TÍTULO EXECUTIVO
CONTA BANCÁRIA
ABERTURA DE CONTA
Sumário

1. É inexequível o título executivo que se traduz num documento de abertura de conta bancária sem que o mesmo se mostre acompanhado de um extrato de conta corrente do qual resultem as datas de disponibilização ou utilização de quantias, quais as quantias em causa e os pagamentos que foram eventualmente efetuados.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. RELATÓRIO
Acordam os Juízes Desembargadores da 2ª secção Cível, no âmbito dos presentes autos de embargos de executado Nº 4436/21.5t 8LSB, nos termos e com os seguintes fundamentos:
LX- Lx Investment Partners II Sarl, Exequente e Embargada nos autos de embargos Nº 4436/21.5T8LSB-B em que é executada e embargante AA, recorreu do saneador -sentença proferido em 06.01.2025.
Na ação executiva, que deu entrada em juízo em 20.02.2021, a exequente / ora recorrente reclamou o pagamento de uma quantia em dívida, resultante do incumprimento do contrato no montante de € 26.857,72 (Vinte e seis mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e setenta e dois cêntimos), à qual acrescem juros de mora calculados sobre o capital, à taxa legal de 4%, desde a data do incumprimento (26-09-2008) até 15-02-2021, bem como os juros vincendos desde 16-02-2021 até efectivo e integral pagamento.
No apenso de embargos deduzidos pela executada AA foi decidida a procedência desses embargos e declarada extinta a execução por haver o tribunal a quo entendido que, o título executivo era inexequível, por não se mostrar acompanhado do extrato de conta corrente que confirmava o alegado crédito da exequente e, em virtude desta última, ser parte ilegítima na execução.
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Foi admitido recurso o qual subiu como apelação, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Alegou a recorrente/ embargada, em síntese, o seguinte:
i. A sentença conheceu erradamente da ilegitimidade ativa da embargada/ ao entender que esta não havia demonstrado que o crédito exequendo lhe havia sido cedido;
ii. Tal legitimidade deve ser apreciada em função do interesse direto na ação executiva sendo que, in casu, tal interesse traduz-se na alegação e prova da existência do acordo de cessão de créditos.
iii. Ora, a Recorrente juntou aos autos a cópia do contrato de cessão, bem como cópia da notificação de cessão (na qual consta, expressamente, o número do contrato cedido), a qual foi expedida para a morada contratual da Executada, mediante correio registado com aviso de receção, tendo sido rececionada.
iv. Por outro lado, o contrato de cessão de créditos, já constante dos autos foi junto com o Requerimento Executivo, como Doc. n.º 1.
v. A Exequente apresentou também como título executivo o contrato de conta corrente (conta solidária) n.º .._........._DDA, celebrado entre as partes a 06/12/2010.
vi. Se o tribunal a quo, tivesse entendido serem insuficientes os elementos apresentados, deveria ter proferido despacho a mandar juntar tal extrato.
vii. Foi proferido despacho liminar a 30/03/2021, sendo que, nesse momento, foi aferida, tacitamente, a legalidade do título executivo, pelo que, considerou o douto Tribunal a quo, o mesmo válido e eficaz, motivo pelo qual foi ordenada a citação dos Executados.
A executada/embargante, ora recorrida, em sede de contra-alegações, invocou os seguintes fundamentos:
i. A insuficiência do título executivo foi tempestivamente suscitada pela Recorrida na sua petição de embargos, integrando como tal, o objeto do litígio, tendo a Recorrente, por sua vez, e em sede de contestação, exercido plenamente o contraditório quanto a essa matéria, juntando para o efeito os documentos que tinha na sua posse: dois extratos de conta corrente com mera menção de um pretenso valor em dívida;
ii. Proferir-se, agora, despacho de aperfeiçoamento para suprir deficiências para a Recorrente praticar ato que, na verdade, já foi praticado por si em sede de contraditório, é um ato inútil,
iii. O documento de “abertura de conta” junto aos autos não tem indicação do regime de “responsabilidade solidária passiva” por eventuais movimentos a descoberto da “Conta Particular” em causa que, in casu, tem três cotitulares.
1.1 Do objecto do recurso;
O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais se pede a alteração ou anulação da decisão.
No caso vertente, uma vez que não foi impugnada matéria de facto, o âmbito do recurso cingir-se-á à matéria de direito.
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Questões a decidir:
No âmbito da apelação, são as seguintes as questões a decidir:
a. Da inexequibilidade do título executivo e da ilegitimidade da exequente/embargada
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O tribunal é absolutamente competente, o processo é o próprio e não enferma que quaisquer nulidades que o invalidem.
2. Factos Provados:
Não tendo sido impugnada a matéria de facto, dá-se por reproduzida a constante da decisão recorrida bem como a que consta do requerimento executivo e dos autos;
1 – Por contrato de cessão de créditos celebrado em 21 de Dezembro de 2018, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS S.A. cedeu à Sociedade LX INVESTMENT PARTNERS II, S.À.R.L, aqui Exequente, diversos créditos, (conforme Documento N.º 1, que ora se junta);
2 - Cessão essa notificada aos Executados, conforme Documentos N.º 2 e 3;
3 – No exercício da sua actividade creditícia, o BANCO PINTO & SOTTO MAYOR S.A., incorporado por fusão no BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS S.A, (conforme resulta da inscrição 4 da Certidão Permanente com o código 7336 – 4051 – 1628) celebrou a 22/11/2000 um contrato de conta corrente (conta solidária), identificado pelo n.º .._........._DDA, com os titulares BB (falecido), CC e AA (conforme Documento N.º 4, que ora se junta);
4. A exequente intentou ação executiva munida do documento:


5. Por requerimento datado de 27/02/2023 a exequente juntou aos autos dois documentos denominados “extractos combinados”, com os Nº 2008/009 e 2008/10, e dos quais resulta um saldo devedor de 21.077, 95 € quanto ao primeiro e de 21.483,79 €, relativamente ao segundo, (facto aditado, por este tribunal, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº1 do C.P.C).
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3. Enquadramento Jurídico:
Da inexequibilidade do título
Está fundamentalmente em causa, no recurso ora em apreciação, analisar e decidir se o título dado à execução é exequível e se a exequente/recorrente é parte legítima.
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, pode resolver-se desde já a primeira questão, qual seja, a da inexistência de um título executivo, tornando inútil a apreciação da restante matéria alegada no recurso interposto.
Resulta dos factos provados acima elencados, que o BANCO PINTO & SOTTO MAYOR S.A., incorporado por fusão no BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS S.A. celebrou com os Executados, um contrato de conta corrente (conta solidária), identificado pelo n.º .._........._DDA.
Também está provado que, por contrato de cessão de créditos celebrado em 21 de Dezembro de 2018, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS S.A. cedeu à Sociedade LX INVESTMENT PARTNERS II, S.À.R.L, um conjunto de créditos detidos por aquela entidade.
No caso em apreciação, a exequente instaurou a execução munida do documento supra identificado, o qual constitui um documento bancário assinado pelos executados e que constitui o “modelo-tipo” da abertura de conta corrente / solidária.
Posteriormente, tal documento, em 27.02.2023 veio a ser complementado por dois documentos apresentados pela exequente / embargada e denominados de “extratos bancários” com os Nºs 2008/09 e 2008/10, dos quais resulta um saldo devedor de 21.077, 95 € e de 21.483,79 €, respetivamente.
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A embargante sustenta a insuficiência e inexistência do titulo executivo, dizendo tratar-se de uma mera ficha de abertura de conta em instituição de crédito, com a data de abertura (22.11.2000), número de conta (...), nome dos titulares, assinaturas destes e dos funcionários da instituição de crédito, não reconhecendo no título em causa, qualquer dívida ou obrigação à então Instituição de Crédito Banco Pinto & Sottomayor, estando a obrigação dependente de uma prévia prestação da exequente de um determinado valor pecuniário, nada dizendo o requerimento executivo sobre valores mutuados e datas.
A execução remonta a 2021. Ora, na versão do art. 703º do CPC introduzida pela reforma de 2013, os documentos particulares deixaram de ser título executivo, à exceção dos títulos de crédito (art. 703º do CPC, a contrario sensu).
O contrato em que a execução se baseia está formalizado num documento particular pelo que não é um título de crédito, logo não haveria título executivo.
Contudo, a exequente, alega que o contrato era título executivo, por força do art. 46º/1-c do CPC (na redação anterior à reforma de 2013 do CPC) tal como resulta da jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015 de 23/09/2015), o qual admitia como título executivo : “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem constituição […] de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Estaria assim assegurada, nesta visão, a exequibilidade do título ora dado à execução.
Não obstante, no ordenamento jurídico português a regra é a de que o título executivo deve ser auto-suficiente, ou seja, deve conter os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente. Mas a verdade é que a evolução jurisprudencial tem admitido que possam valer como título executivo documentos que reconheçam a obrigação exequenda embora de forma não expressa e que, por isso, tenham que ser complementados com outros elementos estranhos ao próprio título (vide, neste sentido o Ac. STJ de 27/04/2017, relatado pelo Conselheiro Roque Nogueira).
É esse o caso dos presentes autos dado que, como resulta do processado e da sentença sub judice, a exequente juntou o contrato de abertura de conta corrente e, no requerimento executivo alegou que, face ao incumprimento ficou em dívida o capital de 26 857,72€, em 26.09.2008, tendo, posteriormente como se viu, em 27.02.2023 vindo a juntar os referidos “extractos combinados”, com os Nº 2008/009 e 2008/10, e dos quais resulta um saldo devedor de 21.077, 95 € quanto ao primeiro e de 21.483,79 €, quanto ao segundo.
Na douta sentença, a Mmª Juiza, entendeu (amparada por diversa jurisprudência que é ali devidamente escalpelizada) que, apenas o contrato de conta-corrente não basta para constituir título executivo, devendo este ser complementado pelo extrato de conta corrente.
Se bem atentarmos no teor dos documentos (um que consubstancia a abertura de conta) e ainda nos dois documentos bancários do Millennium BCP constata-se que, dos mesmos resulta apenas a existência de saldos negativos e os valores referentes a imposto de selo e juros que incidem sobre tais montantes.
Porém, como bem se salienta na sentença recorrida, tais documentos não indicam as datas de disponibilização ou utilização de quantias, que quantias nem que pagamentos foram eventualmente efetuados.
Reiteramos que tem sido comummente entendido pela jurisprudência que é insuficiente como complemento do título executivo o documento de que conste apenas o saldo de conta corrente em determinada data sem qualquer referência aos movimentos concretos que a ela conduziram no âmbito do contrato de abertura de conta (vide, a este propósito o Ac. TRP datado de 09.03.2023, citado na própria sentença recorrida e com o qual concordamos).
Ora, o entendimento dominante a propósito desta temática é o de que para que se mostre perfeito enquanto título executivo, para além do contrato, o título teria de integrar também os extratos de conta e os documentos de suporte ou saque.
Veja-se, por exemplo, o que se escreveu no Acórdão do TRL de 15/09/2022, proc. 18237/13.0YYLSB-A.L1-6, de cujo sumário se extrai o seguinte:
“ II. Apresentando a exequente como título um contrato de concessão de crédito, que prefiguraria um título executivo face ao disposto no art. 46/-c do CPC/95 […], para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efectivas do crédito. (…)
III. Não prefigura um título executivo, nem o mesmo serve de suporte ao contrato, a indicação do montante da responsabilidade dos executados num anexo que não foi pelos mesmos subscrito ou no qual não estejam representados pela entidade terceira que o elaborou.”
Em face das características dos documentos apresentados pela exequente como título que serve de base à presente execução e documento complementar constata-se que, dos mesmos não é possível retirar as disponibilizações e utilizações efetivas do alegado crédito, pelo que somos a concluir que não servem tais documentos como título executivo.
Aderimos, portanto, à argumentação da sentença ora impugnada, a qual mostra-se correta e amplamente fundamentada de facto e de direito.
Em face do que ficou dito, consideramos prejudicada (porque inútil) a análise da questão suscitada acerca da legitimidade da exequente.
Confirmamos, em síntese, a sentença recorrida, declarando-se improcedente a apelação.

4. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida, ainda que por fundamentação não totalmente coincidente.
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Custas do recurso pela recorrente/embargada, atento o seu decaimento.
Notifique.

Lisboa, 09 de Outubro de 2025,
Teresa Bravo
Inês Moura
Arlindo Crua