo, o tribunal estadual só deve intervir, fixando a sua competência, quando for manifesto e insuscetível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia e a inexequibilidade da convenção de arbitragem, sendo que manifesta é aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada, isto é, quando é constatável independentemente da produção complementar de prova.» Assim e porque não manifesto e incontroverso que a cláusula invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação, nos termos expostos, tudo ponderado, conclui-se ser da competência dos tribunais arbitrais o litígio a dirimir nos presentes autos, procedendo a arguida exceção dilatória consubstanciada na sua preterição.”
Este entendimento expendido na decisão sob recurso, quanto às questões suscitadas pelas partes a propósito da convenção arbitral constante do contrato entre elas celebrado, relativamente ao qual desde já se expressa a nossa concordância, não veio a merecer por parte da Recorrente uma manifestação de contrariedade nas suas conclusões de recurso, pelo que há luz do que já se referiu sobre a delimitação do objeto do recurso, nada mais se impõe referir sobre elas.
Em segundo lugar, constata-se que, o recurso a esta legislação e a sua interpretação que só agora é apontada pela Recorrente, constitui não só uma questão totalmente nova que anteriormente não foi por ela invocada, como também se traduz numa confusão em que a Recorrente incorre, ao não distinguir devidamente a convenção arbitral ou pacto de arbitragem, do pacto atributivo de jurisdição e competência internacional dos tribunais.
As razões nas quais a Recorrente vem fundamentar o erro da decisão proferida, prendem-se com a alegada desconsideração do disposto no art.º 25.º do Regulamento (EU) 1215/2012 de 12 de dezembro, bem como da Ley 12/199 de 27 de maio, que integra o ordenamento jurídico Espanhol, legislação que as partes consideraram aplicável, que determina que as ações sobre contratos de agência têm de ser julgadas pelo tribunal do domicílio do agente, e até do art.º 94º do CPC embora afirme que esta norma é derrogada pelo Regulamento (EU) 1215/2012.
Como já se referiu, só agora em sede de recurso é a que a Recorrente vem invocar pela primeira vez a legislação enunciada, constatando-se que a mesma não foi ponderada na decisão recorrida.
E não foi, porque não tinha que o ser, na medida em que tal legislação tem o seu âmbito de aplicação na regulação dos pactos atributivos de jurisdição e competência, designadamente da competência internacional dos tribunais, não se confundindo com o pacto ou convenção arbitral, que representa a questão controvertida aqui em discussão.
A Lei 63/2011 de 14 de dezembro – Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), logo no art.º 1.º, com a epígrafe “convenção de arbitragem” estabelece no seu n.º 1: “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.”
O art.º 96.º do CPC estabelece os casos de incompetência absoluta do tribunal, distinguindo, na al. a) a infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; e na al. b) a preterição de tribunal arbitral.
A incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral não se confunde com a infração das regras de competência do tribunal em razão da matéria ou das regras de competência internacional.
Neste sentido e a todos os títulos esclarecedor, veja-se o Acórdão do TRL de 08-20-2024 no proc. 20/24.0TNLSB-A.L1-7 inwww.dgsi.pt onde, com interesse para esta questão, se refere a dada altura: “Na verdade, pacto de jurisdição e pacto de arbitragem são realidades distintas. A este propósito, esclarece Luís de Lima Pinheiro, in “Temas de Direito Marítimo – III. Pactos de Jurisdição e Convenções de Arbitragem em matéria de Transporte Marítimo de Mercadorias”, acessível em https://portal.oa.pt: “O pacto de jurisdição é o acordo das partes sobre a jurisdição nacional competente. / O pacto de jurisdição é suscetível de ter um efeito atributivo de competência e um efeito privativo de competência. Tem um efeito atributivo quando fundamenta a competência dos tribunais de um estado que não seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal. Tem um efeito privativo quando suprime a competência dos tribunais de um estado que seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal.” – p. 571 “A convenção de arbitragem é o acordo das partes em submeter a resolução de um ou mais litígios determinados ou determináveis a arbitragem. A convenção de arbitragem tem um efeito positivo — fundamentar a competência do tribunal arbitral — e um efeito negativo — excluir a competência dos tribunais estaduais.” – p. 587.
Também o Acórdão do STJ de 23-09-2021 no proc. nº 175/17.0TNLSB.L1.S1 inwww.dgsi.pt conclui no sumário que apresenta: “I. A convenção de arbitragem é o acordo das partes em submeter a resolução de um ou mais litígios determinados ou determináveis a arbitragem, excluindo desse modo, a competência dos tribunal estaduais. II. A convenção de arbitragem transnacional não se confunde com a competência internacional dos tribunais portugueses, que se traduz na competência dos tribunais portugueses para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspetiva do ordenamento português uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, nem com a competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses que ocorre quando a ordem jurídica portuguesa não admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes. III. A preterição do tribunal arbitral por força de uma cláusula compromissória determina a incompetência absoluta do tribunal judicial, nos termos do artigo 96º, alínea b) do Código de Processo Civil.”
O Regulamento 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 - relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria Civil e comercial, reporta-se, no art.º 25.º invocado pela Recorrente, a pactos atributivos de jurisdição e não a pactos ou convenções arbitrais, o que também acontece com o art.º 94.º do CPC que rege sobre os pactos privativo e atributivo de jurisdição, não se referindo aos pactos arbitrais.
Importa salientar, além do mais, que o próprio Regulamento 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, no qual a Recorrente se estriba para fundamentar o seu recurso, exclui do seu âmbito de aplicação a arbitragem, como decorre do seu art.º 1.º que regula o âmbito de aplicação e definições do Regulamento, prevendo expressamente no seu n.º 2 al. d) que “O presente regulamento não se aplica à arbitragem”.
Também nas considerações iniciais que constam do Regulamento invocado, chama-se particularmente a atenção para o ponto (12) das mesmas que estabelece: “O presente regulamento não deverá aplicar-se à arbitragem. Nada no presente regulamento deverá impedir que os tribunais de um Estado-Membro, caso lhes seja submetida uma ação numa matéria para a qual as partes celebraram um acordo de arbitragem, remetam as partes para a arbitragem, suspendam ou encerrem o processo ou examinem se a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação nos termos da lei nacional. As decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membros que determinam se uma convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação não deverão estar sujeitas às regras de reconhecimento e execução estabelecidas no presente regulamento, independentemente de o tribunal ter decidido destes aspetos a título principal ou incidental. Por outro lado, se um tribunal de um Estado-Membro, exercendo a sua competência por força do presente regulamento ou da lei nacional, determinar que uma convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação, tal não deverá impedir que a decisão do tribunal quanto ao mérito da questão seja reconhecida ou, consoante o caso, executada nos termos do presente regulamento. Tal não deverá prejudicar a competência dos tribunais dos Estados-Membros para decidirem do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais de acordo com a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque em 10 de junho de 1958 (a «Convenção de Nova Iorque de 1958»), que prevalece sobre o presente regulamento. O presente regulamento não deverá aplicar-se a ações ou processos conexos relativos, nomeadamente, à criação de um tribunal arbitral, aos poderes dos árbitros, à condução do processo arbitral ou a quaisquer outros aspetos desse processo, nem a ações ou decisões em matéria de anulação, revisão, recurso, reconhecimento ou execução de sentenças arbitrais.”
A questão controvertida que se discute na presente ação refere-se a uma convenção arbitral, não se reportando à existência ou validade de um pacto de jurisdição na escolha do tribunal internacionalmente competente ou preterição da jurisdição dos Tribunais Portugueses para dirimir os conflitos que daquela relação contratual entre elas possam emergir, que deva ser avaliada à luz do mencionado art.º 25.º do Regulamento (EU) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012.
Sem necessidade de outras considerações, conclui-se que à luz da cláusula arbitral que consta do contrato celebrado entre as partes, que é admitida pelo art.º 1º da LAV, verifica-se a exceção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral, o que determina a incompetência absoluta do tribunal, nos termos previstos no art.º 96.º al. b) do CPC, não merecendo censura a sentença recorrida que assim o decidiu, absolvendo as RR. da instância em conformidade com o disposto no art.º 576.º n.º 1 e 2 do CPC.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o presente recurso interposto pela A., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente que ficou vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 9 de outubro de 2025
Inês Moura
João Paulo Raposo
Laurinda Gemas