I - É irrecorrível o acórdão do tribunal da Relação de Guimarães que, confirmando decisão da 1.ª instância, mantém o arguido condenado em penas parcelares não superiores a 8 anos de prisão.
II - Essa irrecorribilidade estende-se aos segmentos do aludido acórdão atinentes a crimes punidos com as aludidas penas parcelares e objeto de dupla conforme.
III - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
IV - Perante uma moldura abstrata que se situa entre os 5 e os 25 anos de prisão (sendo certo que a soma material das penas parcelares atingiria os 42 anos de prisão) não é desajustada nem desproporcional a punição do arguido com uma pena única de 11 anos de prisão, em cúmulo jurídico, pela prática de 1 crime de abuso sexual de criança, 3 crimes de abuso sexual de criança agravada e 7 crimes de abuso de menor dependente nas penas de prisão de 5 anos, 4 anos e 8 meses (para cada um dos 3 crimes acima referidos) e 3 e 4 anos (para ,respetivamente, 5 e 2 dos crimes de abuso de menor dependente).
A - Relatório
A.1. A decisão da primeira instância.
Através de acórdão proferido a 05 de março de 2024, pelo Juízo Central Criminal de Viana do Castelo – Juiz 1, AA foi condenado pela prática dos seguintes crimes e, designadamente, nas penas a seguir indicadas:
“B. CONDENAR o arguido AA, pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:
i. 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 2 do C.P. e 177.º, n.º 1, al. A) [factos sob os pontos 10 a 18], ambos do C.P., na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
ii. 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, al. a) [factos sob os pontos 19 a 21, 23, 24, 25, 26 e 30 – neste último, numa das três ocasiões aí mencionada], ambos do C.P., na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, para cada um deles;
iii. 5 (cinco) crimes de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a) [factos sob os pontos 22, 23, 24, 25 e 30 – neste último, em duas ocasiões], ambos do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão, para cada um deles;
iv. 2 (dois) crimes de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a) [factos sob os pontos 22, 23, 24, 25, 27, 28 e 29], ambos do C.P., na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um deles;
v. em cúmulo jurídico, vai condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.”
A.2. O recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães
O arguido não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para o Tribunal da Relação de acima indicado o qual, através de acórdão proferido a 25 de fevereiro de 2025 decidiu, designadamente, “não conhecer da impugnação da matéria de facto e negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra o acórdão recorrido.”
A.3. O recurso para o STJ
Continuando inconformado, vem agora o arguido recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas motivações com as seguintes conclusões:
V- CONCLUSÕES:
1. O Recorrente/Arguido, recorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que confirma a decisão da 1ª Instância e lhe mantém a pena de prisão de 11 anos, fixada depois de operado o cúmulo jurídico, colocando à reapreciação a matéria de direito.
2. Sabendo que, “o recurso de um acórdão da Relação para o STJ não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu daquele recurso, cujo âmbito se delimita pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Do disposto nos artigos 400.º, n.º 1, als. e) e f), 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância ou penas inferiores a 5 anos ou de substituição em caso de absolvição em primeira instância, regra que é aplicável quer se trate de penas singulares quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas a esses crimes. Conforme jurisprudência consolidada deste STJ, apenas é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação – casos de “dupla conforme”, incluindo a confirmação in mellius – quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, constituindo objeto de conhecimento do recurso apenas as questões que se refiram a condenações em pena superior a oito anos, seja esta uma pena parcelar ou uma pena única.”
3. Do nosso caso concreto, invocamos a nulidade da decisão por inexistência do facto provado 24, transcrito da Sentença da 1ª Instância e na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação, e assim da nulidade do Acórdão, nos termos dos art. 379º, nº 1, al.
a), nº 2, 374º, nº 2, 410º, nº 2, al. a) e nº 3 todos do CPP. Porquanto,
4. Dos factos provados resulta o seguinte segmento:
“23. Acresce, ainda, que por, pelo menos, por cinco ocasiões distintas, quando a assistente contava entre os 13 (treze) e os 14 (catorze) anos de idade (antes e completar os 15 anos), o arguido AA disse à arguida BB que iria conduzir a assistente a uma consulta de psicologia porque sentia que esta padecia de “problemas psicológicos”, o que fez com o propósito, único e exclusivo, de obter uma desculpa para conduzi-la ao exterior da residência, o que logrou efectuar à tarde, à noite e após o jantar.
25. Assim, na execução do plano que o mesmo delineou e referido no ponto 24, o arguido AA conduziu a assistente, naquelas cinco ocasiões, a motéis ou espaço equiparado, sendo quatro vezes ao Motel denominado Bracancun, sito na Estrada 1, em Braga e, uma das vezes a um outro Motel ou equiparado relativamente próximo àquele, mas não concretamente apurado.”
5- Constata-se remição do ponto 25, para o inexistente ponto 24 e a decisão sobre a condenação, é consubstanciada, entre outros nesse facto 24, conforme transcrição do segmento decisório:
(…)
ii. 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, al. a) [factos sob os pontos 19 a 21, 23, 24, 25, 26 e 30 – neste último, numa das três ocasiões aí mencionada], ambos do C.P., na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, para cada um deles; iii. 5 (cinco) crimes de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al.
a) [factos sob os pontos 22, 23, 24, 25 e 30 – neste último, em duas ocasiões], ambos do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão, para cada um deles; iv. 2 (dois) crimes de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al.
a) [factos sob os pontos 22, 23, 24, 25, 27, 28 e 29], ambos do C.P., na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um deles;”
6. A inexistência do facto 24, do qual o Tribunal se socorre para condenar o arguido no decisório final, deve culminar com a declaração de nulidade da Sentença, que ao ser confirmada pelo Tribunal da Relação em Acórdão que transcreve a matéria de facto provada, com inexistência do facto provado 24, e que confirma a condenação com base naquele inexistente facto, consequentemente, deve também o Acórdão ser declarado nulo! O que se requer, com as legais consequências.
7. O Acórdão é igualmente nulo ao sustentar que não houve valoração de prova nula, quanto às declarações para memória futura da ofendida, sustentando que não foi violado o art. 32º, nº 1 da CRP, nem do art. 271º do CPP. Discordamos!
8. As declarações para memória futura da Ofendida realizadas em sede de inquérito, em 22/11/2022, violam o preceituado no artigo 271°, n.° 3 do Código de Processo Penal uma vez que, determina que ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente ou das partes civis, sejam comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
9. No caso que nos ocupa, conforme resulta do auto de declarações para memória futura, o Arguido Recorrente não foi notificado da realização da diligência de declarações para memória futura, tendo-lhe sido nomeado um defensor.
10. É certo que, à data, o Arguido ainda não havia sido constituído nessa qualidade, figurando nos autos apenas como denunciado, mas deveria tê-lo sido.
11. Como refere José Lobo Moutinho, em “Arguido e Imputado no Processo Penal Português”, Lisboa, 2000, Universidade Católica Editora, pág. 184 "(...) o item de constituição do arguido foi estruturado com o fim de assegurar de imediato a possibilidade electiva do exercício dos direitos do arguido a começar pela prestação de declarações como acto de defesa e por isso a sua omissão ou irregularidade não pode, sem fraude à lei e perversão do seu sentido e função, ser utilizada como argumento ou ‘explicação', para justificar qualquer diminuição dos direitos do imputado."
12. Como conclui aquele autor, o imputado não pode ver-se privado de quaisquer direitos pela indevida omissão da constituição de arguido. “Pode deles estar facticamente, mas não juridicamente impedido. 0 mais - remata aquele autor - seria um insuportável venire contra factum proprium."
13. Na esteira do que é defendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 04-05- 2022, "O artigo 59º, nº 2 do CPP confere à pessoa sobre quem recair suspeita de ter cometido um crime o direito de ser constituído arguido, sempre que estiverem a ser efetuadas diligências que pessoalmente o afetem.
14. Com a constituição de arguido a lei reconhece o suspeito como sujeito processual, com toda a panóplia de direitos que esse estatuto implica, sendo-lhe assegurado o exercício de direitos e deveres processuais".
15. As declarações para memória futura, embora produzidas em sede de inquérito, têm, nos termos do artigo 271°, n.° 1 do Código de Processo Penal, a mesma relevância e força probatória do que as declarações prestadas em sede de julgamento, e no presente caso sustentaram exclusivamente a condenação do arguido.
16. As garantias de defesa do arguido não estão de todo asseguradas, com a mera nomeação de um defensor.
17. Nem o Ministério Público, nem o órgão de polícia criminal, devem omitir a constituição de arguido, retardando-a com o único propósito ou objectivo de, por este meio ardiloso, o arguido e o seu defensor (que aquele tem o direito de escolher - cfr. art. 32º-, nº 3 da Constituição da República) serem afastados da produção antecipada de prova, escudando-se no facto de a lei não impor a notificação da realização da diligência aos suspeitos ainda não constituídos arguidos que, por isso, não devem ser notificados.
18. É sim fundamental, que o denunciado tenha conhecimento prévio da realização da diligência, o denunciado tem direito a constituir advogado para exercer as funções de defensor, até porque um defensor nomeado, como não pode conferenciar com o seu patrocinado por este não estar presente na diligência, não tem possibilidade de exercer convenientemente o contraditório durante as declarações para memória futura.
19. A nomeação de defensor a denunciados/suspeitos, a requerimento do Ministério Público, como sistematicamente se tem verificado no âmbito das declarações para memória futura, não passa de um ardil no sentido de, assim, supostamente se dar cumprimento ao contraditório.
20. O contraditório só se cumpre verdadeiramente se o Ministério Público constituir arguidas as pessoas, que têm todas as condições para serem constituídas como tal, sendo certo que, em situações como a presente, em que manifestamente qualquer perigo acrescido com a constituição de arguido, essa diligência só não tem lugar em momento anterior da tomada de declarações para memória futura, porque o Ministério Público, apesar de erguer a bandeira do princípio do contraditório, não pretende que as declarações para memória futura sejam verdadeiramente sujeitas ao contraditório. 21- Um arguido não pode ser prejudicado nos seus direitos caso se opte pela realização de diligência de declarações para memória futura, porquanto, valendo tais declarações como prova nos mesmos termos em que valeriam se prestadas em audiência de julgamento, aquela diligência não poderia ser realizada sem que dela fosse dado conhecimento ao Arguido.
22. Reitera o Arguido que, a prova por declarações para memória futura, tendo sido produzida sem que lhe tivessem sido asseguradas todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, é nula, bem como, quanto ao artigo 271°, n.° 3 do Código de Processo Penal, na primeira parte determina a notificação ao arguido, quanto à segunda parte, interpretado no sentido de que o denunciado ainda não constituído arguido não tem de ser notificado da prestação de declarações para memória futura, desde que representado por defensor desconhecido, é inconstitucional por violação dos princípios consagrados no artigo 32°, n°s 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente se invoca.
23. Argúi-se também a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação quanto ao decidido sobre as questões 3 (“3.Se ocorre erro de julgamento da decisão da matéria de facto; ) e 4 (4.Se foi violado o princípio in dúbio pro Reo; “), questões que aquele tribunal extraíu das conclusões do recorrente, recusando o reexame da matéria de facto.
24. Vejamos primeiro, da violação dos artigos 417º, 412º, nº 3 e 431º, al. b) do CPP, quando os arguidos, na sequência da Sentença notificada pela 1ª Instância, discordando daquela, apresentaram as suas alegações de recurso, com motivação e respectivas conclusões, sendo estas num total de 205 conclusões, pois os ilícitos em discussão e as condenações aplicadas, bem como o pedido de reapreciação da prova gravada, com junção da transcrição dessa prova produzida em julgamento e na fase prévia, designadamente, com as declarações para memória futura da ofendida, assim exigiram ao causídico que as elaborou.
25. Veio o Tribunal da Relação de Guimarães, sob refª citius .....52, por despacho dizer o seguinte (transcrição):
“Recurso próprio, admitido com efeito e regime adequados.
Analisada a motivação e as conclusões dela extraídas no recurso conjunto apresentado pelos arguidos AA e BB, verifica-se que os recorrentes vieram reproduzir no que apelidam de «Conclusões», 205 (duzentos e cinco) parágrafos onde basicamente repetem toda a argumentação que expenderam na sua motivação.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal, no que aqui releva: “1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.»
O resumo das razões do pedido é, tal como a literalidade da expressão o indica, uma síntese dessas razões, traduzindo-se numa exposição clara, objectiva e sintética dos fundamentos do recurso, tanto mais que, como constitui jurisprudência assente, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf., entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).
Conforme salientado no acórdão desta Relação de 11-06-2019, proc 314/17.0GAPTL.G1, relator Mário Silva (in www.dgsi.pt), que aqui perfilhamos:
«1- A repetição integral da motivação do recurso nas conclusões, equivale à falta destas, constituindo motivo de rejeição do recurso - art. 414º, nº 2, do CPP.
2. - São as questões sumariadas nas conclusões que, ao delimitarem o objeto do recurso, serão alvo de decisão, sendo imprescindível que sejam claras, concisas e precisas.
3. - Não satisfaz essa exigência a aparente formulação de conclusões mediante mera aglutinação do texto da motivação.»
E ainda, o acórdão da Relação de Lisboa de 31-10-22, proc 919/19.5PFLRS.L1-9, relatora Paula Penha (na mesma fonte):
«Quando o recorrente depois de convidado a aperfeiçoar as suas conclusões nos termos do disposto no artigo 417º nº 3 do C.P.P. apresenta uma outra peça processual, que persiste em não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das anteriores conclusões, voltando a reproduzir a motivação, mas aglutinando-as em menos artigos, conclui-se que o recurso terá de ser rejeitado por incumprimento do nº 1 do artº 412º do C.P.P. e estando-lhe vedado, nestas circunstâncias reivindicar novo convite de aperfeiçoamento.»
Considerando o exposto, e tendo em consideração o art. 417º, nº 3 do Código de Processo Penal, convida-se os recorrentes a corrigir as conclusões apresentadas, sob pena de rejeição do recurso - art. 414º, nº 2, do Código Processo Penal.”
26. Respondendo ao convite de aperfeiçoamento, o causídico, mantendo a motivação integral do seu Recurso, veio reduzir substancialmente as suas conclusões, para 56 conclusões, por respeito ao despacho supra transcrito, não deixando de especificar, impugnar e demonstrar, quais os concretos pontos da matéria de facto, conjugados com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveriam ter sido dado como não provados, em estrito cumprimento do art. 412º, nº 3 do CPP.
27. Sequentemente, vem o Tribunal da Relação de Guimarães, dizer no seu Acórdão o seguinte, “Sendo evidente que os recorrentes pretendem impugnar a matéria de facto nos termos do art. 412º, nº 3 do CPP, é igualmente inequívoco que o fazem sem observância do ónus da correcta especificação”.
(…)
“Assim sendo, porque os recorrentes não cumprem o estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º do CPP, em fase do disposto no art. 431º, al. b), do CPP fica este Tribunal da Relação impossibilitado de modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto na 1ª instância, devendo ser rejeitado o recurso no tocante à impugnação da matéria de facto.”
28- O não conhecimento do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, deve ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, mesmo com conclusões que são repetições da maioria das alegações, sendo possível a triagem do que verdadeiramente interessa, devia o Tribunal da Relação colocar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal.
29. Entende o Recorrente que, por um lado, pelo Tribunal da Relação, foram violados os dispositivos 417º, 412º, nº 3 e 431º, al. b) do CPP, quando recusou conhecer o recurso pelo facto de ter 205 conclusões e entender erradamente que eram a repetição da motivação.
30. Entretanto depois do convite ao aperfeiçoamento, feita a redução das conclusões para 56 conclusões, afirmar aquele tribunal, não conhecer da impugnação da matéria de facto.
31. O Recorrente, nas suas conclusões aperfeiçoadas nos pontos 7 e 40 procedeu à especificação dos concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, rebuscou a prova produzida que impunha decisão contrária à que foi tomada quanto aos concretos pontos da matéria de facto dada como provada, que deveria ser dado por não provada.
32. O Tribunal da Relação, no Acórdão aqui recorrido é claro em demonstrar que entendeu a pretensão do Recorrente, quando, quanto à questão 3 e 4, refere: “Os recorrentes defendem que “”foram incorrectamente julgados os seguintes pontos do elenco dosfactosprovados:10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37,38,39,40,41,42,43,44,45,46,47,48,49,50,51,52,53,54,55,56 e 57, os quais deverão ser dados como
“Não provados”, uma vez que:””
33. As Conclusões dos recursos não podem nem devem dispensar a leitura da motivação pelos Tribunais superiores, caso assim seja, dispensem-nos da elaboração da motivação.
34. Aqui muito resumidamente, o Arguido usou da seguinte motivação:
“C) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…) a prova constante dos autos foi erradamente apreciada e ponderada pelo Tribunal, e impunha uma decisão diversa da recorrida.
Indica a seguir o Recorrente, nos termos do artigo 412°, n.° 3, alínea a) do Código de Processo Penal, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados:
Considerar provado os seguintes pontos do elenco dos factos provados: 10,11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41,42,43, 44,45, 46,47,48,49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57.
Face à prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos enunciados.
As provas que impõem decisão diversa da recorrida são a prova documental, as declarações dos Arguidos e da Ofendida e o depoimento das testemunhas CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ. (…)
Ainda que não se ignore a natureza e modo de execução dos tipos legais de crime que vêm aqui imputados ao Recorrente, as declarações da Ofendida, além de credíveis, terão necessariamente que ser corroboradas com outros elementos que permitam a prova cabal e segura dos factos.
Caso contrário, estar-se-á a conceder crédito ilimitado a uma parte processual em total
detrimento da outra, numa manifesta extrapolação do princípio da livre apreciação da prova.
De facto, e ressalvado o devido respeito, a condenação dos Arguidos assentou num simples juízo
de maior probabilidade e não de uma certeza absoluta sobre a sua culpabilidade.
(…)
35- Concluindo o recorrente, “Em função de todo o exposto, e com o devido respeito por entendimento diverso, não podem os Recorrentes deixar de considerar infundado o douto Acórdão, por entenderem que, em face da prova produzida, deveria ter subsistido a dúvida sobre a veracidade dos factos pelos quais vinham acusados e, consequentemente, deveriam os Arguidos ter sido absolvidos, por respeito ao p.p. constitucional do in dubio pro reo, sendo a sua condenação inadequada, desproporcionada e desajustada, porquanto se entende que foi violado o artigo 127.° do Código de Processo Penal.
Efetivamente, confrontados com o testemunho da Ofendida quanto aos factos cuja prática os Arguidos negam, e relativamente aos quais não existe outra prova, nomeadamente testemunhal ou pericial, o Tribunal a quo valorou integralmente e sem reservas aquele testemunho, não lhe suscitando dúvidas sobre a veracidade do mesmo, em detrimento dos depoimentos testemunhais da avó materna e das declarações dos Arguidos, e bem assim de todos os demais elementos de prova já dissecados.
No entanto, com isso não podem os Recorrentes concordar, continuando a protestar a sua inocência. Na verdade, e lamentavelmente, não é incomum existirem relatos e depoimentos de jovens, neste tipo de situações, que acontecem por motivos ulteriores e, frequentemente, incentivados por terceiros.
Salvo melhor opinião, e em face dos concretos meios probatórios acabados de enunciar, o Tribunal a quo não dispunha de elementos para considerar provado que o Arguido tenha abusado sexualmente da Ofendida.
Igualmente, não dispunha de elementos para dar como assente que os Arguidos coagiram por qualquer meio a Ofendida.
De qualquer modo, e caso assim não se entenda, o que não se aceita, existindo uma situação de dúvida, o Tribunal a quo, por força do princípio do in dubio pro reo, sempre deveria ter dado como não provada a matéria dos pontos 10, 11, 12,13,14, 15,16,17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45,46,47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57 dos factos provados.”
36. Pelo supra demonstrado, o Recorrente na motivação impugnou a decisão proferida nos precisos termos do art. 412º, nº 3 do CPP, por sua vez, também nas suas conclusões de recurso, em 7 e 40, procedeu à especificação dos concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados.
37. Conjugando e apreciando prova produzida, designadamente, no direito à defesa, que no seu entender, impunham forçosamente, na dúvida insanável, decisão favorável ao Recorrente, por respeito ao principio do in dúbio pró reo, cuja violação se arguiu e aqui se torna a invocar.
38. O Tribunal da Relação ao decidir não conhecer o recurso na impugnação da matéria de facto, viola grosseiramente o poder/dever de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, tudo nos termos do art. 379º, nº 1, al. c) do CPP, aplicável por força do art. 425º, nº 4 do CPP, assim se concluindo, que o Acórdão ora notificado padece de nulidade, e assim deve ser revogado, com as legais consequências e/ou devendo o Tribunal da Relação, conhecer do recurso na parte da impugnação da matéria de facto, nos termos e fundamentos do Recurso interposto para aquele Tribunal.
39. Por ser matéria de direito, trás o aqui recorrente ainda o reexame do Acórdão notificado quanto à decisão que recaiu sobre a violação do principio do contraditório e do processo equitativo, salvaguardados pelo art. 32º, nº 1 e nº 5 da constituição da República Portuguesa, pelos art. 61º, nº 1, al. a) e 283º, nº 3, al. b) do CPP e pelo art. 3º, nº 3 do CPC, normas que ao decidir como fez, o douto Acórdão notificado viola, pelo que deve ser revogado com as legais consequências.
40. As normas que prevêem e punem os crimes de abuso sexual de crianças e de menores dependentes não podem ter-se como dispensando, sem mais, a concretização dos factos temporalmente, com vista a permitir apresentação de prova contrária ao arguido que está a ser julgado.
41. A prática do crime é grave, dependente da verificação das circunstâncias da sua prática, da permissividade da vítima, entre outras, como será inaceitável eventualmente condenar injustamente a pessoa que está a ser julgada, por esta estar limitada à apresentação da sua defesa, por serem usados factos genéricos, vagos e imprecisos.
42. Na verdade, tanto o despacho de acusação como o douto Acórdão da 1ª Instancia, confirmado pelo Acórdão recorrido não precisam temporalmente vários factos, referindo-se aos mesmos como ocorridos “em datas não concretamente apuradas” (vejam-se os pontos 10, 19, 22, 23 e 27 dos factos provados), e o lugar onde os mesmos terão alegadamente ocorrido (veja-se o ponto 22 dos factos provados).
43. A indicação das datas, é imprescindível, permitindo ao arguido provar que em tal data, em vez de estar no local do crime, poder provar que estaria em outro e que não praticou o ilícito, não ficando coartado o direito de defesa do arguido, sempre sujeito à livre apreciação da prova nos termos do art. 127º do CPP.
44. As imputações genéricas violam os direitos de defesa dos Arguidos, violando, por isso, o princípio do processo equitativo, não sendo aptos a sustentar uma condenação penal.
45. No presente caso, e no tipo de crime em discussão, a exigência é muito maior dada a amplitude penal, o que não se coaduna, com o uso de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, a grande maioria dos factos dados como provados no Acórdão recorrido não permitem o exercício do contraditório dos Arguidos. Veja-se a este propósito, a formulação dos pontos 22, 23 e 27 dos factos provados, nos quais se funda a imputação de nove crimes ao Recorrente.
46. Quanto ao ponto 22 dos factos provados, é dado como assente que em datas não concretamente apuradas o Arguido atuou da mesma forma descrita no ponto 20 dos factos provados, o que fez em número de vezes não concretamente apurado, mas, pelo menos, por mais quatro vezes; nos pontos 23 e 27 dos factos provados, é dado como assente que pelo menos por cinco ocasiões distintas o Arguido conduziu a Ofendida a motéis, local onde perpetrava os abusos, sendo que três dessas ocasiões ocorreram em datas não concretamente apuradas; quanto ao ponto 27 dos factos provados que não são individualizadas, nem são temporal e espacialmente, no que diz respeito, quais os motéis em cada concreta situação.
47. Em suma, e face ao exposto, ao confirmar a sentença da 1ª Instância, entende o arguido/recorrente que o douto Acórdão do Tribunal da Relação, viola o preceituado no art.° 32, n.° 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e o art° 410, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal.
48. O arguido recorre ainda, nos termos do art. 432º, al. b), art. 400º, nº 1, al. f) do CPP, da decisão que confirmou a medida da pena, a qualificação e agravação dos crimes e do cúmulo jurídico de 11 anos de prisão.
49. Para o Tribunal da Relação o arguido colocou entre outras a questão: “5.Se a pena única de onze anos de prisão é excessiva, devendo ser fixada em patamar não superior a 5 anos, suspensa na sua execução. “
50. Decidindo o Tribunal da Relação manter a pena única de onze anos de prisão aplicada ao arguido, para o efeito, justificando, socorreu-se dos critérios gerais previstos nos art. 71º do CP e dos critérios especiais previstos no art. 77º, nº 1 do CP, e ainda, para fixação, acompanhou os dizeres do Acórdão do STJ de 18-03-2015, 682/13.3JAPRT.P1.S1, 3ª seção, Relator Maia Costa, disponível em www.dgsi.pt, nos termos do qual: «A determinação da medida concreta da pena única deve atender aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71.º do CP) e ainda ao critério especial previsto pelo n.º 1 do art. 77.º do CP: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua. ; IV - Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade. ; V - A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos ou com fórmulas matemáticas ou abstractas de fixação da sua medida.»
51. Resignamo-nos à letra da lei e à jurisprudência, contudo discordamos em absoluto, da sua interpretação levada a efeito pelo Tribunal da Relação que veio confirmar o atrás dito pelo Tribunal da 1ª Instância quanto ao caso que nos ocupa.
52. O Recorrente foi condenado em 11 anos de prisão em cúmulo, decisão que viu confirmada pelo Tribunal da Relação em Acórdão contudo entende que a pena é demasiado excessiva, por referência às circunstâncias envoltas à prática dos crimes, aos critérios que deverão dosear as penas, atentos os factos apurados e as condições pessoais do arguido e a total ausência de antecedentes criminais.
53. Diz o Acórdão recorrido quando transcreve a Sentença: “Assim, no nosso caso, a moldura penal a considerar é a seguinte: 5 anos (a mais elevada das penas parcelares de prisão aplicadas) a 25 anos de prisão (correspondente ao máximo legal permitido, já que a soma concreta ultrapassa, em muito, tal limite).
54. Verifica-se da simples leitura das decisões que tanto o Tribunal da 1ª Instância, como o do Tribunal da Relação de Guimarães, que reedita a fundamentação usada pela instância anterior, rebuscou tudo o quanto era de maior desvalor em relação à ação do arguido, ignorando aspectos fundamentais, atenuantes e favoráveis ao arguido.
55. Começando pela qualificação jurídica dos crimes e da agravação, porquanto, o Recorrente não tinha laços de sangue com a Ofendida, era seu padrasto (factos provados em 43, 44 e 45), quando contactou com a mesma, já esta tinha 8 anos de idade, até esta idade, esteve em casa dos avós maternos, (facto provado 6), depois dos 8 aos 13 anos, portanto durante 5 anos, não resultou praticado qualquer ilícito.
56. Os Tribunais da 1ª instancia e o da Relação de Guimarães, exageram sobremaneira, quando comparam a figura do pai à do padrasto, uma vez que na fundamentação do cúmulo, dizem: “no caso da criança que nele confiou e a ele se entregou como se do pai se tratasse”; “o aproveitamento de uma situação de dependência emocional desta relativamente à figura paterna que o arguido então representava”.
58. 1Contrariamente, a Ofendida tinha bem vincada e diferenciada a figura daquele que era o seu pai (identificado em facto provado 2) e daquele que era o seu padrasto, assim é, que ameaçou a mãe e padrasto que iria contar o sucedido ao pai, conforme facto provado 40 “Acto continuo, após a assistente dizer que iria contá-los ao seu pai,…”.
59. O padrasto nunca foi para a ofendida como um pai e disso resultou dos factos provados supra referidos, logo, a comparação do padrasto ao pai nestas circunstâncias é extravasar a realidade em desvalor da ação do arguido, que não se pode aceitar, por não ter correlação.
60. No Acórdão Recorrido, que reedita a fundamentação da Sentença da 1ª Instância, é inaceitável ler-se na fundamentação da qualificação e por conseguinte o cúmulo, que havia dependência económica e emocional, quando das declarações para memória futura, a ofendida respondeu às perguntas da Meritíssima Juiz e do Sr. Procurador do MP, da seguinte forma:
“Meritíssima Juiz
Tem apoio familiar em casa, ou apoio de amigos ou alguma coisa? Tem… KK
Estou… o meu pai ajuda-me monetariamente.
(…)
Meritíssima Juiz
Conversavam? Era uma relação de pai e filha? Não?
KK
Nunca deixei isso acontecer, mas dávamo-nos bem, falávamos bem.
Consequentemente ao Magistrado do MP:
“Digno Magistrado M.º P.º
Não, pronto. Era isso. E também sobre a relação, que a senhora doutora estava a perguntar, que tinha com ele, se seria do género de pai e filha, disse: “Eu nunca deixei”, nunca “deixei” porque nunca deixou… nunca o substituiu à figura que era o seu pai, mas em casa, ele tinha autoridade perante si? Não tinha? Tomava decisões? No dia-a-dia familiar?
KK
Não. Eu nunca deixei que isso acontecesse, ele sempre tentou… até quando começou-me a fazer isto, tentou sempre me dar tudo, encobrir, para eu não falar nada, mas nunca deixei que ele tivesse o papel de pai, que mandasse em mim, não 00:58:00 gostava.
(…)
Digno Magistrado M.º P.º
Portanto, aquela típica figura do padrasto, em casa, que manda, entre aspas, não é? Que manda em casa, que manda na direção dos filhos, digamos assim, mesmo que não sejam dele, isso não acontecia lá em casa?
KK Não.
Digno Magistrado M.º P.º
Não. Portanto, ele olhava para si só como a filha da mulher?
KK
Eu não deixava que ele mandasse em mim, nem a minha mãe queria que ele próprio me metesse regras.”
61. Comparar a figura do padrasto a um pai, quando isso não resultou da prova e da conjugação dos factos e da declaração da própria Ofendida, para aumentar o grau da ilicitude o arguido, qualificando e agravando o ilícito p. e p. pelo art. 177º, nº 1, al. a) do CP, é violar os princípios norteadores de aplicação da medida da pena e consequentemente do cúmulo.
62. Concluímos assim que a Ofendida não é afim até ao segundo grau do agente, afastando a agravação p. e p. no art. 177º, nº 1, al. a) do CP, bem como também, não existe dependência económica e emocional, afastando a agravação p. e p. no art. 177, nº 1 al. b) do CP.
63. Assim os ilícitos praticados e dos quais o arguido foi condenado, deverão ser desqualificados para a forma simples, sem agravação.
64. Quanto ao primeiro crime praticado em casa e dos factos provados 10 a 18, os Tribunais antecedentes ignoraram as declarações para memória futura da Ofendida, quando esta diz o que se transcreve: “foi num fim-de-semana, eu costumava ir para os meus avós, mas nesse dia eu precisava de vir cá abaixo, a Ponte de Lima e, entretanto, vim com o meu padrasto,”.
65. Em favor do arguido, foi totalmente desvalorizada, a circunstância externa que proporcionou a oportunidade da prática do ilícito, ou seja não foi sugestão do arguido vir a casa com a Ofendida, foi a Ofendida que disse que “eu precisava de vir cá abaixo”, diga-se a casa, “entretanto, vim com o meu padrasto”.
66. As decisões antecedentes para justificar o cúmulo, dizem que o arguido manteve a prática criminosa durante cerca de 2 anos, resultando da condenação, por 11 vezes quanto aos crimes de natureza sexual, dados por provados.
67. São exageradas e extremadas as seguintes considerações vertidas no Acórdão, transcritas da Sentença, tais como: “realização da sua pulsão sexual”; “Factos e crimes “em série” que, em si mesmos e na intensidade, na persistência da actividade delituosa, mas também encadeados com a personalidade do arguido, demonstram que revela uma tendência para cometer crimes de violência sexual e desrespeito profundo da dignidade da dignidade da pessoa humana…”; “uma verdadeira tara ou tendência criminosa, uma personalidade preversa…; “valendo-se da superioridade física e emocional”.
68. Tais características coadunam-se por exemplo ao seguinte caso, Acórdão do Tribunal de Coimbra, sobre a apreciação feita no Proc. nº 2/11.1GDCNT.C1, do Relatório resulta:
“ 1 - Em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, o Ministério Público deduziu acusação contra A... , divorciado, trabalhador indiferenciado, nascido em D de M de 1972, filho de (...) e de (...), natural de (...), e residente na Rua 2), imputando-lhe a autoria material, e em concurso real, de 208 crimes de violação agravada, p. e p. nos termos conjugados dos art.s 164º, n.º 1 e 177º, n.º 5, ambos do Código Penal, 25 crimes de violação agravada, p. e p. nos termos conjugados dos art.s164º, n.º 1 e 177º/n.º 6 e um crime de sequestro, p. e p. no art. 158º, n.º 1, do Código Penal.
(…)
- Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a acusação ser julgada parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decidiu-se:
Condenar o arguido A..., como autor material de 104 (cento e quatro) crimes de violação agravada, p. e p. nos art.s 164º/n.º 1-a) e 177º/n.º 6, ambos C.P., na pena de 5(cinco) anos de prisão por cada um desses crimes;
a. Condenar o arguido A..., como autor material de 12 (doze) crimes de violação agravada, p. e
p. nos art.s 164º/n.º 1-a) e 177º/n.º 5, ambos C.P., na pena de 4 (quatro)anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um desses crimes;
c. Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de sequestro, p. e p. no art.158º/n.º 1 C.P., na pena de 9 (nove) meses de prisão;
d. Operando-se o cúmulo jurídico pertinente, de acordo com os critérios dos art.s 30º/n.º1 e 77º/nºs 1 e 2 C.P. (tomando-se em conta, em conjunto, os factos e a personalidade revelada pelo mesmo), condenar o arguido A... na pena única de 9 (nove) anos de prisão.”
69. Portanto, antecedentes criminais com prisão efectiva, maior número de ilícitos de natureza sexual, maior perversidade, que culminaram uma pena de 9 anos de prisão.
70- Quanto ao caso que nos ocupa, não resultam dos factos provados que o arguido tenha usado a força física para abusar sexualmente da Ofendida, logo o Acórdão recorrido que transcreve a Sentença da 1ª Instância, quando refere “valendo-se da superioridade física” extravasa na sua fundamentação em prejuízo do arguido, o que não se pode conceber.
71. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, a presente situação está circunscrita no tempo e na pessoa da Ofendida, em 11 vezes, inexistindo notícia de que o arguido tenha continuado a sua actividade delituosa, contra outras vítimas, portanto, uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade. Pelo que, não se aceitam os 11 anos de prisão pelos quais foi o arguido condenado.
72. E como se lê nos Acórdãos do S.T.J. de 29.04.2010 e 01.07.2012 (referentes aos processos n.ºs 9/07.3GAPTM.S1 e 831/09.6PBGMR.S1, respectivamente, acessíveis na internet em www.dgsi.pt/jstj) que “só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”.
73. Factores ainda a ter em conta é, por um lado, que os abusos terão sido perpetuados aos 13 e 14 anos, a passividade e permissividade da Ofendida, que não denunciou ao primeiro abuso. Por outro, o arguido usar o preservativo, e assim a Ofendida não apanhar doença sexualmente transmissível e não engravidar, como em outros casos que existem, as vitimas ficam doentes ou engravidam e vêem-se a braços com filhos dos seus abusadores e/violadores. E em último, a Ofendida já vive junta com o seu actual namorado e em casa deste.
74. Dos elementos pessoais e do relatório social e do facto provado 58, resulta que o Arguido mantém uma boa relação com os filhos, provendo a respectiva pensão de alimentos e visitas regulares, sempre cultivou proximidade afectiva com os pais e irmãos e trabalha no ramo da construção civil, auferindo uma média mensal de 1.200,00€, com os quais assegura a sobrevivência familiar e o pagamento das despesas fixas de consumos domésticos e de um crédito pessoal. O Arguido é uma pessoa social e economicamente integrada, para além de manter laços familiares fortes e estáveis. É o fruto do seu trabalho que assegura a sobrevivência familiar, pelo que a aplicação de uma pena de prisão irá afetar gravemente quem depende do Arguido.
75. Por tudo quanto exposto, tais factores terão de ser tidos em conta, para a atenuação especial da ilicitude e da culpa, consequentemente da pena e do cúmulo.
76- O artigo 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo, depuserem a favor e contra ele.
77. A culpa do agente é simultaneamente fundamento e limite inultrapassável à sua punição.
78. O Tribunal da Relação de Guimarães, ao confirmar a sentença da 1ª Instância, e como aquela, desconsiderou todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depunham a favor do arguido (art. 71.º, n.º 2 do Código Penal).
79. Tendo em conta as penas parcelares aplicadas, a moldura penal do cúmulo a considerar, que é de 5 a 25 anos de prisão, para pedir a especial diminuição da pena aplicada em cúmulo jurídico, lançamos mão do seguinte exemplo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção, no âmbito do Proc. 2165/15.8JAPRT.P1.S1, o seguinte sumário:
I - Nos presentes autos, em que é arguido P, por acórdão de 19/4/2018 (fls. 559-581 do III vol.), foi decidido «julgar a acusação procedente, por provada e, consequentemente: Pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de quatro crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, condenam o arguido P nas penas parcelares de 4 anos de prisão (pelo primeiro) e de 3 anos de prisão (por cada um dos três crimes subsequentes). Pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.ºs 1 e 2 do CP, e de um crime de actos sexuais com adolescentes, agravado, p. e p. pelos arts. 173º, nºs 1 e 2 e 177.º, n.º 5, do CP, condenam o arguido P nas penas parcelares de, respectivamente, 1 ano de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão e de 2 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, condenam o arguido na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.»II - A jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como os dos presentes autos. III - No caso em análise a pena aplicável tem como limite mínimo 4 anos de prisão (pena parcelar mais levada) e como limite máximo a soma de todas as penas concretamente aplicadas (17 anos e 6meses de prisão). Estamos perante vários crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. O arguido, que nasceu em D/M/1983, tem um percurso de vida desregrado e atribulado tendo sido condenado várias vezes e cumprido pena de prisão. Está preso desde 29/9/2017. O arguido confessou quase integralmente os factos e projecta retomar o “relacionamento amoroso”com a ofendida como um casal, uma família. É muito elevada a ilicitude e a culpa; a ofendida tinha apenas 13 anos de idade quando o arguido iniciou a prática dos factos, que se estendeu ao logo de dois anos (2015 a 2017), e encontrava-se institucionalizada. Resultou também da conduta do arguido a gravidez da vítima. São também elevadas as exigências de prevenção geral e especial, como bem frisa o aresto, que também salienta a danosidade social dos crimes sexuais e a repugnância à consciência colectiva dos crimes praticados pelo arguido, referenciando jurisprudência e doutrina a propósito. Em face de todo este enquadramento, considera-se ajustada a pena aplicada ao arguido pela 1.ª instância.”
(…)
III DECISÃO
Atento o exposto, os Juízes desta 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça acordam em conceder parcial provimento ao recurso do arguido AA, condenando-o na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
80. Por referência e semelhança do nosso caso concreto, ao supra transcrito que culminou, com a douta decisão supra transcrita, apela-se a este supremo Tribunal para aplicar ao arguido aqui recorrente uma pena de prisão de período não superior a 5 anos, suspendendo a mesma na sua execução.
81. Levando em conta, o circunstancialismo favorável ao arguido supra referido, de afastamento da qualificação e agravação, às condições supra referidas de afastamento da ilicitude e da culpa ou da sua especial atenuação, e tendo em conta as assinaladas condições pessoais do Arguido, a suspensão da execução da pena, sujeita às regras de conduta tidas por adequadas, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
82. Caso assim não se entenda, e por semelhança, ao Acórdão deste Supremo Tribunal, justificar-se-ia a aplicação de uma pena única substancialmente inferior, o que subsidiariamente se requer.
83. Como supra demonstrado, os tribunais da 1ª Instância e o Tribunal da Relação, que confirma a pena única de 11 anos de prisão, viola as regras de quantificação, pois faz consideração de factores irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, errada aplicação dos princípios gerais de determinação, e a quantificação efectuada revela-se desproporcional.
84. Inobservados que foram os critérios de dosimetria concreta da pena, apela-se aos Senhores Juízes Conselheiros, que revoguem a pena aplicada e substituam-na por outra
de 5 anos de prisão suspensa na execução, consequentemente, se requer revogação da pena acessória de inibição das responsabilidades.
85. Ou por sua vez, atendendo aos factores favoráveis ao arguido supra referidos, revoguem a decisão quanto à pena e a reduzam substancialmente, por referência ao acórdão supra citado deste Supremo Tribunal.
86. Por violação dos art.ºs 50º, 70º, 71º, nº 1 e 2, al. a), d) e e), nº 3, 72º, 73º e 77º todos do CP, deve o Acórdão que confirma a condenação da 1ª Instância ser revogado, com as legais consequências.”
A.4. Respostas do MP e da Assistente
A.4.1. Do Ministério Público
O Magistrado do Ministério Público apresentou resposta, que termina com as seguintes conclusões:
“C. – CONCLUSÕES
1. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/02/2025, que confirmou integralmente a sentença condenatória do arguido, não possui quaisquer nulidades que o invalidem;
2. Acha-se incorrecta a alusão que no ponto de facto n.º 25 dos factos provados se faz ao ponto n.º 24 – “a execução do plano que o mesmo delineou e referido no ponto 24, o arguido AA conduziu a assistente, naquelas cinco ocasiões, a motéis ou espaço equiparado…”., pois que este, por deficiente sequência numérica dos factos provados, foi omitido, devendo, por isso, ser objecto de correcção nos termos do art.º 380, n.º1, al .b) do CPPenal, devendo a remissão ser feita para o ponto de facto n.º 23;
3. As declarações para memória futura prestadas pela ofendida no decurso do inquérito, a 22/11/2022, para as quais não foi convocado o então suspeito, e agora arguido, mas a quem foi nomeado defensor e que a elas esteve presente, foram-lhe dadas a conhecer aquando do seu primeiro interrogatório judicial, a 31/03/2023, nada tendo requerido quanto a elas, conformando-se assim com a legalidade da sua produção. São elas, pois, um meio de prova plenamente válido para alicerçar a convicção do julgador, complementando as declarações que aquela ofendida prestou em audiência, respeitando-se, então, e plenamente, o princípio do contraditório.
4. Não se verifica uma qualquer nulidade do acórdão por omissão de pronúncia relativamente à concretizada impugnação da matéria de facto levada a cabo pelo arguido recorrente pois que esta questão jurídica foi especificamente ponderada e decidida no acórdão recorrido, nele se consignando, especificamente, que “os recorrentes não cumprem o estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, em face do disposto no art. 431.º, al. b), do CPP fica este Tribunal da Relação impossibilitado de modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto na 1.ª instância, devendo ser rejeitado o recurso no tocante à impugnação da matéria de facto”.
5. Ao contrário do que o arguido observou, os pontos de facto dados como provados sob os n.ºs 10,19,22,23 e 27, não consubstanciam imputações genéricas, não possuem fórmulas vagas e imprecisas e não são temporalmente indefinidos já que possuem concretas balizas na linha do tempo e os seus locais da sua prática estão revelados visto o seu contexto, circunstâncias que permitem um efectivo contraditório, não subsistindo dúvidas sobre quais os “pedaços de vida” que estavam em discussão e sobre os quais recaiu defesa.
6. Por via da alteração da qualificação jurídica efectuada na audiência de julgamento, nos termos do art.º 358, n.º 3 do CPPenal, ao arguido foi imputada tão só a agravação prevista na al. a) do art.º 177 do CPenal, então por o arguido, ser “parente afim de primeiro grau em linha recta da vítima – cfr. arts. 1576.º, 1578.º, 1579.º, 1580.º, 1581.º, 1582.º, 1584.º e 1585.º, todos do Código Civil”, circunstância que efectivamente se deu como provada, nada havendo a censurar sobre a firmada qualificação.
7. A pena única aplicada ao arguido no acórdão recorrido – 11 anos de prisão, não é exagerada ou desproporcionas sendo, ao invés, pena justa que se conforma com o previsto no art.º 77 do Código Penal por se haver considerado a globalidade dos factos e a personalidade do recorrente, respeitando-se as prementes necessidades de prevenção geral e especial que no caso se expressam, já que os factos provados manifestam uma actuação criminosa “global” muito grave, tendo em conta o seu modo e o tempo de execução, havendo um grau elevado de ilicitude, isto é, de desvalor em termos de contrariedade à lei.
8. O acórdão deve, por isso, ser completamente confirmado.
A.4.2. Da Assistente
“CONCLUSÕES
1-O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/02/2025, que confirmou integralmente a sentença condenatória do arguido, não possui quaisquer nulidades que o invalidem.
2- Relativamente ao ponto 24, não se verifica qualquer nulidade, antes, a correção de um lapso nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
3-Também não se verifica qualquer omissão de pronúncia relativamente à concretizada impugnação da matéria de facto pois esta questão foi especificamente ponderada e decidida no acórdão recorrido, nele se consignando, especificamente, que “o recorrente não cumpre o estabelecido no artigo 412.º, n.º 3 e 4 e 431.º, alínea b) do CPP”.
4-Os factos constantes nos números 10, 19, 22, 23 e 27, não consubstanciam imputações genéricas, estão concretizados em tempo, lugar, circunstâncias que permitem um efetivo contraditório.
5-No que concerne às declarações para memória futura, o arguido alega que é inconstitucional a interpretação da norma que permite a tomada de declarações para memória futura da assistente sem a presença do arguido (no caso suspeito dado que à data o arguido não tinha ainda esse estatuto).
6-O arguido pretende apenas furtar-se à ação da justiça e protelar o fim anunciado do processo: a condenação a 11 anos de prisão efetiva.
A.5. Parecer
O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal emitiu parecer, no qual acompanha a posição expressa pelo seu Colega, concluindo da seguinte forma:
“Examinados os fundamentos do recurso, e por todo o exposto, sufragamos integralmente a argumentação do Senhor Procurador Geral Adjunto na 2ª instância, que aqui damos por reproduzida e, por todo o exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado na parte já conhecida e confirmada pelo Tribunal da Relação, por haver dupla conforme, e julgado improcedente no demais, desde logo no que respeita à medida da pena única, mantendo-se a decisão recorrida. “
A.6. Contraditório
Devidamente notificado nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal o arguido apresentou resposta, na qual mantém as posições assumidas nas motivações de recurso, designadamente no que concerne à pena única.
* * *
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
B - Fundamentação
B.1. Questão prévia e âmbito do recurso
Como atrás se referiu, o arguido foi condenado em penas parcelares que não excedem os 8 (oito) anos de prisão.
O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou integralmente o acórdão da primeira instância.
Assim e face ao disposto nos artigos 400º, nº 1 al. f) e 432º, nº 1 al. b) (a contrario sensu) do Código de Processo Penal, relativamente à matéria acima referida essa decisão é irrecorrível, dado ocorrer o que se denomina por “dupla conforme”.
E, como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, é jurisprudência pacífica que, quando assim acontece, por essa mesma razão não é possível a este Tribunal apreciar nenhuma das questões que se reportem à condenação nas penas parcelares.
Com efeito e título meramente exemplificativo veja-se o seguinte acórdão:
I – A “pena de prisão não superior a 8 anos” a que alude a al. f), do n.º 1, do art. 400.º, do CPP, abrange a pena parcelar, relativa a cada um dos crimes por cuja autoria o arguido é condenado como, naturalmente, a pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares. E daí que, apreciando-se a (ir)recorribilidade da decisão por referência a cada uma dessas situações, os segmentos do acórdão proferido em recurso pela Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares não superiores a 8 anos de prisão, objecto de dupla conforme, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.
II - Tal irrecorribilidade no âmbito das penas parcelares determina que as questões que lhes dizem respeito, sejam elas de inconstitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, não poderão também ser conhecidas pelo STJ”2
O âmbito do recurso delimita-se, como se sabe, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).
No caso em apreço e face ao acima exposto, a única questão que nos é incumbe apreciar é a condenação do recorrente na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
É o que se fará em seguida, já que admissão do recurso quanto ao mais não vincula este Alto Tribunal (artigo 414º, nº 3 do Código de Processo Penal).
B.2. Matéria de facto dada como provada
Para proceder a essa apreciação importa, antes de mais, consignar a matéria de facto dada como provada, que serviu de fundamento à aplicação da aludida pena única.
Assim, foi dada como provada e não provada a seguinte matéria de facto:
« II. Fundamentação de facto
2.1. Factos provados
Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:
1. A assistente KK nasceu a D.M.2003.
2. KK é filha de LL e da arguida BB.
3. O casamento entre os pais de KK foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 03.07.2009, transitada em 01.10.2009, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Almada, tendo KK ficado entregue à guarda e cuidados da arguida BB.
4. Entretanto, em 5 de Agosto de 2011, a arguida BB contraiu casamento civil com o arguido AA na Conservatória do Registo Civil de Ponte de Lima.
5. Na sequência do indicado casamento celebrado entre os arguidos, pelo menos desde aquela data, o arguido AA, assumiu o vínculo de padrasto de KK, numa relação de afinidade.
6. Assim é que, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 05.08.2011, passaram, os arguidos e a assistente KK, à data com 8 (oito) anos de idade, a viver em conjunto, partilhando mesa e tecto, vivendo como uma família.
7. Desde aquela data, o arguido AA agiu sempre, perante a assistente, como se pai fosse auxiliando na gestão da vida familiar e na educação desta, trabalhando para a família, procedendo às respectivas compras e cooperando na gestão doméstica, familiar e educativa da assistente.
8. O que fez, de forma continuada, pelo menos desde aquela data quando a ofendida tinha 8 (oito) anos de idade até ao dia 08.11.2022.
9. Em datas não concretamente apuradas, mas a contar da data referida no ponto 4, os arguidos residiram nos seguintes locais:
• na Rua 3Ponte de Lima;
• no Localização 4;
• na Rua 5; e,
• na Rua 3 Ponte de Lima.
10. Sucede que, em data não concretamente apurada, mas quando a assistente tinha 13 (treze) anos de idade, num fim-de-semana em que a família o passava na casa dos avós, em Caminha, durante a manhã o arguido AA, deslocou-se a Ponte de Lima, à residência familiar, fazendo-se acompanhar de KK e apenas desta.
11. Uma vez no interior da residência comum sita à Rua 3, Ponte de Lima, nas indicadas circunstâncias temporais, o arguido AA conduziu a assistente ao interior do quarto do casal (dos arguidos) e, uma vez sobre a cama, dirigiu-se à ofendida KK e disse-lhe “tenho de falar contigo! Preciso de te ensinar umas coisas”.
12. Nessa altura, o arguido AA procedeu à reprodução e exibição de filme na televisão do quarto, que retratava a prática de actos sexuais não concretamente apurados.
13. Nessa sequência, o arguido AA retirou a roupa que a assistente vestia e, logo após, retirou a sua própria roupa e dirigiu-se àquela dizendo-lhe “não te preocupes, é normal!!! Vamos fazer coisas normais… tens colegas que também o fazem”.
14. Após o que, o arguido, com as suas mãos, acariciou o corpo de KK, de forma generalizada, em especial nas mamas e na zona púbica.
15. Seguidamente, o arguido AA, com a sua boca, encostou os lábios sobre a zona púbica de KK e fez passar a sua língua em movimentos contínuos no interior da vagina desta.
16. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA disse à KK que esta não precisava ficar assustada e que “devia começar a dar prazer”, sendo que o mesmo a ia “ajudar a aprender a dar prazer”.
17. Após o que, o arguido AA colocou um preservativo no seu pénis erecto e, acto contínuo, introduziu-o na vagina de KK, com movimentos de vaivém, de modo rápido.
18. Findo tal acto, o arguido AA dirigiu-se a KK e disse-lhe que aquilo era “um segredo nosso”, tendo esta ido para o seu quarto.
19. Cerca de um mês após o descrito no ponto 10 e quando ainda tinha 13 (treze) anos de idade, o arguido AA, no interior da residência familiar referida no ponto 11 à noite, aproveitando-se do facto da assistente se encontrar sozinha na sala a assistir um jogo de futebol na televisão, juntou-se a esta e, sem mais, com uma das suas mãos, começou a acariciar a zona genital da assistente, por cima da roupa.
20. Acto contínuo, o arguido AA despiu a KK e, com a sua boca, encostou os lábios sobre a zona púbica desta e fez passar a sua língua em movimentos contínuos no interior da vagina da assistente, a qual ficou estática e sem reacção.
21. Após, terminado o acto, o arguido AA dirigiu-se à mesma e disse-lhe, uma vez mais, para não contar nada a ninguém e não se preocupar, porque era “normal”.
22. Ainda, em datas não concretamente apuradas, mas após aqueles episódios, e quando a assistente já tinha 14 (catorze) anos e antes de completar os 15 (quinze) anos de idade, o arguido AA actuou da mesma forma descrita no ponto 20, usando a sua mão para acariciar o corpo, designadamente as mamas e a zona genital da assistente e, ainda, a sua boca e língua para lamber a vagina desta, o que fez em número de vezes não concretamente apurado, mas, pelo menos, por mais quatro vezes.
23. Acresce, ainda, que por, pelo menos, por cinco ocasiões distintas, quando a assistente contava entre os 13 (treze) e os 14 (catorze) anos de idade (antes de completar os 15 anos), o arguido AA disse à arguida BB que iria conduzir a assistente a uma consulta de psicologia porque sentia que esta padecia de “problemas psicológicos”, o que fez com o propósito, único e exclusivo, de obter uma desculpa para conduzi-la ao exterior da residência, o que logrou efectuar à tarde, à noite e após o jantar.
25. Assim, na execução do plano que o mesmo delineou e referido no ponto 24, o arguido AA conduziu a assistente, naquelas cinco ocasiões, a motéis ou espaço equiparado, sendo quatro vezes ao Motel denominado Bracancun, sito na Estrada 1, em Braga e, uma das vezes a um outro Motel ou equiparado relativamente próximo àquele, mas não concretamente apurado.
26. Assim sucedeu, designadamente em 01.02.2017, da parte da tarde, cerca das 17h00m, e em 31.05.2017, também da parte da tarde, cerca das 14h30m, quando a assistente ainda tinha 13 (treze) anos de idade.
27. Sendo que as restantes três ocasiões ocorreram em datas não concretamente apuradas, mas já depois da assistente ter completado os 14 (catorze) anos de idade e antes de atingir os 15 (quinze) anos, por ter, nessa altura, decidido enfrentá-lo, dizendo-lhe que iria contar o que se passava.
28. Nessas ocasiões, o arguido AA colocou em reprodução na televisão existente no quarto filmes que retratavam a prática de actos sexuais não concretamente apurados.
29. E, em, pelo menos, duas vezes, o arguido disse à assistente para que tomasse fármacos/soníferos, que lhe entregou, de forma a que a mesma ficasse mais tranquila e relaxada, o que esta fez.
30. Nessas mesmas duas vezes, o arguido AA, aproveitando-se do estado de sonolência da assistente, introduziu o seu pénis erecto na vagina desta, em movimento vaivém.
31. Nas outras três ocasiões, o arguido AA despiu a assistente, acariciou o corpo da mesma, em particular as suas mamas e introduziu a sua língua no interior da vagina desta, efectuando movimentos contínuos.
32. Para se deslocar a tais motéis, o arguido transportou sempre a assistente, num veículo automóvel marca Citroen, de cor preta, com a matrícula V1, sua pertença.
33. Ao longo desse período de tempo, o arguido AA dirigiu-se à assistente, dizendo-lhe “não contes a ninguém, pois não tens hipótese ninguém vai acreditar em ti e se contares ficas com a vida desfeita e sem o apoio de ninguém”.
34. O que aquele fez de forma a causar medo na assistente e, assim, conseguir mantê-la em silêncio, logrando dar continuidade à satisfação do seu comportamento libidinoso.
35. Como consequência necessária e directa das acções do arguido AA, a assistente padeceu de ataques de pânico, ansiedade, anemia, depressão e pensou por termo à sua própria vida.
36. Em data não concretamente apurada, mas quando a ofendida tinha 17 (dezassete) anos de idade, entre 20.07.2020 e 19.07.2021, a mesma relatou todos os episódios à sua mãe, a co-arguida BB.
37. No dia seguinte a tal tomada de conhecimento dos factos, a arguida BB dirigiu-se à filha e assistente e disse-lhe que o arguido AA “estava embruxado, não fez por mal” e pediu à mesma “não contes nada porque nós precisamos dele, se não, não temos para onde ir”.
38. No dia 8 de Novembro de 2022, cerca das 19h30m, a assistente deslocou-se à residência dos arguidos, sita à Rua 3, Ponte de Lima, para recolher os seus pertences pessoais, confrontando-os e dizendo-lhes que iria denunciar os factos.
39. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA dirigiu-se a KK e disse-lhe “vou-te matar, se abrires a boca e espalhares isto” referindo-se aos actos acima descritos, o que fez de forma a intimidá-la e a demovê-la de os relatar às autoridades.
40. Acto contínuo, após a assistente dizer que iria contá-los ao seu pai, a arguida BB dirigiu-se àquela e disse-lhe “eu própria dou cabo de ti se contas isto ao teu pai”.
41. Em consequência das condutas descritas nos pontos 39 e 40 e por se ter sentido muito pressionada, na madrugada de 09.11.2022, a assistente padeceu de ataque de ansiedade, tendo de ser medicamente assistida no Hospital Conde de Bertiandos, sob o episódio de urgência n.º ......49, com admissão pelas 00h16m.
42. Não obstante o ocorrido sob os pontos 38 a 40, a assistente denunciou os factos no Posto Territorial da G.N.R. de Ponte de Lima, o que fez no dia 09.11.202, pelas 19h22m.
43. O arguido AA sabia que com os actos supra descritos causava medo, terror e pânico à assistente, assim como sabia que era seu padrasto e que participava na sua educação e sustento desde os seus 8 (oito) anos de idade.
44. O arguido AA actuou nos termos acima descritos, bem sabendo da idade da assistente em cada um dos episódios, sabendo que era seu padrasto e que sobre ele recaíam especiais deveres de cuidado, protecção e educação.
45. Não obstante, aproveitando-se da relação de afinidade existente e da confiança que estabelecera com aquela, o arguido AA actuou nos termos acima descritos, de forma livre, deliberada e conscientemente, nomeadamente, na cama daquele no quarto conjugal, no sofá da família e nos quartos de motéis, o que fez com o propósito de satisfazer os seus impulsos sexuais, não obstante estar ciente da sua relação familiar, da idade da mesma e de que a sua conduta atentava contra o livre desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual.
46. Mais sabia o arguido AA que ao reproduzir vídeos de teor sexual constrangia a assistente à visualização desse tipo de conteúdo, o que fez sempre contra a vontade da mesma e para satisfazer os seus próprios intentos libidinosos.
47. Ademais, sabiam, ainda, ambos os arguidos AA e BB, que ao proferirem as expressões mencionadas nos pontos 39 e 40 causavam medo, inquietação e temor à assistente, o que fizeram sempre com a intenção de que aquela não trouxesse a descoberto os actos praticados pelo arguido AA e, assim, não denunciasse os factos que a vitimaram, o que não lograram por razões alheias às suas vontades.
48. Os arguidos agiram de modo livre, deliberado, consciente e voluntário bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Provou-se, ainda, que:
49. A assistente/demandante beneficia apenas do apoio do namorado, com quem reside actualmente, e da família deste.
50. Desde Novembro de 2022, a assistente/demandante não tem qualquer contacto ou notícias do irmão MM, o que lhe provoca tristeza e preocupação.
51. Sente, ainda, dificuldades de atenção e concentração, motivo pelo qual abandonou, recentemente, o curso de ensino superior que estava a frequentar.
52. Em decorrência das condutas supra descritas do arguido, a assistente sentiu (e ainda sente) tristeza, medo e angústia e sofreu ataques de choro e de pânico.
53. Por essa razão, a assistente/demandante encontra-se, desde finais de 2022, a ser acompanhada na Unidade de Consulta de Stress e Trauma da Associação de Psicologia da Universidade do Minho (APsi).
54. A APsi tem-lhe fornecido acompanhamento psicológico de forma semanal e gratuita.
55. Cada sessão de psicologia de pessoas externas à APsi tem o custo de 40,00€.
56. A assistente/demandante necessitará de acompanhamento psicológico e psiquiátrico por tempo não concretamente apurado.
57. Em decorrência da conduta da arguida/demandada BB, a assistente/demandante sentiu pânico, temeu pela sua integridade física e, constantemente rememora as ameaças da mãe, sentindo tristeza e um sentimento de abandono.
Mais se provou que:
58. O arguido AA é natural de Ponte de Lima, cresceu e viveu junto dos pais e dos 12 irmãos, agregado com uma economia doméstica modesta, mas sem carências básicas ou de sobrevivência, sustentada pelo salário do progenitor, operário por conta de outrem de uma serração e pelos contributos em produtos agrícolas que a mãe aportava ao núcleo familiar, frutos da actividade a que esta se dedicava, informalmente.
Possui como habilitações literárias o 6º ano.
Iniciou-se no mundo do trabalho, aos 14 anos, como ajudante de chapeiro de automóveis, actividade que não apreciou, razão pela qual transitou, logo que oportunidade lhe surgiu, dois anos mais tarde, para a área da construção civil, na qual se fixou.
Desempenhou funções de operário, nem sempre vinculado contratualmente, em várias entidades patronais – devendo-se esta variabilidade à busca de melhores condições salariais – até se estabelecer por conta própria, aos 25 anos, juntamente com um dos seus irmãos.
Em 1992, com então 24 anos, contraiu matrimónio com NN, de então 18 anos, actual ex-cônjuge, com quem já namorava há cerca de um ano.
Dessa união, nasceram dois filhos, OO e PP.
Em termos ocupacionais, AA já estava desvinculado da sociedade que havia formado com o irmão, e explorava uma empresa de construção civil denominada “Construções C...”, enquanto o cônjuge se dedicava à sua própria empresa têxtil, de pequena dimensão.
O casal gozava de equilíbrio económico, ainda que nem sempre de modo estável, oscilando ao ritmo do contexto económico subjacente aos ramos de actividade a que dedicavam.
Em 2010, o casal divorciou-se.
O arguido mantém uma boa relação com os filhos, a quem provia a respectiva pensão de alimentos e visitas regulares.
AA retornou à habitação dos seus progenitores - com quem sempre cultivou proximidade afectiva, extensível à fratria - com uma incursão de alguns meses em França, para onde foi trabalhar, uma vez que a separação desencadeou, concomitantemente, o fecho da empresa, cujo nome incluía o do ex-cônjuge. Pouco tempo após o arguido iniciou nova actividade por conta própria, em nome individual, no mesmo ramo de actividade.
Nesse contexto, mais concretamente no âmbito de um trabalho de restauro na habitação dos respectivos progenitores, travou conhecimento com o actual cônjuge/co-arguida, BB, com quem contraiu matrimónio cerca de um ano depois.
Em 2016, nasceu o filho do casal, MM, actualmente com 8 anos de idade.
Em termos ocupacionais e económicos, AA manteve estabilidade e fluidez até se instalar o contexto pandémico, entre 2020 e 2021, situação que desequilibrou a economia doméstica pela contração económica daí resultante e pelos constrangimentos ao exercício da sua actividade que daí decorreram. O fecho da empresa, que então contava com 4 funcionários, tornou-se inevitável atendendo à acumulação de dívidas à Segurança Social e ao serviço de Finanças.
O arguido passou a trabalhar, em regime de informalidade, no mesmo ramo de actividade e aufere uma média mensal de 1.200,00€, com os quais assegura a sobrevivência familiar e o pagamento das despesas fixas de consumos domésticos e de um crédito pessoal, num total aproximado de 400,00€.
O arguido evidencia uma preocupação em retratar-se como normativo e convencional, imagem extensível ao núcleo familiar que formou com a co-arguida, mantendo, contudo, um registo de superficialidade e reduzido envolvimento emocional e recorrendo ao claro contraste com a descrição da ofendida, a qual denigre, da qual faz sobressair as caraterísticas de personalidade e as opções pessoais que o mesmo avalia como desajustadas.
59. O processo desenvolvimental da arguida BB decorreu no seio da família nuclear, num contexto sócio-económico estável, assente nos rendimentos do trabalho de ambos os progenitores na área da restauração, tendo o progenitor acabado por abrir o próprio restaurante, onde a mãe da arguida desempenhava funções de cozinheira.
Possui como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
Iniciou atividade laboral no restaurante, propriedade do progenitor, inicialmente como ajudante de cozinha e posteriormente como cozinheira, actividade transversal ao seu percurso a este nível, até 2011, na restaurante propriedade do progenitor e, posteriormente, em diferentes restaurantes da zona de Lisboa, ainda que pertencentes à mesma sociedade/entidade patronal.
Contraiu matrimónio com o pai da assistente em 1995, de quem se separou quando a assistente contava 5 anos.
A arguida manteve sempre relação de proximidade com o agregado familiar de origem, permanecendo por vezes a descendente aos cuidados dos avós maternos, com carácter mais regular após a separação conjugal. Apesar da residência em Lisboa, permanecia ligada ao meio comunitário de origem, deslocando-se com regularidade a Caminha, onde os progenitores dispunham também de residência, sendo que, após a separação, integrou provisoriamente este agregado, acabando, posteriormente, por regressar a Lisboa para trabalhar, inicialmente com a filha e os progenitores, que, contudo, acabariam por regressar a Caminha, mantendo contactos regulares com a arguida.
Em 2010, reintegrou o agregado dos progenitores, à data a residirem em Caminha com a filha da arguida, altura em que iniciou o relacionamento afectivo com o actual cônjuge/co-arguido, AA, com quem acabou por contrair matrimónio cerca de um ano depois.
A arguida procurou e procura, de forma incessante, destacar e incidir sobre alegados comportamentos desadequados da descendente, atribuindo-lhe diferentes relacionamentos afectivos, com um discurso globalmente depreciativo.
Apresenta-se como positivamente inserida na sociedade, sem referência a orientações pró-delinquenciais.
60. Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.
2.2. Factos não provados
Da acusação pública:
a) A assistente ainda é estudante universitária;
b) Desde pelo menos 05.08.2011, os arguidos e a assistente fixaram residência no Localização 6, Ponte de Lima;
c) O filme exibido e referido no ponto 14 mostrava um casal heterossexual em acto sexual explícito;
d) Nas circunstâncias descritas no ponto 14, o arguido tivesse acariciado a vagina da assistente;
e) O descrito no ponto 10 tivesse ocorrido até 31.01.2017;
f) O descrito no ponto 19 tivesse ocorrido em data não concretamente apurada, mas anterior a 01.02.2017;
g) O descrito nos pontos 22 e 23 tivesse ocorrido quando a assistente ainda tinha 13 anos de idade;
h) O descrito no ponto 23 tivesse ocorrido uns meses mais tarde em relação ao primeiro episódio descritos nos pontos 10 a 18;
i) O descrito no ponto 24 tivesse ocorrido, também, antes do jantar;
j) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 29, a toma dos fármacos/soníferos tivesse como objectivo que a mesma ficasse menos resistente;
k) Nas situações descritas no ponto 30, o arguido AA tivesse acariciado o corpo da assistente e introduzido a sua língua na vagina desta;
l) Nas circunstâncias descritas nos pontos 35 e 36, a arguida tivesse procurado impedir a assistente de denunciar os factos;
m) O descrito no ponto 36 tivesse ocorrido na presença do arguido AA e que perante tal, este tivesse assumido os factos, confirmando tais ocorrências à arguida BB;
Do pedido de indemnização civil:
N) O acompanhamento psicológico e psiquiátrico se perpetuará indefinidamente, mas, por um período, de pelo menos, dez anos;
o) O acompanhamento gratuito da APsi seja excepcional e temporário.
Os factos, sobre os quais o tribunal não se pronunciou, constituíam matéria de direito ou meras repetições e ou/ conclusões.
B.3. O Direito
B.3.1. Introdução
Como já atrás se assinalou, o presente recurso apenas tem de ser apreciado no que concerne à pena única aplicada ao arguido.
Relativamente a este ponto entende o recorrente que essa não deve ser superior a cinco anos de prisão, devendo a sua execução ser suspensa ou, pelo menos, deve ser diminuída a pena de 11 anos que lhe foi aplicada.
Fundamenta esse pedido da seguinte forma:
“Levando em conta, o circunstancialismo favorável ao arguido suprarreferido, de afastamento da qualificação e agravação, às condições supra referidas de afastamento da ilicitude e da culpa ou da sua especial atenuação, e tendo em conta as assinaladas condições pessoais do Arguido, a suspensão da execução da pena, sujeita às regras de conduta tidas por adequadas, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
87. Caso assim não se entenda (…), justificar-se-ia a aplicação de uma pena única substancialmente inferior, o que subsidiariamente se requer. “
B.3.2. a decisão recorrida
Entretanto, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou a pena única aplicada ao arguido nos seguintes termos:
“V - A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos ou com formulas matemáticas ou abstratas de fixação da sua medida.»
Na fixação da pena única, a decisão sindicada mostra-se fundamentada nos seguintes termos:
«Do cúmulo jurídico das penas principais relativamente ao arguido.
Em face do disposto no art. 77.º do Código Penal e uma vez que estamos perante um concurso efectivo de crimes há que aplicar ao arguido uma pena única.
Com relevo para esse cúmulo dever-se-á ter em conta que a pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – cfr. art. 77.º, n.º 2, do Código Penal.
Assim, no nosso caso, a moldura penal a considerar é a seguinte: 5 anos (a mais elevada das penas parcelares de prisão aplicadas) a 25 anos de prisão (correspondente ao máximo legal permitido, já que a soma concreta ultrapassa, em muito, tal limite).
Tendo por base esta moldura urge determinar a pena concreta a aplicar aos arguidos, fazendo apelo em conjunto ao binómio constituído pelos factos e pela personalidade do agente (cfr. art. 77.º, n.º 1, in fine).
Tais crimes apresentam um grau elevado de ilicitude, o que se mostra reflectido nas respectivas penas parcelares.
Fazendo, agora, apelo à personalidade do arguido, cabe ter presente, para além de tudo quanto expusemos supra, que:
-o arguido manteve a prática criminosa, com grande e crescente intensidade (pois que da casa de habitação, passou a levá-la a motéis, onde chegou a dar-lhe, em duas ocasiões distintas, soníferos), durante cerca de 2 anos, que só veio a interromper quando a assistente está quase a completar os 15 anos e em face da resistência desta e não por acto voluntário da sua parte;
-Resulta igualmente dos factos provados que revela inconsistente consciência crítica relativamente aos seus comportamentos criminais;
-O elevado grau de culpa com que o arguido actuou, sem procurar modificar o seu comportamento durante todos estes anos;
-Sendo também muito elevado, o grau de ilicitude dos factos, e o impacto causado na personalidade, privacidade e determinação sexual da vítima, como resulta do exame psicológico a que foi sujeita e do acompanhamento que ainda hoje mantém;
-o arguido não denota qualquer arrependimento, mantendo um distanciamento relativamente às suas condutas e procurando denegrir a pessoa da assistente, tudo, por conseguinte, revelador de uma personalidade centrada em si mesma e indiferente à dignidade do outro, no caso da criança que nele confiou e a ele se entregou como se do pai se tratasse, enganando-a e usando-a como objecto de realização da sua pulsão sexual, indiferente ao seu manifesto desvalor.
Ora, se as necessidades de prevenção geral são elevadas, as necessidades de prevenção especial revelam-se vivamente prementes, como referido supra.
Factos e crimes “em série” que, em si mesmos e na intensidade, na persistência da actividade delituosa, mas também encadeados com a personalidade do arguido, demonstram que revela uma tendência para cometer crimes de violência sexual e desrespeito profundo da dignidade da pessoa humana, como insofismavelmente certifica a facticidade assente.
Assim, nessa avaliação da personalidade - unitária - do arguido não poderemos deixar de ponderar o conjunto dos factos, o ambiente em que decorreram (na residência conjunta e motéis), a sua conexão intrínseca, sendo todos cariz eminentemente sexual, o período de tempo durante o qual se verificaram, a condição de menor da vítima, o aproveitamento de uma situação de dependência emocional desta relativamente à figura paterna que o arguido então representava, a coacção que exercia sobre esta, todo um conjunto de circunstâncias que nos conduzem a concluir estarmos perante uma tendência para a prática deste tipo de ilícitos penais, uma verdadeira tara ou tendência criminosa, uma personalidade perversa, a que não poderá deixar de se atribuir, designadamente à pluralidade de crimes, um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
Ora, in casu, verifica-se que o arguido praticou os crimes num período de cerca de dois anos, que, tudo indica, só terá terminado porque a vítima acabou por resistir e, ulteriormente, ter de divulgar a situação, por forma temerária, abusiva, valendo-se da superioridade física e emocional que tinha sobre a mesma, sem o mínimo respeito pela sua saúde, liberdade, privacidade e autodeterminação sexual, que de modo indelével condicionou, afectando a sua personalidade e auto estima, pelo que tal quadro de actuação se nos afigura não poder dever-se a uma mera ocasionalidade, mas, antes, a uma expressiva tendência criminosa da sua personalidade para a prática deste tipo de ilícitos – exigindo-se, pois, que se afaste a possibilidade de a pena única sofrer alguma moderação. Sendo manifesto que estamos perante um caso de tendência criminosa, não obstante não ter registados quaisquer confrontos com o sistema penal de justiça pela prática de crimes da mesma natureza.
Assim, apresentando no período da prática dos factos uma desconformidade com os valores que subjazem e enformam a nossa sociedade, um desvalor, um grau de culpa, que não poder ser menosprezado, antes pelo contrário, em termos de valoração, que terá de se repercutir na medida da censura pessoal que lhe tem de ser feita, com reflexos na medida da pena.
Tudo ponderado, sublinhando-se que o S.T.J. tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto.
E como se lê nos Acórdãos do S.T.J. de 29.04.2010 e 01.07.2012 (referentes aos processos n.ºs 9/07.3GAPTM.S1 e 831/09.6PBGMR.S1, respectivamente, acessíveis na internet em www.dgsi.pt/jstj) que “só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”, considerando a conduta desviante que manteve, afigura-se-nos adequada a pena única de 11 anos de prisão.»
Do exposto, verificamos que o tribunal a quo observou todas as regras que se lhe impunham na determinação da pena, e considerou todas as circunstâncias que importava considerar.
Assim, efetuou uma apreciação do conjunto dos factos, da sua gravidade, e da personalidade do arguido, ponderando o ambiente em que aqueles decorreram, (na residência conjunta e motéis), a sua conexão, tendo todos natureza eminentemente sexual, o período de tempo durante o qual se verificaram, a condição de menor da vítima, o aproveitamento de uma situação de dependência emocional desta relativamente à figura paterna que o arguido então representava, a coacção que exercia sobre esta, a inconsistente consciência crítica do arguido relativamente aos seus comportamentos, o elevado grau de culpa com que actuou, sem procurar modificar o seu comportamento durante todos estes anos; o muito elevado grau de ilicitude dos factos, e o impacto causado na personalidade, privacidade e determinação sexual da vítima, e a ausência de arrependimento, tudo a revelar uma personalidade centrada em si mesma e indiferente à dignidade do outro, no caso da criança que nele confiou e a ele se entregou como se do pai se tratasse, enganando-a e usando-a como objecto de realização da sua pulsão sexual, indiferente ao seu manifesto desvalor.
Deste circunstancialismo só podemos concluir como o fez o tribunal a quo, no sentido que o arguido revela uma tendência para a prática deste tipo de ilícitos penais, “uma verdadeira tara ou tendência criminosa, uma personalidade perversa, a que não poderá deixar de se atribuir, designadamente à pluralidade de crimes, um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.”
E perante este quadro, cremos que a pena única fixada se afigura justa, por proporcional, adequando-se e reprovando os repetidos e variados factos criminosos praticados pelo recorrente, tendo em conta a reiteração daqueles e a sua perduração ao longo tempo, entendendo-se que pena inferior não acautelaria as finalidades da punição.
Ademais, “Tida como boa a pena escolhida, para se proceder a qualquer alteração na sua duração terá o desajustamento que ser relevante, isto é, a pena terá que surgir como desproporcionada face à culpa e exigências de prevenção que se façam sentir: o quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras de quantificação – consideração de factores irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, errada aplicação dos princípios gerais de determinação -, ou se a quantificação efectuada se revelar desproporcional. Desde que sejam observados os critérios de dosimetria concreta da pena, há a margem de actuação do julgador que é dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de censurar.”. (Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. nº 108/15.8JAGRD.C1, citado pelo Juiz Desembargador Luís Teixeira quando Relator no Ac. Rel. Coimbra de 07.04.2016, Proc. n.º 205/15.0PTCBR.C1, in www.dgsi.pt).
Nestes termos, e por todo o exposto, entendemos ser de manter a pena única de onze anos de prisão aplicada ao arguido.
Apreciando esta matéria , desde logo se confirma ser jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça que “sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena – parcelar ou única - por este Supremo Tribunal de Justiça abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Ora, seguindo esta jurisprudência, tendo ainda em conta o acima exposto e dado não se vislumbrar que tenham sido desrespeitados os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, e a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, entende-se não haver fundamento para censurar o acórdão recorrido.
De qualquer forma, sempre se acrescentará/sublinhará o seguinte:
• Desde logo que, sendo-nos vedado apreciar a qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido foi condenado nas penas parcelares (dado que, nessa parte, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães é irrecorrível), não é possível considerar a alegada e pretendida desqualificação ou desgravação dos desses crimes pretendida pelo recorrente;
• Por outro lado, a ilicitude global dos factos praticados pelo arguido é muito grave tendo em conta, designadamente, o número de crimes praticados e as penas parcelares aplicadas3, a interligação entre os mesmos, a sua forma de execução (v. g. os locais onde ocorreram, a utilização de filmes de cariz sexual ou de fármacos/soníferos para facilitar a prática dos atos sexuais com a ofendida e a coação por aquele exercida sobre esta para continuar a atividade criminosa) e o tempo durante o qual os mesmos foram praticados (quase 2 anos);
• O dolo é direto e muito intenso.
• Arguido atuou no único intuito de satisfazer os seus desejos sexuais, mostrando-se indiferente aos sentimentos vivenciados pela ofendida e à repulsa e resistência por esta cada vez mais desvelada ao longo dos anos;
• As consequências do seu comportamento foram graves, como evidenciam os factos dados como assentes. Com efeito, ficou provado que:
– “51. Sente (a ofendida) ainda, dificuldades de atenção e concentração, motivo pelo qual abandonou, recentemente, o curso de ensino superior que estava a frequentar.
– 52. Em decorrência das condutas supra descritas do arguido, a assistente sentiu (e ainda sente) tristeza, medo e angústia e sofreu ataques de choro e de pânico.
– 53. Por essa razão, a assistente/demandante encontra-se, desde finais de 2022, a ser acompanhada na Unidade de Consulta de Stress e Trauma da Associação de Psicologia da Universidade do Minho (APsi).
– 54. A APsi tem-lhe fornecido acompanhamento psicológico de forma semanal e gratuita.
– 56. A assistente/demandante necessitará de acompanhamento psicológico e psiquiátrico por tempo não concretamente apurado.
57. Em decorrência da conduta da arguida/demandada BB, a assistente/demandante sentiu pânico, temeu pela sua integridade física e, constantemente rememora as ameaças da mãe, sentindo tristeza e um sentimento de abandono.
• A circunstância de, depois de a ofendida ter relatado a sua mãe o ocorrido, o arguido a ter ameaçado, no intuído de a demover de participar os múltiplos e gravíssimos crimes de que esta tinha sido vítima;
• A falta de arrependimento do arguido (que, inclusive, se nota nas suas alegações de recurso, ao procurar justificar o que não tem justificação);
• Quanto à personalidade do arguido, os factos provados desvelam, não uma pluriocasionalidade de crimes, mas uma tendência criminosa, designadamente porque, não obstante ser primário, revelou, durante muito tempo, uma tendência para não controlar os seus impulsos sexuais;
• Finalmente, existem necessidades de prevenção especial (v.g. face à ausência do aludido controlo) e as necessidades de prevenção geral são, claramente, altíssimas.
Concluindo e tendo em conta que a moldura abstrata da pena única a aplicar ao arguido varia entre 5 (cinco) e 25 (vinte e cinco) anos de prisão – sendo certo que a soma material das penas parcelares aplicadas atingiria os 42 anos de prisão -, não se vislumbra motivo para, no que concerne à pena única de 11 anos de prisão que lhe foi aplicada, censurar o acórdão recorrido,
Pelo que o recurso é improcedente.
C – Decisão
Por todo o exposto, decide-se:
a. Rejeitar o recurso interposto por AA - exceto no que concerne à pena única que lhe foi aplicada - dado o mesmo não ser admissível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432º, nº. 1, al. b), 400º, nº. 1, al. f) 420º, nº. 1, al. b) e 414º nº 2, todos do Código de Processo Penal;
b. Negar provimento ao recurso no que tange à pena única;
c. Condenar o recorrente no pagamento de 5 (cinco) U.C., relativas às custas devidas.
Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada
(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Celso Manata (Relator)
Vasques Osório (1º Adjunto)
Ernesto Nascimento (2º Adjunto)
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1. As motivações não contêm artigo 57
2. Ac. do STJ de 22 de março de 2022 – Proc. nº 2808/13.8TAVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
3. Um delas de 5 anos de prisão o que, tendo também em conta que a soma das penas parcelares atinge os 42 anos de prisão, torna absolutamente incompreensível que reclame a aplicação de uma pena de 5 anos suspensa na sua execução…!!