PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE
ERRO MATERIAL
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PENA PARCELAR
CÚMULO JURÍDICO
ESCOLHA DA PENA
Sumário


I. O cúmulo jurídico é uma construção normativa, de matriz dogmática, com a finalidade de refundir numa pena única, as penas de prisão em que o mesmo agente foi condenado por ter cometido uma multiplicidade de crimes que, entre si, estão numa relação de concurso real.
II. Da inclusão em novo cúmulo jurídico (superveniente) de mais penas de prisão parcelares, desde que nenhuma das penas parcelares tenha sido declarada extinta, prescrita ou cumprida, não deverá resultar a aplicação de pena única mais baixa que a fixada em cúmulo anterior ou da pena conjunta mais elevada quando há mais que um cúmulo jurídico anterior que englobe alguns dos crimes do mesmo concurso.
III. Assim, do conhecimento posterior de que um concurso de crimes inclui outro ou outros crimes não deve resultar a diminuição da pena única aplicada em anterior cúmulo jurídico ou, sendo vários, da pena conjunta mais elevada.
IV. O parâmetro primordial do «modelo» de determinação de qualquer pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, estabelecendo, em concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar.
V. Corroborando o essencial da fundamentação jurídica que norteou o tribunal recorrido no que respeita à determinação da medida da pena única, contudo, afigura-se-nos justificada a objeção ao acórdão recorrido no sentido de não ser indiferente a redução do valor integral da importância ilicitamente obtida pela arguida – do montante total (aparente e errado) de € 509.145,63 para um montante (real e corrigido) de € 227.754,10 – para a consideração da factualidade global a considerar na determinação da medida da pena única a aplicar. Uma tal redução, por tão significativa, deve operar algum efeito ao nível da apreciação global dos factos, que não pode deixar de se refletir na medida da pena única.
VI. Ponderando conjuntamente todos os factos em presença, a personalidade da arguida e os fins das penas, considera-se que uma pena única situada em medida algo inferior à fixada ainda permite ter a expectativa de que sejam assegurados os propósitos prosseguidos com os fins das penas, também em homenagem à tendencial igualdade na aplicação das penas criminais.
VII. Assim, numa moldura de concurso que oscila entre 3 anos e 6 meses e 25 anos de prisão (limite reduzido nos termos do n.º 2 do artigo 77.º do CP), afigura-se ser adequada a pena conjunta de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão, cuja medida ainda consente a salvaguarda dos interesses da prevenção, geral e especial, nomeadamente os desta última, que se mostra algo exigente em face das dificuldades já referidas de integração social, e simultaneamente proporciona a eventual ressocialização da arguida.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Por acórdão cumulatório de 31 de março de 2025 (embora só eletronicamente assinado em 01-04-2025 - Ref.ª Citius .......61) do coletivo do Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 5, foi deliberado – na sequência do determinado no acórdão desta Secção Criminal do STJ, de 27-02-2025 (Ref.ª Citius ......54), que deliberou a anulação do acórdão proferido naquele tribunal em 11 de novembro de 2024 (Ref.ª Citius .......09) e que realizara o cúmulo jurídico de várias penas, aplicando à recorrente a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão –, proceder à retificação dos fundamentos de facto e, eventualmente daí extrair consequências quanto ao cúmulo jurídico de várias penas em que a arguida e ora recorrente, AA, fora condenada, tendo sido decidido:

«Em face do exposto, acordam as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo, ponderados todos os factos e a personalidade do agente e ao abrigo do disposto nos art.ºs 77.º e 78.º do Código Penal, em cúmulo jurídico, aplicar à arguida AA, pela prática dos crimes cometidos no âmbito dos processos 2372/18.1JAPRT, 311/19.1PPPRT e 4835/19.2T9PRT:

1.º Aplicar a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

2.º Decide-se não aplicar o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, por não se verificarem os respectivos pressupostos.

3.º Sem custas - art.º 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.»

2. Dessa decisão recorreu a arguida-condenada, em 30-04-2025 (Ref.ª ......84), tendo formulado as conclusões seguintes (transcrição):

«(…)

1. O presente recurso tem por objecto o novo acórdão cumulatório proferido pelo Tribunal a quo no dia 11/11/2024, que, ao proceder ao cúmulo jurídicodas penas parcelares aplicadas nos Processos n.º 2372/18.1JAPRT, 311/19.1PPPRT e 4835/19.2T9PRT, culminou com a manutenção da aplicação à Recorrente da pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O Tribunal a quo incorre, uma vez mais, em manifesto erro de fundamentação.

3. Quando o Tribunal a quo considera, em sede de fundamentação, que o Venerando Tribunal da Relação do Porto operou a redução da pena única por referência ao “novo valor” / “valor corrigido” incorre em manifesto ERRO.

4. Com efeito, de acordo com o facto D.6 dos factos provados do acórdão revidendoque aqui se por reproduzido para os devidos e legais efeitos – resulta inequívoco que o Venerando Tribunal da Relação do Porto decidiu pela redução da pena única por força da reformulação da pena única imposta pela atenuação especial da pena parcelar aplicada no “Caso VI – NUIPC 371/20.2PBMTS e NUIPC 179/20.5PHIVNG – Apenso D”.

5. Por outro lado, o valor global dos montantes ilicitamente apropriados pelos arguidos no âmbito do Processo n.º 311/19.1PPPRT cifra-se em 171.558,00 (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros).

6. Como resulta da decisão e do elenco de factos provados, o valor global e total da perda de vantagens no Processo n.º 311/19.1PPPRT é de 171.558,00, não existindo quaisquer “outras quantias”, mas sim a mesma quantia limitada aos ganhos concretamente apurados em relação a cada um dos arguidos, tendo estes sido condenados no correspectivo pagamento solidário (ponto AD)a) – facto provado D.7.

7. Os argumentos convocados pelo Tribunal a quo para sustentar a manutenção da pena única anteriormente aplicada assentam em PRESSUPOSTOS DE FACTO ERRADOS, pelo que, sempre salvo melhor opinião, estamos perante uma NULIDADE que corresponde a um verdadeiro défice da formação da convicção e da sua expressão decisória, consubstanciada em erro de fundamentação, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, a qual expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

Caso assim não seja entendido,

Por cautela de patrocínio,

8. Considerando que existe uma notória contradição entre a factualidade dada como provada e aquela que foi tomada em consideração na fundamentação, tendo sido ponderados factos manifestamente errados e com evidente relevo para a determinação/manutenção da pena única aplicada, sempre estaríamos perante um vício de contradição entre a fundamentação e a decisão, ex vi artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, a qual vai aqui expressamente arguida para os devidos e legais efeitos.

Sem prescindir,

9. O regime especial do cúmulo jurídico foi instituídopelolegisladorcom vista a que o condenado não seja prejudicado pelo conhecimento extemporâneo do concurso de penas, isto é, o objectivo último do regime é evitar que o condenado seja prejudicado por se descobrir depois que no mesmo concurso de infracções se incluíam mais crimes que os que foram considerados na condenação de um primeiro cúmulo jurídico das penas parcelares de uma parte dos delitos dessa unidade jurídica – neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 151/14.4T3GDL.E2.S1, da rel. Conselheira ANA BARATA BRITO, de 25/10/2023.

10. Sem prejuízo da alteração de critérios que emana das duas decisões anteriores, o Tribunal entendeu, agora, que a pena única se deve situar entre os 8 anos, 10 meses e 15 dias (quarto inferior da moldura aplicável) e os 10 anos e 8 meses(terço inferior da moldura aplicável), tendo fixando a mesma em 10 anos e 6 meses de prisão, ou seja, muito próxima do limite superior por si aventado.

11. Sucede que, o processo de determinação da pena unitária remanesce pouco rigoroso, dado que o Tribunal a quo, apesar de enumeraras penas parcelares, voltou a omitir o necessário exame crítico, optando por partir das penas únicas tiradas nos cúmulos anteriores, olvidando que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares, não apresentou qualquer justificação para a alteração de critérios (factor de compressão), e, por último, quando analisada à luz do princípio da proporcionalidade (referente jurisprudencial) a pena única aplicada apresenta-se notória e excessivamente penalizadora!

12. Apesar de ter procedido à transcrição no elenco de factos provados das penas parcelares aplicadas, o Tribunal voltou a não avaliar as penas parcelares em sede de fundamentação, olvidando a necessária ponderação da situação global e a concreta relacionação das condutas apuradas.

13. Quer os factos julgados no Processo n.º 2372/18.1JAPRT, quer os factos julgados no Processo n.º 311/19.1PPPRT, reportam-se, directamente, ao período em que a Recorrente foi dona e exploradora do bar de restauração e bebidas denominado “Tropical 2”, onde, servindo-se de terminais de pagamento (vulgo, TPA’s), a arguida se assenhorou de valores que estivessem disponíveis nas contas bancárias dos clientes que se deslocassem ao bar.

14. Estamos perante um concurso de factos que, não só foram praticada dentro do período temporal que aquela anterior pena conjunta já abrangera, como revelam absoluta integração na homogeneidade típica criminal e conexão objectiva dos demais factos em concurso.

15. Analisando globalmente os factos imputados à arguida, constatamos que, excluindo o crime de furto simples, todos os restantes se integram num período que vai do final de 2018 a Julho de 2021, com especial incidência nos anos de 2020 e 2021.

16. Assim, e ainda que se esteja na presença de um número significativo de crimes praticados – concedemos – é forçoso concluir que eles se integram na pequena / média criminalidade, decorrendo tal inferência da própria medida concreta das penas parcelares, as quais, na sua generalidade, constituem penas tipicamente associadas a uma pequena / média criminalidade: dentro das 42 penas parcelares, 38 não excedem os 2 anos e 6 meses de prisão, sendo a maioria de 1 ano e 6 meses de prisão (19) ou até mesmo inferiores!

17. A pena única sugere, porém, um quadro de grave criminalidade que, em bom rigor, a imagem global dos factos não denota ou, pelo menos, não denota no grau que na generalidade dos casos se associa a um quantum daquela dimensão.

18. Estamos perante uma pena única que “revela uma discrepância entre a avaliação feita relativamente às singulares condutas criminosas, que foram punidas com penas próprias da pequena e média criminalidade, e aquela a que o tribunal procedeu para a determinação da pena única” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/05/2016, proferido no Processo n.º 108/14.5JALRA.E1.S1.

19. Em momento algum o Tribunal a quo tratou da questão da adequação da pena à culpa concreta global, abordou a homogeneidade criminosa e a circunscrição temporal e espacial da factualidade apurada.

20. Salvo melhor opinião, nas palavras do Conselheiro SIMAS SANTOS, estamos no caso sub judice perante o conhecimento de mais infracções praticadas pela arguida que constituem o ELO PERDIDO ENTRE CONDUTAS, permitindo estabelecer uma clara e franca pluriocasionalidade também o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo n.º 311/19.1PPPRT, concluiu no sentido da pluriocasionalidade (cfr. página 351 do acórdão do TRP informação de 28.01.2025, sob a Ref. Citius n.º ....84), conclusão acompanhada pelo Tribunal a quo!

21. No que concerne ao factor de compressão – enquanto critério aferidor do rigor e justeza do cúmulo de penas –, e apesar de o Tribunal ter referido que não se iria distanciar dos critérios utilizados nos cúmulos anteriores, a final, o Tribunal acabou por agravar o fundamento, critério ou factor de compressão de forma, cremos, injustificada.

22. Aliás, uma vez mais, o Tribunal optou por partir das penas únicas tiradas no Processos n.º 2372/18.1JAPRT e 311/19.1PPPRT, ficando a ideia da realização – ilegal – de um cúmulo de outros cúmulos.

23. Como é consabido, em caso de cúmulo superveniente de penas uma elevação do “factor de compressão” tem de ser factual e expressamente explicada na fundamentação do acórdão que reformulou o cúmulo jurídico (neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 151/14.4T3GDL.E2.S1, da rel. Conselheira ANA BARATA BRITO, de 25/10/2023), o que não sucedeu!

24. No presente processo – e apesar de num primeiro momento referir, expressamente que não se iria distanciar dos critérios e juízos realizados nos cúmulos anteriores – o Tribunal não observou a lógica e uniformidade de critérios adoptados nos Processos n.º2372/18.1JAPRTe 311/19.1PPPRT, em que foram aplicados factores de compressão de 1/5 e 1/15, respectivamente.

25. Visto de outra perspectiva, temos que naqueles processos foi decidido pelos Tribunais situar as penas únicas aplicadas à arguida entre 1/5 e 1/4 das molduras penais aplicáveis.

26. Uma conclusão irrefragável a reter: nos processos anteriores a arguida foi condenada sempre abaixo do quarto inferior da moldura aplicável.

Vertendo ao caso que nos ocupa,

27. As penas parcelares totalizam 78 anos e 5 meses de prisão.

28. A pena mais elevada aplicada é de 3 anos e 6 meses, pelo que o

remanescente das penas parcelas é de 74 anos e 11 meses (o qual é limitado a 25 anos de prisão).

29. Com uniformidade de critério e respeito pelo facto de os condenados terem direito à pena única – isto é, tudo devendo passar-se como se a pena (única) fixada no primeiro momento tivesse logo englobado (podido englobar) todas as parcelares em concurso que indevidamente ficaram fora do cúmulo –, aplicando o factor de compressão de 1/15 ao remanescente das penas parcelares, temos que a pena única deveria situar-se nos 8 anos e 6 meses de prisão.

30. De outra perspectiva, seguindo a lógica da moldura penal aplicável, dado que em todos os processos os tribunais optaram por fixar a pena única abaixo do de 1/4 da moldura aplicável, não deveria a pena única aplicada à arguida ultrapassar os 8 anos, 10 meses e 15 dias.

31. Isto é, lógica e racionalmente, se os crimes em concurso tivessem sido julgados naqueles processos, com observância e aplicação de pena com uniformidade de critério, a pena única final aplicada à arguida seria fixada entre:

8 anos e 6 meses de prisão e

8 anos, 10 meses e 15 dias de prisão

32. Considerando que, a dado passo da motivação, o Tribunal tece um considerando quanto à (in)viabilidade da fixação da pena em medida inferior à pena única mais elevada de 8 anos de prisão (Processo n.º 311), importa ainda salientar que as penas únicas anteriormente encontradas não constituem bitola absolutamente determinante para a fixação no cúmulo da pena única.

33. Estamos cientes de que em novo cúmulo jurídico posterior de mais penas de prisão parcelares não deverá resultar, em regra, a aplicação de pena única abaixo da fixada em cúmulo anterior, sob pena de tal ser interpretado como um forte incentivo à criminalidade.

34. No entanto, as exigências de prevenção geral, diante do bem jurídico violado, e as de prevenção especial, face à situação pessoal e à conduta anterior e posterior da arguida, são relevantes, mas não são das mais acentuadas à luz da jurisprudência similar, acentuando-se a desmesura da pena única aplicada quando submetida ao crivo do princípio da proporcionalidade.

35. Da correcta contextualização dos factos resulta inequívoca, ab initio, a desnecessidade da agravação da pena anterior encontrada no Processo n.º 311/19.1PPPRT.

36. Mais, os antecedentes criminais da arguida (mormente, a condenação no Processo n.º 2372/18.1JAPRT) foram já sopesados e valorados contra si, ou seja, como circunstância agravante geral no Processo n.º 311/19.1PPPRT.

37. Como tal, a escolha e a medida das penas aplicadas naquele processo tiveram em conta, não só, mas também, a referida condenação.

38. Numa análise global dos factos, julga-se evidente que a visão da actuação conjunta da arguida revela aquilo que usualmente se designa por pluriocasionalidade da prática de ilícitos, todos de similar natureza, praticados em continuidade, num período específico e delimitado da vida da arguida.

39. Assim, o comportamento global consubstanciado no concurso de crimes cometidos pela arguida, a personalidade neles manifestada, com a actualização constatada na audiência de julgamento, demanda uma medida da pena única que, respeitando os limites traçados pela prevenção geral de integração e pela culpa, seja suficiente e adequada a adverti-la, séria e fortemente, mas que, ao mesmo tempo, lhe deixe aberta a porta da reintegração na comunidade das pessoas leais ao Direito.

40. Saliente-se que à data não militavam a favor da arguida as circunstâncias que hoje se verificam e que o Tribunal a quo dá como provados no acórdão cumulatório, mormente, a reparação dos ofendidos, a clara e manifesta interiorização do desvalor da sua conduta, bem como a existência de uma perspectiva de integração no mercado de trabalho após a sua restituição à liberdade.

41. O suporte familiar, bem como o tempo volvido sobre a data da prática dos factos (alguns com mais de 7 anos), sendo que já decorreram quase 4 anos desde a detenção e prisão da arguida, são significativos.

42. O Tribunal a quo excedeu, no caso sub judice, o mínimo necessário e exigido pela reafirmação da validade e estabilização dos bens jurídicos ofendidos, bem como ultrapassou a culpa da arguida revelada nos crimes cometidos em concurso, em violaçãododispostonos artigos 40.º, 71.º, n.º 1 e 2, e 77.º, n.º 1 e 2, 78.º do Código Penal, e o disposto do artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o artigo 18.º da Lei Fundamental.

43. Os erros e omissões cometidos pelo Tribunal durante o processo judicativo-decisório contribuíram decisivamente para a flagrante desproporção da pena conjunta aplicada a final, a qual deve ser reparada.

44. Também a análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas (questão do referente jurisprudencial) daquela que está em causa no caso concreto, habilita-nos a formular e fortalecer o juízo de desmesura na quantificação (sempre difícil) da pena única.

45. Assim, propugnamos que o Colendo Tribunal ad quem convoque o princípio da proporcionalidade, mormente tendo por referência os casos análogos assinalados – em especial o Processo n.º 8329/18.5T8CBR.C1.S1 e o Processo n.º 550/20.2PDVNG.S1 , encontrando uma pena conjunta que, no limite do respeito das finalidades da punição, e da contenção do perigo, real, de estigmatização da condenada, bem como do perigo provável de adulteração irreversível da sua identidade humana, se situe entre os 6 e os 8 anos de prisão.

46. Um dos princípios fundamentais da justiça exige que os casos análogos sejam tratados de maneira análoga, e os casos diferentes de forma diferente, em função da medida da diferença, sendo as disparidades injustificadas e os sentimentos de injustiça susceptíveis de lançar o descrédito sobre o sistema de justiça penal.

47. É, pois, com este sentido e esta interpretação que deverão ser aplicadas as normas dos artigos 40.º, 71.º, n.º 1 e 2, e 77.º, n.º 1 e 2, 78.º do Código Penal, e odispostodoartigo49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o artigo 18.º da Lei Fundamental.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/ EXA.S MUI DOUTAMENTE IRÃO SUPRIR, REQUER-SE SEJA DADO PROVIMENTO AO RECURSO E A DECISÃO ANULADA POR PADECER DE NULIDADE POR ERRO DE FUNDAMENTAÇÃO, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), DO CPP.

CASO ASSIM NÃO SEJA ENTENDIDO,

SEMPRE DEVERÁ O ACÓRDÃO RECORRIDO SER REVOGADO QUANTO À MEDIDA DA PENA ÚNICA E, CONSEQUENTEMENTE, DEVERÁ SER APLICADA À RECORRENTE, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, UMA PENA CONJUNTA QUE SE SITUE ENTRE OS 6 E OS 8 ANOS DE PRISÃO, OU, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, UMA PENA CONJUNTA NUNCA SUPERIOR AO 1/4 INFERIOR DA MOLDURA APLICÁVEL, ISTO É, A 8 ANOS, 10 MESES E 15 DIAS DE PRISÃO.

ASSIM DECIDINDO, FARÃO V/EXA.S INTEIRA E

Justiça»

3. O recurso foi admitido por despacho da Senhora juíza Presidente do coletivo, de 05-05-2025 (Ref.ª Citius .......21), determinando que subisse “imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (art.ºs 401.º, n.º 1, alínea b), 407.º, n.º 2, al. a); 406.º, n.º 1, 408.º, n.ºs 1, al. a) e 432.º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal)”.

4. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, em 27-05-2025 (Ref.ª ......31), invocando inexistir a alegada nulidade pela qual a arguida pugna.

Quanto à determinação da medida da pena (única), ali se refere que: «

(…) Reportando-nos ao caso dos autos, do cúmulo jurídico das penas aplicadas à arguida, a moldura penal deste cúmulo é de 3 anos e 6 meses a 25 anos (o limite máximo seria de 78 anos e 5 meses, soma de todas as penas parcelares, porém, a lei não permite que se aplique pena superior a 25 anos de prisão).

(…)

Tendo tais parâmetros legais de determinação da pena presentes, haverá que se atentar nos concretos factos apurados nos autos e dados como provados para se poder aquilatar da bondade e do acerto da decisão ora em apreço no que tange à concreta pena única determinada nos autos, nos termos do previsto nos art.º 40.º, 71.º, 77.º e 78.º do CP.

E, neste conspecto, consignamos que, merecem a nossa concordância todos os factos apurados e dado como provados e a pena única aplicada á arguida, por conta do Acórdão de Cúmulo Jurídico.

Todos os referidos princípios foram tidos em consideração e foram devidamente ponderados na determinação da medida concreta da pena, pelo Tribunal “a quo”.

(…)

no presente caso, considerando o período temporal em causa, a gravidade dos factos e a sua reiteração pela arguida, que cometeu 40 crimes de burla informática e através dos quais se apoderou de quantias que não lhe pertenciam, assume uma grande censurabilidade e correspondente gravidade, tendo em conta a similitude de situações, afigura-se que o conjunto dos factos em apreço é ainda reconduzível a uma pluriocasionalidade, que radica na personalidade manifestada, sendo de ponderar que, no plano da prevenção especial, se mostra imperioso que a arguida interiorize devidamente a ilicitude dos atos praticados.

Ora, a moldura dentro da qual se deve fixar a pena do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão.

No caso concreto, fazendo apelo ás regras de concurso, esses limites são entre os 3 anos e 6 meses de prisão e os 78 anos e 5 meses de prisão, sendo que em relação ao limite máximo, de acordo com o disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CP, a pena máxima não deverá ultrapassar os 25 anos de prisão.

Daí que o limite máximo no nosso processo, serão os 25 anos de prisão.

Para se determinar a pena única concreta, o tribunal teve em consideração, no seu conjunto, os factos apurados e a personalidade do agente, a gravidade dos factos e a sua reiteração pela arguida, que cometeu 40 crimes de burla informática e através dos quais se apoderou das referidas quantias que não lhe pertenciam.

Como circunstâncias favoráveis à recorrente, temos apenas que tem mantido bom comportamento no estabelecimento prisional, está a iniciar os pagamentos das indemnizações a que foi condenada. Mesmo que sejam poucos e irrisórios, denota algum sentido de responsabilização, aspeto positivo para o seu longo caminho na ressocialização. Releva igualmente a circunstância de, quando estiver em meio livre, pretender iniciar atividade laboral, tendo já encetado algumas iniciativas, conforme o demonstra o contrato promessa de contrato de trabalho.

Acresce, ainda, que a arguida tem algum suporte familiar, pois conta com visitas e apoio das irmãs e dos filhos.

Tal facto como o Tribunal considerou, o bom comportamento da arguida no estabelecimento prisional, o estar a iniciar os pagamentos das indemnizações a que foi condenada, e de pretender, quando estiver em meio livre, iniciar atividade laboral, que ainda não está próxima da ressocialização desejada e ainda corre o risco de recair no cometimento de factos semelhantes.

Por outro lado e a seu desfavor, milita o seu passado criminal.

Em face de todas estas circunstâncias, decidiu o Tribunal condenar a arguida, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

Tudo ponderando, afigura-se-nos de todo inquestionável que, no quadro dos fins das penas, e atendendo ao binómio culpa-ilicitude dos factos, a pena única fixada se apresenta justa e adequada, á luz dos ditames e princípios previstos nos art.º 71.º, 77.º e 78.º do CP, isto é, à prevenção geral e especial, à personalidade da arguida e à imagem global dos factos, pelo que deverá ser mantida.»,

em face do que sugere que a decisão recorrida, por não merecer censura, deve manter-se integralmente.

5. Uma vez neste STJ, o Senhor Procurador-geral-adjunto aqui em funções emitiu parecer em 06-07-2025 (Ref.ª Citius ......17) no sentido de que:

«(…) há que verificar da existência daquele tipo de erros, ou seja, verificar se o alegado pela recorrente se verifica e, caso afirmativo, se se justifica uma alteração da decisão (ou mesmo, como igualmente pretendido, a revogação desta).

Assim, indo aos pontos concretos:

A.

-- Quanto aos erros que a recorrente aponta ao acórdão recorrido quando este se refere à anterior decisão cumulatória efetuada no âmbito do processo 311/199.1PPPRt, na versão alterada pelo Tribunal da Relação do Porto:

A.1.

– A recorrente insurge-se contra o acórdão por este ter, a dado passo (e na sequência da correção/redução do montante ilicitamente auferido pela arguida, conforme decidido no anterior acórdão deste STJ) referido o seguinte:

«[…] diga-se, também, que a arguida obteve um ganho de € 171.558,00, tendo sido condenada, a título de perda de vantagens, a pagar essa quantia ao Estado, mas a que não é alheio o facto de o seu filho BB ter sido condenado a pagar outros € 171.558,00, bem como o seu companheiro CC nas quantias de €53.500,00, €87.514,00 e €7.950,00, por terem sido condenados no âmbito do mesmo esquema, no mesmo processo.»

E discorda a recorrente disto por o valor global dos montantes ilicitamente apropriados pelos arguidos no âmbito do Processo n.º 311/19.1PPPRT se cifrar em € 171.558,00 e não no dobro desse montante, como parece resultar daquela frase.

E, na verdade, a frase, da forma como está escrita, pode levar àquele entendimento.

No entanto, não se pode olvidar que no acórdão, logo em seguida, se refere que tal montante corresponde ao valor pelo qual, solidariamente, os arguidos foram condenados.

Não há, assim, erro de interpretação por parte do coletivo autor do acórdão de que ora é interposto recurso.

A.2.

– Insurge-se igualmente a arguida contra o facto de no acórdão recorrido ser dito, a dado passo:

«[…] pela leitura do acórdão da Relação do Porto proferido no âmbito do processo 311/19.1PPPRT, constatamos que na pena única ali aplicada já se teve em mente o novo valor, tendo a Relação diminuído a pena do processo identificado em VI e diminuído a pena única de 8 anos e 6 meses para 8 anos. Ora, como acima se discriminou, essa pena única foi fixada em tempo inferior a ¼ da moldura aplicável, o que é revelador da clara adequação da pena, bem como da sua necessidade. Na reformulação desse cúmulo, mantivemos tal ponderação, efectuada com benevolência, mesmo tendo em conta o valor corrigido. Daí mantermos quanto àquele processo, após reformulação do cúmulo, a ponderação aí efectuada com a qual concordamos».

Também aqui não se verifica o ‘erro’ que a recorrente entende existir, de interpretação do Acórdão da Relação do Porto: é óbvio que este, ao achar a pena única naquele processo teve em conta todos os elementos ali apurados, não só a atenuação especial então aplicada como, claro, o montante com que a arguida se havia locupletado e que foi ali objeto de especial atenção (sendo reduzido, como se viu).


Aliás, há a notar que estas referências que o acórdão recorrido efetua ao cúmulo anterior achado no processo 311/19.1PPPRT são totalmente anódinas: Aquando da elaboração de cúmulos jurídicos, a fundamentação para a escolha dos anteriores cúmulos jurídicos deixa de ter qualquer relevância --- o que há agora a fazer é, precisamente, «desfazer» os cúmulos anteriores existentes e, ‘pegando’ nas diversas pena parcelaras aplicadas em todos os processos, achar uma ‘nova’ pena única.

Ou seja – se bem que o coletivo autor do acórdão ora colocado em crise tenha efetuado aquelas referências, as mesmas não o foram senão para fundamentar/justificar a circunstância de não terem alterado, para menos, a pena já anteriormente achada no cúmulo anterior.

Sucede que esse cúmulo anterior neste mesmo processo achado (e que foi revogado por este STJ) nem tinha de ser referido: a partir do momento em que a decisão foi revogada, deixou de ter qualquer relevância.

Aliás, é por isso mesmo que são igualmente irrelevantes todas as considerações que a recorrente efetua a percentagens de compressão de penas, de colocação do terço ou no quarto inferior da moldura penal aplicável etc., todas as referências que efetua relativamente ao que considera ter sido alteração de entendimentos do coletivo entre as decisões anteriores e a presente: essas decisões anteriores foram revogadas em sede de recurso por este Supremo Tribunal, pelo que ‘inexistem’, incluindo para efeitos comparativos, como é pretendido.

B.

O que interessa agora saber é se a pena única foi achada de forma correta, tendo em conta as penas parcelares aplicadas à arguida no âmbito dos 3 processos englobados.

Ora, relembrando o atrás referido quanto à necessidade de intervenção parcimoniosa do Tribunal de recurso neste aspeto, não vemos que exista motivo para alterar a pena que foi achada no acórdão recorrido.

Sem necessidade de referenciar tudo o que foi já nos autos – nomeadamente no acórdão recorrido e na resposta do Ministério Público – foi já invocado quanto às finalidades da aplicação de uma pena única, desde que verificados os requisitos para a sua fixação – temos que a pena de 10 anos e 6 meses de prisão achada nada choca, em termos de excesso, atendendo a toda a sua atividade criminosa e às necessidades de prevenção especial e geral que se fazem sentir.

Na verdade, na decisão foram tidos em conta todos os elementos relevantes para a determinação da pena, não se podendo dizer, como pretende a recorrente, que o tribunal tenha sido pouco rigoroso: pode não ter alcançado uma pena tão reduzida como pretende, é verdade. Mas isso não seria ser mais rigoroso, antes levaria a sofrer, precisamente, de menor rigor, beneficiando indevidamente uma arguida que – não se esqueça – foi condenada em penas que, aritmeticamente, alcançam um total de 78 anos e 5 meses de prisão…

Com a pena aplicada fica nas mãos da arguida/recorrente a possibilidade de, a manter o bom comportamento prisional que tem manifestado, conseguir que, na prática, se veja colocada em liberdade antes de decorrido aquele espeço de tempo.

-- Termos em que é parecer do Ministério Público que o recurso interposto pela arguida AA deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.»

6. Notificada de tal parecer, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, a arguida veio, por requerimento de 22-07-2025 (ref.ª ....95), reiterando que o tribunal recorrido convocou pressupostos de facto errado para a decisão, em virtude de «(…) o valor global apropriado pelos arguidos no âmbito do Processo n.º 311/19.1PPPRT foi de € 171.558,00, tendo estes sido solidariamente condenados a pagar ao Estado aquele valor a título de perda de vantagens – como, aliás, reconhece expressamente o Digníssimo Sr. Procurador Geral-Adjunto no seu Parecer.».

Por outro lado, a arguida-recorrente defende que a situação se trata de um caso de “pluriocasionalidade”, que pretende ter um projeto laboral regular e de apoio familiar, chamando a atenção para as consequências da não estabilização da sua situação penal.

Alega, ainda, que «Sufragar o entendimento propugnado pelo Digníssimo Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu Parecer seria fazer tábua rasa da modificação essencial levada a cabo pelo Tribunal ad quem, a qual impunha a necessária reformulação da operação de determinação da pena única do cúmulo jurídico com base no valor das vantagens ilegítimas efectivamente obtido pela arguida – o que, reiteramos, não sucedeu!!!».

Conclui pela adequação da aplicação de uma pena unitária que se aproxime do “limite inferior consentido pelo Tribunal, isto é, dos 8 anos, 10 meses e 15 dias”.

7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos remetidos e julgados em Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.

II. Fundamentação

8. No acórdão recorrido, foi dada como provada a seguinte factualidade:

«A arguida foi julgada e condenada nos seguintes processos:

A - por sentença de 02/06/2017, transitada em julgado em 19/09/2017, proferida no âmbito do processo nº 191/16.9PFPRT, do Juiz 4 do Juízo Local Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 31/03/2016, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 450, bem como foi decidida a não transcrição no registo criminal; por despacho de 25/06/2019 foi a pena extinta pelo pagamento;

B - por sentença de 16/12/2020, transitada em julgado em 01/06/2022, proferida no âmbito do processo nº 781/18.5PPPRT, do Juiz 3 do Juízo Local Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 02/07/2018, de 1 crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 1.080; por despacho de 14/09/2022 foi a pena extinta pelo pagamento;

A arguida foi, ainda, condenada pelos seguintes factos, nos seguintes processos, susceptíveis de integrar o presente cúmulo:

C - por acórdão de 20/12/2021, transitado em julgado em 12/05/2022, proferido no âmbito do processo nº 2372/18.1JAPRT, do Juiz 2 do Juízo Central Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 19/08/2018, de 8 crimes de burla informática e nas comunicações, na pena única de 4 anos de prisão efectiva.

No âmbito deste processo, a arguida AA cometeu os seguintes factos, que a seguir se enunciam por súmula:

“1.A arguida AA, por si ou nas concretas situações abaixo descritas em conluio, com a arguida DD, com EE e com FF, repartiram tarefas, nos conluios que alcançaram, para vir a obter vantagem patrimonial, através do acesso não autorizado a contas bancárias de clientes do estabelecimento comercial de diversão noturna, denominado “Tropical2”, sito na Rua 1 e da subsequente subtração de valores que aí se encontrassem, transferindo-os para contas bancárias, que movimentavam.

2. A arguida AA era a dona e exploradora do estabelecimento comercial de restauração e bebidas, denominado “Tropical2”, sito na Rua 2, pelo menos, desde novembro de 2017.

3. A arguida AA é mãe do arguido BB.

4. As arguidas DD e FF eram empregadas do estabelecimento comercial “Tropical2”.

5.O arguido EE foi empregado do estabelecimento comercial “Tropical2” desde fins de 2017 até data não concretamente apurada de 2019.

6. Este estabelecimento comercial era frequentado, preferencialmente, por clientes do sexo masculino, em busca de diversão noturna ligada à presença de acompanhantes do sexo feminino, que se dispõem a conviver com esses clientes, a troco, pelo menos, do pagamento do consumo de bebidas alcoólicas que ali são disponibilizadas para consumo e venda ao público.

7. O estabelecimento “Tropical2” tem associado, desde 03.11.2017, um terminal de pagamento nº .....78, contratado pelo arguido BB, filho da arguida AA, associado à conta bancária com o NIB ......................45, do banco Santander Totta, titulada pelo mesmo arguido.

8. O estabelecimento tem, ainda, associados os terminais de pagamento n.º .....14 e nº .....93, contratados também pelo arguido BB, o primeiro associado à conta bancária com o NIB .........................5, do banco Millennium BCP, e o outro a conta do Montepio tituladas por este arguido.

9. Os arguidos AA e BB quiseram instalar os terminais de pagamento no estabelecimento “Tropical2” e tirar partido das virtualidades desse meio de pagamento, usando-os, para o que foram outorgados contratos de adesão ao sistema de aceitação de serviço de pagamento automático com aluguer de equipamento em nome de BB.

10. Na verdade, servindo-se desses terminais de pagamento, a arguida AA usou-os como meio para se apropriar de valores que estivessem disponíveis nas contas bancárias de clientes que se deslocassem ao bar “Tropical2”, o que lograria após tomar conhecimento do código PIN pessoal e secreto associado aos cartões bancários por estes titulados, utilizado para pagamento da despesa realizada no estabelecimento e também, convencendo os ofendidos que as operações de pagamento não eram concretizadas devido a anomalia/falta ou deficiência da rede ou do cartão, determinando-os a repetirem várias vezes a operação de pagamento no terminal, na errónea convicção que lhe incutia que estavam a efetuar unicamente um pagamento da despesa realizada no local.

11. Convencidos a usar os TPA’s, os clientes confiavam que os valores inseridos correspondiam à despesa realizada, e que apenas esse lhes era exigido, inserindo o PIN pessoal e secreto para dar pagamento àquela.

12. E, quando acediam a repetir a operação ou a que a repetissem em seu lugar, estavam convictos que tal se impunha por alguma anomalia/erro/falta de rede.

13. Em qualquer caso, de acordo com o determinado pela arguida AA o valor a pagar deveria ser inserido no TPA de modo a que não fosse percecionado pelos clientes o que, por regra, era conseguido porque a luminosidade no local era propositadamente ténue, exigindo um grau de atenção que, nessa ocasião, estava mitigado pelo consumo de bebidas alcoólicas e por algum grau de alheamento da realidade proporcionado pela presença insinuante das acompanhantes.

14. Para tirar o máximo proveito dos terminais de pagamento, a arguida AA dava preferência ao pagamento feito pelos clientes através de multibanco, exibindo, logo, um TPA como forma de persuadir os clientes a usarem esse meio de pagamento, o que resultava.

15. A arguida AA estava quase sempre presente no estabelecimento de forma a controlar estes procedimentos.

16. Os TPA’s, supra identificados, eram usados pela arguida AA, pela arguida DD e ainda pelo arguido EE.

17. De acordo com o estabelecido pela arguida AA, deveria ser fixado o PIN pessoal e secreto inserido pelos clientes nos TPA’s por forma a que, posteriormente, iludindo a atenção destes, procedessem à realização de outras operações nos terminais de pagamento e nos ATM, nas imediações do bar, utilizando os cartões dos clientes.

18. Desse modo, realizavam transações que não tinham qualquer correspondência com a realidade e não consentidas pelos clientes, que sofriam os correspondentes prejuízos patrimoniais, já que nas suas contas bancárias eram debitados montantes que não tinham correspondência com gastos realizados nem com transações que tivessem, de alguma forma, consentido naquele estabelecimento.

19. Na sequência destas condutas AA normalmente, não entregava aos clientes qualquer comprovativo da despesa realizada no local nem o talão de pagamento emitido pelo TPA sob a falsa alegação de que havia um erro ou que não havia papel, o que era aceite pelos clientes.

20. Na tentativa de se assenhorearem do máximo valor possível disponível nas contas bancárias dos ofendidos, foram sendo inseridos vários valores aleatoriamente, umas vezes concretizando as operações e outras sendo as operações recusadas por falta de saldo bancário.

21. Conforme resulta infra e com exceção do cartão de GG, todos os cartões bancários eram devolvidos após a sua utilização aos seus titulares/detentores.

22. Os pagamentos efetuados nos terminais em funcionamento no estabelecimento “Tropical2” foram creditados em contas bancárias tituladas pelo arguido BB, movimentadas por AA, e distribuídos em função da participação dos demais arguidos nos factos.

23. Com as situações abaixo discriminadas a arguida AA obteve um beneficio patrimonial ilegítimo de €54.389,45.

24. Com as situações abaixo discriminadas a arguida DD comungou num beneficio patrimonial ilegítimo de 2.747€.

25. Com as situações abaixo discriminadas o arguido EE comungou num beneficio patrimonial ilegítimo de €15.700.

26. Com as situações abaixo discriminadas a arguida FF comungou num beneficio patrimonial ilegítimo de €9800.

Em concretização do exposto, AA, por si ou em conjugação de esforços com DD, EE e FF, adoptou sempre comportamento semelhante no âmbito de cada um dos apensos e nas datas que a seguir se identificam:

NUIPC nº 2372/18.1JAPRT: dia 19.08.2018,

NUIPC 19/19.4PJPRT - Apenso A: dia 30.12.2018,

NUIPC 4/19.0SJPRT – Apenso B: dia 11.12.2018,

NUIPC 1306/18.8JAPRT - Apenso C: dia 10.05.2018,

NUIPC 111/20.6PJPRT - Apenso D: dia 24.01.2020,

NUIPC 309/19.0GFVNG – Apenso E: dia 13.09.2019

NUIPC 6058/19.1JAPRT – Apenso F: dia 22.12.2019,

NUIPC 54/20.3PAVNG – Apenso G: dia 08.01.2020,

NUIPC 72/20.1PJPRT (apensado ao 54/20.3PAVNG – Apenso G): dia 17.01.2020,

NUIPC 5337/19.2JAPRT – Apenso H: dia 15.11.2019

Assim, nas datas acima indicadas, os ofendidos de cada um dos Apensos acima referenciados, deslocaram-se ao bar “Tropical2”, onde efetuaram consumos de valores variáveis, tendo entregue à arguida AA os respectivos cartões de pagamento, associados às contas bancárias de que são titulares nos diversos Bancos, para efetuar o pagamento, só tendo conseguido concretizar o pagamento após várias tentativas.

Na posse de tais cartões, a arguida AA, de forma não apurada, entrava na posse dos cartões, com os quais realizava diversos pagamentos, levantamentos de numerário e transferências bancárias, com recurso aos dados dos cartões referidos.

Na posse dos referidos cartões de pagamento a débito ou a crédito, a arguida AA realizava pagamentos no pagamento de serviços, transferências bancárias, levantamentos em ATM´s, digitando o respetivo código PIN.

A arguida AA atuou sempre com a intenção de obter benefício patrimonial indevido mediante a utilização dos cartões de débito/crédito dos ofendidos, digitando os respetivos códigos PIN, para efetuar levantamentos e transferências em dinheiro, no ATM e pagamentos através dos TPA’s instalados no bar “Tropical2” para contas por si controladas, sabendo que estavam a ser introduzidos dados num sistema informático, sempre sem o conhecimento e a autorização do ofendido, dessa forma, apropriando-se ilegitimamente das quantias bancárias supra descritas, causando ao ofendido o correspondente prejuízo.

Os arguidos AA e EE agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Pelos factos acima descritos, a arguida AA foi condenada nos seguintes termos:

“1.Absolver o arguido BB da prática de em coautoria material, na forma consumada, na prática de cinco crimes de burla informática, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 do Código Penal.

2.Absolver o arguido BB da prática de em coautoria material, na forma consumada, na prática de quatro crimes de burla informática qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal.

3.Absolver o arguido BB da prática de em coautoria material, na forma consumada, na prática de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal.

4.Julgar improcedentes por não provados todos os pedidos cíveis impetrados contra o demandado BB e absolve-lo dos pedidos por todos os demandantes impetrados.

5.Absolver a arguida AA da prática em coautoria material, na forma consumada, da prática de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal.

6.Julgar improcedente por não provado o pedido cível impetrado por HH e consequentemente absolver os demandados AA, DD, II e FF, do pedido cível nestes autos impetrado pelo demandante.

7.Absolver a arguida DD da prática de um crime de um crime de furto simples, p, e p. pelo artigo 203º, do Código Penal, pelo qual estava acusada.

8.Absolver a arguida DD da prática em coautoria material de um crime de burla informática, qualificada, p. e p. pelo artigo pelo artigo, 221º, 1 e 5 a) do Código Penal.

9.Condenar a arguida DD pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao III NUIPC 19/19.4PJPRT - Apenso A, ofendido GG) na pena de prisão de 10 (dez) meses, a qual nos termos do artigo 50º, nº 1 e 5, do Código Penal é suspensa na sua execução por 1 (um) ano.

10.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao III NUIPC 19/19.4PJPRT - Apenso A, ofendido GG) na pena de prisão de 10 (dez) meses.

11.Julga parcialmente procedente por provado o pedido cível nestes autos impetrado pelo demandante GG, e condenar solidariamente as demandadas DD e AA, a pagarem-lhe a título de danos patrimoniais no valor de 2.747€ e não patrimoniais no valor de €300, o que perfaz o valor de três mil e quarenta e sete euro, absolvendo-as do remanescente do pedido.

12.Absolver a arguida AA, da prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, qualificada p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal, respeitante ao II NUIPC nº 2372/18.1JAPRT, onde era ofendido JJ.

13.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao IV- NUIPC 4/19.0SJPRT – Apenso B, referente ao ofendido KK) na pena de prisão de 8 (oito) meses.

14.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de burla informática, qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal, (respeitante ao V- NUIPC 1306/18.8JAPRT - Apenso C onde consta como ofendido LL) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

15.Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível impetrado por LL, e condenar a demandada AA, a pagar ao demandante o valor de 5.000€ (cinco mil) euro, absolvendo os demais demandados DD, II e FF do pedido.

16.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal, (respeitante ao VII NUIPC 309/19.0GFVNG – Apenso E respeita ao ofendido MM) na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

17.Absolver o arguido II, da prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal.

18.Condenar o arguido II, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, (respeitante ao VII NUIPC 309/19.0GFVNG – Apenso E respeita ao ofendido MM) na pena de prisão de 8 (oito) meses.

19.Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível impetrado por MM, e condenar a demandada AA, a pagar ao demandante a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais o valor de 20.568,95€, nos quais e até 1.500€ vai solidariamente condenado II, acrescidos de juros à taxa legal desde esta decisão até integral pagamento, absolvendo-se estes e os demais demandados DD e FF, do demais peticionado.

20.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao VIII- NUIPC 6058/19.1JAPRT – Apenso F, referente ao ofendido NN) na pena de prisão de 1 (um) ano.

21.Condenar o arguido II, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao VIII- NUIPC 6058/19.1JAPRT – Apenso F, respeitante ao ofendido NN) na pena de prisão de 1 (um) ano.

22. Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao IX- NUIPC 54/20.3PAVNG – Apenso G respeitante ao ofendido OO) na pena de 10 (dez) meses de prisão.

23.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao X- NUIPC 72/20.1PJPRT (apensado ao 54/20.3PAVNG) – Apenso G respeitante ao ofendido PP) na pena de prisão de 1 (um) ano.

24.Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível impetrado pelo demandante PP, e condenar a demandada AA a pagar a titulo de danos patrimoniais o valor de 4.600€ acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento, absolvendo os demais demandados do pedido.

25.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao XI-NUIPC 5337/19.2JAPRT – Apenso H respeitante à ofendida QQ) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

26.Condenar o arguido II, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao XI-NUIPC 5337/19.2JAPRT – Apenso H respeitante à ofendida QQ) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

27.Condenar a arguida FF, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao XI-NUIPC 5337/19.2JAPRT – Apenso H respeitante à ofendida QQ) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, a qual nos termos do artigo 50º, nº 1 e 5, do Código Penal é suspensa na sua execução por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

28.Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida AA, nos termos dos artigos 77º, nº1 e 30º, ambos do Código Penal vai esta condenada na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efetiva.

29.Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido II, nos termos dos artigos 77º, nº1 e 30º, ambos do Código Penal vai este condenado na pena única de 2 (dois) anos de prisão a qual nos termos do artigo 50º, nº 1 e 5, do Código Penal é suspensa na sua execução por 2 (dois) anos.

30.Condenar cada um dos arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e nos demais encargos a que a atividade a que deram causa (cf. art.º s 3º, nº1, 8º, nº 9 do RCP e Tabela III do mesmo, 513º, nº 1 e 2 e 514º, nº 1 do CPP), sendo as custas cíveis a cargo dos demandantes e demandados na proporção do decaimento.

D - por acórdão de 25/01/2023, transitado em julgado em 28/09/2023, proferido no âmbito do processo nº 311/19.1PPPRT, do Juiz 15 do Juízo Central Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, entre 04/01/2020 e 23/06/2021, de 32 crimes de burla informática e nas comunicações, 1 crime de burla qualificada e 1 crime de branqueamento, na pena única de 8 anos de prisão efectiva.

D.1 - No âmbito deste processo, a arguida AA cometeu os seguintes factos, que a seguir se enunciam por súmula:

“A arguida AA foi dona e exploradora do bar de restauração e bebidas denominado “Tropical II”, sito na Rua 3, nesta cidade do Porto, desde, pelo menos, o início do mês de Novembro de 2017 até 8 de Julho de 2021, data da sua detenção à ordem deste inquérito.

A arguida AA é companheira do arguido CC e mãe do arguido BB.

O estabelecimento comercial em foco era frequentado, preferencialmente, por clientes do sexo masculino, a grande maioria dos quais oriundos de outras cidades e localidades, em busca de diversão nocturna ligada à presença de acompanhantes ocasionais do sexo feminino que frequentavam aquele local e se dispunham a conviver com esses clientes, a troco, pelo menos, do pagamento do consumo de bebidas alcoólicas e não alcoólicas que ali eram disponibilizadas para seu consumo e consumo em geral e venda ao público.

Os preços das bebidas oscilavam entre 1,00 Euros (café) e os 200,00 Euros (champanhe francês) – cfr. fls. 136 do Apenso D.

O estabelecimento “Tropical II” tinha associado, desde 3/11/2017, um terminal de pagamento nº .....78 contratado por RR adstricto à conta bancária com o NIB ...................45 do Santander Totta titulada igualmente por BB – cópia do contrato de adesão a fls. 27 a 33 do Anexo II.

No mesmo estabelecimento comercial existia um outro terminal de pagamento com o nº .....14 contratado por SS adstricto à conta bancária nº.........77 do Millennium BCP igualmente titulada por BB.

De acordo com o contrato de adesão ao sistema de Aceitação de serviço de Pagamento Automático com aluguer de equipamento - cuja cópia consta de fls. 28 e segs. da documentação bancária do Anexo II – subscrito, em 3 de Novembro de 2017, por BB, foi contratado um TPA móvel para o estabelecimento “Tropical II”, com morada na Rua 4, Porto, com horário de funcionamento das 15.00 às 02.00 horas, supostamente em nome de BB.

Segundo esse contrato – e como houve subscrição de Contrato de adesão ao sistema REDUNICRE de aceitação de pagamentos com cartões (cuja cópia consta de fls. 31 a 33 da documentação bancária do Anexo II) – o terminal instalado aceitava todos os cartões de pagamento válidos na rede Multibanco bem como os das marcas por aquela representadas, nomeadamente, VISA, MASTER CARD e EUROPAY.

Conforme condições do serviço de pagamento automático (TPA/POS), através de tal serviço, o banco disponibiliza ao seu cliente – isto é, o contratante – no caso, o BB – “…através de um Terminal de Pagamento Automático (TPA), a realização de transferências electrónicas de fundos, em ambientes comerciais, como meio alternativo de pagamento de dinheiro ou cheque. Associado a este serviço o Banco pode igualmente disponibilizar outras funcionalidades no TPA.”

“Para o efeito, o cliente disporá de um equipamento ligado à rede Multibanco….”.

E, para além disso, “…o cliente contratará directamente ou através do Banco a utilização de um circuito de comunicações que permita a ligação do equipamento a instalar.” - ou seja, a instalação de linha telefónica necessária à transmissão dos dados das operações.

Sendo que “…todos os movimentos correspondentes às ordens recebidas e emanadas do TPA serão efectuadas na conta de depósitos à ordem ….” e que, no caso, foi acima identificada, ou seja, com o NIB ...................45 do Santander Totta titulada por BB.

De acordo com a descrição do modo de funcionamento desse tipo de operação – “Introduzido pelo cliente no TPA o montante a pagar pelo titular de um cartão com acesso à rede Multibanco e realizada por este a operação de introdução do seu número pessoal de identificação (PIN do titular do cartão), a operação processar-se-á por débito da conta bancária a que o cartão respeita e ordem de crédito da conta à ordem do cliente acima indicado “ – no caso – o BB – cfr. fls. 28 e segs. da documentação bancária do Anexo II.

Servindo-se desses terminais de pagamento, a arguida AA quis usá-lo como meio de se assenhorear de valores que estivessem disponíveis nas contas bancárias dos clientes que se deslocassem ao bar ”Tropical II”, o que lograria após tomar conhecimento do PIN pessoal e secreto desses clientes facultado para pagamento da despesa realizada no estabelecimento e também por via do convencimento desses ofendidos que as operações de pagamento não eram concretizadas por via de anomalia/falta/deficiência da rede ou do cartão, determinando-os a repetirem inúmeras vezes a operação de pagamento no terminal na errónea e ardilosa convicção que lhes incutiam que estavam a efectuar unicamente um pagamento da despesa realizada no local.

Para tirar o máximo proveito desse terminal de pagamento, a arguida AA decidiu em como seria recusado o pagamento, a dinheiro, da despesa efectuada, que esses clientes queriam, a maior parte das vezes, realizar, transmitindo, firmemente, que só seriam aceites pagamentos através de multibanco, exibindo, logo, o TPA como forma de os persuadir a usarem esse meio de pagamento, o que era conseguido.

Era a arguida AA que firmemente dissuadia os clientes de pagarem com dinheiro e os levava a efectuar o pagamento através de um dos terminais de pagamento em funcionamento no bar.

Para o efeito, era afirmado que o “patrão” não autorizava o pagamento a dinheiro, outras vezes que as regras do estabelecimento não permitiam o pagamento a dinheiro – invocação reforçada em tempo de pandemia por SARS-COV-2 e da doença COVID-19 com base em suposta regra de controle - apenas através de multibanco, o que acabava por ser aceite pelos clientes.

A maior parte das vezes, o TPA era usado pela arguida AA; quando não era esta a manipulá-lo, eram as próprias acompanhantes casuais desses clientes ou, até, numa única ocasião, um funcionário do bar que introduziam os dados e realizavam as operações.

Em qualquer das situações deveria ser fixado o PIN pessoal e secreto inserido pelos clientes no TPA, ou mesmo fornecido por estes, por forma a que, posteriormente, iludindo a atenção destes, procedessem à realização de outras operações naquele terminal de pagamento, simulando transações que não tinham qualquer correspondência com a realidade e não consentidas pelos clientes, que sofriam, por via disso, prejuízos patrimoniais, já que as suas contas bancárias eram debitadas de montantes que não tinham correspondência com gastos realizados nem com transações que tivessem, de alguma forma, consentido naquele estabelecimento.

Outras vezes, após a confirmação do valor e inserção do PIN pessoal e secreto pelos clientes no TPA, deveria ser simulado que havia uma anomalia na operação ou que não havia rede ou a rede era deficiente ou que, de algum modo, teria ocorrido um erro na efectivação da operação, por forma a convencer os clientes que o pagamento não se concretizara e se tornava necessário repetir a operação - a confirmação do valor e inserção do PIN pessoal e secreto pelos clientes no TPA.

A maior parte das vezes, a suposta necessidade de repetição era transmitida várias e, até, inúmeras vezes, o que os clientes tinham por verdadeira anomalia/erro/deficiência/falta de rede e acediam a repetir a operação as vezes que se revelassem necessárias até lhes ser dito que a operação se realizara com êxito ou, então, que lhes devolvessem o cartão multibanco o que era visto como execução bem sucedida da operação.

Convencidos a usar o TPA, os clientes confiavam que os valores inseridos correspondiam à despesa realizada, e que apenas esse lhes era exigido, inserindo o PIN pessoal e secreto para dar pagamento àquela, não assentindo a que fosse realizada qualquer outra operação de débito.

E quando acediam a repetir a operação ou a que repetissem em seu lugar, estavam convictos que tal se impunha por alguma anomalia/erro/deficiência/falta de rede o que pode, de facto, suceder neste tipo de transacções.

Em qualquer caso, de acordo com o determinado pela arguida AA, e que era seguido pela arguida quando era a própria a executar as operações com o TPA – e que impunha que os demais seguissem – acompanhantes do sexo feminino e funcionário – o valor a pagar deveria ser inserido no TPA de modo a que não fosse percepcionado pelos clientes o que, por regra, era conseguido porque a luminosidade no local era propositadamente ténue, exigindo um grau de atenção que, nessa ocasião, estava mitigado pelo consumo de bebidas alcoólicas e por algum grau de alheamento da realidade proporcionado pela presença insinuante das acompanhantes.

Ainda na execução desse plano, não era entregue, por norma, aos clientes qualquer comprovativo da despesa realizada no local nem o talão de pagamento normalmente emitido pelo TPA sob – falsa alegação – que havia um erro, nesse particular, ou que não havia papel, o que era aceite pelos clientes.

Na ânsia de se locupletarem com o máximo valor possível que pudesse existir nas contas bancárias dos clientes, aqui ofendidos, na execução dos seus intentos, em sucessivas repetições da suposta operação de pagamento, com segundos de intervalo, digitavam montantes significativos – que a seguir serão elencados em cada caso concreto – com a ilícita e gananciosa expectativa de que tais operações se concretizassem com êxito.

Com efeito, nessa busca desmedida de se assenhorearem do máximo valor possível, nas repetições da suposta operação de pagamento que realizavam, sem que os visados disso se apercebessem, inseriam valores variados que pudessem corresponder ao eventual saldo bancário disponível nas contas dos ofendidos, umas vezes concretizando essas operações, outras vezes vendo essas operações ser recusadas (por falta de saldo bancário).

A partir, pelo menos, do final do ano de 2019, início do ano de 2020 – como resulta do que melhor se descreverá infra – a arguida AA ao invés de aguardar a visita espontânea de clientes ao seu estabelecimento “Tropical II”, agindo, após, como descrito, decidiu passar a atraí-los ao local, usando, para o efeito, as arguidas TT e UU, esta pelo menos uma vez, ou pessoa de sexo feminino não concretamente identificada, que criando falsos perfis, sob o nome de “VV”, “WW”, “XX”, “AAA”, “ZZ”, “AAA”, “BBB”, “CCC” e “DDD”, se inscreviam em sites de internet, como o BADOO, FACEBOOK, INSTAGRAM e o TINDER e, após, aliciavam as vítimas para consigo se relacionarem, insinuando-se e colocando em perspectiva a possibilidade de se relacionarem sexualmente, marcavam dia e hora para se encontrarem com os visados, sempre em locais próximos ou facilmente acessíveis àquele estabelecimento, por norma, na Praça 5, nas imediações do Teatro S. João, nesta cidade do Porto.

Numa significativa parte dos casos, era a arguida AA quem selecionava as vítimas – em função da sua disponibilidade económica – o que sondava nos contactos que ia realizando com as mesmas através das citadas redes sociais.

De acordo com o previamente acordado, concretizado o encontro presencial, as arguidas TT e UU, esta pelo menos por uma vez, ou pessoa do sexo feminino não concretamente identificada, sugeriam aos visados fossem tomar uma bebida ao bar “Tropical “, obtendo a anuência daqueles que, assim, se deixavam levar até àquele local.

E, por ocasião do pagamento da despesa realizada, eram levados a efectuá-lo mediante cartão multibanco, nos moldes acima referidos e melhor concretizados infra.

Após, os visados eram conduzidos para o exterior do estabelecimento pelas arguidas TT e UU, pelo menos por uma vez, ou pessoa do sexo feminino não concretamente identificada, que, a pretexto de irem buscar o veículo automóvel, para nele se fazerem transportar e levarem os visados, acabavam por desparecer, não mais dando notícias.

Outras vezes, eram conduzidos para o exterior, marcando um novo encontro para mais tarde, nesse dia, ao qual aquelas não compareciam.

Só nessa ocasião, frustrado o almejado encontro, é que os visados ficavam desconfiados, consultando o extracto bancário, verificando, que haviam sido enganados.

Como se verá do que se descreverá infra, mesmo em tempo de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-COV-2 e da doença COVID-19, contrariando as determinações das autoridades, a arguida AA decidiu manter aberto e em funcionamento, o bar “Tropical II” para poder retirar da sua exploração – máxime – da exploração ilícita dos TPA’s – ilegítimos proventos económicos.

Com efeito, como conluiada com a arguida TT a AA, sabedora das datas e momentos em que estas acorreriam ao bar acompanhadas dos potenciais clientes interpelados através das redes sociais, em especial, a BADOO, ia busca-las a casa, transportava-as até às imediações da Rua 6 tendo em vista a realização do encontro presencial com os ofendidos e, após, ficava discretamente a controlar a sua aproximação, junto à porta do bar para lhes franquear a entrada, para viabilizar os consumos e inerente cobrança ilegítima através da rede Multibanco – o que era realizado de forma discreta por forma a que os ofendidos não se apercebessem que já eram previamente aguardados e, em tempo de pandemia, para iludir as restrições impostas, evitando o controlo das autoridades policiais .

Consumados os factos, a arguida AA levantava, em caixa ATM ou junto de instituição bancária, dinheiro para remunerar aquela, pelos serviços prestados, levando-a de volta a casa.

Os arguidos agiram sempre concertadamente e em conjugada comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.

*

Os montantes resultantes do cometimento dos factos descritos e que eram creditados nas contas bancárias associadas aos TPA’s:

- nº .....78 contratado por RR adstricto à conta bancária com o NIB ...................45 do Santander Totta titulada igualmente por BB;

- nº .....14 contratado por SS adstricto à conta bancária nº.........77 do Millennium BCP igualmente titulada por BB, Eram posteriormente levantados (em parte) – em numerário - e movimentados e/ou transferidos para outras contas bancárias.

Assim:

Finda a execução dos actos – como descrito - a AA, deslocava-se junto de terminais multibanco ou mesmo junto da sua instituição bancária por forma a fazer a retirada do valor sacado à vítima creditado na conta associada ao TPA, depositando, em seguida, em numerário em contas terceiras por si tituladas ou pelos seus familiares BB e CC.

Por essa via ou através de transferência bancária, esses valores eram posteriormente movimentados para outras contas bancárias – como se verá igualmente infra – na execução do propósito delineado pela arguida AA de fazer circular pelo sistema bancário e financeiro os valores resultantes das quantias monetárias obtidas de modo fraudulento, fazendo erroneamente crer a terceiros que as mesmas provinham de rendimentos lícitos por si obtidos – desde logo por força da lícita exploração do estabelecimento comercial – assim logrando disfarçar a sua verdadeira origem.

Deste modo, ao longo do período a que respeitam os factos – de Março de 2019 até Junho de 2021 a arguida AA após se locupletar com os valores creditados nas duas contas bancárias associadas aos TPA’s, ordenava igualmente a transferência de quantias dessas contas para outras contas pessoais por si tituladas bem como para contas tituladas por SS e CC e ainda para outras por si controladas.

Ao longo desse período temporal, a arguida AA locupletou-se com a quantia de 253.102,00 Euros (duzentos e cinquenta e três mil cento e dois euros) – que corresponde ao valor global dos montantes retirados aos ofendidos infra identificados - a qual fez circular pelas suas contas e as de BB e arguido CC.

Acresce referir que entre Março de 2019 e Junho de 2021, foram registados movimentos realizados nos TPA’s no valor global de 171.588,00 Euros com origem não concretamente determinada.

O arguido CC e BB, conhecedores da proveniência dos montantes que eram creditados nas suas contas bancárias, ou seja, que eram o resultado de esquema fraudulento e ardiloso praticado pela arguida AA na exploração do bar “Tropical II”, aceitaram que fossem movimentados para as suas contas como meio de ocultar e dissimular a origem e proveniência desses proventos ilícitos.

O esquema fraudulento passava, pois, pelas burlas informáticas através dos TPA’s supra descritos associados às duas contas bancárias tituladas pelo arguido BB, também supra identificadas e, subsequentemente, pela realização de operações de transferência bancária, movimentando em montantes parcelares as vantagens criminosas previamente obtidas para as contas por si tituladas e por contas tituladas pela sua mãe, AA e pelo seu padrasto, CC.

Estes movimentos oriundos das contas do BB, podem ser aferidos no relatório de análise de fluxos financeiros – Anexo XXXII – dos quais se retira como padrão que ocorreram seguidamente à execução da burla.

Os valores eram movimentados para outras contas por si (BB) tituladas ou co-tituladas como as:

- ... do Santander Totta (adstricta ao TPA nº .....78);

- ... do Millennium BCP (adstricta ao TPA ..14);

- ... do Millennium BCP;

- ... do Montepio Geral;

- ... do Montepio Geral;

Por atenção a estes movimentos, retira-se que ora procedem ao levantamento de numerário, ora rateiam o dinheiro pelas contas bancárias do núcleo familiar, nomeadamente a conta titulada ou co-titulada pelo CC, concretamente a conta bancária com o número:

- ... do Montepio Geral;

E as tituladas ou co-tituladas pela AA com os números:

- ... do Montepio Geral;

- ... do Santander Totta;

Para além das supra identificadas contas, ditas usuais, os arguidos também se socorreram de outras, embora de forma episódica, tituladas por terceiros, conforme relatório de análise de fluxos financeiros – Anexo XXXII.

Os arguidos AA, BB e CC ao disporem das referidas quantias monetárias, obtidas de modo fraudulento mediante ilícitos criminais – que se descreverão infra - de burla informática - que prejudicaram patrimonialmente inúmeros ofendidos, fazendo erroneamente crer a terceiros que as mesmas provinham de rendimentos licitamente por si obtidos, lograram disfarçar a sua verdadeira origem e garantir a transferência para as suas contas pessoais.

Agiram com o propósito concretizado de converter no sistema bancário os rendimentos pecuniários obtidos com tais condutas integradoras dos crimes de burla informática em lícitos montantes depositados em contas bancárias por si utilizadas e movimentadas – como se descreverá casuisticamente infra - dissimulando perante terceiros, designadamente funcionários bancários e órgãos de polícia criminal em caso de investigação criminal, a origem ilícita do dinheiro e por isso legitimando a sua movimentação no normal circuito económico-financeiro, contaminando-o com fundos provenientes de actividade ilícita, o que quiseram e lograram.

Agiram de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

*

Em cada um dos Apensos do processo, a arguida AA e os demais arguidos agiram conforme acima genericamente se descreve.

D.2 - Pelos factos acima descritos, a arguida AA foi condenada nos seguintes termos:

Nº Processo Crime Pena

2 10/20.1SJPRT – Apenso A artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

3 74/20.8PJPRT – Apenso E artº 221º nº 1 do Código Penal.. 1 ano e 6 meses de prisão

4 192/20.2SYLSB – Apenso C artº 221º nº 1 do Código Penal.. 2 anos de prisão

5 190/20.6SJPRT – Apenso B artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

6 371/20.2PBMTS e

179/20.5PHVNG – Ap. D artº 221º. nº 1 e 5, al. b) do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

7 654/20.1PJPRT – Apenso H artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

8 500/20.6GAMCN – Apenso F artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

9 806/20.4PJPRT – Apenso AB artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

10 Após convolação, 488/20.3PABCL – Ap. I. artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 3 anos de prisão

11 842/20.0PJPRT – Apenso G artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

12 1070/20.0SFLSB – Apenso N artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

13 1453/20.6PBBRG – Apenso J artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

14 909/20.5PJPRT – Apenso P artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

15 950/20.8PJPRT – Apenso M artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

16 713/20.0SJPRT – Apenso Z artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

17 683/20.5SLPRT – Apenso K artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

19 NUIPC 96/21.1JAPRT – Ap. R artº 221º. nº 1 e 5, al. b) do Código Penal. 3 anos e 6 meses de prisão

20 72/21.4PJPRT – Apenso AC artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

21 93/21.7PJPRT - Apenso S artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

22 31/21.7GBCLD – Apenso Q artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

23 8155/21.4T9PRT – Apenso AG artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

25 40/21.6GAVRS – Apenso V artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

26 117/21.8PEOER – Apenso X artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

27 4018/21.1T9PRT artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

28 161/21.5PSPRT – Apenso U artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

29 4666/21.0T9PRT – Apenso W artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

30 288/21.3PJPRT – Apenso AA artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

31 348/21.0PJPRT – Apenso AD artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

32 1936/21.0JAPRT – Apenso Y artº 221º. nº 1 e 5, al. b) do Código Penal. 3 anos e 6 meses de prisão

Artº 217º nº1 e 218º nº1 al.a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

33 1180/21.7JABRG – Apenso AH artº 221º. nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

34 524/21.6PBAVR – Apenso AK artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

35 179/21.8PATNV – Apenso AI artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

36 Artº368-A, nº1 e nº3 do Código Penal. 3 anos de prisão

D.3. - A arguida foi absolvida dos restantes crimes pelos quais vinha acusada.

D.4 - A arguida AA foi condenada, nos termos do disposto no art.77º nº2 Código Penal, na pena unitária de 8 (oito) anos de prisão.

D.5 - Por despacho de 20.02.2023 foi proferido despacho que procedeu à correcção do acórdão proferido pela 1.ª Instância, em que aditou ao segmento decisório, o seguinte:

“AD(a)) Mais se condenam os arguidos AA, BB, CC TT e UU na medida das contrapartidas obtidas nas vantagens dos crimes, a pagar ao Estado os valores de: €238.558,00, €232.558,00, €53.500,00, €87.514,00 e €7.950,00 respectivamente, que corresponde à vantagem por estes obtida com a prática dos factos ilícitos típicos, nos termos do artigo 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, sem prejuízo dos direitos dos ofendidos.”

D.6 - Por acórdão proferido em 13.09.2023, transitado em julgado, foi decidido o seguinte:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:

1. Ao abrigo do disposto no artigo 380º nºs 1, b) e 2 do Código de Processo Penal, ordenar a correção dos já supra assinalados erros/lapsos constantes do acórdão recorrido, do seguinte modo:

a) A fls. 23 e 335, onde se lê “quantia de 253.102,00 Euros (duzentos e cinquenta e três mil cento e dois euros)” deverá ler-se “quantia de 171.558,00 Euros (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros)”;

b) A fls 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€238.558,00” deverá ler-se “€171.558,00”;

c) A fls. 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€232.558,00” deverá ler-se “€171.558,00”, devendo, oportunamente, a primeira instância anotar tais correções nos locais próprios.

2. Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos BB e CC e, em consequência, com a ressalva do já decidido em 1., confirmar o acórdão recorrido no que a tais recorrentes/arguidos respeita.

2.1. Por terem decaído totalmente nos recursos que interpuseram, os arguidos referidos em 2. suportarão as custas do respetivo recurso, fixando-se em 4 (quatro) UC´s a taxa de justiça para o recorrente BB e em 3 (três) UCs a taxa de justiça para o recorrente CC (taxas de justiça essas cuja diferença decorre do maior número de questões colocadas por aquele primeiro - arts. 513º nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento), sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao arguido CC (cfr. Refª citius ......68) e sem prejuízo do que vier a ser decidido quanto ao pedido de apoio judiciário já requerido pelo arguido BB (cfr. Refª citius ......58).

3. Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, manter o acórdão recorrido na parte que este recorrente pretendia ver alterada.

3.1. Sem custas para o recorrente Ministério Público, por delas estar isento (artigo 522º do Código de Processo Penal).

4. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, revogando decisão recorrida, no que à pena parcelar respeitante ao Caso VI (NUIPC 371/20.2PBMTS e NUIPC 179/20.5PHVNG – Apenso D) e pena única diz respeito, decidir:

a) Pela prática, por referência ao Caso VI (NUIPC 371/20.2PBMTS e NUIPC 179/20.5PHVNG - Apenso D, ofendido EEE) de um crime de burla informática, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 221º, n°s 1 e 5, al. b) e 6, 206º nº 2 e 73º nº 1 als. a) e b), todos do Código Penal, condenar esta arguida na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (em vez da pena de 3 anos e 6 meses de prisão que lhe havia sido aplicada por referência a esse Caso VI);

b) Em cúmulo jurídico da pena mencionada na antecedente alínea a) com as demais penas parcelares que haviam sido fixadas pela 1ª instância, condenar esta arguida AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

4.1. No mais, com a ressalva do já decidido em 1., confirmar o acórdão recorrido no que a esta recorrente/arguida respeita.

4.2. Sem custas, do presente recurso (artigo 513º nº 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).

5. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida TT e, revogando decisão recorrida, no que à pena única diz respeito, condenar esta arguida TT na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual se suspende por igual período de tempo com sujeição da mesma a regime de prova, obedecendo a um plano individual de readaptação social a elaborar pelos serviços de reinserção social.

5.1. No mais, confirmar o acórdão recorrido no que a esta recorrente/arguida respeita.

5.2. Sem custas, do presente recurso (artigo 513º nº 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).

D.7 - Por despacho de 18.12.2023, proferido no processo 311/19.1PPPRT, procedeu-se à correcção do acórdão proferido em primeira instância, nos seguintes termos:

Vi o douto acórdão da Relação do Porto, e em obediência determina-se:

A correcção do acórdão proferido nos autos do seguinte modo:

a) A fls. 23 e 335, onde se lê “quantia de 253.102,00 Euros (duzentos e cinquenta e três mil cento e dois euros)” deverá passar a figurar a “quantia de 171.558,00 Euros (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros)”;

b) A fls 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€238.558,00” deverá passar a figurar “€171.558,00”;

c) A fls. 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8.Decisão”), onde se lê “€232.558,00” deverá passar a figurar “€171.558,00”.

Lance cota da sobredita correcção, que deverá constar sempre que o acórdão for notificado.

E - por sentença de 22/05/2023, transitada em julgado em 26/06/2023, proferida no âmbito do processo nº 4835/19.2T9PRT, do Juiz 6 do Juízo Local Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 26/10/2016, de 1 crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão efectiva.

Neste processo resultaram provados os seguintes factos:

1. A ofendida EDP Distribuição – Energia, S.A. tem como actividade comercial a aquisição, transporte e distribuição de energia eléctrica, sendo que tais actividades são exercidas em regime de concessão de serviço público, revestindo por isso natureza de utilidade pública.

2.º A Ofendida é titular de licença vinculada de distribuição de energia eléctrica de alta e média tensão e concessionária da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município do Porto.

3.º No âmbito de tal actividade, a sociedade EDP Comercial, S.A., do mesmo grupo EDP, que tem por objecto comercial a compra e venda de energia, sob a forma de electricidade e outras, e ainda o exercício das actividades e a prestação de serviços afins e complementares daquelas, celebrou, no dia 26 de Agosto de 2011, com FFF, um contrato de fornecimento de energia eléctrica para o imóvel sito na Rua 7, propriedade daquela, sendo o local de consumo identificado com o número n.º .....10.

4.º Sucede, porém, que tal imóvel, que está identificado para a ofendida como local de consumo com o número n.º .....10, onde funcionava um estabelecimento de restauração e bebidas, encontrava-se, desde pelo menos 28/10/2016, cedido à arguida AA, a qual explorava o estabelecimento denominado “Tropical 2”, sendo aquela a responsável pelo pagamento da electricidade do estabelecimento.

5.º Tal acordo de Concessão de Exploração apenas foi reduzido a escrito em 04 de Abril de 2017, figurando como outorgante o seu então companheiro, CC.

6.º Entretanto, atenta a falta de pagamento do consumo de energia eléctrica daquele estabelecimento, a ofendida veio a cessar, em 28 de Outubro de 2016, o contrato que havia sido celebrado em nome de FFF e, consequentemente, suspendeu o fornecimento de energia eléctrica para aquele local de consumo.

7.º Contudo, e apesar da suspensão do fornecimento de energia eléctrica para aquele estabelecimento, a arguida, desde logo, elaborou um plano para se apoderar, sem o conhecimento ou consentimento da ofendida, de energia eléctrica para o aludido estabelecimento de restauração e bebidas, por si explorado.

8.º Para o efeito, em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre 29 de Outubro de 2016 e 03 de Outubro de 2018, a arguida, ou alguém a seu pedido e no seu interesse, abeirou-se da “caixa coluna”, ou seja, no ponto de rede que serve de fronteira entre a instalação pública e a instalação particular, e ligou os fios eléctricos, repondo o circuito de energia eléctrica para o estabelecimento que explorava.

9.º Com tal conduta, logrou a arguida que aquele estabelecimento fosse fornecido, até ao dia 03/10/2018, com energia eléctrica da rede de electricidade pública, pertencente à sociedade ofendida.

10.º Tal fornecimento apenas cessou no dia 03/10/2018, ou seja, quando o funcionário, sob as ordens da sociedade ofendida, se deslocou ao local e procedeu a novo corte do fornecimento de energia eléctrica.

11.º Assim, entre o período de 29/10/2016 e 03/10/2018, a arguida logrou apoderar-se de energia eléctrica, pertencente à sociedade ofendida, num valor que ascende à quantia de € 1.806,65 (mil oitocentos e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), ao que acresce os encargos de potência, no valor de €114,28, e encargos Administrativos, no valor de €72,10, causando, com tal conduta, um prejuízo à ofendida desse valor.

12.º A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção, aliás conseguida, de fazer sua a energia eléctrica da rede pública durante o aludido período de tempo, da qual se apoderou, bem sabendo que não tinha autorização da sua legítima proprietária para o efeito, que a electricidade não lhe pertencia, e que não estava autorizada a subtraí-la e a gozar da mesma, agindo contra a vontade da sociedade ofendida, o que quis e logrou concretizar.

13.º A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punível por Lei Penal.

*

Relativamente às condições sócio económicas da arguida, provou-se que:

Após o falecimento dos pais, pelos 13 anos de idade, AA permaneceu aos cuidados dos avós maternos, residentes na Afurada, Vila Nova de Gaia.

A condenada tem duas irmãs mais velhas, com quem reestabeleceu contato recentemente.

AA concluiu o 6.º ano de escolaridade, tendo abandonado os estudos por volta dos 16 anos de idade, retirando-se da casa dos avós.

Recorreu ao apoio de amigas em casa das quais vivia por temporadas.

Iniciou percurso laboral na área da restauração, passando a trabalhar em bares de alterne na zona do Porto, onde se mantinha antes da reclusão.

No contexto do exercício dessa atividade, envolveu-se afetivamente com dois clientes, vindo a ter dois descendentes fruto daqueles relacionamentos.

Posteriormente, teve mais dois filhos de relacionamentos diferentes, atualmente, ainda menores.

AA encontra-se presa no Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo desde 09/07/2021, encontrando-se, atualmente, à ordem do Processo n.º 311/19.1PPPRT, onde cumpre 8 anos de prisão pela prática do crime de burla, burla informática e branqueamento de capitais.

Institucionalmente, tem apresentado uma conduta ajustada e de normal cumprimento das normas, com ocupação laboral e investimento na vertente escolar.

A ligação da arguida ao exterior tem sido mantida pelos contactos com as irmãs e os filhos.

Relativamente à sua trajetória criminal, a condenada apresenta crítica face aos comportamentos adoptados, aportando os mesmos à avidez por si evidenciada, afirmando capacidade de reflexão sobre os danos provocados a terceiros.

No contexto do exercício de atividades ligadas a casas de diversão noturna, veio a ser mãe, com o estabelecimento de relacionamentos com parceiros diferentes e cujas relações foram inconsistentes e pouco securizantes do ponto de vista afetivo e material.

*

Mais se provou que:

A arguida cumpriu pena de prisão à ordem do processo 2372/18.1JAPRT entre 09/07/2021 e 8/07/2023, estando presentemente por cumprir o remanescente de 2 anos de prisão.

A arguida cumpriu pena de prisão à ordem do processo 4835/19.2T9PRT entre 08/07/2023 e 08/02/2024.

A arguida encontra-se actualmente em cumprimento de pena à ordem do processo 311/19.1PPPRT, ao qual foi ligada em 08/02/2024.

A arguida encontra-se a efectuar o pagamento mensal de cerca de € 20 para pagamento das indemnizações a que foi condenada nos processos aqui cumulados.

Em 28 de Março de 2024, a arguida assinou contrato promessa de contrato de trabalho com a empresa “Inevitável e Genial, Lda.”, em que esta se compromete a admitir a arguida como sua trabalhadora, quando sair em liberdade, para desempenhar as funções inerentes à actividade profissional de Empregada de Limpeza e a arguida se compromete a realizar tal trabalho.»

Impõe-se apreciar os fundamentos do recurso da arguida.

9. Mérito do recurso

O âmbito dos poderes de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21-02).

10. Da motivação e das conclusões do recurso interposto pela arguida AA, podemos inferir que a mesma pretende sindicar o acórdão recorrido, relativamente às seguintes questões:

i. Nulidade por erro de fundamentação quanto ao valor ilicitamente obtido e mencionada no proc. 311/19.1PPPRT (que se cifra em € 171.558,00) – Conclusões 1.ª a 7.ª;

ii. Vício de contradição entre a fundamentação e a decisão, ex vi artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP – Conclusão 8.ª;

iii. Medida da pena única (aplicada ao cúmulo das penas parcelares dos crimes pelos quais foi condenada) – Conclusões 9.ª a 47.ª

Apreciemos.

11.

i. Nulidade por erro de fundamentação quanto ao valor ilicitamente obtido e mencionada no proc. 311/19.1PPPRT (que se cifra em € 171.558,00)

Se bem alcançamos o núcleo deste segmento da fundamentação do recurso da arguida, parece a mesma sugerir que o tribunal recorrido errou ao considerar não relevante para a decisão da ponderação da pena única não apenas o valor, corrigido, de € 171.558,00 – que está em causa, de acordo com a retificação operada pelo TRP no quadro do acórdão proferido em recurso no processo n.º 311/19.1PPPRT, enquanto expressão total dos valores ilicitamente obtidos pela arguida e demais arguidos no âmbito dos factos apreciados nesse processo n.º 311/19.1PPPRT, o que implicou a redução da pena única aplicada no mesmo de 8 anos e 6 meses para 8 anos – mas o dobro de tal valor, o que gera a nulidade, consubstanciada em erro de fundamentação, resultante da violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido pronuncia-se pela improcedência da arguição de tal nulidade.

O Senhor Procurador-geral-adjunto junto deste STJ, a este propósito, refere, com inteira pertinência, o seguinte:

«A recorrente insurge-se contra o acórdão por este ter, a dado passo (e na sequência da correção/redução do montante ilicitamente auferido pela arguida, conforme decidido no anterior acórdão deste STJ) referido o seguinte:

«[…] diga-se, também, que a arguida obteve um ganho de € 171.558,00, tendo sido condenada, a título de perda de vantagens, a pagar essa quantia ao Estado, mas a que não é alheio o facto de o seu filho BB ter sido condenado a pagar outros € 171.558,00, bem como o seu companheiro CC nas quantias de €53.500,00, €87.514,00 e €7.950,00, por terem sido condenados no âmbito do mesmo esquema, no mesmo processo.»

E discorda a recorrente disto por o valor global dos montantes ilicitamente apropriados pelos arguidos no âmbito do Processo n.º 311/19.1PPPRT se cifrar em € 171.558,00 e não no dobro desse montante, como parece resultar daquela frase.

E, na verdade, a frase, da forma como está escrita, pode levar àquele entendimento.

No entanto, não se pode olvidar que no acórdão, logo em seguida, se refere que tal montante corresponde ao valor pelo qual, solidariamente, os arguidos foram condenados.»

Na verdade, o teor do acórdão no referido trecho pode inculcar uma errónea ideia de o valor total a atender ser o “dobro” de € 171.558,00, mas trata-se de uma forma inadequada de expor tal entendimento, uma vez que o tribunal a quo corrigiu o erro sobre o valor da quantia ilicitamente obtida no processo 311/19.1PPPRT, em que tinha incorrido no anterior acórdão (de 11-11-2024), sob o ponto da fundamentação de facto da factualidade provada e relevante, cujo pertinente teor ora se relembra:

«D.6 - Por acórdão proferido em 13.09.2023, transitado em julgado, foi decidido o seguinte:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:

1. Ao abrigo do disposto no artigo 380º nºs 1, b) e 2 do Código de Processo Penal, ordenar a correção dos já supra assinalados erros/lapsos constantes do acórdão recorrido, do seguinte modo:

a) A fls. 23 e 335, onde se lê “quantia de 253.102,00 Euros (duzentos e cinquenta e três mil cento e dois euros)” deverá ler-se “quantia de 171.558,00 Euros (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros)”;

b) A fls 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€238.558,00” deverá ler-se “€171.558,00”;

c) A fls. 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€232.558,00” deverá ler-se “€171.558,00”, devendo, oportunamente, a primeira instância anotar tais correções nos locais próprios.

(…)».

Tal valor, assim corrigido no processo a que o mesmo respeita, e não atendido no anterior acórdão do tribunal recorrido, evidencia que não há qualquer dúvida em que no acórdão agora sob escrutínio apenas está – apenas pode estar – em causa o valor de € 171.558,00 Euros (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros), cuja anterior correção não foi transposta para o anterior acórdão (de 11-11-2024), respeitante ao processo 311/19.1PPPRT, cujas penas parcelares ali aplicadas integram o cúmulo jurídico em causa nos presentes autos, cuja decisão é o objeto do presente recurso.

É evidente que não podem ser, todavia, desconsideradas as quantias respeitantes aos demais processos cujas penas parcelares integram o cúmulo jurídico neste reformulado, ou seja, os valores € 1.806,65 (respeitante ao processo 4835/19.2P9PRT) e € 54.389,45 (respeitante ao processo 2372/18.1JAPRT), o que resulta num valor total, de € 227.754,10, ao qual o tribunal a quo não poderia deixar de atender para a apreciação da ilicitude global dos factos.

Impõe-se, pois, reconhecer que o valor de € 171.558,00 corresponde, inequivocamente, a um valor em cuja perda a arguida e os demais arguidos no processo 311/19.1PPPRT foram solidariamente condenados, e não em qualquer outra importância cumulada.

O dever imposto pelo art. 205.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, é densificado, em matéria penal, pelo art. 71.º, n.º 3, do CP, ao dispor que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena; o art. 97.º, n.º 4, do CPP estabelece, por seu turno, que os atos decisórios – acórdãos, sentenças e despachos – devem ser fundamentados, através da especificação dos respetivos motivos de facto e direito, e o art. 375.º, n.º 1, do CPP preceitua que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social; por fim, os artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), ainda do CPP, determinam que a sentença não fundamentada, nomeadamente a sentença que não contenha os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, é nula.

São propósitos deste dever de fundamentação as finalidades de legitimação – o tribunal deve justificar a sua decisão em moldes que se reconheça o dever de obediência às normas aplicáveis, de acordo com critérios de conformidade constitucional e de legalidade – e de possibilidade de escrutínio – permitindo aos destinatários sindicar a decisão impugnando-a, nos termos admitidos por lei.

No tocante a decisões ou segmentos de decisões cumulatórias, é consensualmente aceite, face ao disposto no art. 77.º, n.º 1, parte final, do CP – que se impõe a que se atendam na operação de concretização da pena única, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente –, que «não deve limitar-se a enumerar os ilícitos cometidos pelo arguido de forma genérica, mas descrever, ainda que resumidamente, os factos que deram origem às condenações, “por forma a habilitar os destinatários da decisão a perceber qual a gravidade dos crimes, bem como a personalidade do arguido, modo de vida e inserção social”» [assim, Artur Rodrigues da Costa, «O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ», Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2016 – t. I, p. 87); na jurisprudência, cfr. os acórdãos do STJ de 10-01-2013, proc. 218/06.2PEPDL.L3.S1, rel. Cons. Rodrigues da Costa, de 27-05-2010, proc. 708/05.4PCOER.L1.S1, rel. Cons. Maria Isabel Pais Martins, de 18-01-2012, proc. 34/05.9PAVNG.S1, rel. Cons. Raúl Borges, e de 21-06-2012, proc. 778/06.8GAMAI.S1, rel. Cons. Santos Carvalho (www.dgsi.pt)], «[s]em prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. [71.º do Código Penal]» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, p. 291).

De acordo com o que supra se expendeu a propósito do que se julga ter sido um viés interpretativo da recorrente quanto a um trecho da fundamentação do acórdão recorrido, não sobram, assim, quaisquer dúvidas de que tal fundamentação, quanto à questão apresentada, satisfaz as exigências e deveres constitucionalmente impostos pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP e pelo art. 97.º, n.º 5, do CPP.

Não se surpreende, por isso, qualquer erro em tal fundamentação do acórdão recorrido, pelo que, nessa parte, se julga improcedente a arguida nulidade.

12.

ii. Vício de contradição entre a fundamentação e a decisão, ex vi artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP

A recorrente fundamenta o seu recurso invocando o vício de contradição entre a fundamentação e a decisão do acórdão recorrido, do qual este enfermaria. Isto, na decorrência do atrás apreciado erro de fundamentação – quanto ao valor (total) das importâncias ilicitamente obtidas através dos factos do processo n.º 311/19.1PPPRT –, ao condenar-se a recorrente na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, quantum idêntico ao fixado no anterior acórdão, de 11-11-2024, sem que, portanto, a correção (para menos) daquele valor surtisse qualquer efeito ao nível da determinação da medida da pena única.

O Ministério Público, quer na 1.ª Instância, quer junto deste STJ pugnam pela improcedência desta alegação.

Preambularmente, deveremos advertir que a argumentação da arguida no tocante à verificação do vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, relativamente ao acórdão recorrido (de 1.ª Instância) não se pode confundir com a invocação da nulidade por erro de fundamentação anteriormente apreciada.

Empreender-se-á um exercício de análise do acórdão recorrido, tendente a apreciar o apontado vício.

A nova configuração do recurso para o STJ conferida pela Lei n.º 94/2021, de 21-12 (entrada em vigor em 21 de março de 2022) permite, nos termos do art. 432.º, n.º 1 do CPP, preenchidos que estejam os restantes pressupostos legais, o recurso das decisões das relações proferidas em 1.ª Instância com fundamento em erro-vício (al. a)) e admite igualmente o recurso dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo com fundamento em erro vício (al. c)). (para maiores detalhes, cfr. «Alterações ao regime do recurso ordinário», Nuno A. Gonçalves, in A Revista (revista do STJ), N.º 1 – jan-jun., 2022, pp. 79-100).

Sempre se compreenderia que, em sede de recurso per saltum, o Supremo Tribunal de Justiça pudesse analisar e decidir sobre qualquer incongruência, contradição, erro notório ou insuficiência respeitantes à matéria de facto, resultantes do próprio texto da decisão, ou conjugada esta com as regras da experiência comum, uma vez que, tendo faltado o escrutínio de outra instância recursiva, tal possibilidade assume-se como um “filtro de controlo de segurança”, uma “válvula de segurança”, relativamente a decisões que se mostrem ostensivamente erradas, contraditórias ou carentes de fundamentação factual.

A intervenção, mesmo a título oficioso, do tribunal de recurso, justificar-se-ia, mesmo que não haja uma impugnação formal da matéria de facto – ou seja, por via do recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, previsto no art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP –, isto é, mesmo que se esteja perante recurso restrito a matéria de direito. Justifica-se, enfim, a chamada revista alargada da matéria de facto, nos termos do art. 410.º, n.º 2, do CPP, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detetadas pelo STJ, ou seja, se se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não se pode chegar a uma correta solução de direito, mas devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excecional, surgindo como último remédio contra tais vícios; é esta, sumariamente, a jurisprudência corrente.

Nada impede o Supremo Tribunal de Justiça, em tais casos, de conhecer, mesmo oficiosamente, dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP. E entende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre adequada, suficiente e coerentemente estabilizada. Como consolidadamente tem decidido este Supremo Tribunal, v.g., entre muitos outros, nos acórdãos STJ de 22-10-1997, proferido no processo n.º 612/97-3.ª (Sumários STJ, n.º 14, pág. 155) e de 05-111997, proferido no processo n.º 549/97-3.ª (Sumários, n.ºs 15 e 16, pp. 150/1 e CJSTJ 1997, t. 3, p. 222), «Os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto - implicam erro de facto – que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida, determinando o reenvio do processo para novo julgamento (art. 426º do CPP)».

Constituem vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (cfr., «Conhecimento dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de maio de 1992 - Anotação de jurisprudência», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 4.º, Fasc. 1 – jan.- mar. 1994, p. 121, em anotação a acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de maio de 1992, pub. na Colectânea de Jurisprudência, 1992, t. 4, p. 5).

Observa a Autora, a pp. 121-123 de tal artigo: «Nesta disposição legal, estamos em face de vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, concretamente à exigência da “fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal”».

Prossegue, afirmando que «O artigo 374.º, n.º 2, impõe a fundamentação das decisões de facto e de direito, sob pena de nulidade da sentença (…), enquanto o artigo 410.º, n.º 2, concede ao tribunal «ad quem» os poderes de cognição em matéria de facto permitidos pelo texto da decisão recorrida, com o objectivo de assim ser controlado o conteúdo da própria fundamentação. O artigo 410.º, n.º 2, não serve, pois, para verificar a existência ou não da fundamentação da sentença, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 2 – isso é feito através do mecanismo da arguição da nulidade –, mas para controlar se a matéria de facto provada é suficiente para a decisão de direito tomada, se não há contradição insanável da fundamentação e se não há erro notório na apreciação da prova, podendo assim dizer-se que estes são requisitos da fundamentação e consequentemente da própria decisão».

Conclui, ainda, a referida Autora que, por serem vícios que contendem diretamente com «a boa decisão da causa», tendo o tribunal de recurso o poder-dever de fundar a «boa decisão de direito» numa «boa decisão de facto», o seu conhecimento é oficioso.

Ao ressalvar-se a intromissão nos mencionados vícios, consagra-se aquilo a que se designa de recurso de revista ampliada, de cognição da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fun­damentação ao nível dos factos essenciais, de erro no­tório na apreciação da prova, evidentes. O Supremo Tribunal de Justiça não se pode alhear da sua primordial missão, pois seria inaceitável que, na aplicação do direito, se deixassem persistir aqueles vícios no silogismo judiciário, porque o tribunal de recurso tem o poder-dever de fundar a “boa decisão de direito” numa “boa de­cisão de facto”, que não padeça daqueles vícios (cfr. Maria João Antunes, loc. cit., pp. 118 e ss., em anotação ao Acórdão deste STJ, de 6 de Maio de 1992).

O erro-vício não se confunde, assim, com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas admissíveis e produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de um enunciado factual sobre determinada verdade histórica vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.

A questão do escrutínio oficioso da correção das decisões judiciais contende de muito perto com a do dever de fundamentação, de facto e de direito, das decisões jurisdicionais, decorrendo de uma vinculação constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP). A consagração na Lei Fundamental do dever de fundamentação das decisões judiciais veio a verificar-se com a primeira revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30-09, prescrevendo então o n.º 1 do artigo 210.º que «As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei», redação que se manteve no n.º 1 do artigo 208.º na revisão da Lei Constitucional n.º 1/89, de 08-07, bem como na revisão da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25-11, sofrendo alteração na 4.ª revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09), passando então a dispor o n.º 1 do artigo 205.º que: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

No cumprimento da obrigação de “completa” fundamentação, o tribunal há de apresentar uma fundamentação que permita uma avaliação segura e cabal das razões da decisão, com referência ao que foi adquirido e ao que não foi, em termos da factualidade apurada, se possível com explicitação diferenciada do que resultou da acusação, ou do que adveio da contestação e do que emergiu da discussão em audiência, com referência ao modo (lícito) de aquisição, permitindo a “transparência do processo e da decisão” –, para utilizar a expressão de Michele Taruffo, em Note sulla garantia constituzionale della motivazione, in BFDUC, volume LV, Ano 1979, Coimbra, p. 31, citado, i. a., no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, in DR, II Série, de 5 de Março de 1999 –, tendo que deixar bem claro que foram nele apreciados todos os factos alegados, com interesse para a decisão, incluindo essa apreciação os que não foram considerados provados.

O vício invocado pela arguida – de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP – que não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum, verifica-se quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.

Estes os enunciados dogmáticos que cumpre aplicar ao caso sub judice.

Como se disse já atrás, a recorrente pretende demonstrar que o acórdão recorrido está afetado do vício de contradição entre a fundamentação e a decisão por terem sido «(…) ponderados factos manifestamente errados e com evidente relevo para a determinação/manutenção da pena única aplicada (…)».

Como é manifesto, a própria enunciação da questão desmente a possibilidade de se verificar a existência do vício da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

O que a recorrente parece sugerir é que em função de um erro de “apreciação da prova”, a decisão – que consiste na determinação da pena única – é errada.

Ora, para além de este STJ não ter poderes de interferir no conhecimento da matéria de facto provada (art. 434.º do CPP), a sindicância da verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP que lhe é permitida há de ser consentida, apenas, a partir do texto da decisão recorrida, por si só, ou combinado com as regras da experiência comum (id quod plerumque accidit, o que acontece com normalidade).

Ora, do texto da decisão não evola, como se presume ter já deixado ficar claro, qualquer “erro de fundamentação”; existirá, quando muito, um défice de expressão, que pode dar lugar a alguma ambiguidade interpretativa, mas não configura um erro. Aliás, tal constatação levou a que não se tivesse reconhecido qualquer “erro”, no tocante à questão referida.

Na verdade, o problema da alegada “desproporção” ou “excessiva penalização” da medida da pena única, não deriva de qualquer (suposto) erro de fundamentação cometido pelo tribunal recorrido no tocante à determinação do valor da importância ilicitamente obtida pela arguida; os critérios de determinação da pena única, empreendidos pelo tribunal, podem ser questionáveis, mas não ao abrigo de qualquer alegada contradição entre a fundamentação e a decisão.

Porém, tal questão merecerá a pertinente apreciação no seguinte apartado deste acórdão.

Pelo exposto, improcede também o alegado vício do art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, que a recorrente imputa ao acórdão recorrido.

13.

iii. Medida da pena única (aplicada ao cúmulo das penas parcelares dos crimes pelos quais foi condenada)

O núcleo do recurso da arguida dirige-se, no quadro da decisão de matéria de direito, à (adequação da) determinação da medida da pena única, que foi fixada em 10 anos e 6 meses de prisão.

A arguida pugna, em termos finais pela aplicação de uma pena única (final) entre «(…) os 6 anose os 8 anos de prisão, a luz da jurisprudência similartirada nos casos análogos» – os quais indica –, ou, subsidiariamente, entre os oito (8) anos e os oito (8) anos e dez (10) meses de prisão.

O Ministério Público junto da 1.ª Instância pugna pela manutenção da pena única aplicada, conquanto na peça de resposta ao anterior recurso da arguida – na sequência da promoção da redução do valor total ilicitamente apropriado pela arguida a considerar (de € 509.145,63 para € 227.754,10), a título de retificação do acórdão ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP), embora tal não tivesse sido determinado – tivesse defendido, em virtude de tal redução «(…) que a pena única possa ser reduzida para os 10 anos de prisão (…)».

O Senhor Procurador-geral-adjunto junto deste STJ pugna pela manutenção da pena única aplicada.

A arguida, porém, expõe um forma de determinação da pena única que não pode ser aceite. Na verdade, refere que o tribunal recorrido se pautou, na determinação da pena única, pelas outras (2) penas únicas dos cúmulos jurídicos que integraram as respetivas penas parcelares de cada um dos processos n.ºs 311/19.1PPPRT e 2372/18.1JAPRT, acrescida da pena aplicada no âmbito do processo 4835/19.2T9PRT.

Mas, ao fazê-lo, aponta para um critério que explica nos termos seguintes:

A pena única deve fixar-se entre os 3 anos e 6 meses de prisão (pena parcelar mais elevada) e os 78 anos e 5 meses de prisão (total das penas parcelares), pelo que o remanescente das penas parcelares é de 74 anos e 11 meses de prisão, limitado, porém, a 25 anos de prisão, por força do disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP.

Defendendo a uniformidade de um critério a que se aplicasse o fator de compressão de 1/15, a pena única situar-se-ia nos 8 anos e 6 meses de prisão. De acordo com outra perspetiva, e atendendo a que à maioria das penas parcelares foi encontrada uma pena abaixo do quarto das molduras aplicáveis, também a pena única não deveria exceder o ¼ da moldura do concurso aplicável, ou seja de 8 anos, 10 meses e 15 dias. A pena única a determinar deveria ser encontrada entre esses limites: 8 anos e 6 meses e 8 anos, 10 meses e 15 dias de prisão.

Porém, os “casos análogos” que a arguida invoca – em especial os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 8329/18.5T8CBR.C1.S1 e n.º 550/20.2PDVNG.S1 – imporiam que nos presentes autos fosse encontrada uma pena conjunta que «(…) no limite do respeito das finalidades da punição, e da contenção do perigo, real, de estigmatização da condenada, bem como do perigo provável de adulteração irreversível da sua identidade humana, se situe entre os 6 e os 8 anos de prisão», sem que, todavia, concretizasse a sua exata medida.

Uma tal proposição não pode proceder. Como é manifesto, tal metódica de determinação da pena contraria os comandos legais aplicáveis à operação de cúmulo jurídico prescrita no n.º 2 do art. 77.º do CP.

O tribunal recorrido, ponderou, a propósito da escolha e determinação da medida da pena única, o seguinte:

«(…)

A gravidade dos factos e a sua reiteração pela arguida, que cometeu 40 crimes de burla informática (sendo alguns qualificados), um crime de furto, um crime de burla qualificada e um crime de branqueamento e através dos quais se apoderou de quantias que não lhe pertenciam, no valor de pelo menos € 227.754,10 (€ 171.558,00, no âmbito do proc.º 311/19.1PPPRT + € 54.389,45 no âmbito do processo 2372/18.1JAPRT + 1.806,65€ no âmbito do processo 4835/19.2T9PRT), assume uma grande censurabilidade e correspondente gravidade, mesmo que não se considere que a arguida não fizesse da prática deste tipo de crime o seu modo de vida.

Mesmo perante a correcção e a consequente diminuição do valor de que a arguida efectivamente se locupletou, consideramos que apesar de a mesma estar a ressarcir a quantia de € 20 mensais, e tal iniciativa ser positiva, atendendo àquele elevado valor, a devolução revela-se inexpressiva.

No âmbito do recurso que deu origem a esta nova decisão, veio a arguida requerer a correcção dos valores constantes do nosso acórdão, por referência ao processo 311/19.1PPPRT, bem como pedir que em função de tal correcção e dos outros factos sobre os quais já nos pronunciamos, seja aplicada uma pena única situada entre 6 e 8 anos de prisão.

Efectuada a correcção neste acórdão, conforme doutamente determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, importa agora apurar se tal alteração implica alteração, ou não, da pena única a aplicar à arguida.

E, desde já, entende este Colectivo que não, (…)».

E expendeu a seguinte fundamentação, no tocante à concretização/determinação da pena única:

« Quanto às penas parcelares dos processos 2372/18.1JAPRT e 4835/19.2T9PRT, valem as considerações que já anteriormente tecemos. Na verdade, se reformularmos a pena única do processo 2372/18.1JAPRT verificamos que a pena única ali aplicada é igualmente inferior ao quarto inferior da respectiva moldura aplicável, sendo nosso entendimento que, ainda que entendêssemos ser de elevar a pena única ali estabelecida, optamos por respeitar a ponderação que ali foi efectuada e, assim, desconsiderando a pena parcelar mais elevada desse processo, que deixou de o ser no nosso cúmulo por haver uma pena mais elevada aplicada no âmbito do processo 311/19.1PPPRT (de 3 anos e 6 meses de prisão), da pena mais elevada do processo 2372/18.1JAPRT, apenas consideramos 1/3 da mesma. Assim, relativamente às penas parcelares aplicadas neste último processo, o tribunal aditou aos 8 anos obtidos no processo 311, a pena de 2 anos e 8 meses.

Por último, relativamente à pena parcelar de 7 meses de prisão aplicada no processo 4835/19.2T9PRT, entendemos ser de considerar apenas 2 meses de prisão, situando-se esta medida abaixo de 1/3 da respectiva pena.

Nestes termos, se somarmos 8 anos + 2 anos e 8 meses + 2 meses, obtemos um somatório de 10 anos e 10 meses de prisão, sendo certo que, tal com o já o entendemos na primeira decisão, a pena única deverá considerar a devolução, ainda que inexpressiva, de alguns montantes devidos, pelo que decide este tribunal, manter a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

Sublinha-se que não existem factos supervenientes a considerar, sem prejuízo do já referimos sobre a correcção do valor dos ganhos no processo 311/19.1PPPRT, que, ainda assim, são elevados o suficiente para considerarmos que a pena única deveria situar-se no terço inferior da moldura aplicável.

Por outro lado, veja-se que a arguida pretende ver a sua pena única diminuída para uma margem entre 6 e 8 anos de prisão. Ora, tal entendimento não se reflecte nas conclusões que acima extraímos quanto ao grau de ilicitude, ao modo como os factos foram cometidos (número de crimes e ganho global obtido) e à personalidade da arguida que manteve o desígnio criminoso durante pelo menos 2 anos.

Do mesmo modo, sempre diremos que a atendermos à fixação de uma pena única igual ou inferior a 8 anos, se considerarmos só o processo 311/19.1PPPRT, estaríamos a “eliminar/perdoar” todas as demais penas aplicadas nos processos 2372/18.1JAPRT e 4835/19.2T9PRT, sendo certo que os referidos 8 anos já se situam abaixo de ¼ da moldura aplicável no processo 311/19.1PPPRT. Esta hipótese é manifestamente de rejeitar, sob pena de estarmos a aplicar uma pena única abaixo da medida da culpa da arguida, em violação do disposto no art.º 40.º, n.º 2 a contrario e n.º 3, do Código Penal.»

No caso vertente, relembrando a sua respetiva tipificação e penas parcelares aplicadas à arguida, resulta que:

- No bloco de penas cumuladas no âmbito do processo 311/19.1PPPRT, a arguida foi condenada por 32 crimes de burla informática, 1 crime de burla qualificada e 1 crime de branqueamento, em penas parcelares que tiveram como pena mais grave 3 anos e 6 meses de prisão e que no somatório totaliza 68 anos de prisão, aos quais foi aplicada a pena única de 8 anos de prisão – o valor ilicitamente apropriado foi de € 171.558,00;

- No bloco de penas cumuladas no âmbito do processo 2372/18.1JAPRT, a arguida foi condenada por 6 crimes de burla informática e 2 crimes de burla informática qualificada, em penas parcelares que tiveram como pena mais grave 2 anos de prisão e que no somatório totaliza 9 anos e 10 meses de prisão, aos quais foi aplicada a pena única de 4 anos de prisão efetiva – o valor ilicitamente apropriado foi de € 54.389,45;

- No processo 4835/19.2T9PRT, a arguida foi condenada pela prática de 1 crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão efetiva – o valor ilicitamente apropriado foi de € 1.806,65.

O tribunal defende, assim, com inteira pertinência, que a pena única, ou “conjunta” final, resultante do cúmulo jurídico efetuado no tocante às penas dos três processos em causa, não poderia ser inferior à pena única mais elevada de um dos blocos de cúmulo jurídico, o do processo 311/19.1PPPRT: 8 anos de prisão.

Tal não significa que, em abstrato não seja concebível que, numa situação de cúmulo superveniente, a pena única final possa ser inferior à anteriormente fixada num bloco de cúmulo jurídico mais elevado, se, porventura, alguma ou algumas das penas parcelares tiverem sido cumpridas, prescritas, perdoadas ou extintas, que as subtraia da operação de cúmulo.

Isto não significa que se possa proceder a um cúmulo de “concurso de cúmulos jurídicos”, operação inequivocamente exautorada pela lei.

Nada disso se passa na presente situação, pelo que é inatendível uma eventual redução da pena “conjunta” para um limite inferior ao da medida da pena única mais elevada de um dos cúmulos jurídicos que devam integrar o cúmulo jurídico superveniente. Tal medida valerá, assim, como ponto de referência.

O que deve suceder em tais situações, de cúmulo jurídico superveniente, é o desfazer dos cúmulos anteriores, a reassunção da singularidade das penas parcelares e a reformulação de novo cúmulo jurídico, a partir das penas parcelares que o devam integrar.

Sobre quais sejam estas, parecer inexistir reparo, por parte da arguida.

Podemos, assim, partir do raciocínio efetuado pelo tribunal recorrido, no sentido de encontrar a moldura do cúmulo superveniente entre os 3 anos e 6 meses e os 25 anos de prisão, dado que o total das penas parcelares, excede aquele limite, atingindo os 78 anos e 5 meses de prisão (art. 77.º, n.º 2, do CP).

É certo, contudo, que o tribunal a quo entendeu, ainda, que:

« Verificamos, pois, que a conduta global da arguida foi muito relevante porque muito censurável, pelas sobreditas razões e mostra que durante aquele período de tempo a arguida nunca desistiu dos seus intentos, mantendo a perseverança no seu comportamento ilícito.

Acresce um factor negativo o facto de a arguida ter envolvido o seu filho, ainda que maior, que também se encontra a cumprir pena de prisão, como é do conhecimento oficioso deste tribunal.

Por outro lado, tem mantido bom comportamento no estabelecimento prisional, está a iniciar os pagamentos das indemnizações a que foi condenada e, mesmo que seja por quantias irrisórias, já denota algum sentido de responsabilização, aspecto positivo para o seu longo caminho na ressocialização, mas inexpressivo em face do valor total de que se apoderou. Releva igualmente a circunstância de, quando estiver em meio livre, pretender iniciar actividade laboral, tendo já encetado algumas iniciativas, conforme o demonstra o contrato promessa de contrato de trabalho.

Acresce, ainda, que a arguida tem algum suporte familiar, pois conta com visitas e apoio das irmãs e dos outros filhos.

Há que ter em mente que estas circunstâncias permitem concluir que a arguida ainda não está próxima da ressocialização desejada e ainda corre o risco de recair no cometimento de factos semelhantes, caso lhe surjam dificuldades financeiras em meio exterior.

Sublinhe-se que, em termos globais, ou seja, incluindo os crimes dos processos que estão fora do âmbito deste cúmulo, até ao momento, a arguida já foi condenada pelo cometimento de 40 crimes de burla informática (sendo alguns deles agravados), 1 crime de burla qualificada, 1 crime de branqueamento, 1 crime de furto simples.

Apesar deste contexto, e considerando o período de tempo em que perduraram os crimes e a arguida manteve sempre o mesmo propósito, o valor elevado de benefício patrimonial obtido pela arguida - acima dos 200.000,00€ -, entendemos que a pena única deverá situar-se entre o quarto e o terço inferior da moldura aplicável, sendo certo que foi tido em consideração que a arguida manifestou em audiência estar arrependida, admitindo que o seu comportamento é errado e tem mantido bom comportamento na instituição onde se encontra recluída.

Ponderando todas estas circunstâncias, decide-se manter a condenação da arguida na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão

Justificar-se-á a manutenção da medida da pena, ante a objetiva redução da importância ilicitamente obtida pela arguida através das suas condutas criminosas de um montante (aparente e errado) € de 509.145,63 € para um montante (real e corrigido) de € 227.754,10?

O escrutínio, em sede de recurso, da adequação ou correção da medida concreta da pena impor-se-á apenas em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da sã racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção do tribunal de recurso que altere a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena. Esta é uma asserção que é válida não só no tocante à determinação da medida das penas parcelares, como também na fixação da pena única ou conjunta.

No artigo 40.º do Código Penal, que encerra sincreticamente o programa político-criminal das finalidades das penas pelo qual optou o legislador autorizado, é mencionado que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece, por seu turno, o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Como vem sendo consistentemente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». Dito por outras palavras, a legitimidade constitucional para se privar alguém da liberdade radica na violação por essa pessoa de outros direitos constitucionalmente protegidos. A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (assim, J.J. Gomes Canotilho - Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Ed., 2007, notas aos artigos 18.º e 27.º).

Para aferir da medida da gravidade da culpa importa, por seu turno, de acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, «por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.” (Direito Penal Português: As consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pp. 210 e 245). Para este Autor, esses fatores podem dividir-se em “fatores relativos à execução do facto”, “fatores relativos à personalidade do agente” e “fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.

Por seu turno, Maria João Antunes entende que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do artigo 71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da FDUC, Coimbra, 2010-2011).

Por respeito à eminente dignidade da pessoa humana a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 2 do CP), designadamente por razões de prevenção.

Por seu turno, na determinação da pena única ou conjunta – única dimensão que importa ser apreciado na presente decisão, dado que na dimensão penal só ela foi questionada no recurso da arguida –, impõe-se, igualmente, atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1).

Como este Supremo Tribunal de Justiça vem considerando de forma reiterada e preponderante, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 06-02-2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1- 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».

Aos critérios gerais de determinação da medida da pena estabelecidos no artigo 71.º do CP, acresce, para a pena única, o critério peculiar ou específico previsto no artigo 77.º, n.º 1, do mesmo CP, segundo o qual “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, de modo a poder concluir-se se a ilicitude dos factos considerados em conjunto e na sua unidade relacional e em conjugação com a personalidade do arguido neles refletida e por eles evidenciada, aponta para uma “certa tendência ou mesmo carreira delinquente”, ou antes para uma atuação isolada ou episódica ou “(pluri)ocasional”, acentuando ou desvanecendo as necessidades de prevenção especial e, em função disso, fixar a medida da pena em função delas dentro da moldura da prevenção geral, com o limite inultrapassável da culpa.

O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Sobre a pena única, e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera Maria João Antunes que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico» (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Ed., 2.ª ed., 2015, p. 56).

A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Ainda no mesmo acórdão, pode ler-se que «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».

Conforme também refere José de Faria Costa, «Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respetivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se refletirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é suscetível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efetuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em fatores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa» («Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, N.º 3945, pp. 326-327).

Estabilizadas as medidas das penas parcelares aplicadas, nesta fase inquestionáveis, cumprirá apreciar a adequação da medida da pena única encontrada pelo tribunal recorrido.

Como se diz no Ac. do STJ de 16-05-2019 (rel. Cons. Maia Costa):

«A moldura da nova pena conjunta, uma vez “desfeitos” os anteriores cúmulos, tem, pois como limite mínimo a pena parcelar mais elevada de todas as que se encontram em concurso (e não a pena do cúmulo mais grave) e limite máximo a soma das penas parcelares (e não a soma dos cúmulos anteriores).

De qualquer forma, o cúmulo anterior mais elevado não deixará de ser um “ponto de referência” a ter em consideração na fixação da nova pena conjunta, na medida em que esta última deverá normalmente, pelo acréscimo de novas penas, ser superior a esse cúmulo anterior.

Contudo, nada impede que a nova pena conjunta seja igual ao cúmulo anterior, quando se concluir que as novas penas, pela sua diminuta entidade, se mostram irrelevantes ao serem integradas no quadro global da factualidade criminosa. Como também nada impede que até possa ser inferior, porque a consideração global dos factos e da personalidade que o novo concurso impõe poderá, eventualmente, conduzir a um juízo mais favorável sobre a personalidade do arguido. E o mesmo poderá suceder, embora só excecionalmente, quando essa reavaliação concluir que a pena conjunta anterior se mostra francamente desproporcionada, atendendo aos critérios legais da determinação da pena».

Por outro lado, importa sempre, nos casos de cúmulo superveniente apurar se alguma ou algumas das penas parcelares aplicadas e que integrariam o cúmulo, se encontram cumpridas, extintas, perdoadas ou prescritas, o que no caso vertente não ocorre.

No que respeita aos factos que concretamente relevam para a culpabilidade, no processo estão em causa crimes contra o património, praticados com dolo direto, de grau mediano, de alguma duração temporal – entre meados de 2018 e meados de 2021 –, empreendidos com uma clara organização, persistência e reiteração no sentido de atentar contra o património alheio (crimes de furto e burla) e contra a segurança dos sistemas de comunicações eletrónicas bancárias (crimes de burla informática) e a integridade do sistema financeiro (crime de branqueamento), cuja ressonância ética e social implica um juízo de censurabilidade reforçado.

O facto de ter confessado parcialmente alguns dos factos, foi tomado em devida conta, evidenciando alguma autocrítica, mas com escasso significado atenuativo, considerando haver mais provas irrefutáveis dos mesmos.

A circunstância de não ter antecedentes criminais, registados ou não, não pode assumir um relevo especial, uma vez que se trata de uma condição que se exige a qualquer cidadão.

Por outro lado, ainda, as finalidades de reprovação e de prevenção geral dos crimes de burla informática, de furto e de branqueamento, consumados e tentados e na forma simples ou qualificada, são elevadas, porquanto a frequente prática deste tipo de crimes, individualmente portadores de uma inequívoca gravidade objetiva, gera sentimentos de insegurança pública e de falta de confiança nos sistemas informáticos de pagamento automático.

O grau de culpa, enquanto limite da pena reportada ao facto, é bastante acentuado, pelo desempenho manifestado e querido no quadro da ação desvaliosa do concurso de crimes.

A personalidade da arguida, documentada nos factos provados, traduz uma atuação indiferente aos bens jurídicos protegidos pelos crimes cometidos, cuja gravidade é proporcional ao tempo em que perduraram as suas atuações, ou seja, durante cerca de três anos. Evidencia, ademais, uma componente organizacional para a sua perpetração, em que envolvia, como comparticipantes, familiares e terceiras pessoas, com encenação de condicionantes para a consumação das atividades delituosas, com movimentações de fluxos de valores bancários, enfim, uma conduta criminosa não episódica, mas consideravelmente organizada. Porém, esta característica organizacional das condutas criminosas não pode, por si só exasperar a sanção, tendo em conta a medida das penas parcelares que foram aplicadas aos diversos delitos que integram o cúmulo jurídico.

A prevenção geral, como prevenção positiva ou de integração, no respeito e confiança na reposição contrafáctica das norma violadas, faz-se sentir com bastante intensidade nos crimes de burla informática e de furto, tipologias em que, pela sua frequência e pelas potenciais consequências que podem implicar, são infrações que causam um sentimento comunitário de insegurança, como tem vindo a referir vasta e consolidada jurisprudência do STJ e dos tribunais superiores. Em tais crimes manifesta-se uma personalidade do agente, disposta a contrariar o direito e a desprezar aquele bem jurídico, o património de terceiros.

Permanecendo inalteradas todas as penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido, importa reconhecer, no contexto da apreciação das consequências jurídicas dos quarenta e um crimes provados, numa moldura (de concurso efetivo) que oscila entre os 3 anos e 6 meses de prisão (uma das penas parcelares mais elevadas) e os 78 anos e 5 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), sendo que, relativamente ao limite máximo o mesmo não pode exceder o máximo legal, ou seja, os 25 anos de prisão.

Corroboramos, no essencial, a fundamentação jurídica que norteou o tribunal recorrido no que respeita à determinação da medida da pena única. Contudo, afigura-se-nos justificada a objeção ao acórdão recorrido no sentido de não ser indiferente a redução do valor integral da importância ilicitamente obtida pela arguida – do montante total (aparente e errado) € de 509.145,63 € para um montante (real e corrigido) de € 227.754,10 – para a consideração da factualidade global a considerar na determinação da medida da pena única a aplicar. Uma tal redução, por tão significativa, deve operar algum efeito ao nível da apreciação global dos factos, que não pode deixar de se refletir na medida da pena única.

Considerando este enquadramento, e, por outro lado, a personalidade da arguida e as suas condições pessoais e socioeconómicas resultantes do relatório social, o grau de culpa, a imagem global dos factos e as exigências de prevenção, tendo em conta o limite legal máximo da moldura do concurso (25 anos de prisão, porquanto a soma material das penas parcelares a excede em muito), face à ausência de circunstâncias com especial significado atenuante, mas também agravante – já expressas nas concretas previsões típicas –, a determinação de uma pena única concreta algo acima de 1/3 do limite máximo aplicável, não surge, assim, como desproporcionada ou injusta, pelo que, dado o grau de culpa da arguida evidenciado, será de fixar a mesma em nove (9) anos e seis (6) meses de prisão, reduzindo assim em um ano a fixada pelo tribunal recorrido.

Na expressão do legislador, em perfeita consonância com o pulsar da vida, “mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade” (cfr., Exposição de Motivos do Dec.-Lei n.º 48/95 de 15-03).

Pelo que se expôs, ponderando conjuntamente todos os factos em presença, a personalidade da arguida e os fins das penas, considera-se que uma pena única situada em medida algo inferior à fixada ainda permite ter a expectativa de que sejam assegurados os propósitos prosseguidos com os fins das penas, também em homenagem à tendencial igualdade na aplicação das penas criminais.

Cremos, assim, ser adequada a pena conjunta de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão, cuja medida ainda consente a salvaguarda dos interesses da prevenção, geral e especial, nomeadamente os desta última, que se mostra algo exigente em face das dificuldades já referidas de integração social, e simultaneamente proporciona a eventual ressocialização da arguida.

Porque assim, procede parcialmente, com o supra apontado sentido, este segmento do recurso da arguida.

III. Decisão

Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- julgar improcedente a arguida nulidade;

- julgar improcedente a invocação do vício do art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP; e, no mais,

- julgar parcialmente procedente o recurso da arguida AA, reduzindo-se a pena única aplicada para nove (9) anos e seis (6) meses de prisão.

Sem tributação.

*

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 25-09-2025

Texto elaborado e informaticamente editado, e integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Celso Manata (1.º adjunto)

Jorge Gonçalves (2.º adjunto)