RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
REINCIDÊNCIA
CULPA
Sumário

I- Os recursos são concebidos no nosso ordenamento jurídico como “remédios”, é o recorrente que tem de dizer, como em qualquer patologia, o mal de que se queixa, ou seja, tem de ser ele a indicar ao Tribunal Superior os erros que pretende ver corrigidos, não se visando com o regime de recursos obter um melhoramento, um aperfeiçoamento indiscriminado da decisão ao nível do Direito;
II- Mostra-se ajustada a pena única de 6 anos de prisão, pela prática em concurso real de um crime de roubo, um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de coacção, um crime de ameaça agravada, um crime de dano e um crime de furto na forma tentada, perante — entre outros factores — a ilicitude global das condutas, a respectiva censurabilidade e a personalidade, propensa a criar problemas e confrontos da mais variada ordem, manifestada nas mesmas.

Texto Integral


Acordam, em Conferência, os Juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – P. Delegada – JC Cível e Criminal – Juiz 3, processo supra-referido, em que é arguido AA foi proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo:

1. Absolver AA da prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal;

2. Condenar AA pela prática, enquanto reincidente, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº1 do Código Penal, na pena agravada de 4 anos e 4 meses de prisão;

3. Condenar AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º e 145º, nº1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;

4. Condenar AA pela prática de um crime de furto simples tentado, previsto e punido pelos artigos 23º e 203º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;

5. Condenar AA pela prática de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 150º, nº1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;

6. Condenar AA pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº1 e 155º, nº1, alínea a) do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;

7. Condenar AA pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;

8. Efetuado o cúmulo jurídico, condenar AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

9. Determinar a recolha de amostra de ADN do arguido e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro.

10. Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, as quais se fixam em 4 UCS (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º, nº5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III Anexa] e honorários nos termos legais.”

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Deste Acórdão foi em representação do arguido/condenado AA, interposto recurso para este Supremo Tribunal, formulando-se as seguintes conclusões:

“1. Na pena aplicada ao arguido, foram claramente violados os artigos 40º, 71º nºs 1 e 2 alíneas a), b), e d), todos do Código Penal;

2. No que à medida da pena diz respeito, é nosso entendimento que a pena para além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra-fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitar a dessocialização do agente;

3. Nesse sentido, a pena de pena de 6 (seis) anos e 6 (anos) de prisão, em cúmulo jurídico, mostrava-se e mostra-se, claramente desajustada;

4. Considerada que seja correctamente valorada a matéria dada como provada e respectivo enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal "a quo" sempre se impõe uma substancial redução da pena de prisão aplicada ao recorrente, em obediência aos princípios da adequação, humanidade das penas e tendo em atenção as condições do mesmo;

5. Quanto a nós a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) de prisão, do cúmulo mostrava-se e mostra-se, claramente, desajustada, excessiva e não proporcional.

Por todo o exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, reduzindo a pena de prisão que foi aplicada ao arguido em cúmulo jurídico.”

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Em resposta ao recurso, em 1.ª Instância, o M.º P.º pronunciou-se pela sua improcedência.

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Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso, mas sugere a “reformulação da qualificação jurídica dos factos constitutivos do crime de furto tentado”.

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Em consequência do decidido no Acórdão de que se pretende recorrer, são os seguintes os factos provados:

“Em sede de audiência de julgamento, e com interesse para a causa, provou-se que:

NUIPC 2219

1. No dia 7 de novembro de 2023, pelas 21h, na Rua 1, Ponta Delgada, o arguido aproximou-se de BB, nascido em DM1960, o qual caminhava a pé, com dificuldades de locomoção, seguindo-o até à Rua 2.

2. Já nesta rua, o arguido ofereceu-lhe ajuda.

3. Perante a recusa do ofendido em ser ajudado, o arguido agarrou-lhe pelo seu braço direito, torcendo-o, e forçando-o a abrir a sua mão direita.

4. Neste momento, o arguido retirou, levando consigo, um anel de ouro com uma pedra preta e o desenho da cabeça de uma pessoa, no valor de 900 €, pertencente ao ofendido, e empurrou-o para o solo, onde este embateu.

5. O ofendido sofreu, para além de dores, uma escoriação abrasiva da ponta do nariz infra centimétrica e uma ferida superficial infra centimétrica do lábio superior médio, lesões que determinaram para se curar um período de 5 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral de 2 dias e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.

6. O arguido agiu com o propósito concretizado de se apoderar pelas força e agressão física, do anel pertencente ao ofendido acima descrito, constrangendo-o, e colocando-o na impossibilidade de lhe resistir, bem sabendo que o anel acima referido não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário, e que o ofendido não seria capaz de se defender.

7. O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

8. No âmbito do processo n.º 1752/14.6PBPDL, que correu termos no Juízo Central Criminal de Ponta Delgada, por Acórdão proferido em 23 de abril de 2015, transitado em julgado em 22 de outubro de 2015, o arguido foi condenado pela prática, no dia 18 de dezembro de 2014, de um crime de roubo qualificado, como reincidente, p. e p. pelos arts. 75.º, n.ºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, 210.º, n.º 1, CP, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

9. O arguido esteve privado da liberdade à ordem do acima referido processo n.º 1752/14.6PBPDL, desde 19 de dezembro de 2014, primeiramente detido, depois sujeito à medida de coação de prisão preventiva, e, por fim, em cumprimento da referida pena de prisão até 31/01/2019, data em que foi concedida liberdade condicional.

10. De seguida, por decisão proferida em 12 de junho de 2019, transitada em julgado em 12 de junho de 2019, no processo n.º 698/11.4TXLSB-E, que correu termos no Tribunal de Execução de Penas dos Açores, foi declarada extinta por cumprimento a acima mencionada pena de prisão, com efeitos a 19 de março de 2019.

11. Entre a data do crime pelo qual foi condenado no processo n.º 1752/14.6PBPDL e o dia da prática do crime que ora se imputa ao arguido, descontado o período de privação da liberdade sofrido pelo arguido em cumprimento da pena de prisão acima indicada, decorreram menos de 5 anos.

12. O arguido estava ciente da anterior condenação que sofreu, bem como dos factos que a motivou, da pena de prisão em que foi condenado e do período que esteve preso em cumprimento da referida pena de prisão.

13. Não obstante, o arguido não interiorizou que tem que pautar a sua conduta pelas regras básicas de convivência social, traduzidas nas normas penais, não cometendo novos crimes, mormente da mesma natureza daquele que levou à anterior condenação e, totalmente insensível à pena de prisão que cumpriu, na ocasião acima indicada, praticou os factos acima descritos.

NUIPC 352

14. No dia 14 de fevereiro de 2024, cerca das 02h00, na Rua 3, em Ponta Delgada, o arguido com uma barra de ferro, desferiu uma pancada na perna esquerda do ofendido CC, causando um hematoma na zona da tíbia do ofendido.

15. Em resultado da conduta do arguido, o ofendido ficou com um hematoma na perna esquerda e dores.

16. Após, o arguido abandonou o local.

17. O arguido agiu com a intenção de ofender o corpo e a saúde do ofendido, resultados que logrou alcançar, utilizando uma barra de ferro para desferir a agressão, sabendo que se tratava de meio particularmente perigoso e capaz de causar graves lesões, revestindo especial censurabilidade.

18. O arguido agiu livre, esclarecida e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei.

NUIPC 533

19. No dia 18 de março de 2023, entre as 15h00 e as 15h30, AA dirigiu-se à Capela dos Terceiros sita no Campo de S. Francisco, em S. José, Ponta Delgada, com o propósito de dali subtrair todos os bens e valores que lograsse.

20. Ali chegado, o arguido estroncou a porta de madeira de acesso àquele edifício bem como as portas da sala da 2.ª secção e do jardim e, de seguida, reuniu e alinhou os seguintes bens pertencentes ao “Agrupamento 1197 Escuteiros Marítimos de S. José – Ponta Delgada”, com o propósito de os levar consigo: 1 saco cama no valor de €40,00; 1 violão no valor de €50,00; 1 kit de primeiros socorros no valor de €20,00 e 1 par de barbatanas de mergulho, sem valor comercial.

21. Quando se preparava para abandonar o local na posse daqueles bens, o arguido foi surpreendido por DD, elemento daquele grupo de escuteiros.

22. Nessa sequência, o Arguido, munido de uma garrafa de gás, tipo spray, numa das mãos dirigiu a DD a seguinte expressão: “Afasta-te!”.

23. Decorridos alguns instantes, o Arguido abandonou o local sem levar aqueles bens, receando que DD chamasse a polícia.

24. AA agiu com o propósito de subtrair e integrar no seu património os referidos bens, sabendo que não lhe pertenciam e que estava a atuar contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que não concretizou por ter sido surpreendido nos termos descritos.

25. Mais agiu com a intenção lograda de causar a DD medo e receio de que aquele esguichasse o spray, molestando-o fisicamente, na eventualidade de o deter ou impedir de sair daquele local, constrangendo-o assim a deixá-lo sair livremente do local a fim de possibilitar a sua impunidade.

26. O arguido agiu de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

NUIPC 3

27. No dia 2 de janeiro de 2024, pelas 5h10m, quando se encontravam junto ao cais de descarga de pescado da “LOTAÇOR”, em Ponta Delgada, AA e EE envolveram-se numa altercação verbal.

28. Nessa sequência, porquanto o Arguido estava acompanhado por um canídeo quando o Ofendido estava a descarregar atum, o último ordenou-lhe que saísse do local.

29. Em resposta, o Arguido, empunhando uma navalha de características desconhecidas, avançou na direção do Ofendido e dirigiu-lhe a expressão “vou-te matar …”.

30. O Ofendido disse ao Arguido que o seu tempo naquele local de trabalho tinha acabado, que não ia trabalhar enquanto não guardasse aquela navalha e o Arguido acabou por abandonar o local.

31. No dia 28 de fevereiro de 2024, pelas 9h30, AA voltou a comparecer no mesmo local acompanhado do referido animal e FF, Chefe da Lota, ordenou-lhe que abandonasse o local, o que o Arguido fez, contrariado.

32. Decorridos alguns instantes, o arguido retirou a trela que usava para passear o seu cão e vibrou-a no tejadilho da carrinha de EE, de marca MITSUBISHI, modelo L200 do Ofendido, de cor branca, com a matrícula V1, amolgando e retirando a tinta das zonas atingidas, causando um prejuízo de €2520,68 (dois mil quinhentos e vinte euros e sessenta e oito cêntimos).

33.O Arguido agiu com a intenção logrado de causar ao Ofendido medido e receio de vir a ser molestado fisicamente e mesmo morto, com o que limitou a sua liberdade de determinação.

34.E agiu ainda com o propósito concretizado de amolgar e retirar a tinha do veículo do Ofendido, nos termos descritos, conhecendo a sua natureza alheia e atuando contra a vontade daquele, causando-lhe o referido prejuízo.

35.AA agiu, sempre, de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.Das condições socioeconómicas do arguido:

36.À data dos factos constantes na acusação, o arguido encontrava-se em situação de pessoa sem-abrigo, com comportamentos aditivos e dependência (bebidas alcoólicas), traduzido em dificuldades em integrar o mercado laboral e manter/estabelecer relacionamentos estáveis nos diferentes contextos (familiar e social).

37.A família de origem do arguido mantém-se afastada, desde há alguns anos, tal é a sua conduta em meio livre, para além da referência à estigmatização de que é alvo no próprio meio comunitário, justificado pelos problemas comportamentais (alguns dos quais descritos como violentos). O arguido reconhece tais constrangimentos/fatores de risco no seu processo de reinserção social.

38. Relativamente ao percurso escolar e laboral do arguido, observa-se uma baixa escolarização (detém apenas o 4º ano de escolaridade), tendo o mesmo abandonado a escola por volta dos 10 (dez) anos de idade, seguido de experiências laborais pontuais e pouco duradouras. Ao longo da sua vida sempre manteve um quotidiano desestruturado/desorganizado, caracterizado pela ausência de atividades ocupacionais valorativas, associados ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

39. Aos 18 (dezoito) anos de idade casou e teve três filhos, no entanto, aos 24 (vinte e quatro) anos separou-se. Afirma ter mais quatro filhos, de mães diferentes, residentes nesta ilha, não tendo assumido qualquer responsabilidade parental para com os descendentes.

40. Durante aquele período, cumpriu serviço militar obrigatório e terá sido nesse contexto que escalou (em gravidade e quantidade) o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, com impacto negativo nas várias dimensões da sua vida: familiar (separação conjugal), laboral (dificuldade na manutenção de uma colocação), social (rejeição por parte de elementos da comunidade e justiça (envolvimento em comportamentos criminais).

41. Em 1992, regista o seu primeiro contacto com o Sistema de Justiça Penal, vindo desde então a cumprir penas de prisão sucessivas e sem a oportunidade de beneficiar de medidas de flexibilização da pena, justificado por problemas comportamentais. Por outro lado, em 2005 beneficiou da concessão de liberdade condicional (LC) aos 5/6 da pena, a qual veio a ser revogada. Posteriormente, à ordem do processo nº 698/11.4TXLSB-E beneficiou de liberdade condicional, entre 31.01.2019 e 19.03.2019, cumprindo com as obrigações subjacentes (concretamente, manteve-se abstinente do consumo de bebidas alcoólicas e de estupefacientes).

42. Atualmente, sujeito à medida de coação de prisão preventiva transparece alguma ansiedade e preocupação quanto ao seu desfecho, pese embora reconheça que a mesma se afigura como uma medida de proteção para o próprio, tal era a sua condição de vulnerabilidade e precariedade à data de entrada no estabelecimento prisional.

43. O arguido transparece alguma consciência critica face à sua história de vida, concretamente no que diz respeito aos comportamentos criminais, tende a se desresponsabilizar de tais comportamentos, justificado pelos comportamentos aditivos e dependência (em particular no que diz respeito ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas).

44. Em meio prisional o arguido não integra programa terapêutico, no entanto, manifestou como principal necessidade de reinserção social a sujeição a consulta de avaliação, e consequente tratamento, em regime de internamento, inclusive no âmbito da política de saúde mental.

45. O arguido não tem, à data, antecedentes criminais registados.”

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Medida da pena

“Cumpre determinar a medida da pena a aplicar, uma vez que a todo o crime corresponde uma reação penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo agente.

A determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstrata da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida (Figueiredo Dias, Direito Penal – As consequências jurídicas do crime, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 229).

Vejamos, em concreto, estas diversas etapas.

O crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº1 do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

O crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº1, alínea a) do Código Penal, é punido com pena de prisão até 4 anos.

O crime de furto simples tentado, previsto e punido pelos artigos 23º e 203º, nº1 e 2 do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa.

O crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº1 do Código Penal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

O crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º e 155º, nº1, alínea a) do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

O crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº1 do Código Penal, é punido com pena de pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360

Uma vez que diversos dos crimes praticados admitem, em alternativa, pena principal de prisão e de multa, importa, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena principal a aplicar, para seguidamente determinar a medida concreta da pena escolhida.

Em conformidade com o disposto no artigo 70º do Código Penal, a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a ressocialização do delinquente e satisfaça a proteção dos bens jurídicos (artigo 40º do Código Penal), sendo alheias, neste momento, considerações relativas à culpa que apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.

A aplicação de penas visa, por um lado, reafirmar na comunidade a manutenção da validade das normas violadas, repondo a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva) e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da «prevenção da reincidência» (prevenção especial positiva).

No caso em análise, as exigências de prevenção geral são extremamente elevadas, devido à frequência com que os crimes contra o património e as pessoas são praticados, conforme é disso expressão o último Relatório Anual de Segurança Interna. Dada a grande incidência destes crimes, como é disso expressão os dados referidos, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.

Já quanto às exigências de prevenção especial, e considerando que estamos perante um arguido reincidente, tendo já cumprido pena de prisão, e persistindo a necessidade de prevenir o cometimento de mais crimes e de o fazer interiorizar, de vez, o desvalor das suas condutas, o Tribunal opta pela aplicação de penas privativas de liberdade.

Importa, agora, determinar a medida concreta da pena a aplicar.

Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar. Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40º, nº 2, do Código Penal). Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71º, nº 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.

Nessa perspetiva, as exigências de prevenção especial são extremamente elevadas, devendo ter-se em consideração o grau de ilicitude dos factos, que é elevado, atento os tipos legais, as molduras abstratas, ao que acresce a circunstância de estarmos perante a prática de seis crimes diferentes. Quanto à culpa, a mesma é elevada, já que sempre agiu com dolo direto. O Tribunal não pode ainda ignorar que já cumpriu pena de prisão. A seu favor nada abona, pois, o suporte familiar é inexistente e, antes da sua reclusão, encontrava-se em situação de sem-abrigo, não dispondo de qualquer fonte de rendimento.

Face ao exposto, o Tribunal decide aplicar as seguintes penas:

- 4 anos de prisão pelo crime de roubo;

- 2 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada;

- 8 meses de prisão pelo crime de furto simples tentado;

- 1 ano de prisão pelo crime de coação;

- 8 meses de prisão pelo crime de ameaça agravada;

- 1 ano de prisão pela prática do crime de dano.

Aqui chegados, importa descortinar a verificação da reincidência enquanto circunstância agravante modificativa com previsão legal nos artigos 75º e 76º do Código Penal.

De acordo com o nº 1 do artigo 75º são pressupostos da reincidência: (i) a comissão de crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; (ii) à data da prática desses factos, o arguido ter já sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso; e (iii) ser de censurar a conduta do agente por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para o crime.

Por seu turno, estabelece o nº 2 do mesmo artigo um pressuposto “negativo” da aplicabilidade do instituto, qual seja a ausência do decurso do período de mais de cinco anos entre a prática de ambos os crimes, não sendo computado o tempo durante o qual o agente esteve em cumprimento da pena privativa da liberdade.

Feito este enquadramento, constatamos que, no caso dos autos, mostram-se reunidos os ditos pressupostos objetivos (positivos – alíneas (i) e (ii) e negativo), pois entre a data do crime da última condenação e o dia da prática do crime de roubo, descontado os períodos de privação da liberdade sofridos em cumprimento das penas, decorreram menos de 5 anos (factos 8º a 13º).

É assim de concluir que tal condenação não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novo crime pelo arguido, não se logrando assegurar, pela referida condenação, as exigências de prevenção geral e especial que àquele caso cabiam, devendo aqui ser aplicada pena de prisão efetiva superior a 6 meses.

Atento o disposto no artigo 76º nº 1 do Código Penal, pelo que, levando em conta os fundamentos supra vertidos a propósito da determinação da medida da pena, consideramos justa, necessária, adequada e proporcional a aplicação da pena agravada de 4 anos e 4 meses de prisão pela prática do crime de roubo.

Verificando-se um concurso real e efetivo de infrações, a punição deve realizar-se de acordo com o disposto no artigo 77º do Código Penal.

Nos termos do nº 2 da norma acima referida, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos todos os crimes (9 anos e 8 meses de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (4 anos e 4 meses de prisão).

Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade dos agentes, apreciados conjuntamente (artigo 77º, nº 1, parte final do Código Penal), pelo que, realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, e não ignorando a situação de indigência aquando da prática dos crimes, demonstra-se adequada a fixação da pena única em 6 anos de prisão. “

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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

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Questão prévia:

No seu parecer o Sr. Procurador Geral-Adjunto, propõe uma “reformulação da qualificação jurídica dos factos constitutivos do crime de furto tentado”, passando-se de um crime simples, para um qualificado, mantendo-se, porém, “inalterado o quantum da pena concreta”.

Efectivamente, o recorrente está condenado pela prática de um crime de furto simples (na forma tentada), e assim estava acusado.

A correcta qualificação jurídica dos factos a esse respeito provados, integraria a prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22, 23, 203, e 204, n.º 2, al.ª e) do CP (penetração em espaço fechado, por arrombamento).

Porém, essa questão não integra o objecto do recurso do arguido/condenado, nem poderia, como é evidente.

Por outro lado, da alteração preconizada, não poderia resultar qualquer alteração da pena parcelar, ou da pena única, que se teriam de manter as mesmas, por força da proibição da “reformatio in pejus” (reforma para pior), prevista no art.º 409 do CPP.

Ou seja, da mesma nenhuma utilidade resultaria.

Sendo apropriado relembrar que os recursos são concebidos no nosso ordenamento jurídico como “remédios”, é o recorrente que tem de dizer, como em qualquer patologia, o mal de que se queixa, ou seja, tem de ser ele a indicar ao Tribunal Superior os erros que pretende ver corrigidos, – cfr. a este respeito Narciso da Cunha Rodrigues, Apontamentos de Direito Processual Penal, Volume II, AAFDL, 1993, pg. 55 -, não se visando com o regime de recursos obter um melhoramento, um aperfeiçoamento indiscriminado da decisão ao nível do Direito.

Em complemento, essa alteração da qualificação jurídica, implicando um agravamento da pena abstracta, representa por si só uma alteração desfavorável ao arguido/condenado: suponha-se o porvir de uma amnistia, ou perdão, que abrangesse apenas os furtos simples.

Assim, não se procederá à sugerida alteração.

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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o recurso do arguido/condenado AA se circunscreve à medida da pena única, pedindo a sua redução.

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O aqui recorrente AA encontra-se condenado pela prática, em concurso real e autoria material de:

— Um crime de roubo (p. e p. pelo art.º 210, n.º 1 do CP), como reincidente, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão (após ter seguido a vítima, com dificuldades de locomoção, oferecendo-lhe “ajuda”, torceu-lhe o braço direito e retirou-lhe um anel no valor de 900€, empurrando-o depois para o chão);

— Um crime de ofensa à integridade física qualificada (p. e p. pelos art.ºs 143 e 145, n.º 1, do CP), na pena de 2 anos de prisão (desferiu uma pancada com uma barra de ferro na perna esquerda da vítima);

— Um crime de furto simples, na sua forma tentada (p. e p. pelos art.ºs 23 e 203 do CP), na pena de 8 meses de prisão (tentou apoderar-se de um saco-cama, um violão, um kit de primeiros socorros e umas barbatanas, de um grupo de escuteiros, só não o fazendo porque foi surpreendido por um desses escuteiros);

— Um crime de coacção (p. e p. pelo art.º 150, n.º 1 do CP), na pena de 1 ano de prisão (apontando-lhe um gás, tipo spray, mandou afastar o escuteiro que o surpreendeu, a fim de poder ir-se embora com os bens);

— Um crime de ameaça agravada (p. e p. pelos art.ºs 153, n.º 1 e 155, n.º 1, al.ª a) do CP), na pena de 8 meses de prisão (após uma altercação, por o recorrente se encontrar na Lota com um cão, ameaçou o pescador com uma navalha, dizendo-lhe “vou-te matar”);

— Um crime de dano (p. e p. pelo art.º 212, n.º 1 do CP), na pena de 1 ano de prisão (bateu com a trela do cão no tejadilho da carrinha do pescador, amolgando-o e causando um prejuízo de 2.520,68€).

— Está condenado na pena única de 6 anos de prisão.

Já cumpriu pena de prisão pela prática de crimes de roubo qualificado.

Encontrava-se em situação de “sem abrigo”, “com comportamentos aditivos e dependência (bebidas alcoólicas)”.

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O recurso — que começa com a frase “é apenas um o aspecto com que se prende o recurso” — circunscreve-se à medida da pena única.

Não se passa, porém, da enunciação de algumas proposições genéricas (v.g. “A determinação da medida da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71.º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades próprias das respostas punitivas em sede de Direito Penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal), sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena”).

Para além disso, adjectiva-se a pena de “desajustada, excessiva e não proporcional”, pretende-se a sua redução “em obediência aos princípios da adequação, humanidade das penas e tendo em atenção as condições do mesmo” (enganando-se, porém, na sua medida, uma vez que a pena não é de “6 anos e 6 meses de prisão” como surge escrito).

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Não obstante — como resulta do sintetizado — o recurso se situar no patamar da manifesta improcedência, não se tendo proferido decisão sumária, aprecie-se o seu mérito, na medida do necessário e suficiente:

Assim, verifica-se que na decisão proferida estão (de forma bastante concisa) referenciados os factores de medida da pena, começando-se pelo grau de ilicitude dos factos (considerado “elevado, atento os tipos legais, as molduras abstratas, ao que acresce a circunstância de estarmos perante a prática de seis crimes diferentes”), e o grau de culpa (“elevada, já que sempre agiu com dolo directo”).

São também referidas as exigências preventivas especiais (“já cumpriu pena de prisão. A seu favor nada abona, pois, o suporte familiar é inexistente e, antes da sua reclusão, encontrava-se em situação de sem-abrigo, não dispondo de qualquer fonte de rendimento”).

Com sentido atenuante (depreende-se) é referida a “situação de indigência”.

É, efectivamente, considerável a ilicitude global das condutas do recorrente, para isso contribuindo, decisivamente, o modo e circunstâncias — acima descritos — da execução do roubo, da ofensa à integridade física, e da ameaça.

É igualmente indiscutível a censurabilidade das suas condutas, praticadas com dolo directo, e sobretudo a culpa na formação da personalidade nelas manifestada, mostrando-se um indivíduo propenso a criar problemas e confrontos da mais variada ordem (o que também tem efeito nas exigências preventivas especiais).

Estas exigências preventivas especiais, mostram-se significativas, perante o seu percurso de vida, marcado por hábitos de consumo de droga e de álcool, e pela delinquência aos mesmos, frequentemente, associada (já tendo cumprido pena de prisão).

Embora não referidas na decisão, há que ter também em conta as exigências preventivas gerais, mostrando-se necessária a demonstração — na fixação da pena —, perante a Comunidade (neste caso a Açoriana) da real validade das normas jurídicas que protegem os bens violados.

Em conclusão, e por estas razões, a pena única não requer qualquer diminuição.

O recurso mostra-se improcedente.

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Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso, interposto para este Supremo Tribunal, em representação do AA.

Mantém-se o Acórdão recorrido.

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Custas pelo recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 5 UC’s.

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Lisboa, 25/09/25

José Piedade (Relator)

Celso Manata

Vasques Osório