NULIDADE DE ACÓRDÃO
LAPSO MANIFESTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PORNOGRAFIA DE MENORES
ABUSO SEXUAL
ALICIAMENTO DE MENORES PARA FINS SEXUAIS
Sumário


I - O dispositivo da sentença penal deve conter as disposições legais aplicáveis, a decisão condenatória ou absolutória, a indicação do destino a dar a animais, coisas ou objectos relacionados com o crime, com menção expressa das disposições legais aplicadas, a ordem de remessa de boletins ao registo criminal e a data e assinatura dos membros do tribunal (art. 374.º, n.º 3, do CPP).
II - No que à decisão condenatória respeita, deve constar do dispositivo, em caso de concurso de crimes, como é o dos autos, a pena aplicada a cada crime, e a pena única aplicada ao concurso.
III - Consta da al. d), do ponto A da decisão, a condenação do arguido pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto art. 176.º, n.º 1, al. c). do CP, agravado nos termos do disposto no art. 177.º, n.º 7, do mesmo código, mas aí não consta a pena concreta imposta por tal prática.
IV - Embora se trate de lapso de escrita, porque incide sobre a própria essência da decisão - a decisão condenatória, ainda que em parte -, e porque o texto da fundamentação não permite, de forma clara, determinar a pena concreta omitida, há que considerar verificada a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre, – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA1, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo de, dois crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176º, nºs 1, b) a d) e 3 e 177º, nº 6, ambos, do C. Penal, um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º, nºs 1, b) a d) e 3 e 177º, nº 7, ambos, do C. Penal, um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, a) e b) do C. Penal e dois crimes de aliciamento de menor para fins sexuais, p. e p. pelo art. 176º-A, nºs 1 e 2 do C. Penal.

Na audiência de julgamento de 19 de Novembro de 2024 foi comunicada ao arguido uma alteração da qualificação dos factos descritos na acusação [prática de: 5 (cinco) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 alíneas b) e c) e n.º 3 e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal; 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 alíneas b) e c) e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal; 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 alínea c) e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal; 5 (cinco) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 alíneas b) e c) e n.º 3 e 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal; 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 alíneas b) e c) e 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal; 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 alínea c) e 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal; 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. no artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código Penal; 2 (dois) crimes de aliciamento de menor para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal], nada tendo sido oposto ou requerido por este.

Por acórdão de 19 de Novembro de 2024, foi decidido:

“(…).

III – Decisão

A) Da parte criminal:

Em face do exposto, delibera o Tribunal Colectivo, julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, com a convolação operada em audiência, e em consequência:

a) Absolver o arguido da prática de um crime de aliciamento de menor para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176.º-A, nºs 1 e 2 do Código Penal;

b) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e nove meses de prisão;

c) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de cinco crimes de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c) e 3 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, por cada um deles;

d) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, previsto art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal;

e) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de dois crimes de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e nove meses de prisão, por cada um deles;

f) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b) do Código Penal, na pena de prisão de um ano, por cada um deles;

g) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de aliciamento de menor para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176.ºA, n.º 1 do Código Penal na pena de dois meses de prisão;

h) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c) e 3 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e dez meses de prisão;

i) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e oito meses de prisão;

j) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e oito meses de prisão;

k) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e oito meses de prisão;

l) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de quatro crimes de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c) e 3 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal (na redacção em vigor à data dos factos), na pena de um ano e dez meses de prisão, por cada um deles;

m) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de seis anos e seis meses de prisão;

(…).

B) Da parte cível:

a) Arbitro a cada uma das ofendidas, AA2, AA3 e AA4, a título de indemnização, nos termos do disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, a quantia de quatro mil euros, a suportar pelo arguido, acrescido de juros contados a partir do trânsito em julgado do presente acórdão;

(…)”.

*

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, formulando no termo da motivação as seguintes, relevantes, conclusões:

6. O arguido foi condenado numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática em concurso real dos crimes de pornografia de menores e aliciamento de menores para fins sexuais (parcelarmente descritos em IV), previstos e punidos pelos art. 176º, nº 1, als. b) e c) e 3 do Código Penal, agravados nos termos do disposto no art. 177º, nº 7 do Código Penal e pelo art. 176º, nº 1, als. b) e c) do C. Penal, agravado nos termos do disposto no art. 177º, nº 6 do Código Penal – remete-se na íntegra para o enunciado em V (PENA DE PRISÃO APLICASA).

7. A determinação da medida da pena, dento dos limites definidos na lei, deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – artigo 71º nº 1.

8. A “determinação concreta da pena o tribunal deve atender a tosas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele …”.

9. Quanto ao “grau de ilicitude do factos, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente e a intensidade do dolo ou da negligência, releva referir o circunstancialismo dos factos, ocorridos, nomeadamente, em ambiente virtual.

10. O arguido é jovem, fisicamente frágil, tímido, magro e tez pálida, demonstrando enorme inexperiência e não teve consciência da ilicitude dos seus atos – deixando-se levar pela emoção do momento e pela proteção da distância e do ecrã (ambiente virtual).

11. Quanto aos “sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram” – art.º 71º nº 2 alínea c – sendo censuráveis, considerando a fragilidade das vítimas, não demonstram insensibilidade e indiferença.

12. Quanto às “condições pessoais do agente e a sua situação económica” – art.º 71º nº 2 alínea d) – de acordo com o “Relatório Social (DGRSP)”, relevam quanto ao arguido, uma situação económica de pobreza, o qual se encontra desactualizado pois o arguido já se encontra inserido profissionalmente (CFR Doc nº 1) ajudando economicamente a sua família, cujo agregado vive de subsídios.

13. O arguido apresentava uma trajetória de vida sem estabilidade profissional ou relacional, no entanto já se encontra inserido laboralmente (CFR Doc nº 1) ajudando economicamente a sua família.

14. O arguido efetivamente apresentava um percurso profissional caracterizado pelo desemprego de longa duração, com alguns trabalhos de carácter precário e de curta duração, na área da agricultura e venda ambulante, no entanto o mesmo interiorizou a necessidade de ter uma ocupação efectiva, encontrando-se actualmente a trabalhar com um contrato de trabalho como ajudante de jardineiro (CFR Doc nº 1).

15. O arguido demonstra, profundamente, estar arrependido e apreensivo com o decorrer do presente processo, demonstrando consternações emocionais e psicológicas.

16. O arguido possui projetos para o futuro, tendo interesse num percurso de vida futuro orientado para a normas e convenções pró sociais e que a instauração deste processo se revelou como um alerta.

17. O arguido reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, com monotorização da DGRSP, que salvaguarde as vítimas e contemple uma intervenção técnica dirigida à problemática criminal em causa.

18. O arguido não tem antecedentes criminais registado e demonstrou sempre arrependimento e que se pudesse ressarcia as vítimas, referindo ainda que pretende viver “a sua vida dentro das normas pró sociais”.

19. O arguido possui preparação para manter uma conduta lícita, tanto mais que “reúne condições para a execução de uma medida na comunidade”.

20. Revelou “estar a experienciar impacto negativo da instauração do presente processo a nível pessoal, e a sentir que o mesmo se tem demonstrado como uma nova perspetiva para viver a sua vida dentro das normas pró sociais.”

21. Os factos ocorreram em contexto da Pandemia do Covid-19, cujo impacto na saúde mental é inquestionável.

22. Em consequência, “O cibercrime, as fake news e exploração sexual infantil online aumentaram significativamente com a pandemia COVID-19 (Relatório Europol).

23. Assim, o arguido não tem antecedentes criminais, jovem, demonstra grande inexperiência e não teve consciência da ilicitude dos seus atos, o circunstancialismo dos factos, ocorridos, nomeadamente, em ambiente virtual, o dolo surge em nosso entender de uma forma moderada, dado o circunstancialismo em que se deram os factos, situação económica de pobreza, socialmente o agregado apresenta uma situação desfavorável e deprimente, sentido de responsabilidade perante o processo, apresenta uma trajetória de vida agora já com estabilidade profissional, apoiando financeiramente a sua família, possui projetos para o futuro, preparação para manter uma conduta lícita e reúne condições para a execução de uma medida na comunidade.

24. Considerando que a suspensão da execução da pena é, quanto a nós, uma pena e atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclui-se que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, e cumprem adequadamente as necessidades de prevenção geral e especial.

25. Sem retirar gravidade aos factos, o arguido, não conhece pessoalmente as vítimas, nunca as viu pessoalmente, nem nunca lhes tocou.

26. Neste quadro, s.m.o., considera-se adequado aplicar uma pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo prazo – podendo ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado destinados a reparar o mal dos crimes.

TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, EM CONSEQUÊNCIA, O ARGUIDO SER CONDENADO NA PENA DE 5 ANOS DE PRISÃO, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO PELO MESMO PRAZO.

FAZENDO-SE, ASSIM, AHABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.

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O recurso foi admitido por despacho de 10 de Fevereiro de 2025.

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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

1. O arguido, não se conformando com a douta decisão recorrida, vem recorrer da matéria de direito.

2. O acórdão recorrido analisou, de forma correcta, completa e competente toda a matéria de facto e de direito relativa aos crimes porque o recorrente foi condenado, e que devem englobar o cúmulo jurídico.

3. A decisão jurídica é correcta porque bem elaborada e bem fundamentada, pelo que aderimos à mesma, sendo que qualquer outro argumento seria supérfluo ou tautológico, devendo, pois, a pretensão recursiva fracassar.

4. Perante as circunstâncias apuradas o acórdão ora recorrido considerou adequado a aplicação ao arguido da pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, pena que se julga justa e adequada, não excessiva.

5. Com efeito, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade das normas violadas, abaladas pela prática dos crimes, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal, o que o tribunal “a quo” teve em conta.

6. Carece o recorrente de razão na sua pretensão recursiva, inexistindo qualquer violação da lei.

7. O recorrente pugna pela suspensão da execução da pena de prisão.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, sendo certo que tal pretensão é, in casu, legalmente inadmissível face ao estatuído no artigo 50.º do Código Penal (o arguido foi condenado em pena de prisão superior a 5 anos).

Louvando-nos, pois, no bem fundado do douto acórdão recorrido somos de parecer que o recurso dele interposto não merece provimento.

V. Ex.as, porém, com superior apreciação e critério, farão, certamente, Justiça.

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Por despacho de 13 de Março de 2025 foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora.

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Por despacho de 26 de Março de 2025, da Exma. Juíza Desembargadora relatora do Tribunal da Relação de Évora, foi, atento o disposto o art. 432º, nº 1, c) do C. Processo Penal, ordenado o envio dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, invocando como questão prévia, a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal, por referência à alínea b) do nº 3 do art. 374º do mesmo código, por ser omisso quanto à concreta pena parcelar imposta ao arguido, pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, c) do C. Penal, agravado nos termos do disposto no nº 7 do art. 177º do mesmo código, crime identificado na alínea d) de A) Da parte criminal, de III – Decisão [dispositivo] do acórdão em crise e, assim não se entendendo, afirmando que, estando apenas em causa no recurso a pena única aplicada pela 1ª instância, perante uma moldura penal abstracta aplicável de 2 a 25 anos de prisão, face aos critérios previstos nos arts. 71º e 77º do C. Penal, que se mostram observados, não podendo ser atendidos factores que, embora invocados, não constam dos factos provados, a não ser atendida a nulidade assinalada, deve o recurso ser julgado improcedente.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.

Cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos provados

A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:

“(…).

1. O arguido AA1, nascido em D.M.1997, pelo menos, desde Março/Abril de 2020, decidiu encetar contacto com raparigas, com idades compreendidas entre os 13 e os 15 anos de idade, o que fez via internet, nomeadamente através de uma aplicação/jogo online por equipas, que permite conversações electrónicas, denominada “Free Fire”, e por plataformas de redes sociais;

2. Com o intuito de estabelecer uma relação de confiança com as menores que lhe permitisse manter conversações e obter ficheiros de índole sexual, e aproveitando o facto de o jogo online ser em equipas, estabeleceu contacto com as vítimas aliciando-as para falarem em privado, através do WhatsApp e do Instagram;

3. Para tanto, o arguido utilizava o perfil “AA5” na rede social Instagram e o “WhatsApp” associado ao número de telemóvel ... ... .13, aplicações às quais acedia, maioritariamente, na sua residência, sita na Rua 1 em Coimbra;

4. Deste modo, o arguido encetou contactos, pelo menos, com as menores:

- AA2, nascida a D.M.2006, residente na Rua 2– Alcobaça;

- AA3, nascida em dia D.M.2005, residente na Rua 3, em Campo Maior, e

- AA4, nascida a D.M.2007, residente na Praceta 4 Seixal.

5. O arguido conheceu a vítima AA2, em Março/Abril de 2020, quando esta tinha 13 anos de idade, através de uma aplicação/jogo online, denominada “Free Fire”;

6. Decorridas cerca de uma ou duas semanas após se conhecerem, o arguido solicitou a AA2 o seu contacto do Instagram, passando, ambos a seguirem-se mutuamente, nessa rede social, por ela falando diariamente;

7. Passados poucos dias de terem iniciado as conversações, o arguido convenceu AA2 a enviar-lhe fotografias onde estivesse nua, tendo esta acedido a tal pedido;

8. Na posse das referidas fotografias o arguido disse à vítima, AA2, para se fotografar e filmar nua e para lhe enviar tais fotografias e vídeos, referindo-lhe que, se não o fizesse, iria enviar fotografias e vídeos seus aos amigos comuns, que tinham conhecido através do jogo “Free Fire”;

9. Neste seguimento, até ao mês de Junho de 2020, data em que a vítima, AA2, bloqueou o arguido na rede social Instagram, o arguido conseguiu obter, pelos menos, 05 (cinco) vídeos nos quais são visíveis os órgãos genitais da menor;

10. Acresce que, o arguido, entre Março/Abril e Junho de 2020, enviou à menor vídeos e fotografias com exibição do seu pénis;

11. Além disso, o arguido e a menor mantiveram videochamadas, nesse período de tempo, durante as quais se masturbavam, sendo que o arguido gravou pelo menos algumas destas videochamadas;

12. Após a vítima ter bloqueado o arguido, quer na rede social Instagram, quer na aplicação/jogo on line denominado “Free Fire”, o arguido partilhou as fotografias e vídeos da menor desnuda com outros amigos do jogo, em número não concretamente apurado, mas não inferior a quatro;

13. A vítima AA3, nasceu no dia D.M.2005, e reside na Rua 3, em Campo Maior;

14. A vítima AA3 e o arguido conheceram-se no mês de Agosto de 2021, quando esta tinha 15 anos de idade, através da aplicação/jogo online “Free Fire” em que ambos participavam;

15. Passado pouco tempo, o arguido, então com 24 anos de idade, convenceu a vítima, então com 15 anos de idade, a iniciar um “namoro” virtual;

16. O arguido trocava mensagens escritas diárias com a vítima através da aplicação “WhatsApp”, associada ao número de telemóvel ... ... .13, bem como através da rede social “Instagram”;

17. Com efeito, durante o namoro, o arguido potenciou a permuta com a vítima de diversas mensagens e ficheiros contendo linguagem e fotos de teor sexual, da forma se descreverá infra;

18. Além disso, o arguido tentou marcar um encontro com a vítima com o propósito de manter com ela relações sexuais;

19. Passado algum tempo, o arguido disse à vítima para se fotografar nua e enviar-lhe as fotos pelo “WhatsApp”, referindo-lhe que, se não o fizesse, iria enviar as conversas escritas que tinham mantido até ao momento à mãe da vitima, AA6;

20. Desta forma, num número não concretamente apurado de vezes, o arguido obrigou a vítima a filmar-se e a fotografar-se totalmente nua e a enviar-lhe esses ficheiros;

21. O arguido exigia também à vítima que fizessem videochamadas, através do “WhatsApp”, durante as quais ambos se despiam e masturbavam, sendo que o arguido gravou um número não concretamente apurado destas videochamadas;

22. A determinada altura, o arguido revelou-se possessivo e ciumento, exigindo à vitima que o informasse com quem estava e falava, os sítios que frequentava, mandando-a tirar fotografias para comprovar as informações que prestava;

23. No dia 01.11.2021, pelo facto de AA3 não atender uma chamada telefónica efectuada pelo arguido, este enviou-lhe as seguintes mensagens escritas:

- “Vai gozar com o caralho atende essa merda”

- “Tou me a passar já”

- “Olha AA3 vais te arrepender podes ter a certeza absoluta (…)”

- “És falsa sim e não venhas dizer que desligaste sem querer pk eu sei k não”

- “Atende crl”

- “Tas fdd”

- “To farto do teu gozo comigo”

24. Ainda no mesmo dia, entre as 10H02 e as 11H50, o arguido telefonou 40 (quarenta) vezes a AA3;

25. Pelas 11H58, o arguido ordenou a AA3 que atendesse a videochamada, o que esta fez, a chorar;

26. Pelas 17H13, o arguido voltou a ordenar a AA3 que atendesse a chamada, referindo-lhe que, caso não cumprisse a sua ordem enviaria “aquilo para a (sua) mãe”, remetendo-lhe ainda a seguinte mensagem: “para o Insta queres que mande é, podes ter a certeza que se não atenderes eu vou fazer merda”;

27. Como AA3 continuava sem atender as chamadas, o arguido remeteu-lhe as seguintes mensagens:

- “Tas a gozar ne … okii”

- e, após enviar um vídeo a AA3 onde esta surgia a acariciar o peito em frente ao espelho do quarto: “Vê tmb agora”

- “Não queres ver não vejas”

- “Se não atenderes vou contar tudo a ela”

- “Tmb não vais falar é”

- “Oki n me das outra escolha”

- “A não ser mandar”

- “Eu to me a q passar tou a tentar falar CTG a bem”

- “E tu nem nas mensagens dizes nada”

- “Pensas q eu não vou contar eu vou sim”

- “Deixa so ela atender”

28. Além disso, o arguido obrigou a vítima a fornecer todas as passwords de acesso aos perfis que detinha nas redes sociais e ao e-mail, ficando na posse dos contactos telefónicos da família e amigos de AA3;

29. Na posse destas informações, o arguido forçou a vítima a enviar-lhe mais fotografias e vídeos íntimos, fazendo-a crer que se não acatasse tal ordem iria publicar nas redes sociais e enviaria aos seus pais e restante família os vídeos e as fotos que já tinha em seu poder;

30. O arguido publicou fotos da vítima em roupa interior, num perfil de Instagram ao qual tinha acesso por ter a password da ofendida, ficando visível a todos os utilizadores daquela rede;

31. Acresce que, em data não concretamente apurada, o arguido criou um perfil falso em nome da vítima na rede social “Instagram”, com o link https://www.instagram.com/..._okkkkk/, através do qual enviou uma mensagem a AA6, com uma foto, onde aparecia a vitima totalmente nua, frente a um espelho que se encontra no seu quarto, exibindo os seus órgãos genitais;

32. A vítima AA4 nasceu a D.M.2007 e reside na Praceta 4 – Seixal;

33. O arguido conheceu a menor, em Maio de 2022, quando esta tinha 14 anos de idade, através da aplicação/jogo on line “Free Fire”, iniciando com a mesma, logo após, uma ligação “amorosa”, com contactos regulares por mensagens e videochamadas, durante as quais se masturbam, sendo que o arguido gravou pelo menos algumas destas videochamadas;

34. O arguido tem no seu telemóvel o acesso directo aos perfis do Instagram e do Facebook da vítima AA4, respectivamente, “AA7” e “AA8”, sabendo as respectivas passwords;

35. Tem ainda acesso directo ao email pessoal da vítima AA4, AA9@gmail.com;

36. O arguido obteve as passwords das redes sociais e email da vítima AA4, mediante ameaça de contar à mãe desta sobre a relação “amorosa” de ambos, caso a mesma não lhas fornecesse;

37. Em data não concretamente apurada do mês de Maio de 2022, durante uma videochamada realizada por “Whatsapp” entre o arguido e a vítima AA4, aquele convenceu a menor a tirar a camisola e soutien mostrando-lhe os seios;

38. Ao mesmo tempo que esta o fazia, o arguido retirou o seu órgão sexual para fora das calças e masturbou-se em frente à menor;

39. A partir daí, em número de vezes não concretamente apurado, mas, pelo menos, uma vez por semana, durante o mês de Maio de 2022, nas videochamadas que mantinha com a vítima AA4, o arguido exigia que a mesma se despisse completamente, exibindo-lhe os seus órgãos genitais, ao mesmo tempo que aquele se masturbava, ou, se masturbavam ambos, em simultâneo;

40. O arguido conseguia impor à vítima AA4 que lhe exibisse o seu corpo desnudo, e, consequentemente que ele ou ambos se masturbassem durante as videochamadas, ameaçando-a de morte, bem como, de que iria contar à mãe dela sobre a “relação” que os mesmos mantinham, caso não o fizesse, e bem assim, de publicar as fotos/vídeos que possuía da mesma;

41. Designadamente, entre 14.05.2022 e 20.05.2022, o arguido enviou à vítima as seguintes mensagens, pela rede social Instagram:

- Eu vou te foder a vida puta de merda vou espalhar todas as fotos que tenho tuas em grupos do whatsapp…

- Vou publicar tudo

- Já que me trais vai no teu Insta e vê a merda que és

- Vou falar com a tua irmã

- Já tenho o número da tua mãe

- Juro que te vou foder a vida

- Mais vídeos vou por tudo

- Vou preso mas não tou nem aí não te vais rir da minha cara fdp

42. No dia 31.05.2022, pelas 07h, foram executados mandados de busca domiciliária na residência do arguido, sita na Rua 1, em Coimbra, tendo sido apreendido um telemóvel de marca “XIAOMI”, modelo MI A2 Lite”;

43. Realizado exame preliminar de informática forense ao referido telemóvel verificou-se, além do mais, o seguinte:

- O arguido tinha diversos “serviços Google, “Gmail” configurados nomeadamente AA9@gmail.com, AA10@gmail.com, AA11@gmail.com; AA12@gmail.com e AA13@gmail.com.

- O arguido tinha vários perfis de Instragram, mormente "AA7", “AA14", "AA8", "AA15”, “AA16", "AA17" e "AA18".

- Na aplicação para partilha de ficheiros na Internet, WhatsApp, foi possível extrair 1 (um) ficheiros de vídeo da pasta "Sent", localizada em "Mi A2 Lite\Armazen. interno partilhado\WhatsApp\Media\WhatsApp Video\Sent", pasta esta que guarda ficheiros partilhados com outros utilizadores, 0 ficheiro "VID-20220521-WA0002.mp4" partilhado em "25 maio 2022, 13:09". Este ficheiro corresponde a um vídeo com uma menor nua, tendo o mesmo sido gravado através da aplicação "V Recorder", instalada no equipamento;

- O arguido tinha um vídeo que recebeu de AA3, o qual partilhou através de aplicações instaladas no seu smartphone.

- Tinha diversas fotografias e vídeos das vítimas AA4 e AA2 de natureza pornográfica.

- Um vídeo de AA4, onde esta se masturba em simultâneo com o arguido;

44. No mesmo dia, foi apreendida ao arguido uma “pen drive” de marca “intenso”, nas quais se encontravam guardadas três pastas de ficheiros denominadas por “Q1-Xiaomi_Mi A2 Lite_IMEI_.............32”; “Q2-Xiaomi_Mi A2 Lite_IMEI_.............32” e “Q3-Xiaomi_Mi A2 Lite_IMEI_.............32”.

45. No interior da pasta denominada “Q3-Xiaomi_Mi A2 Lite_IMEI_.............32” encontrava-se uma outra pasta, com o nome “Xiaomi_Mi A2 Lite_IMEI_.............32_Videos-imagens”, contendo diversos ficheiros em formato MP4 vídeo armazenados na pasta “files” e de seguida na pasta “vídeo”;

46. Alguns desses ficheiros continham imagens, nas quais, eram visíveis os órgãos genitais da vítima, AA4, e, nos quais, esta se masturba em simultâneo com o arguido, tendo estes ficheiros, que também se encontram armazenados no telemóvel do arguido, sido produzidos através de videochamadas entre o arguido e AA4, ocorridas entre os dias 17.05.2022 e 21.05.2022;

47. O arguido conhecia a idade das menores e estava ciente que ao actuar da forma descrita perturbava e prejudicava, de forma grave e séria, o desenvolvimento da personalidade das mesmas, designadamente na esfera sexual, pondo em causa o normal desenvolvimento psicológico, afectivo e de consciência sexual destas, bem como limitava a sua liberdade de acção;

48. O arguido quis actuar como descrito, com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos e desejos sexuais, conversando, exibindo fotografias e vídeos, aliciando e constrangendo as menores para obtê-los, bem sabendo as respectivas idades, assim limitando a liberdade de autodeterminação sexual das menores, o que representou e conseguiu;

49. O arguido agiu com o propósito concretizado de utilizar e aliciar as vítimas a realizarem as fotografias e vídeos supra descritos, os quais deteve e partilhou, a fim de obter e proporcionar a si e a terceiros prazer sexual e satisfação de instintos libidinosos, o que fez com consciência de que em tais ficheiros constavam menores de idade, em poses e em comportamentos sexuais;

50. O arguido agiu com a intenção de provocar receio, medo e inquietação nas vítimas, como provocou, com o propósito de fazer com que estas lhe remetessem fotografias e vídeos de exibição dos seus órgãos sexuais, em poses e em comportamentos sexuais, assim procurando limitar a liberdade de determinação pessoal daquelas, o que conseguiu;

51. Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;

52. O arguido residia com a sua progenitora, e família, na residência da mesma;

53. Manteve relação íntima com AA19 e AA20, tal como outras relações platónicas nas redes sociais;

54. O arguido refere ter iniciado a sua vida amorosa muito cedo e associa esse início precoce a uma dificuldade de manter relações íntimas saudáveis e maduras;

55. Por volta dos 14 anos o arguido já residia com uma companheira, na habitação que partilha com a sua progenitora e família, numa relação análoga à marital;

56. O agregado é constituído pela progenitora do arguido AA21, 53 anos, desempregada; pelo padrasto, que identifica como progenitor, AA22, 40 anos, desempregado; pelo irmão AA22, de 18 anos, desempregado; pela irmã AA23, 21 anos, desempregada; pelo cunhado, companheiro de AA23, AA24, de 19 anos, desempregado; e pela sobrinha, filha de AA24 e AA23, AA25, de 2 anos;

57. Residem em habitação social de tipologia 4, em zona residencial do centro da cidade de Coimbra, sem problemas de ordem social relatados;

58. O arguido apresenta um percurso profissional caracterizado pelo desemprego de longa duração, com alguns trabalhos de carácter precário e de curta duração, na área da agricultura e venda ambulante;

59. Não dispõe de rendimento fixo, subsistindo com ajuda da sua família, principalmente dos seus progenitores, que beneficiam de Rendimento Social de Inserção e subsídios referentes a formações do IEFP que vão frequentando, não conseguindo identificar valores concretos, mas afirmando que o agregado consegue assegurar as suas necessidades básicas;

60. A família do arguido é acompanhada, há vários anos, pelo Centro de Assistência Paroquial de ..., que os referencia como um agregado cumpridor dos seus deveres, correctos e afáveis;

61. Na zona de residência, não há conhecimento da presente situação judicial do arguido, mas são conhecidas as anteriores problemáticas comportamentais, não havendo, no entanto, qualquer indicação de rejeição ou conotação negativa do mesmo;

62. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

(…)”.

B) Factos não provados

A matéria de facto não provada que provém da 1ª instância é a seguinte:

“ (…).

a) O arguido tivesse exigido a AA2 que o informasse com quem e onde se encontrava, mandando-a fotografar o local e as pessoas que estavam consigo;

b) O descrito em 39 dos factos provados ocorresse com uma cadência quase diária.

(…)”.

C) Fundamentação quanto à medida concreta da pena

“(…).

De acordo com o preceituado no art. 40º, n.º 1 do Código Penal, as finalidades da pena são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir o cometimento de crimes pelos cidadãos, incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte da comunidade.

A necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se, assim, “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal da necessidade da pena consagrado no art. 18º, n.º 2 da Constituição da República.

Segundo o art. 71º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

A prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”, o limite máximo é construído pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade; abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.

Na determinação da medida da pena, o limite máximo fixar-se-á na salvaguarda da dignidade humana do agente em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos” in Ac. S.T.J. de 13 de Dezembro de 2000, proferido no proc. n.º 2753/2000-3ª, publicado no SASTJ, n.º 46, pág. 39.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do arguido e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo se alcança uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.

A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso. Como ensina o Professor Figueiredo Dias (obra supra citada, pág. 230), “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”. O limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignidade da pessoa humana do delinquente (cfr. art. 40º, n.º 2 do Código Penal).

Estabelecida a forma como se conjugam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena, importa eleger os factores que revelam para a culpa e para a prevenção.

Na busca de tal desiderato, o juiz é auxiliado pelo art. 71º, n.º 2 do Código penal, o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos factores de medida da pena.

Quando se dá um concurso de infracções, ou seja, uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente antes de qualquer delas ter sido objecto de uma sentença transitada em julgado, o arguido deve ser condenado numa só pena, nos termos do disposto no art. 77º do Código Penal.

Assim, o Tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como se de crimes singulares se tratasse, para tanto seguindo o procedimento normal de determinação da medida da pena. Posteriormente, o Tribunal construirá a moldura penal do concurso: estabelece o art. 77º, n.º 2 do Código Penal que se somam as penas parcelares, assim se obtendo o limite superior da moldura abstracta aplicável; o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas parcelares.

Estabelecida a moldura penal do concurso, importa proceder à determinação da medida da pena única do concurso, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente.

Nesta operação, tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade do agente importa saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa ou apenas a uma pluriocasionalidade que não emana da sua personalidade.

*

No caso vertente, as necessidades de prevenção geral são elevadas atenta a proliferação exacerbada de crimes atentatórios da liberdade e autodeterminação sexuais, cuja prática causa forte alarme social e consternação na sociedade, sendo o bem jurídico a proteger de assinalável importância.

No que respeita à prevenção especial, deverá considerar-se que a mesma é mediana, dado que o arguido não tem antecedentes criminais registados.

Pesa contra o arguido:

- a intensidade da culpa, atenta a modalidade do dolo;

- o elevado grau de ilicitude do facto, considerando o modus operandi adoptado, tendo o arguido aproveitado a circunstância de ter conhecido das menores num jogo online e assim encetando conversas com as mesmas, por forma a convencê-las a enviarem fotos e vídeos de conteúdo sexual, por vezes recorrendo a ameaças com mal importante, bem sabendo que as mesmas eram menores e que tal comportamento afectava o desenvolvimento da sua personalidade, na vertente sexual;

- o longo período de tempo em que adoptou tais condutas: mais de dois anos;

- a sua fraca inserção social;

- as consequências bastante gravosas da sua conduta, considerando que se tratava de menores com 13, 14 e 15 que sofreram com a divulgação a terceiros das imagens de cariz sexual.

Pesa a seu favor:

- não ter antecedentes criminais;

- estar familiarmente inserido.

Tudo visto e ponderado, considera-se adequado à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial a aplicação das seguintes penas:

- um ano e nove meses pela prática de cada crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal;

- dois anos pela prática de cada crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) e 3 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal;

- um ano e nove meses pela prática de cada crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal;

- um ano e nove meses pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. no art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal;

- um ano pela prática de cada crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b) do Código Penal;

- dois meses de prisão pela prática de um crime de aliciamento de menor para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176.º-A, n.º 1 do Código Penal;

- um ano e oito meses, pela prática de cada crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal;

- um ano e dez meses pela prática de cada crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al.s b) e c) e 3 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 6 do Código Penal;

- um ano e oito meses, pela prática de cada crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal.

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Importa agora proceder à determinação da moldura do concurso das penas aplicadas ao arguido, nos termos do disposto no art. 77º, n.º 2 do Código Penal:

- o limite máximo fixa-se em vinte e cinco de prisão (cfr. art.º 41.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal;

- o limite mínimo fixa-se em dois anos de prisão.

Finalmente cabe fixar a pena única do concurso nos termos do disposto no art. 77º, n.º 1, parte final, do Código Penal.

Ora, tomando como base o número e o tipo de crimes praticados, a elevada ilicitude, o facto de serem três vítimas distintas, as consequências bastante gravosas dos crimes em causa para as menores que não só foram sujeitas ao constrangimento de partilharem imagens íntimas com o arguido, como acabaram por ver algumas dessas imagens expostas na internet, mas por outro lado, a ausência de antecedentes criminais, considera-se adequado aplicar uma pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

(…)”.

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Âmbito do recurso

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.

Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.

Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A excessiva medida da pena única;

- A substituição da pena única de prisão.

Haverá, também, que conhecer da, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, arguida nulidade do acórdão recorrido.

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Da nulidade do acórdão recorrido

1. Conforme já referido, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no Douto parecer emitido, arguiu a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal, por referência à alínea b) do nº 3 do art. 374º do mesmo código, por não constar do respectivo dispositivo, a pena parcelar imposta ao arguido, pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, c) do C. Penal, agravado nos termos do disposto no nº 7 do art. 177º do mesmo código, identificado na alínea d) de, A) Da parte criminal, de III – Decisão, do acórdão em crise.

O arguido nada disse.

Dispõe o art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa que, [a]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O dever de fundamentação da decisão judicial, aqui previsto, visa assegurar o seu pleno entendimento pelos destinatários imediatos e pela comunidade, permitindo, igualmente, o autocontrolo do respectivo autor, bem como, numa fase posterior, a fiscalização da actividade decisória do tribunal que a proferiu pelo tribunal de recurso.

No plano infraconstitucional, dispõe o art. 379º do C. Processo Penal – prevendo o regime privativo da nulidade da sentença –, no seu nº 1, a), que, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389-A e 391º-F.

In casu, releva apenas a ausência da menção referida na alínea b) do nº 3 do art. 374º do C. Processo Penal portanto, a ausência da decisão condenatória ou absolutória.

Vejamos.

2. Como é sabido, o dispositivo, segmento final da sentença, deve conter as disposições legais aplicáveis, a decisão condenatória ou absolutória, a indicação do destino a dar a animais, coisas ou objectos relacionados com o crime, com menção expressa das disposições legais aplicadas, a ordem de remessa de boletins ao registo criminal e a data e assinatura dos membros do tribunal (art. 374º, nº 3 do C. Processo Penal).

No que à decisão condenatória respeita, pois foi condenatório o acórdão recorrido, deve constar do dispositivo, em caso de concurso de crimes, como é o dos autos, a pena aplicada a cada crime, e a pena única aplicada ao concurso.

Esta exigência legal é fácil de entender, uma vez que o conteúdo da decisão condenatória (ou absolutória, diga-se) é essencial para a fixação do caso julgado. Daí que a omissão, ainda que parcial, deste elemento no dispositivo da sentença determine a sua nulidade, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal.

Pois bem.

O dispositivo do acórdão recorrido tem o seguinte teor [transcrição parcial, sinalizando-se a negrito o segmento onde se verifica a omissão da pena]:

III – Decisão

A) Da parte criminal:

Em face do exposto, delibera o Tribunal Colectivo, julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, com a convolação operada em audiência, e em consequência:

a) Absolver o arguido da prática de um crime de aliciamento de menor para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176.º-A, nºs 1 e 2 do Código Penal;

b) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e nove meses de prisão;

c) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de cinco crimes de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c) e 3 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, por cada um deles;

d) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, previsto art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal;

e) Condenar o arguido AA1, como autor material, e na forma consumada, de dois crimes de pornografias de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal (na redacção em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano e nove meses de prisão, por cada um deles;

(…).

m) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de seis anos e seis meses de prisão;

(…).

Consta da alínea d) do ponto A da Decisão, a condenação do arguido AA1 pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto art.º 176.º, n.º 1, al. c) do C. Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do mesmo código, mas aí não consta a pena concreta imposta por tal prática.

É evidente que se trata de um lapso de escrita, porventura causado na operação «copiar/colar» [a pena concreta de prisão omitida será, aparentemente – na verdade, o texto do acórdão não é, nesta parte, claro –, a que é identificada na fundamentação de direito relativamente à determinação da medida concreta das penas parcelares, como sendo a pena de um ano e nove meses pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. no art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, agravado nos termos do disposto no art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal], mas, porque tem por objecto, conforme já dito, a própria essência da decisão – a decisão condenatória ou absolutória, ainda que em parte –, a lei do processo impede a sua submissão ao regime legal da correcção da sentença (art. 380º nº 1, a), do C. Processo Penal), antes a sujeitando ao regime da nulidade da sentença (art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal).

Diga-se, por último, que a circunstância de a omissão da decisão condenatória se reportar, não a toda a decisão, mas apenas a uma sua componente, não afecta a verificação da apontada nulidade.

3. Em suma, enferma o acórdão recorrido da nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal, com referência ao art. 374º, nº 3, b), do mesmo código, devendo a mesma ser declarada e ordenada a prolação de novo acórdão que a supra.

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A existência da apontada nulidade e suas consequências prejudica o conhecimento das questões submetidas pelo recorrente ao conhecimento deste Supremo Tribunal.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em declarar verificada a nulidade do acórdão recorrido, prevista na alínea a) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal, com referência ao art. 374º, nº 3, b), do mesmo código e, em consequência, ordenam a prolação de novo acórdão, pelo mesmo tribunal, suprindo a verificada nulidade.

Recurso sem tributação por não ser devida.

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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

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Lisboa, 25 de Setembro de 2025

Vasques Osório (Relator)

Ernesto Nascimento (1º Adjunto)

Jorge Jacob (2º Adjunto)