RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
Sumário


I - Se dos alegados novos meios de prova não decorre a, pressuposta, dúvida grave (qualificada) sobre a justiça da condenação.
II - Se a finalidade pretendida é a aplicação de uma pena de substituição da pena de prisão.
III - Então não é caso de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O arguido AA veio, ao abrigo do disposto nos artigos 449.º/1 alínea d) e 450.º/1 alínea c) CPPenal, interpor recurso de revisão, do acórdão proferido no processo comum colectivo 4801/21.8t9snt do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal – juiz 4, que o condenou por acórdão de 7.5.2024, transitado em julgado, depois de confirmado pela Relação de Lisboa de 20.11.2024, pela prática de um crime de roubo simples, p. e p., no artigo 210.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão (apenso 32/21.5PCSNT), juntando certidão da sentença condenatória e do trânsito em julgado da mesma e relatório de execução de liberdade condicional e sentença de concessão de liberdade condicional, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

I – Vem o aqui recorrente condenando pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de roubo simples, previsto e punido, nos termos do artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão – por factos praticados aos 12.01.2021.

II – Mais entendeu o Tribunal, que as necessidades de prevenção geral e especial são elevadas, o que implica o cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada – ainda que devesse o Tribunal ter tido em conta a confissão do arguido AA (...) arrependimento demonstrado como factores que abonam em seu favor.

Dos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação - relatório de execução de liberdade condicional de 25.11.2024 e sentença de concessão de liberdade condicional de 03.11.2023:

III – Aos 21 de janeiro de 2021, iniciou o condenado uma pena de prisão, imposta no processo n.º 199/20.0PCSNT, onde se englobaram as penas aplicadas pela prática de 4 crimes de Roubo, 1 crime de Roubo qualificado, 1 crime de Resistência e coacção, 1 crime de Coacção na forma tentada e 1 crime de Receptação.

IV – Foi concedida a liberdade condicional ao condenado, quando este atingiu o marco de 2/3 da pena.

V – E na concessão da liberdade condicional ao condenado, no processo n.º 2145/19.4TXLSB-C do Juiz 2 do Tribunal de Execução das Penas de Évora, deu-se então como provado que o condenado concluiu a escolaridade obrigatória; frequentou e concluiu diversos cursos de formação profissional; frequentou programas de estabilização emocional; manteve-se ocupado em diversos programas no estabelecimento prisional, como o Projecto Ópera na Prisão – Projecto Mozart On, participando no programa «Janelas para o Mundo» por referência às Jornadas Mundiais da Juventude e participando na criação da aplicação Apps for Good; trabalhou no sector agrícola e foi responsável pela biblioteca de reclusos, bem como não revelou problemas de adição.

VI – Mais se entendeu no Tribunal de Execução das Penas, que o agregado familiar do condenado dispõe de capacidades para acolher e reintegrá-lo na sociedade.

VII –Enão só o condenado ambicionavaaceder ao ensino universitário naáreadainformática, como também “evidencia actualmente consciência crítica relativamente à sua conduta delituosa no sentido da interiorização da sua censurabilidade, u) Reconhecendo que a sua prática derivou de uma

errónea compreensão do que era correcto e errado sob influência das companhias com que se dava e que não pretende, nesta vertente, retomar os contactos de antigamente;”

VIII – E por referência aos presentes autos, referiu-se então:

“Atente-se que o processo n.º 4801/21.8T9SNT deixou claro que não pondera a aplicação de uma qualquer medida de coacção. E a pura pendência de um processo criminal [onde rege ainda um paradigma da presunção de inocência] não pode, sem outros factos ou circunstâncias, conduzir a um desfavor do recluso AA. Pois que se mostra incerto o desfecho daqueles mesmos autos… Mesmo a ser aquele condenado em pena privativa da liberdade, trataremos sempre de hipótese capacitada a obter resposta adequada do sistema com a necessária ponderação e concessão de uma segunda liberdade condicional [suspendendo-se, aliás, a que se irá agora decretar durante o tempo de observância de pena efectiva]. E a verdade é que, ao suprimirmos a pendência do processo n.º 4801/21.8T9SNT, deixa de haver qualquer factor que desaconselhe a liberdade condicional. Temos, inversamente, que, à luz da inegável evolução registada, a intimidação que já sofreu e o apoio de que irá beneficiar, é de formular um juízo de prognose que o recluso AA não virá no futuro a cometer mais crimes. (...) Desta forma, a sua evolução, a intimidação que já sofreu e o apoio institucional de que irá beneficiar levam-nos a uma prognose de que no futuro não venha a cometer mais crimes.”

IX - E de acordo com o Relatório de Execução da Liberdade Condicional, datado de 25.11.2024, junto aos autos que correm termos sob o n.º 2145/19.4TXLSB-C do Juiz 2 do Tribunal de Execução das Penas de Évora, “Durante o período temporal da liberdade condicional entre 03 de novembro de 2023 e 25 de novembro de 2024, o condenado compareceu regularmente às entrevistas agendadas pelos serviços de reinserção social adotando um relacionamento interpessoal adequado, sendo colaborante e participativo nas sessões delineadas.

Globalmente está a cumprir com a douta sentença e segundo o OPC, não existe nenhuma ocorrência relativo ao seu envolvimento em situações anómalas e/ou ilícitas.

Anívelfamiliar, o relacionamento entreo agregado familiarmanteve-se estávelecoeso sendo um fator de proteção fundamental para a sua reinserção na comunidade.

Ao nível profissional e desde o início do nosso acompanhamento, o condenado inscreveu-se no IEFP da sua zona de residência, mas depressa ingressou no mercado de trabalho. Trabalhou durante seis meses no FKC de Abrantes. Depois foi trabalhar para o campo na apanha da azeitona.

Desde o início do mês de novembro, trabalha durante 11 horas por semana (entre as 19h e as 23h) como distribuidor na Telepizza e durante o dia trabalha 16 horas por semana no KFC de Abrantes completando assim um salário mensal de 707 euros.

Nos seus tempos livres, AA frequentou o ginásio três vezes por semana e ainda praticou atletismo, mas por causa da sua ocupação laboral teve de desistir.

Ao longo do ano, AA frequentou a escola de condução e adquiriu a carta de condução.” (...) “Nos contatos estabelecidos com estes serviços da DGRSP, AA tem mantido uma postura de colaboração e de adesão ao acompanhamento. Globalmente segue as indicações técnicas, tem cumprido os deveres/obrigações/regras de conduta fixadas judicialmente e os objetivos da presente intervenção e sobre o mesmo não consta nenhuma referência (NUIPC) junto do OPC.”

X – O que se traduz, reiteremos, em necessidades de prevenção especial diminutas, tal como resultou do relatório social do condenado, em sede de 1.ª instância, que as necessidades de prevenção especial são diminutas, porquanto o condenado encontra-se integrado na sociedade.

XI – Pois entendemos, e dos elementos supra mencionados, que o condenado interiorizou o desvalor da sua conduta, não cometeu mais crimes e adquiriu novas competências que lhe permitiram a sua completa reintegração na sociedade.

XII - O condenado já foi punido por crimes cujo bem jurídico protegido é idêntico; e adquiriu as competências necessárias à sua ressocialização e interiorização do desvalor da sua conduta.

XIII - O condenado continua a ser monitorizado pelos serviços da DGRSP, com uma evolução marcadamente positiva.

XIV – E como entendeu o Juízo de Execução de Penas, é de formular um juízo de prognose que o recluso AA não virá no futuro a cometer mais crimes. – o que, de facto, sucede.

XV – A presente decisão suscita-nos “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, pois tanto a substituição da pena por outra que venha suspender a efetividade da pena de prisão, como a substituição da execução da pena de prisão efetiva pelo regime de permanência na habitação, com autorização de saída para prestação de atividade laboral – semelhante ao regime da liberdade condicional a que o recorrente se encontra a respeitar! –; seriam mais conformes aos fins da pena aplicada.

XVI – É injusta uma decisão que viola os fins das penas, na medida em que, nos termos do vertido no artigo 40.º, n.º 1 do CP “A aplicação de penas (...) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”;

XVII – Até porque, e nos termos do vertido no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” – disposição que resulta violada através da não aplicação da suspensão da pena de prisão ou a execução de pena de prisão em regime de permanência na habitação.

2. Notificado para no prazo de 20 dias apresentar resposta, nos termos dos artigos 413.º/1 e 454.º CPPenal, veio o Sr. Procurador da República defender que não existe qualquer fundamento para que se proceda à revisão da sentença, devendo, em consequência, ser indeferido o recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. O condenado AA veio, ao abrigo do disposto no 449.º, n.º 1, alínead) do Código de ProcessoPenal, apresentarrecurso extraordináriode revisãodo Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos em 7 de maio de 2024, confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de novembro de 2024, transitado em julgado, que o condenou, além do mais, na pena de 2 anos de prisão, pela prática, em 12 de janeiro de 2021, de um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal.

2. Fundamenta o recorrente a sua pretensão, de revisão do acórdão condenatório, com o “aparecimento” de uma nova prova – o relatório de execução periódico de acompanhamento da sua liberdade condicional, datado de 25 de novembro de 2024, que, no seu entendimento, suscita graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, designadamente quanto ao juízo de prognose negativo efetuado pelo tribunal da condenação, e confirmado pelo tribunal da relação, de que as finalidades da punição não seriam atingidas com a aplicação de penas substitutivas.

3. O juízo de prognose desfavorável efetuado, com respeito pelo preceituado no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, quer pelo tribunal da condenação,quer pelotribunal de recurso,assentou nas específicas e relevantes exigências de prevenção geral, considerando o tipo de criminalidade peloqual orecorrentefoicondenadoeelevadosentimentodeinsegurançageradopelomesmo.

4. Entende-se, desta maneira, que o novo meio de prova e os factos que dele constam, mesmo que se considerassem todos novos, não são claramente suficientes para gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

5. Face ao exposto, no nosso entendimento, os fundamentos invocados não se enquadram na previsão do instituto de revisão, designadamente nas alíneas d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, devendo, por este motivo, ser rejeitado o recurso.

3. O Sr. Juiz titular do processo pronunciou-se sobre o mérito do pedido, cfr. artigo 454.º CPPenal, nos termos que se transcrevem:

“Vem o arguido AA que foi condenado pela prática de um crime de roubo simples, p. e p., no artigo 210.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão (apenso 32/21.5PCSNT), ao abrigo do disposto no 449.º, n.º 1,e art.º 450º alínea d), n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, apresentar recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos em 7 de maio de 2024, confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de novembro de 2024, transitado em julgado.

Sustenta nas suas conclusões, em suma, que:

No âmbito do processo n.º 2145/19.4TXLSB-C Coimbra, por decisão de 2/11/2023 havia concedido a liberdade condicional ao condenado, quando este atingiu o marco de 2/3 da pena, tendo o Tribunal de Execução das Penas de Évora.

Assim, retira a necessidade de revisão do acórdão condenatório, com o “aparecimento” de uma nova prova, a saber, o aludido o relatório de execução periódico de acompanhamento da sua liberdade condicional, datado de 25 de novembro de 2024, que, no seu entendimento, suscita graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, designadamente quanto ao juízo de prognose negativo efetuado pelo tribunal da condenação, e confirmado pelo tribunal da relação, de que as finalidades da punição não seriam atingidas com a aplicação de penas substitutivas.

Tendo em conta o fundamento da revisão e os elementos documentais que, entretanto, foram juntos, não se afigurou necessária a realização de quaisquer outras diligências.

Considerando o disposto no artigo 454º CPPenal, cumpre proferir informação sobre o mérito do pedido o que, por questões de economia processual se faz, antes de mais, por adesão aos doutos fundamentos da resposta dada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, designadamente:

Efetivamente, não faz sentido fundamentar o recorrente a sua pretensão, de revisão do acórdão condenatório, com o “aparecimento” de uma nova prova – o relatório de execução periódico de acompanhamento da sua liberdade condicional, datado de 25 de novembro de 2024, que, no seu entendimento, suscita graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, designadamente quanto ao juízo de prognose negativo efetuado pelo tribunal da condenação, e confirmado pelo tribunal da relação, de que as finalidades da punição não seriam atingidas com a aplicação de penas substitutivas.

O juízo de prognose desfavorável efetuado, com respeito pelo preceituado no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, quer pelo tribunal da condenação, quer pelo tribunal de recurso, assentou nas específicas e relevantes exigências de prevenção geral, considerando o tipo de criminalidade pelo qual o recorrente foi condenado e elevado sentimento de insegurança gerado pelo mesmo.

Destarte, deve entende-se, que o novo meio de prova e os factos que dele constam, mesmo que se considerassem todos novos, não são claramente suficientes para gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Face ao exposto, no nosso entendimento, os fundamentos invocados não se enquadram na previsão do instituto de revisão, designadamente nas alíneas d) do n.º 1 do artigo 449.º CPPenal, devendo, por este motivo, ser rejeitado o recurso”.

4. Neste Tribunal o Sr. PGA, secundando as tomadas de posição do Ministério Público e da Mm.ª Juiz na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de se julgar manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, alegando em resumo que,

- é por demais evidente a insubsistência da pretensão do condenado/recorrente;

- resulta muito claro que o que o condenado/recorrente visa é alcançar por via de um recurso extraordinário, como é o de revisão de sentença, o que não conseguiu em recurso ordinário que, oportunamente, interpôs;

- tal como preceitua o n.º 3 do artigo 449.º CPPenal., com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada e, outro não é o objectivo do condenado/recorrente.

5. Notificado do parecer do Sr. PGA, para querendo exercer o contraditório, no prazo de 10 dias, o recorrente veio reiterar a posição assumida no recurso, porquanto, atendendo à cronologia dos factos apresentados, apenas a revisão da douta sentença poderá sanar as graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

6. Colhidos dos vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

1. Enquadramento legal.

Dispõe o artigo 29.º/6 da CRP que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

“(…) Este normativo constitucional atribuiu um direito geral de revisão de sentenças em circunstâncias bem definidas, não uma porta escancarada a toda e qualquer revisão, em quaisquer situações. A CRP não deixa, aliás, quaisquer dúvidas: porquanto sublinha que o direito de revisão dos cidadãos “injustamente condenados” existe, muito concretamente: “nas condições que a lei prescrever” (…)”, estando vertidas no artigo 449.º/1 CPPenal as condições a que a Constituição explicitamente alude”, cfr. Ac. STJ de 20/05/2020, processo 906/13.7GAVNF-A.S1, consultado in www.dgsi.pt, apud acórdão de 13.1.2022 do mesmo Tribunal, consultado no mesmo local.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), Protocolo 7, no artigo 3º (direito a indemnização em caso de erro judiciário) alude a “condenação penal definitiva” “ulteriormente anulada” “porque um facto novo ou recentemente revelado prova que se produziu um erro” de julgamento.

E no artigo 4.º dispõe que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excepcionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário - é o que fora do comum, raro, que sucede em circunstâncias excepcionais, nas expressivas palavras do acórdão do STJ de 20.3.2019, consultado no site da dgsi - no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado.

O Ac. do Tribunal Constitucional 376/2000, consultável in DRE II série, de 13/12/2000, apud acórdão de 13.1.2022 do mesmo Tribunal, consultado no mesmo local, refere que “(…) no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (…)”.

“(…) O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença condenatória firme (…)”, cfr. Ac. STJ de 15/09/2021, processo 699/20.1GAVNF-A.S1, consultado in www.dgsi.pt, apud acórdão de 13.1.2022 do mesmo Tribunal, consultado no mesmo local.

“Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários (…)”, cfr. Ac. STJ de 26/09/2018, apud citados acórdãos do STJ de 15/09/2021 e de 13.1.2022, consultados no mesmo local.

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPPenal, constitui um meio processual que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo, artigo 449.º/1 e 2 CPPenal, naturalmente, também, transitados.

O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça.

O recurso de revisão visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações, artigo 449.º/1 CPPenal.

Assim, se dando prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, Lisboa, 1994, 359, que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem”, acrescentando ainda que, “há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais”.

O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.
Mas fim do processo é, também e antes do mais, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça.

Sendo, um expediente excepcional, que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, só circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar o recurso de revisão, que não pode ser transformado numa “apelação disfarçada” num “recurso penal encapotado”, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de um processo.

Não estamos perante uma mais instância de recurso de que se lança mão em desespero de causa, quanto todos os demais já redundaram em fracasso.

No recurso de revisão não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos na decisão revidenda. Para a sua correcção terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário.

A importância do recurso de revisão – já que pode estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta” é de tal ordem que é admissível, ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida, artigo 449.º/4 CPPenal.

Têm legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no artigo 450.º CPPenal, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias, artigo 450.º/1 alínea c) CPPenal.

O recurso de revisão comporta duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1.ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa, então, analisar se, no caso, ocorrem os pressupostos para conceder a revisão.

Os casos de revisão de sentença e os seus fundamentos estão expressa e taxativamente previstos no citado artigo 449.º CPPenal.

Assim, só na presença de uma das situações aí previstas se consente a revisão de sentença, é dizer, se consente a derrogação do caso julgado e da protecção constitucional que ele também merece em nome da ideia do Estado de Direito do artigo 2.º da CRP e dos princípios da certeza e da segurança jurídica que lhe são inerentes.

E, assim, estamos, seguramente, perante uma norma de natureza excepcional, por isso que não comportando aplicação analógica, cfr. artigo 11.º CCivil.

Dispõe, então, o artigo 449.º que:

"1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça (…)”.

A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos.

Em regra, a revisão funda-se em matéria de facto e só excepcionalmente algumas legislações a admitem com base em matéria de direito.

Será o caso da previsão das alíneas e), f) e g), aditadas pela Lei 48/2007, de 29/08, cfr. Pereira Madeira, CPPenal Comentado, Almedina 3.ª ed., 1436.

2. As razões do recorrente.

Assenta o recorrente a sua pretensão nas seguintes premissas:

- o acórdão condenatório errou ao não decretar a suspensão da execução da pena de prisão ou ao não ordenar a sua execução em regime de permanência na habitação e, assim, violou o disposto nos artigos 40.º CPenal e 18.º/2 da CRP,

- isto porque entende que tanto a substituição da pena por outra que venha suspender a efetividade da pena de prisão, como a substituição da execução da pena de prisão efetiva pelo regime de permanência na habitação, com autorização de saída para prestação de atividade laboral – semelhante ao regime da liberdade condicional, que se encontra a respeitar – seriam mais conformes aos fins das penas.

Isto é o recorrente mostra discordar do facto de o acórdão condenatório ter entendido e decidido que no caso se impunha o cumprimento efectivo da pena de prisão e, não a ter substituído pela suspensão da sua execução.

E, para tentar demonstrar a injustiça da sua condenação traz aos autos a informação de que,

- em 21.1.2021, iniciara o cumprimento de uma pena de prisão, imposta em outro processo – relativo a penas aplicadas pela prática de 4 crimes de roubo, 1 crime de roubo qualificado, 1 crime de resistência e coacção, 1 crime de coacção na forma tentada e 1 crime de receptação;

- no âmbito do qual lhe veio a ser concedida a liberdade condicional, quando atingiu 2/3 da pena;

- no processo de concessão da liberdade condicional ao condenado, reportado ao processo da condenação revidenda, referiu-se que:

“Atente-se que o processo n.º 4801/21.8T9SNT deixou claro que não pondera a aplicação de uma qualquer medida de coacção. E a pura pendência de um processo criminal [onde rege ainda um paradigma da presunção de inocência] não pode, sem outros factos ou circunstâncias, conduzir a um desfavor do recluso AA. Pois que se mostra incerto o desfecho daqueles mesmos autos… Mesmo a ser aquele condenado em pena privativa da liberdade, trataremos sempre de hipótese capacitada a obter resposta adequada do sistema com a necessária ponderação e concessão de uma segunda liberdade condicional [suspendendo-se, aliás, a que se irá agora decretar durante o tempo de observância de pena efectiva]. E a verdade é que, ao suprimirmos a pendência do processo n.º 4801/21.8T9SNT, deixa de haver qualquer factor que desaconselhe a liberdade condicional. Temos, inversamente, que, à luz da inegável evolução registada, a intimidação que já sofreu e o apoio de que irá beneficiar, é de formular um juízo de prognose que o recluso AA não virá no futuro a cometer mais crimes. (...) Desta forma, a sua evolução, a intimidação que já sofreu e o apoio institucional de que irá beneficiar levam-nos a uma prognose de que no futuro não venha a cometer mais crimes;

- durante o período temporal da liberdade condicional entre 03 de novembro de 2023 e 25 de novembro de 2024, o condenado compareceu regularmente às entrevistas agendadas pelos serviços de reinserção social adotando um relacionamento interpessoal adequado, sendo colaborante e participativo nas sessões delineadas.

Globalmente está a cumprir com a douta sentença e segundo o OPC, não existe nenhuma ocorrência relativo ao seu envolvimento em situações anómalas e/ou ilícitas.

A nível familiar, o relacionamento entre o agregado familiar manteve-se estável e coeso sendo um fator de proteção fundamental para a sua reinserção na comunidade.

Ao nível profissional e desde o início do nosso acompanhamento, o condenado inscreveu-se no IEFP da sua zona de residência, mas depressa ingressou no mercado de trabalho. Trabalhou durante seis meses no FKC de Abrantes. Depois foi trabalhar para o campo na apanha da azeitona.

Desde o início do mês de novembro, trabalha durante 11 horas por semana (entre as 19h e as 23h) como distribuidor na Telepizza e durante o dia trabalha 16 horas por semana no KFC de Abrantes completando assim um salário mensal de 707 euros.

Nos seus tempos livres, AA frequentou o ginásio três vezes por semana e ainda praticou atletismo, mas por causa da sua ocupação laboral teve de desistir.

Ao longo do ano, AA frequentou a escola de condução e adquiriu a carta de condução.”

Sendo que consta na avaliação, que “Nos contatos estabelecidos com estes serviços da DGRSP, AA tem mantido uma postura de colaboração e de adesão ao acompanhamento. Globalmente segue as indicações técnicas, tem cumprido os deveres/obrigações/regras de conduta fixadas judicialmente e os objetivos da presente intervenção e sobre o mesmo não consta nenhuma referência (NUIPC) junto do OPC”;

- também nos presentes autos resultou do relatório social do condenado, em sede de 1.ª instância, que,

- “os nossos serviços acompanham o arguido em liberdade condicional desde o dia 03.11.2023 com o fim previsto para o dia 18.08.2025, sem registo de anomalias.” e “Apresenta um percurso escolar relativamente investido, tendo concluído 12º ano de escolaridade.

Atualmente o arguido apresenta um contexto mais organizado e apresenta como fatores positivos a existência de relações familiares e afetivas satisfatórias e atividade profissional regular. Caso se comprove a sua responsabilidade criminal e seja condenado, somos de parecer que o arguido reúne condições para o cumprimento de uma medida penal de carácter comunitário com a supervisão deste serviço”;

- dispõe o artigo 40.º/1 CPenal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”;

- resulta provado que o condenado interiorizou o desvalor da sua conduta, não cometeu mais crimes e adquiriu novas competências que lhe permitiram a sua completa reintegração na sociedade;

- o condenado já foi punido por crimes cujo bem jurídico protegido é idêntico; o condenado esteve em reclusão por esses mesmos crimes, posteriormente à prática daqueles em causa nos presentes autos; o condenado percorreu todo um percurso de reabilitação do indivíduo para a sociedade, tendo adquirido, no meio prisional, as valências que lhe permitiram uma inclusão na sociedade, com plena consciência do respeito pelo Direito;

- e foi por ter adquirido as competências necessárias à sua ressocialização e interiorização do desvalor da sua conduta, que ao condenado foi concedida a liberdade condicional e neste regime continua a ser monitorizado pelos serviços da DGRSP, com uma evolução marcadamente positiva - como entendeu o Juízo de Execução de Penas, é de formular um juízo de prognose de que não virá no futuro a cometer mais crimes e, efetivamente, não cometeu mais crimes;

- e, não obstante, pretende-se efetivar uma pena de prisão, e submeter o condenado a todo um processo já percorrido; retroceder no caminho da Justiça, e encarcerar um cidadão que já cumpriu uma pena pelos mesmos crimes.

3. Baixando ao caso concreto.

Do acabado de enunciar cremos resultar de forma assaz manifesta, a inadmissibilidade do recurso, face à mencionada natureza do recurso extraordinário de revisão e à visão consolidada neste Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à verificação do fundamento legal que lhe subjaz – alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º CPPenal.

Como, de resto, o recorrente, acertadamente, enquadra, a presente revisão encontra-se limitada pela descoberta de “novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

O que o recurso de revisão permite é exclusivamente indagar se se descobriram novos elementos de prova que vêm infirmar decisivamente os factos dados como provados ou não provados. Não está, portanto, aqui em causa ajuizar do bem fundado dos factos fixados no acórdão condenatório, nomeadamente nos segmentos da qualificação jurídica da escolha e da espécie da pena ou da medida concreta da pena.

Como, também, o recurso de revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença.

Para todas estas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas.

Ora, o simples enunciado na petição - atinente com a não consideração das condições pessoais e do comportamento do recorrente, aquando da apreciação da escolha da pena - logo traduz a falta de qualquer eco no elenco – taxativo e excepcional, repete-se – do artigo 449.º/1 CPPenal, directamente ou por interpretação extensiva.

O que, sem mais, impõe a conclusão que jamais poderá ser autorizada revisão com base nesse enunciado, que não passam de possíveis argumentos esgrimíveis – e alguns efectivamente esgrimidos – em recurso ordinário, mas que o recurso extraordinário de revisão não consente.

O que bastaria para que, sem necessidade de mais alongadas considerações, se concluísse pela não autorização da revisão.

Mas vejamos, com mais pormenor.

O equívoco, assaz manifesto e ostensivo, do recorrente reside, contudo, no facto de para tentar demonstrar a verificação dos requisitos da referida alínea d) alegar que urge apreciar o Relatório de Execução da Liberdade Condicional, junto aos autos que correm termos sob o n.º 2145/19.4TXLSB-C do Juiz 2 do Tribunal de Execução das Penas de Évora.

A pretensão do recorrente vem estruturada na conclusão de que os elementos que agora juntos aos autos, apontam para o erro da decisão revidenda, quando não decretou a substituição da pena de prisão - ainda que, por si enquadrada, processualmente, na afirmação de que se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Importa, assim, apreciar se se verificam os alegados pressupostos contidos na invocada alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º - “descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Para que o recurso extraordinário de revisão possa prosseguir, tal como resulta da lei e, da interpretação que lhe vem sendo dada, no que respeita ao fundamento legal invocado, exige-se, por um lado, que haja novos factos e/ou novos meios de prova, pressupondo-se que os mesmos foram conhecidos depois da prolação da sentença condenatória, e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. Trata-se de dois requisitos cumulativos e convergentes no que respeita a uma intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.

Desta forma, os factos e/ou os meios de prova têm de ser novos, no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido aquando do seu julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, de uma real e efectiva impossibilidade de apresentação da prova em causa em julgamento. Por outro lado, a dúvida sobre a justiça da condenação terá de ser séria e consistente.

O fundamento previsto na mencionada alínea d) (único que aqui importa) exige desde logo a descoberta de novos factos ou meios de prova.

E exige ainda que os novos factos ou meios de prova, por si sós ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Norma cuja redacção provem e se mantem inalterada desde o texto original, inspirada no artigo 673.º/4 CPPenal de 1929, “se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.

Entendia-se então que “a suspeita grave de injustiça da decisão, no sentido da violação da lei substantiva, não podia fundamentar a revisão”.

Sustenta-se na doutrina e tem sido adotado na jurisprudência o entendimento de que a actual alínea d) “tem um campo de aplicação bastante divergente deste seu antecedente, muito mais amplo, pois enquanto aquele n.º 4 exigia que os novos factos ou elementos de prova constituíssem graves presunção de inocência do condenado, basta agora que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A disposição actual tem, é certo, a limitação do n.º 3, determinante da inadmissibilidade do pedido de revisão com o único fim de corrigir a medida da pena. Mesmo assim, ficam agora a caber no âmbito legal casos que a lei anterior não comportava, como o de posteriormente à condenação se descobrir que o arguido era inimputável ou tinha imputabilidade diminuída à data da condenação (…) e o de diferente enquadramento dos factos”, cfr. Maia Gonçalves, CPPenal, anotado e comentado, 12.ª ed., 845.

Mas há também quem entenda que, no essencial, o fundamento em apreço traduz a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques em “Recursos em Processo Penal”, 215, no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa a relação condenação‑absolvição.

Interpretação adoptada por este Supremo Tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 13.3.2003, in CJ, S, I, 231 e de 20.11.2003, processo 03P3225-5.ª, consultado in www.dgsi.pt. Para ser admitida a revisão não é suficiente a descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si sós ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado.

Jurisprudência que tem inflectido no sentido de que naquele fundamento não está apenas em causa a presunção de inocência do arguido, bastando que os novos factos ou documentos suscitem grave dúvida sobre a justiça da condenação.

Um dos fundamentos da revisão é, então, a descoberta de novos factos ou meios de prova e que estes evidenciem que o condenado devia ter sido absolvido.

Podem fundamentar a rescisão da sentença condenatória novos factos ou novas provas que, necessariamente, infirmem ou modifiquem os factos que suportam a condenação.

Não satisfaz aquele requisito a mera invocação de factos novos, nem tão pouco basta a sua hipotética verosimilhança.

Aqui, a alegação de factos sem provas, diretas ou indirectas que os demonstrem, - por si sós (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo - não tem a potencialidade de elevar ao nível da crise grave (qualificada) a força da res judicata.

Do mesmo modo, não basta a apresentação de quaisquer novas provas. Somente fundamentam a rescisão da sentença provas que aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que suportaram a condenação.

Como consta do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 26.9.2018, processo 219/14.7PFMTS.S1-3.ª, consultado, também, no site da dgsi, “I - Quanto à novidade dos factos e/ou dos meios de prova, o STJ entendeu, durante anos e de forma pacífica que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

II - Porém, nos últimos tempos essa jurisprudência foi sendo abandonada e hoje em dia pode considerar-se solidificada ou, pelo menos, maioritária, uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e, ao fim e ao cabo, à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais. Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal”.

É hoje a posição consolidada, se não mesmo uniforme, a de que os factos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o próprio arguido recorrente.

No mesmo sentido se pronunciam Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do CPP, 4ª ed., 1207, e Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Almedina, 1509.

É esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excecional do recurso de revisão. Na verdade, essa excepcionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adopção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.

Poderá aceitar-se, no entanto, o conhecimento anterior dos factos pelo recorrente nas situações em que ele não pudesse ter atempadamente (até à audiência de julgamento) apresentado os factos que invoca no recurso de revisão. Mas esse impedimento terá de ser absoluto e inultrapassável e terá de ser justificado em termos razoáveis e aceitáveis em sede de recurso Pereira Madeira, ob. cit., 1509.

Doutra forma, a excepcionalidade do recurso de revisão e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica, caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.
Em suma, terá que se tratar de novas provas ou novos factos que se revelem seguros e relevantes - desde logo, pela oportunidade e originalidade, como pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou, pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – de forma a que o juízo rescindente não corra, facilmente, o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.

Não serão uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada.

Terá esse facto e/ou meio de prova de fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado.

Estamos, assim, perante a pretensão de que se valore o relatório da DGRSP, de execução periódico de acompanhamento da liberdade condicional datado de 25.11.2024, social elaborado no âmbito do processo de concessão de liberdade condicional de que o arguido beneficiou, aos 2/3, por decisão proferida a 3.11.2023.

Isto é de um elemento de prova elaborado em momento posterior ao da prolação do acórdão condenatório nestes autos, que ocorreu a 7.5.2024, confirmado pela Relação de Lisboa por acórdão de 20.11.2024.

Está assim, formalmente, preenchido um segmento da primeira parte do pressuposto previsto no artigo 449.º/1 alínea d) CPPenal – a existência de um novo meio de prova.

Novidade absoluta, no sentido de que o dito relatório não foi tomado em consideração na decisão revidenda, nem era conhecido do aqui recorrente, dado que aquando da sua condenação ainda nem sequer tinha sido elaborado.

Ainda que é certo relatando o técnico da Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais o conhecimento de factos ocorridos entre 3 de novembro de 2023, data da concessão da liberdade condicional, e a data de elaboração do relatório – relativos a momento anterior ao da sua condenação.

Isto é, muitos dos factos relatados naquele relatório – todos eles pessoais do recorrente - são anteriores à data da sua condenação e seriam, já, então, necessariamente, do seu conhecimento, não podendo, pois, ser considerados novos.

Mas decisivamente, atentemos na segunda parte da norma - que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

O novo meio de prova tem de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Não se exige certezas acerca da injustiça da condenação, apenas dúvidas. Mas dúvidas graves, de molde a colocar em causa, de forma séria, a condenação.

Diz o recorrente que o novo meio de prova tem a virtualidade de evidenciar o erro da não aplicação de uma pena de substituição.

Na decisão condenatória, com a fundamentação aí, aduzida entendeu-se e decidiu-se que no caso se impunha o cumprimento efectivo da pena de prisão - e, concretamente, não era caso da sua substituição pela suspensão da sua execução.

Desde logo, como dissemos já, da própria enunciação e raciocínio do recorrente resulta manifesta e ostensiva, mesmo, a falta de fundamento legal para a sua pretensão.

Com efeito, o próprio recorrente situa e enfoca a questão das graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, única e exclusivamente, quanto ao juízo de prognose negativo efetuado pelo tribunal da condenação de que as finalidades da punição não seriam atingidas com a aplicação de uma pena de substituição.

E, não, como é suposto pela norma, quanto às graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

E, como é sabido, o artigo 449.º/3 CPPenal impede a admissibilidade da revisão de sentença penal com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

E, se tal se aplica à questão da medida da pena, não pode, por igualdade de razões, deixar se aplicar, da mesma forma - atenta a supra enunciada natureza e desiderato que preside ao excepcional instituto da revisão de sentença – à questão da espécie e da escolha da pena.

Não se vislumbra em que medida – nem o recorrente assim o enquadra, sequer - poderia ser suficiente para convencer este Supremo Tribunal da grave (qualificada) dúvida sobre a justiça da sua condenação, o surgimento do aludido relatório elaborado no âmbito de um outro processo, em fase de cumprimento de uma outra pena, de prisão, concretamente, em sede de concessão de liberdade condicional.

Nenhuma virtualidade para o efeito pretendido pela norma. Nem já agora, para o efeito pretendido pelo recorrente.

E aquela particular exigência, com a definida amplitude, depreende-se da própria natureza extraordinária do recurso de revisão, que não se compagina com a possibilidade de reabrir constantemente o processo.

Que de qualquer forma tem subjacente a questão atinente com a problemática probatória – com o recurso a elementos de prova que não hajam sido utilizados. Não seguramente, com questões de direito – como é manifestamente o caso.

O que o recorrente pretende é que aqui se passe a valorar o circunstancialismo que consta do relatório de acompanhamento da liberdade condicional e, se conclua, afinal, como se concluiu no processo de concessão de liberdade condicional, no sentido de um favorável juízo de prognose futuro.

Sucede, porém, que, como acima ficou referido, no recurso de revisão a questão do eventual erro na não substituição da pena de prisão não pode ser aqui (re)apreciada.

Trata-se, na verdade, de questão que deve ser – como foi, de resto - suscitada em sede de recurso ordinário, tendo o caso julgado um efeito preclusivo absoluto sobre a sua reapreciação.

O recurso de revisão não se destina a recuperar questões definitivamente julgadas, estabilizadas pelo caso julgado. Se fosse assim, poderia manter-se indefinidamente a discussão das matérias controvertidas no processo, e dessa forma nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial, como se disse, para a própria paz social.

O recurso de revisão é um meio excecional que visa dar um espaço indispensável, mas circunscrito, à justiça material, em situações muito específicas, taxativamente indicadas, sob pena de subversão do caso julgado.
Apenas a sua verificação permite a quebra do caso julgado. E, não no caso de ter sido apreciada, ou, mesmo, susceptível de apreciação antes da decisão, o que se inscreve no objeto do processo, podendo constituir fundamento de recurso ordinário.

E, como vimos já, a nova prova tem de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

A revisão de sentença, que é um recurso extraordinário, com pressupostos de admissibilidade limitados, não serve para obter efeitos que, porventura, apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual o recorrente até já se socorreu, sem sucesso.

E, no caso concreto, o que consta na petição da revisão não permite concluir que o recorrente tivesse trazido provas novas que fossem que fossem de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

É no âmbito do recurso ordinário – isto é, de decisões não transitadas em julgado que se podem obter o resultado aqui pretendido pelo recorrente – uma decisão de substituição de uma pena de prisão por uma pena de suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º CPenal - decisão sobre o objeto do processo, nos termos do artigo 369.º CPPenal, cfr. artigo 400.º/1 alíneas c) a f) CPPenal.

Diferente é a finalidade visada pelo recurso extraordinário de revisão: a autorização da revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça e a realização de novo julgamento, cfr. artigos 457.º e ss. CPPenal.

A utilização da revisão como sucedâneo de um recurso ordinário, com o propósito de reabrir o mérito da causa com base em elementos de facto, naturalísticos e pessoais, atinentes com as condições pessoais da sua vida, já conhecidos ou que podiam ter sido invocados oportunamente no processo, implicaria uma subversão inadmissível do sistema de garantias processuais e uma afronta direta ao princípio da segurança jurídica consagrado constitucionalmente, dimensão essencial de um Estado de Direito democrático, cfr. artigo 2.º da Constituição.

A argumentação do recorrente, para além de dirigida a um objetivo que não pode ser prosseguido por via processual do recurso extraordinário de revisão, reconduz-se à convocação de elementos que ou não são novos, para o recorrente ou que não colocam em causa a justiça da sua condenação, no binómio condenação versus absolvição.

E, assim, se impõe concluir que, manifestamente, não está preenchido o pressuposto previsto na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º CPPenal – ser o novo elemento de prova suscetível de criar graves dúvidas sobre a justiça da condenação - e, consequentemente, não se verifica o fundamento para que possa ser admitida a revisão do acórdão condenatório proferido nos autos.

Faltando o pressuposto essencial da admissibilidade, não pode o pedido de revisão deixar de ser qualificado como manifestamente infundado.

Pelo que, em conformidade com o que vem de se expor, não havendo fundamento, e sendo manifesta a falta de fundamento, é negada a revisão, havendo lugar à aplicação da sanção a que se refere a parte final do artigo 456.º do CPP, segundo o qual o tribunal, além de condenar o requerente em custas, o condena ainda, se considerar o pedido manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.

III. Decisão

Termos em que acorda o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência da 5.ª Secção Criminal em negar a revisão do acórdão que nos autos condenou o recorrente AA.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos dos artigos 456.º/1.ª parte, CPPenal e 8.º/9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo.

Nos termos do artigo 456.º CPPenal, condena-se o recorrente no pagamento da quantia de 7 UC.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator, artigo 94.º/2 CPPenal, sendo assinado pelo próprio, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente desta Secção Criminal.

Supremo Tribunal de Justiça, 2025SET25

Ernesto Nascimento – Relator

Jorge Jacob – Juiz Conselheiro Adjunto

Vasques Osório – Juiz Conselheiro Adjunto

Helena Moniz – Juíza Conselheira Presidente da secção