PENHORA
NULIDADE
REGISTO PREDIAL
TRATO SUCESSIVO
DESCRIÇÃO PREDIAL
REGISTO DEFINITIVO
IMOVEL
EXECUÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
ABUSO DE DIREITO
Sumário


Sumário elaborado pelo relator nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPC
Se a realidade física que conta do registo predial for diferente da realidade física atual, tal não gera nulidade do registo predial, por não se enquadrar na al.ª c), do art.º 16.º, do CRP.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I.- Relatório

Recorrente: AA, BB e CC

Recorrida: Caixa Geral de Depósitos, S. A. (CGD) e DD

*

1.-. AA, BB e CC, intentaram a presente ação declarativa comum, contra Caixa Geral de Depósitos, S. A. (CGD) e DD, pedindo que seja declarada a nulidade do registo de penhora realizado com base na AP. 19 de 2021/05/06 - sobre quatro prédios registados em nome dos AA. na Conservatória do Registo Predial (CRP), lavrado no âmbito de uma execução instaurada pela Ré e que corre termos sob o n.º 91/21.9T8ANS - e o consequente cancelamento.

Alegaram, em síntese:

O registo de penhora de quatro bens imóveis, efetuado pela 2ª Ré, na qualidade de agente de execução nomeada no âmbito da execução n.º 92/21.9T8ANS, em que é exequente a CGD e executados os AA. - sobre:

- um prédio rústico com a área de 5 400 m2, composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras;

-um prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção com a área de 18 400 m2;

- um prédio urbano composto de barracão com três divisões que se destina a sanitários, acessórios, forja, reparação e guarda de viatura, máquinas agrícolas e escritório e logradouro, com a área coberta de 1200 m2 e descoberta de 1000 m2;

- e um prédio urbano composto por barracão que se destina a estação de serviço, armazém, sanitários e casa para pessoal e logradouro, com a área coberta de 440 m2 e descoberta de 1400 m2

- padece de nulidade, porquanto a realidade que o registo publicita, constante das quatro descrições prediais, não tem qualquer correspondência com a realidade efetiva e atual existente nos prédios em causa e ao tempo da penhora;

- em parte daqueles prédios e em terrenos contíguos àqueles, passou a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona, inclusivamente, uma unidade industrial.

2.- A Ré CGD contestou, alegando, nomeadamente:

- instaurou a dita ação executiva contra os AA. e a sociedade Always Special - SGPS, S. A., no valor de € 13 012 612,74; os AA. figuram como executados por terem avalizado uma livrança subscrita pela Always Special, entregue à Ré para garantia do cumprimento de responsabilidades assumidas perante esta, e cuja obrigação de pagamento foi incumprida;

- a 2ª Ré procedeu em conformidade e registou a penhora sobre os referidos imóveis; em 16.01.2017, o A.BB celebrou por escritura pública um contrato de Partilha com Assunção de Dívidas, onde declarou como verbas 29 e 30 do ativo os prédios identificados no art.º 1º da petição inicial (p. i.) dos presentes autos sob as alíneas a) e b), dispondo dos mesmos imóveis, identificando-os ipsis verbis com a descrição que consta nas certidões prediais e matriciais;

- nos anos de 2017, 2020 e 2021 os AA. dispuseram dos prédios agora penhorados, invocando a composição dos mesmos tal como se encontra registada, sem a questionar e sem nunca antes diligenciar pelos averbamentos à descrição, por forma a corrigir e atualizar a composição dos imóveis, apesar de, em relação a um dos prédios, terem inclusivamente promovido a alteração das respetivas áreas;

- ao longo de pelo menos 15/20 anos, os AA. mantiveram-se totalmente impassíveis, sabendo que sobre si recaía a referida obrigação de atualizar a descrição dos mesmos prédios na respetiva matriz.

Concluiu pela improcedência da ação e pediu a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

3.- Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a matéria de exceção invocada pela Ré CGD [inadequação do meio processual escolhido pelos AA. e (in)tempestividade do pedido de declaração judicial da nulidade do registo da penhora e seu cancelamento], declarou a 2ª Ré parte ilegítima - absolvendo-a da instância -, firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova1 .

4.- Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 01.6.2024, julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré CGD do pedido.

5.- Dizendo-se inconformados, os AA. apelaram.

6.- Em 28/1/2025 foi proferido acórdão terminando com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos AA./apelantes”.

7.- Mais uma vez inconformados recorreram do acórdão, agora, com revista excecional, invocando as alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 672.º, do C.P.C., terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem:

A) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1. O Acórdão proferido, e de que ora se recorre, confirmou a decisão proferida em Primeira Instância, louvando-se em idêntica fundamentação, não tendo atentado, com o muito devido respeito, nas Conclusões formuladas pelos Apelantes e nas questões de Direito suscitadas, limitando-se a concluir que o registo de penhora posto em crise não se encontra ferido de nulidade, por aplicação do disposto no art. 16.º, do CRP.

2. A suscitada nulidade do registo de penhora, pelas razões que a seguir se explicitam, consubstancia uma questão de especial complexidade e relevância jurídica, merecedora da intervenção deste Supremo Tribunal, porque necessária a uma melhor aplicação do direito, assumindo também, um interesse de particular relevância social, pois que se coloca em crise a certeza e a segurança jurídica inerentes às regras e aos fins da publicitação registral.

3. São três as questões que as instâncias “a quo” decidiram erradamente e que, pela sua nuclear relevância no sistema jurídico português, se impõe que sejam reapreciadas e melhor decididas por este Venerando Tribunal, para uma melhor aplicação do Direito.

4. Primeira: Importa saber se o registo definitivo de penhora de imóveis, lavrado ao abrigo do actual artigo 755.º, do Código de Processo Civil, deve, atento o direito consagrado nas normas previstas nos arts. 16.º, al. c), e 79.º, nºs 1 e 2, ambos do CRP, ser declarado nulo quando o teor das correspondentes descrições prediais deixaram de corresponder à realidade material e até jurídica actual dos respectivos prédios e, em termos tais, que o simples confronto do teor da descrição predial com a descrição verdadeira dessa realidade física actual, não permite identificar cada prédio através da correspondência, entre si, dessas distintas descrições (a das tábuas registrais e a da verdade material resultante, até, da própria inspecção judicial efectuada nos autos, assim resultando ofendidas a fé pública e a segurança do comércio jurídico imobiliário, finalidade última do Registo Predial).

5. Segunda: saber se o próprio acto da(s) penhora(s) sub iudice - que, atento o disposto no art.º 755.º do CPC, se corporiza na inscrição registral predial do(s) correspondente(s) ónus sobre certo e determinado bem imóvel (que, por ser imóvel, está necessariamente sujeito a registo) – é (ou não), também ele, nulo, por decorrência necessária da nulidade supra identificada, na conclusão antecedente.

6. Terceira: clarificar o que cremos ser indiscutível (pese embora contrariando o entendimento perfilhado pelas instâncias “a quo”), que, perante a legislação aplicável, a correcção das discrepâncias factualmente comprovadas entre o teor das descrições tabulares prediais vigentes e a realidade física actual dos prédios configura um ónus que incide tanto sobre o dominus do(s) prédio(s) inscrito(s) como tal, quanto sobre o credor beneficiário primeiro da correspondente penhora (cfr. art. 38.º, n.º, 1, al. c), do CRP), e que o instituto do abuso de direito (art. 334.º do C. Civil), enquanto cláusula geral, apenas opera quando as demais previsões normativas aplicáveis não lograrem solução para o caso.

7. A aplicação desta norma geral (abuso de direito) – a que as instâncias apelaram – não pode ter lugar no presente caso, tanto mais que se o R., logo após a citação para esta acção, tivesse preenchido esse ónus de correcção da descrição predial não verdadeira, e oferecido aos autos certidão das descrições tornadas conformes com a realidade, e outra solução não seria possível que não a extinção da presente instância atenta a sua inutilidade superveniente por força de tal correcção.

Oferecendo o direito aplicável solução para o caso (onerando o credor, também, com o ónus de corrigir a descrição e tornar válida a penhora), nunca a invocação da nulidade deste registo pelos titulares do bem pode ser julgada ilegítima ou abusiva, enquanto aquele não preencher o respectivo ónus correctivo, sob pena de ser inútil qualquer norma de direito que não a plasmada no art. 334.º, do C. Civil.

8. Na previsão do disposto no actual art. 755.º do CPC, a penhora de um bem imóvel deixou de ser resultante de um acto corporizado num Auto e que constituía o Título para o registo (antigo Auto de Penhora), passando a ser efectuada, ou “realizada”, de acordo com a lei, através de uma inscrição registral, sendo que esta, conjuntamente com a descrição predial sobre a qual incide, nos deve apontar para a identificação concreta do bem imóvel apreendido para os autos.

9. Sendo agora a penhora constituída pelo próprio registo (e não por qualquer documento que lhe sirva de base), a identificação do bem penhorado será a que resultar da descrição predial sobre a qual incide a respectiva inscrição registral.

Se o que se mostra retratado no Registo deixou de corresponder à realidade física, económica e fiscal existente no local, e se não é possível, a partir dos elementos ali constantes, identificar qualquer linha poligonal delimitadora do prédio, o registo assim alcançado cria uma dúvida insanável sobre a identidade do bem apreendido.

10. Se a descrição aponta para uma realidade inexistente, o registo, outrora realizado como definitivo, deve ser declarado nulo por dúvida ou incerteza sobre o objecto apreendido (não se trata de um imóvel delimitado, onde se tenha levado a cabo uma construção, mas de um conjunto de imóveis contíguos, onde foram levadas a efeito diversas construções de imóveis, arruamentos, parques de estacionamento - cf. a matéria dada como provada nos autos -, tornando impossível identificar, no local, onde começa e termina cada prédio que outrora existiu com a configuração que, presentemente, está retratada no registo).

11. A penhora, ao abrigo do art. 755.º do CPC, realiza-se pelo registo, e é por este que se publicita, “erga omnes”, a concreta identificação do imóvel penhorado, nos termos constantes da descrição predial – de modo a que ele não possa ser confundido com qualquer outro, o que faz dele uma realidade una e única. O registo da penhora, pela sua natureza constitutiva, consubstancia a própria apreensão do imóvel, enquanto acto processual.

12. A douta Sentença proferida na Primeira Instância e, também, agora o douto Acórdão Recorrido entenderam que, se tivermos em consideração a soma das áreas dos quatro prédios penhorados, é possível saber, através do registo, o que está penhorado, pelo que não é nulo o registo de penhora, mas uma tal conclusão, com o devido respeito, ofende o fim e os princípios do Código de Registo Predial, na sua conjugação com o disposto no art. 755.º, do CPC, onde se consagra que a penhora do bem imóvel se corporiza no próprio registo, sendo este o título efectivo da sua apreensão.

13. Nos termos da alínea c), do art. 16.º, do CRP, o registo é nulo “quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere”, e o certo é que, neste caso concreto, como se provou, o registo lavrado não reflecte qualquer objecto (prédio) que seja identificável no local, não sendo possível identificar no local qualquer um dos prédios que o registo considera como penhorado.

14. A ratio deste preceito está em linha com os princípios de natureza registral que norteiam e perpassam todo o CRP e que almejam a certeza e segurança do comércio jurídico imobiliário e a valorização da fé pública registral.

15. À luz dos princípios consagrados neste diploma e dos seus propósitos, cada facto registado deve traduzir, com verdade e certeza, a realidade física existente no prédio a que se refere o registo, realidade esta delimitada, determinável, e referente a um perímetro determinado, não se admitindo qualquer inexactidão quanto ao objecto do facto registado.

16. Na nossa Jurisprudência não encontramos decisão sobre a melhor interpretação do actual art. 755.º do CPC (nos termos do qual o registo passou a ser o próprio título da penhora que consubstancia a efectiva apreensão dos bens para a acção executiva), na sua conjugação com as regras existentes no Registo Predial (Fé Pública e Segurança Jurídica), atenta a natureza constitutiva deste registo, quando estejam em causa diversos prédios contíguos, importando, por isso, que este Tribunal se pronuncie sobre a questão suscitada, atenta a sua relevância jurídica para uma melhor aplicação do Direito.

17. Tal questão, além da relevância jurídica, assume também uma substancial relevância social, na medida em que, ao registo da penhora, seguir-se-á a venda judicial dos bens penhorados no processo, publicitada a partir do registo de apreensão, pelo que a segurança do Cidadão só é alcançada se o registo publicitar o que, na verdade, existe (Princípio da Fé Pública).

O que consta nas tábuas do registo não pode ser enganoso ou falacioso!

18. A questão suscitada no presente Recurso de Revista assume, assim, além da importante relevância jurídica, particular relevância social, pois que está em causa a confiança que o Estado deve proporcionar ao Cidadão no âmbito de um processo judicial.

19. Perante todo o exposto, encontram-se preenchidos os requisitos previstos na Lei para a admissibilidade desta revista excepcional, nos termos e ao abrigo do disposto na alíneas a) e b), do art 672.º, do CPC, o que, muito respeitosamente, se requer a V. Excelências.

B) DOS FUNDAMENTOS DA REVISTA

20. O douto Acórdão Recorrido não atentou na argumentação expendida pelos Apelantes, nas Conclusões formuladas e nas questões jurídicas suscitadas, onde se demonstrou que, efectivamente, o registo da penhora em causa deveria ser declarado nulo, nos termos do disposto na al. c), do art. 16.º, do CRP.

21. O Acórdão Recorrido, seguindo o entendimento perfilhado em Primeira Instância, parte e assenta, com o muito devido respeito, no errado pressuposto de que o Exequente estaria dependente dos Executados para corrigir a descrição predial dos bens penhorados, através do competente averbamento. Este erro, rectius errado pressuposto, foi a nosso ver, determinante na linha de raciocínio seguida pelo Tribunal “a quo” e que culminou com a decisão de improcedência da apelação (e, cremos, foi também determinante quanto ao juízo aí formulado sobre a questão do “abuso de direito”).

22. Por via da acção instaurada, pretendem os AA. e aqui Recorrentes ver declarado nulo o registo de penhora realizado com base na AP. 19 de 2021/05/06, e que incide sobre quatro prédios registados em nome dos Autores na Conservatória do Registo Predial, pois que, como se deixou provado, ilidindo a presunção “iuris tantum” constante do art. 7.º, do CRP, o mesmo enferma de omissões e inexactidões, das quais resulta incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere.

23. Os AA. lograram demonstrar, por via da prova efectuada nos Autos (prova documental, prova testemunhal e inspecção ao local), os requisitos de procedibilidade da acção, razão pela qual, contrariamente às decisões proferidas, deveria ter sido julgada procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente, declarada a nulidade do registo de penhora lavrado, ao abrigo da citada al. c), do art. 16.º, do CRP.

24. O Acórdão proferido não tomou em consideração que, à luz do que foi provado na acção, o que se encontra presentemente publicitado no registo mais não é do que uma mera ficção, pois que, aquilo que o registo publicita e faz constar das referidas descrições prediais penhoradas não existe de facto, não tem actualmente qualquer correspondência com a realidade física, económica e fiscal efectivamente existente nos imóveis em causa.

25. Nenhuma das descrições prediais sujeitas ao registo de penhora, cuja nulidade se pretende ver declarada, aponta para qualquer realidade física, económica ou fiscal efectivamente existente, pelo que está posta em causa a verdadeira identidade de cada um dos prédios penhorados, e que, para cumprimento das exigências do Registo Predial, terá que corresponder a uma certa e determinada porção de terreno delimitada no espaço – o que no caso concreto, como decorre dos Autos, não sucede, pondo em causa a certeza e segurança do registo.

26. Entre os factos dados como provados na douta sentença proferida em Primeira Instância consta o seguinte (sublinhados nossos): “tal como se encontram descritos nas respectivas fichas prediais junto da Conservatória do Registo Predial, os prédios acima identificados em 1, não têm correspondência com a realidade actual, pois no respectivo espaço físico onde esses prédios se localizam não é possível identificar um “pinhal com mato”, uma “terra de cultura com oliveiras”, uma “parcela de terreno” e “dois barracões”; e ainda “essa falta de conformidade ou de correspondência é consequência de diversas construções levadas a cabo em tais prédios e em terrenos contíguos àqueles, passando a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona também uma unidade industrial”.

27. Provado que foi que a realidade publicitada no registo não corresponde à realidade física do seu objecto, que a atentar no que se mostra “publicitado” não é determinável uma qualquer porção de terreno que possa assemelhar-se à realidade física existente no local, e que as divergências apuradas são de tal modo acentuadas que põem em causa a identidade de cada um dos prédios, impunha-se decisão diferente, pois que ficaram demonstrados os requisitos ou pressupostos de procedência da acção e, consequentemente, de declaração de nulidade do(s) registo(s) efectuado(s).

28. A manutenção do(s) registo(s) de penhora em causa, porque publicita uma realidade que efectivamente não existe, e as decisões proferidas pelos Tribunais “a quo”, porque sustentam a manutenção de um registo que comprovadamente não retrata a realidade física dos prédios a que respeita, põem em causa os princípios fundamentais que regem em matéria de Direito Registral e ferem, irremediavelmente, a valorização da fé pública que o Código do Registo Predial pretende estabelecer, a presunção de verdade e exactidão subjacentes a cada registo, pelo que se mostram desconformes com a Lei e o Direito.

29. Nos termos dos n.º 1 e 2, do art. 79.º do CRP, a “descrição” tem por fim a “identificação física, económica e fiscal dos prédios”, sendo que “de cada prédio é feita uma descrição distinta”. As decisões que ora se põem em crise tomaram como base do seu raciocínio uma área global dos prédios, ou seja, a globalidade da área ocupada pelos ditos quatro prédios (e, ainda, outros prédios contíguos), mas não tomaram em consideração que o Registo Predial trata cada um dos imóveis, de per se, sendo certo que o prédio, rectius, cada prédio em concreto, é o centro da actividade registral.

30. Apesar de quaisquer alterações que venham a ocorrer, o prédio, enquanto realidade física, terá que manter sempre a sua identidade, pelo que quaisquer construções ou edificações construídas sobre o prédio têm de caber dentro da linha poligonal do imóvel correspondente à descrição predial original (cf. Jorge de Seabra Magalhães, supra citado).

31. O registo da penhora, nos termos em que se encontra efectuado e por causa das omissões e inexactidões que se apuraram, é objectivamente gerador de dúvidas e incertezas sobre a identidade do seu objecto, pois que as descrições prediais que lhe estão subjacentes não foram objecto dos necessários averbamentos de actualização ou rectificação, destinados à sua harmonização com a realidade física existente.

32. As divergências verificadas entre o registo e a realidade física de cada prédio penhorado, objectivamente enquadráveis no citado art. 16.º, al. c) do CRP, determinam a nulidade do registo de penhora, nulidade esta que urge declarar a bem da reposição da Legalidade, da Fé Pública e da Certeza e Segurança Jurídicas.

33. A factualidade apurada e os factos dados como provados naquele aresto impunham a procedência do pedido de nulidade do registo, pelo que, ao concluir nos termos em que o fez, o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal “a quo” fizeram uma errada avaliação do significado e dos propósitos da norma em apreço, não considerando, ainda, as regras e os Princípios que regem o Registo Predial.

34. Nos termos da Lei, a penhora tem, necessariamente, de se reportar a um prédio em concreto, nos termos em que o Registo Predial o define: uma realidade física, económica e fiscal, com todos os elementos de identificação que determinem que ele não possa ser confundível com qualquer outro, tudo corporizado numa determinada descrição predial.

35. O registo de penhora lavrado precede o respectivo acto de venda judicial, pelo que, se no local o que existe é uma realidade física como a supra-descrita na Sentença proferida em Primeira Instância e se as descrições prediais sujeitas à penhora não traduzem aquela realidade, apontando para algo que na verdade não existe, tal registo é, por si, totalmente enganoso, o que não é compatível com a certeza e segurança que o Registo Predial determina, nem com as regras da venda judicial (cf. art. 838.º, n.º 1, do CPC).

36. “As descrições podem ser actualizadas, rectificadas e alteradas através de averbamentos, a pedido do interessado com legitimidade para o efeito e até oficiosamente em determinadas situações (artigos 88.º a 90.º e 120.º do Código de Registo Predial), uma vez que a verdade tabular deve coincidir com a verdade objectiva, dando, assim, expressão material e efectiva a um dos princípios gerais em matéria registral, que é o da concordância entre o registo e a realidade.” (cf. do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 2023-12-07, Processo: 682/20.7T8TMR.E1, citado no próprio Acórdão Recorrido).

37. Na previsão do art. 755º, do CPC, a penhora de bens imóveis no âmbito do processo executivo realiza-se através do registo - rectius, do registo de penhora que deve recair sobre o imóvel em causa e concretamente identificado, nos termos previstos no Código de Registo Predial -, pelo que esta penhora, outrora alcançada através do denominado Auto de Penhora, passou a efectuar-se através do registo na Conservatória do Registo Predial, o que determinou que este registo tenha que ser considerado como de efeito constitutivo.

38. Fruto da sua natureza constitutiva, o registo da penhora e o objecto penhorado (o prédio, em concreto), passaram a ser uma realidade inseparável, pois que o Título está consubstanciado no próprio registo, sendo através deste que se logra a apreensão efectiva do imóvel no âmbito de um processo judicial.

39. No caso concreto, a apreensão judicial levada a efeito por via do registo de penhora, não tem qualquer correspondência com a realidade, facto este gerador de uma dúvida insanável, pois que só podem ser vendidos no processo os bens imóveis que foram efectivamente identificados no registo de penhora, enquanto acto constitutivo, e não quaisquer outros, sendo que, não estamos sequer perante uma mera desconformidade quanto à composição ou área de um certo e determinado prédio, mas perante inexactidões ou omissões suficientemente graves que põem em causa a verdadeira identidade de cada um dos prédios penhorados.

40. As edificações efectuadas nos prédios em causa ultrapassaram as respectivas linhas poligonais dos mesmos, pondo em causa a verdadeira identidade de cada prédio.

Demonstrado ficou nos Autos que estamos perante um vasto conjunto de construções levados a cabo em diversos prédios, não sendo possível identificar cada um deles e aquilo que está implantado no perímetro de cada um – incerteza esta plasmada, inclusive, no edital lavrado pela Sra. Agente de Execução, e no qual esta faz constar a menção “presumindo-se que este artigo faça parte do imóvel em questão, não tendo sido possível confirmar isso mesmo”.

41. Como é consabido, a venda judicial ou extrajudicial de uma herdade, ou a sua penhora, ainda que não haja dúvidas sobre a sua exacta localização e identificação e ainda que a mesma se encontre devidamente murada, apenas é possível, à luz do nosso ordenamento jurídico, através da venda e respectivo registo de cada um dos prédios que a compõem, identificados pela respectiva descrição e artigo matricial, não bastando identificar a herdade pela sua designação.

42. O Tribunal “a quo” ao “tratar” os bens imóveis em causa como se de um único imóvel se tratasse, pôs em causa o Princípio da Especialidade e da Individualização, consignado no nº 2, do art. 79.º, do CRP.

43. Perante as comprovadas divergências existentes entre a realidade física dos prédios penhorados e o respectivo registo, deveria a Exequente ter promovido as diligências necessárias à actualização e harmonização das descrições prediais correspondentes aos prédios penhorados, por forma a que estas passassem a retratar a realidade e pudessem ser objecto de apreensão e venda judicial.

44. O acto omissivo dos AA (ou do Grupo de Empresas existente no local), ao não ajustarem os prédios à realidade existente, poderá, na perspectiva do credor, ser criticável, mas tal opinião, por comum que fosse, não se sobrepõe à lei e ao dever ou ónus legalmente prescrito (Cf. nº 2, do art. 8.º, do Código Civil).

E se as partes recorrem a juízo para a resolução de um litígio, cada uma delas tem o direito de usar a lei em seu benefício.

45. Na verdade, como consabido, o titular de um imóvel não é legalmente obrigado a registá-lo, a seu favor, na Conservatória do Registo Predial, sendo que tal omissão em nada prejudica o credor, pois que a lei lhe confere a possibilidade de, legitimamente, se substituir ao Executado e proceder ao imediato registo da penhora sobre o bem em causa, de modo a poder pagar-se do seu crédito pelo produto da venda judicial do bem.

46. E se o Devedor não está obrigado a registar os seus bens imóveis, por maioria de razão não está obrigado a promover as suas actualizações no registo, fruto de quaisquer alterações levadas a cabo no imóvel, sendo que uma tal omissão também não prejudica o credor, que goza, também, de toda a legitimidade para, na perante a inércia do titular inscrito, se substituir ao proprietário do bem e promover as respectivas alterações no Registo Predial, como decorre do art. 38.º do CRP. Esta, a solução normativa consagrada pelo Legislador!

47. Se os Executados não procederam às referidas actualizações junto do Registo e da Matriz, poderia, rectius, deveria a CGD ter promovido as respectivas alterações, procedendo aos averbamentos respectivos na CRP, através do recurso ao mecanismo previsto na lei e consubstanciado no art. 38.º, nº 1, alínea c), e art. 32.º e nº 3. do art. 130.º, do CIMI, sob pena de, não dando cumprimento a tal ónus legal, o bem não poder ser alienado para satisfação do seu crédito (visto que a inscrição registral da penhora será nula e, consequentemente, não será legalmente possível a venda (judicial) sem que tal inscrição haja sido feita, e feita validamente).

48. O douto Acórdão que agora se põe em crise, veio acolher a tese perfilhada pela Primeira Instância, e onde se concluía que os AA, atento o seu acto omissivo na actualização da identificação dos bens imóveis, estão “(...) impedidos de lançar mão da presente acção, pois que, a sua eventual procedência, poderia ser paralisada por eventual abuso de direito” – conclusão esta que os AA. não podem aceitar, pelas razões já referidas anteriormente.

49. O ónus de corrigir qualquer discrepância existente entre a descrição predial e a realidade física existente no imóvel penhora recai não só sobre o titular inscrito do prédio, mas também sobre o credor que o logrou penhorar (cf. art. 38.º, n.º 1, al. c), do CRP), pelo que, no dizer da lei e contrariamente ao referido no Acórdão Recorrido, o credor exequente, na sua qualidade de interessado inscrito, mercê do registo da penhora, não fica dependente da inacção do executado/devedor, tendo legitimidade para se substituir a este na realização de tais averbamentos, após requerer a notificação judicial do proprietário inscrito.

50. Acresce ainda que a relação jurídica decorrente de um processo executivo, e designadamente quando estamos perante a eventual venda judicial de um imóvel, não se confina a um interesse estritamente privado entre o Exequente e Executado, havendo que reconhecer a existência de um Interesse Público a preservar e acautelar.

51. É em nome desse Interesse Público que a lei exige o registo da penhora sobre o bem imóvel, como forma de proteger a segurança do mercado imobiliário e do Cidadão, estando em causa a credibilidade do Estado e a realização da Justiça. Como bem refere Rocheta Gomes, a publicidade registral visa o interesse público, facto que justifica estar “nas mãos do estado”.

52. Na sua função publicista – e que no caso concreto é, também, o cerne do acto apreensivo –, o que é anunciado no registo tem de corresponder à realidade, sendo que a publicidade constante do registo há-de apontar no sentido de uma tendência permanente para a inteira correspondência entre a realidade jurídica e a realidade tabular.

53. A ideia-força vertida no Acórdão recorrido, mais não representaria do que um acto punitivo para os Executados, na medida em que estes se veriam impedidos de discutir em juízo se um acto de registo é nulo por violação de uma norma contida no Código de Registo Predial.

54. A norma em causa é de Direito Público e, como tal, para além do interesse das Partes no processo, está em causa o Interesse Público, pelo que não se vislumbra como é que a eventual procedência da acção poderia conduzir à paralisação do direito invocado, pela aplicação do Instituto do Abuso de Direito.

55. O Instituto do Abuso de Direito (art. 334.º do C. Civil), enquanto cláusula geral, consubstancia uma solução de último reduto, que apenas opera quando as demais previsões normativas aplicáveis não logrem solução ao caso, nunca a invocação da nulidade deste registo pelos titulares do bem pode ser julgada ilegítima ou abusiva, ou “paralisada por eventual abuso de direito” enquanto o credor não preencher o respectivo ónus correctivo que sobre si também recai, pois que está na sua disponibilidade, ao abrigo da Lei, corrigir a descrição e tornar válido o registo de penhora.

56. O eventual reconhecimento dos pressupostos para a verificação de tal nulidade não interessa apenas aos Autores, mas sim à ordem jurídica e à confiança que esta deve gerar no Cidadão, estando em causa a presunção de verdade que é típica do Registo Predial, pelo que, face aos interesses de natureza pública subjacentes, haverá que reconhecer que não houve qualquer actuação que possa configurar situação de abuso de direito, ou uso de processo ilegítimo, nos termos e para os efeitos consignados no art. 334.º do CC.

57. Os Autores, ao instaurarem a presente acção, não excederam, a qualquer título, muito menos manifesta ou abusivamente, o seu direito, não tendo a presente acção perturbado o regular andamento do processo executivo instaurado contra os aqui AA., nem tendo despojado ou retirado qualquer direito ao Credor/ Exequente, pelo que nenhum prejuízo lhe acarretou esta acção.

58. O Acórdão em crise, ao julgar a acção improcedente, violou o disposto no art. 16.º, al. c); e os arts. 1º; 7º; 79.º, nº 1 e 2; e 82.º, todos do CRP, ao mesmo tempo que não tomou em consideração o disposto no arts 38.º, nº 1, alínea c), do mesmo CRP, bem como o art. 130.º, nº3, do CIMI; e os arts. 755.º e 334.º do Cód. Proc. Civil.

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE A PRESENTE REVISTA SER ADMITIDA, CONSIDERANDO-SE PROCEDENTES AS CONCLUSÕES FORMULADAS, MAIS DEVENDO SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE NULO O REGISTO DE PENHORA LAVRADO EM CONSEQUÊNCIA DA AP. 19 DE 2021/05/16, E QUE RECAI SOBRE OS PRÉDIOS DESCRITOS NA 2.ª CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE LEIRIA SOB OS N.OS ..42, ..64, ..72 E ..73, TODOS DA FREGUESIA DE SANTA CATARINA DA SERRA, E, CONSEQUENTEMENTE, ORDENE O CANCELAMENTO DE TAL REGISTO DE PENHORA JUNTO DA RESPECTIVA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL, ASSIM SE FAZENDO

JUSTIÇA!”

8.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu a recorrida - CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“I - Conforme resulta do disposto no artigo 608.º, n.º 2, em conjugação com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto.

II - O recurso de revista excecional interposto pelos Recorrentes carece de fundamento, não se subsumindo o presente caso às alíneas do artigo 672.º, n.º 1 do CPC.

III - A questão já apreciada e decidida pelos Tribunais a quo não é nova no ordenamento jurídico e não motiva debate doutrinário, tendo o acórdão recorrido apenas seguido a interpretação uniformemente adotada na jurisprudência e doutrina.

IV - Embora os Recorrentes tentem transformar a questão apreciada numa questão diferente, que alegam ser inovadora no ordenamento jurídico, tal é evidentemente improcedente, bastando atentar na motivação do acórdão recorrido para compreender a manifesta distorção realizada pelos Recorrentes das questões de direito em causa.

V - De igual modo, a questão in casu não apresenta particular relevância social, uma vez que não se vê como possam estar em causa aspetos fulcrais para a vida em sociedade que gerem sentimentos de injustiça, inquietação ou insegurança.

VI - Não basta para tal a mera alegação de um interesse público ou de um hipotético terceiro que poderia ser prejudicado.

VII - Pelo que o recurso interposto pelos Recorrentes não deve ser admitido.

VIII - Acresce que, mesmo que tal não se considere, no que não se concede, o recurso interposto pelos Recorrentes carece em absoluto de fundamento, visando unicamente obstar ao cumprimento judicial das suas obrigações.

IX - Os Recorrentes fundamentam o seu recurso no entendimento diverso do Tribunal a quo relativo ao preenchimento do âmbito de aplicação da alínea c) do artigo 16.º do CRP, bem como da aplicação do instituto do abuso de direito à sua conduta.

X - A Recorrida não concebe a motivação pela qual os Recorrentes afirmam que o Tribunal a quo teve como base do seu raciocínio a globalidade da área ocupada pelos quatro prédios, ao invés da área total e individual de cada um deles.

XI - De facto, o Tribunal a quo manteve na sua argumentação o decidido em sentença, que determinou a existência destes quatro prédios como quatro realidades distintas, individualizando as suas características.

XII - Por sua vez, no que respeita à nulidade do registo da penhora, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que a inexatidão invocada pelos Recorrentes – a desconformidade entre a realidade física e a realidade registal – não é passível de se subsumir às omissões e inexatidões aludidas na alínea c) do artigo 16.º do CRP.

XIII - Ora, como corolário do princípio da segurança do comércio jurídico imobiliário, a função que o registo predial desempenha é publicitária, uma vez que visa dar publicidade à situação jurídica e material dos imóveis.

XIV - Com efeito, são elementos constitutivos do registo predial: i) os sujeitos jurídicos; ii) o objeto registal); e iii) os factos e as situações jurídicas nele ocorridas.

XV - Dentro do objeto registal surge o elemento “descrição”, cujo fim consiste na identificação física, económica e fiscal dos prédios, conforme resulta do artigo 79.º, n.º 1 do CRP.

XVI - Neste sentido, o artigo 82.º, n.º 1, do CRP estabelece os cinco elementos que devem constar do extrato da descrição de um imóvel no registo predial.

XVII - A este respeito, nos presentes autos, todos os elementos que devem integrar o referido extrato encontram-se preenchidos e estão corretos, discutindo-se apenas a composição sumária destes prédios [alínea d)].

XVIII - Foi dado como provado pelo ilustre Tribunal a quo que a descrição constante do registo predial dos quatro prédios não tem correspondência com a realidade material existente.

XIX - Desta forma, verifica-se a existência de uma desconformidade entre a realidade física e a realidade registal destes prédios, mediante o preenchimento desatualizado da composição sumária dos referidos imóveis.

XX - Porém, ao contrário do que os Recorrentes alegam, esta discrepância não acarreta a nulidade prevista na alínea c) do artigo 16.º do CRP.

XXI - Na verdade, nem todas as omissões e inexatidões suscetíveis de se encontrar no registo predial de um imóvel desencadeiam a aplicação deste regime, uma vez que o legislador faz depender a sua eficácia da existência de incerteza ou indeterminação quanto à identificação dos imóveis.

XXII - Com efeito, para operar a nulidade invocada pelos Recorrentes, a lei exige que a inexatidão ocorrida seja de tal ordem grave que afete a identidade do prédio, gerando incerteza para a ordem jurídica.

XXIII - Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o âmbito de aplicação da alínea c) do artigo 16.º da CRP respeita apenas a omissões e inexatidões das quais resultem incerteza quanto ao objeto registal.

XXIV - In casu, os referidos imóveis passaram a ser compostos apenas por um complexo industrial, ao invés de “de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras”, ou de “parcela de terreno para construção”, ou de “barracões”.

XXV - Ora, da factualidade exposta resulta que a desconformidade existente entre as duas realidades relatadas consubstancia uma mera desatualização do registo predial, inexistindo qualquer incerteza ou indeterminação quanto à identificação do prédio.

XXVI - O que significa que os Recorrentes baseiam unicamente a sua pretensão numa mera desatualização do registo predial.

XXVII - Desatualização essa que, inclusivamente, surge da sua inércia e passividade e que é da sua responsabilidade o seu suprimento.

XXVIII - Desta forma, não assiste qualquer razão aos Recorrentes quanto à alegada inexistência dos imóveis, uma vez que a mera desatualização do registo predial, não tem o condão de fazer desaparecer um bem imóvel, nem de o condenar à sua inexistência material ou jurídica.

XXIX - De facto, como muito bem decidiu o Tribunal a quo, estes imóveis existem, são certos e determinados, insuscetíveis de serem confundidos e suscetíveis de serem penhorados.

XXX - Assim, não resultando da desconformidade entre a realidade física e a composição sumária do prédio incerteza ou indeterminação quando ao objeto predial, a nulidade prevista na alínea c) do artigo 16.º do CRP encontra-se afastada.

XXXI - No que respeita à obrigação de registar e atualizar o registo predial de qualquer imóvel, não restam dúvidas de que esta obrigação se encontra na esfera jurídica dos Recorrentes.

XXXII - Ora, com o intuito de se escusarem ao cumprimento das suas obrigações, alegaram os Recorrentes que o dever de atualizar o registo predial de cada um dos quatro imóveis recaía sobre a Recorrida, já que esta se afigura como um terceiro interessado na atualização registal, ao abrigo do artigo 38.º do CRP.

XXXIII - Sucede, porém, que os Recorrentes não têm qualquer razão na sua pretensão.

XXXIV - O dever de atualização da descrição registal de qualquer prédio, que aliás deve coincidir, para efeitos fiscais, com o da descrição matricial, recai, como não podia deixar de ser, sobre o seu proprietário, neste caso, os Recorrentes.

XXXV - Com efeito, não existe no ordenamento jurídico português um ónus de atualização do registo predial que recaia sobre qualquer terceiro interessado.

XXXVI - Na verdade, a estes terceiros, o legislador limitou-se a reconhecer uma eventual legitimidade, e apenas em determinadas circunstâncias.

XXXVII - No entanto, pelo contrário, o mesmo não se poderá dizer quanto aos proprietários dos bens imóveis.

XXXVIII - A este respeito, a lei é bastante clara ao determinar que é ao proprietário de um imóvel que incumbe a responsabilidade de promover qualquer alteração ou atualização da descrição do prédio, mediante o seu respetivo averbamento – cfr. artigos 38.º do CRP e 13.º do CIMI.

XXXIX - Desta forma, em oposição aos Recorrentes, recai sobre estes a obrigação de se diligenciar pela alteração da inscrição dos prédios, promovendo a atualização da verdade tabular.

XL - Obrigação essa que nunca foi por si cumprida, esvaziando o ónus que lhes cabia.

XLI - Contudo, a existência desta obrigação na sua esfera jurídica, bem como o seu subsequente incumprimento imputável, não os inibiu de propor a presente ação.

XLII - Razão pela qual esteve muitíssimo bem o ilustre Tribunal de primeira instância ao considerar que esta conduta dos Recorrentes se consubstancia num verdadeiro e típico abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e tu quoque, decisão mantida pelo Tribunal a quo.

XLIII - Com efeito, ao longo de vários anos, os Recorrentes celebraram contratos de partilha e comodato tendo por objeto os referidos imóveis, bem como pediram a correção da área de um deles (prédio referido na alínea c) do ponto 1 do capítulo III das Alegações), conhecendo já a desatualização da descrição registo predial e da respetiva matriz.

XLIV - Certo é que a existência desta desconformidade que, com tanta certeza e veemência os Recorrentes alegam que acarreta nulidade do registo da penhora levado a cabo pela Recorrida, não os impediu de dispor dos imóveis, identificando-os, para o efeito, ipsis verbis, com a mesma descrição desatualizada.

XLV - De facto, não só não os impediu de celebrar os referidos contratos, como também não os inibiu de declarar aquela como sendo a descrição atual de cada um dos prédios, em documentos dotados de fé pública.

XLVI - Ao propor a presente ação, os Recorrentes limitaram-se a tentar tirar partido da sua conduta omissiva e ilícita, criada de forma dolosa ou negligente, já que sobre si recaía a obrigação de atualizar as descrições prediais de acordo com as sucessivas alterações ocorridas na realidade material.

XLVII - Desta forma, declarar procedente a pretensão dos Recorrentes seria o mesmo que ser complacente com o aproveitamento de um comportamento contraditório e lesivo da legítima confiança de terceiros.

XLVIII - Assim, o recurso interposto carece integralmente de fundamento e razão, tratando-se de mais uma manobra estratégica dos Recorrentes para o retardamento do cumprimento das suas obrigações que, há tantos anos tentam esquivar-se.

XLIX - Face ao supra exposto, o acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo ser confirmados julgando-se o recurso totalmente improcedente.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, se dignem a:

a) Rejeitar o recurso de revista excecional interposto pela Recorrente, por ser inadmissível, visto não caber nas situações previstas no artigo 672.º, n.º 1, a) e b) do CPC; ou

b) Subsidiariamente, negar provimento ao presente recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.”

9.- Em 30/4/2025 foi proferido despacho admitir o recurso, do seguinte teor:

“Admito o recurso de revista excecional interposto a 05.3.2025, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – cf. art.ºs 672º, n.º 1 e 676º do CPC.

Notifique.”

10.- Em 22/5/2025 foi proferido despacho, neste Tribunal, a remeter os autos à Formação nos termos do n.º 3, do art.º 672.º, do C.P.C.

11.- Nesta em 28/5/2025 foi proferido acórdão admitir a revista excecional.

12.- Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II

Delimitação do objecto do recurso

Nada obsta à apreciação do mérito do recurso.

*

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber:

A. Determinar se é nulo o registo definitivo da penhora de imóveis , atendendo

ao disposto nos arts. 16.º, al. c), e 79.º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Registo Predial, nas hipóteses em que o teor das correspondentes descrições prediais não correspondem à realidade material atual dos respetivos prédios e se “o próprio ato da(s) penhora(s) é, também ele, nulo, por decorrência necessária da nulidade do registo.

B. Saber se a correção das discrepâncias factualmente comprovadas entre o teor

das descrições tabulares prediais vigentes e a realidade física atual dos prédios configura um ónus e sobre quem ele incide, ou seja, se a necessidade de correção onera somente os proprietários do(s) prédio(s) inscrito(s) ou também o credor exequente, beneficiário do registo da penhora e se a arguição da nulidade do registo da penhora pelo executado com aquele fundamento é suscetível de configurar abuso de direito (art. 334.º do C. Civil).

III

Fundamentação

1. Factos dados como provados.

1) Por via da Apresentação 19 de 2021/05/16, no âmbito do processo de execução n.º 92/21.9T8ANS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leira, Juízo de Execução de Ansião, Juiz 1 – em que são Exequente a aqui Ré CGD, S. A. e Executados os aqui AA.

– foi efetuado, a solicitação da Ré, o registo de penhora de quatro prédios constantes do Auto de Penhora lavrado em 14.5.2021 pela Agente de Execução DD, a seguir identificados:

a) Prédio rústico, com a área de 5 400 m2, sito na Localização 1, Freguesia de Santa Catarina da Serra e Chainça, em Leiria, composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado pelo caminho, a confrontar do norte com EE; do Sul e Poente com estrada nacional e do nascente com caminho, inscrito na matriz respetiva sob o art.º ..43 e descrito na 2ª CRP de Leiria, sob o n.º ...........20, da freguesia de Santa Catarina da Serra;

b) Prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, com a área de 18 400 m2, sito na Rua 2, a confrontar do norte com FF; do sul com GG; do nascente com Rua 3 e do poente com a EN 113, inscrito na matriz sob o art.º ..62 e descrito na 2ª CRP de Leiria sob o n.º ..... ......31, da freguesia de Santa Catarina da Serra;

c) Prédio urbano, sito na Localização 1, composto de Barracão com três divisões que se destina a sanitários, acessórios, forja, reparação e guarda de viatura, máquinas agrícolas e escritório e logradouro, com a área coberta de 1200 m2 e descoberta de 1000 m2, a confrontar do Norte com HH; do sul e nascente com II e do poente com estrada, inscrito na matriz respetiva sob o art.º ..13 e descrito na 2ª CRP de Leiria sob o n.º ..... ......05, da freguesia de Santa Catarina da Serra; e

d) Prédio urbano, sito na Localização 1, composto por Barracão que se destina a estação de serviço, armazém, sanitários e casa para pessoal e logradouro, com a área coberta de 440 m2 e descoberta de 1400 m2, a confrontar do norte com HH; do sul com estrada; do nascente e poente com II, inscrito na matriz sob o art.º ..14 e descrito na 2ª CRP sob o n.º ..... ......05, da freguesia de Santa Catarina da Serra.

2) O pedido de registo foi lavrado pelo Senhor Conservador do Registo Predial como definitivo.

3) Tal como se encontram descritos nas respetivas fichas prediais junto da Conservatória do Registo Predial, os prédios acima identificados em 1), não têm correspondência com a realidade atual, pois no respetivo espaço físico onde esses prédios se localizam não é possível identificar um “pinhal com mato”, uma “terra de cultura com oliveiras”, uma “parcela de terreno” e “dois barracões”.

4) Essa falta de conformidade ou de correspondência é consequência de diversas construções levadas a cabo em tais prédios e em terrenos contíguos àqueles, passando a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona também uma unidade industrial.

5) Os prédios descritos em 1) encontram-se registados a favor dos AA., através das seguintes apresentações: 5.1. Ap. n.º 847 de 2013/04/07 em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)-a); 5.2. Ap. n.º 1009 de 2013/04/17 em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)- b); 5.3. Ap. n.º 3043 de 2009/11/17, em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)- c); e 5.4. Ap. n.º 3043 de 2009/11/17, em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)- d).

6) Os AA. são irmãos entre si e acionistas do denominado Grupo Lena, atualmente designado por Grupo Nov, nomeadamente da sua holding, a Always Special, SGPS, S. A.

7) Através da ação executiva identificada em 1), a Ré, na qualidade de exequente, demandou os AA., na qualidade de executados, enquanto avalistas de uma livrança, e, ainda, como executada a sociedade comercial Always Special, SGPS, S. A., para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 13 012 612,74.

8) Em tal ação executiva a Ré indicou à penhora os quatro imóveis identificados em 1), da propriedade dos AA. e estes, por requerimento de 25.5.2021, indicaram relativamente a cada um desses prédios os direitos, ónus e encargos que recaem sobre eles, comunicando terem sido realizados contratos de comodato entre os AA. e terceiros que identificaram (“Equimetria – Equipamentos, Metalomecânica e Transportes, S.A.”, “Lena – Serviços artilhados ACE”, “Lena – Engenharia e Construções, S.A.” e “Lena Ambiente – Gestão de Resíduos, S. A.”).

9) No dia 20.5.2021, a Agente de Execução DD elaborou o auto de penhora e procedeu à sua junção aos autos.

10) A data de 14.5.2021 constante do auto de penhora deveu-se a lapso de escrita, porquanto esse auto foi efectivamente elaborado em 20.5.2021.

11) No dia 20.5.2020 os AA. foram notificados das penhoras realizadas e da possibilidade de deduzir oposição à penhora.

12) A afixação de edital dos bens imóveis penhorados, pela agente de execução, ocorreu no dia 15.12.2021.

13) Consignou-se no auto de penhora referido em 9), quanto à descrição dos bens penhorados, o seguinte:

14.1 “Verba 1 - Imóvel – Prédio rústico denominado Localização 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o n.º ..42, da freguesia de Santa Catarina da Serra, inscrito na matriz predial com o n.º ..43, da União de Freguesias de Santa Catarina da Serra e Chainça. O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 1989 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: GP-.................. ....42”;

14.2. “Verba 2 - Imóvel – Prédio urbano sito na Localização 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º ..72 da freguesia de Santa Catarina da Serra, inscrito na matriz predial com o n.º ..13, da União de Freguesias de Santa Catarina da Serra e Chainça. O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 2018 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: GP-.................. ....72”;

14.3. Verba 3 - Imóvel – Prédio urbano sito na Localização 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º ..73, da freguesia de Santa Catarina da Serra, inscrito na matriz predial com o n.º ..14 da União de Freguesias de Santa Catarina da Serra e Chainça. O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 2019 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: GP-......................73”;

14.4. “Verba 4 - Imóvel – Prédio urbano sito na Localização 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º ..64, da freguesia de Santa Catarina da Serra, inscrito na matriz predial com o n.º ..62, da União de Freguesias de Santa Catarina da Serra e Chainça. O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 2019 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: GP................... ....64”.

14) Em 16.01.2017, o A. BB celebrou por escritura pública um contrato, denominado “Partilha com Assunção de Dívidas”, onde declarou, como verbas 29 e 30 do activo, os prédios supra identificados no ponto 1), alíneas a) e b).

15) Na data indicada no ponto anterior, o mesmo A. tinha conhecimento de que a realidade material destes prédios já não era coincidente com a realidade constante da descrição predial há mais de 15/20 anos.

16) Na escritura indicada no ponto 14), o mesmo A. identificou e reconheceu que o imóvel supra identificado no ponto 1), alínea a), correspondia a um “prédio rústico, composto por pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado por caminho sito na Localização 1”; e que o imóvel supra identificado no ponto 1), alínea b), correspondia a um “prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, sito na Localização 1”.

17) Em 30.10.2020, o A. BB celebrou por escritura pública um contrato denominado “Partilha por Divórcio, Dação em Pagamento e Penhor”, e declarou com a outorgante JJ, “que foram casados entre si (…)” e que “pela presente escritura vão proceder à partilha do seguinte património comum”, indicando a seguir os prédios aludidos no ponto 1), alíneas a) e b), sabendo que a realidade material e a que consta das respetivas descrições prediais não coincidiam há mais de 15/20 anos.

18) Em 09.3.2021 a A. JJ celebrou escritura pública denominada “Partilha”, subsequente a separação de pessoas e bens, quando já tinha sido citada para a execução acima referida, dispondo de todos os prédios acima identificados em 1), penhorados pela Ré, aí identificando e descrevendo os prédios referidos em 1) tal como estão descritos nas respetivas descrições prediais.

19) Quanto ao prédio identificado em 1), alínea c), identificado na referida escritura pública de “Partilha” como verba quatro, foi requerida a respetiva atualização mediante a entrega do Modelo 1 do IMI no dia anterior ao da sua celebração, tendo sido solicitada a avaliação do prédio motivada por alteração de áreas.

20) Os AA. nunca diligenciaram por qualquer alteração ou averbamentos à descrição predial, por forma a corrigir e atualizar a composição dos imóveis supra identificados em 1).

21) Nos editais referentes aos imóveis penhorados identificados em 1), preenchidos e afixados pela Senhora Agente de Execução, no âmbito do referido proc. executivo n.º 92/21.9T8ANS, manuscreveu aquela, em cada um deles, no campo das “Observações” do certificado de afixação, o seguinte: “O edital foi afixado junto do n.º 50 da Rua 2, presumindo-se que este artigo faça parte dos imóveis em questão, não tendo sido possível confirmar isto mesmo”.

22) No âmbito do mesmo processo executivo, no documento .........Jd – Decisão da Venda – com data de 11.01.2023, emitido pela Senhora Agente de Execução, consignou-se, quanto aos bens a vender, referentes aos quatro imóveis identificados em 1), o seguinte: “As verbas 1, 2, 3 e 4 acima identificadas constituem um único lote, com o valor total global de 364 507,23 (…) sendo esse o valor base (…)”.

2.- Direito

Os recorrentes pedem a revogação do acórdão recorrido, assentando, praticamente, toda a construção jurídica na nulidade do registo da penhora, atenta a violação da al.ª c), do art.º 16.º, do C.R.P.

Para defenderem o seu ponto de vista, referem, entre o mais que, os registos prediais são nulos, desde logo, por não ser possível identificar no local qualquer um dos prédios que o registo considera como penhorados.

Mais refere que entre os factos dados como provados consta ““tal como se encontram descritos nas respectivas fichas prediais junto da Conservatória do Registo Predial, os prédios acima identificados em 1, não têm correspondência com a realidade actual, pois no respectivo espaço físico onde esses prédios se localizam não é possível identificar um “pinhal com mato”, uma “terra de cultura com oliveiras”, uma “parcela de terreno” e “dois barracões”; e ainda “essa falta de conformidade ou de correspondência é consequência de diversas construções levadas a cabo em tais prédios e em terrenos contíguos àqueles, passando a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona também uma unidade industrial”.

Assim, sendo, referem os recorrentes que há divergência entre o registo e a realidade física de cada prédio penhorado, objectivamente enquadráveis na citada al.ª c), do art.º 16.º, do C.R.P., e sendo assim, determina a nulidade do registo da penhora, nulidade que urge a bem da legalidade, da fé pública e da certeza e segurança jurídicas ser declarada, ao que acresce, se o devedor não está obrigado a registar os seus bens imóveis, por maioria de razão não está obrigado a promover as suas actualizações no registo, fruto de quaisquer alterações levadas a cabo no imóvel, sendo que uma tal omissão também não prejudica o credor, podendo este, por ter legitimidade para o fazer, promover as respectivas alterações no Registo Predial, como decorre dos art.s 38.º, c) e 32.º, n.º 3, do CRP e art.º 130.º, do CIMI.

Mais referem que na sua função publicista – e que no caso concreto é, também, o cerne do acto apreensivo –, o que é anunciado no registo tem de corresponder à realidade, sendo que a publicidade constante do registo há-de apontar no sentido de uma tendência permanente para a inteira correspondência entre a realidade jurídica e a realidade tabular, não teria aplicação a figura de abuso de direito (art.º 334.º, do C.C.), na medida em que, se assim fosse, estes se veriam impedidos de discutir em juízo se um acto de registo é nulo por violação de uma norma contida no Código de Registo Predial, norma que em causa é de direito público.

Por sua vez a recorrida, defende a não nulidade do registo predial, por consequência a não nulidade do registo da penhora e ainda que assim fosse, a pretensão dos recorrentes teria de improceder, com base na figura do abuso de direito.

Em suma, pugna pela manutenção do acórdão recorrido.

Apreciando.

Atendendo que no fundo são dois os pontos em analise, por uma questão de método, iremos analisar cada um de per si.

Assim,

A)- Determinar se é nulo o registo definitivo da penhora de imóveis , atendendo ao disposto nos arts. 16.º, al. c), e 79.º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Registo Predial, nas hipóteses em que o teor das correspondentes descrições prediais não correspondem à realidade material atual dos respetivos prédios e se “o próprio ato da(s) penhora(s) é, também ele, nulo, por decorrência necessária da nulidade do registo.

Como já referimos, os recorrentes assentam toda a discussão, ou quase, na nulidade do registo predial, com base na al.ª c), do art.º 16.º, do C.R.P, na verdade a “chave” da solução em primeira linha, passa toda ela, em nossa opinião, pela resposta que demos a tal matéria.

Ou seja, se a resposta for a defendida pelos recorrentes, nulidade do registo, a repercussão jurídica implica desde logo, saber os seus efeitos, no registo da penhora.

Neste quadro iremos, em primeiro lugar analisar a questão da nulidade ou não do registo predial.

Antes demais, diremos algo a respeito do registo predial, que nos ira ajudar na resposta a dar à questão.

A função do registo predial é enunciada pela própria lei: o registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art.º 1.º do CR Predial).

Este enunciado da função assinalada ao registo predial deixa antever o programa do respectivo sistema, os seus fundamentos finais e os princípios que lhe são estruturantes.

O registo público – categoria de que o registo predial indubitavelmente partilha – bem pode definir-se como o assento, efectuado por um oficial público, e constante de livros públicos, de livre conhecimento, directo ou indirecto, por todos os interessados, no qual se atestam factos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respectiva situação jurídica, e da qual a lei faz derivar, como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória (cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra, 1966, pág. 97).

O registo predial constitui, portanto, um registo público, que tem for finalidade a segurança do tráfico jurídico sobre imóveis, que é assegurada através da publicidade registral imobiliária relativamente a uma série de factos especificamente enumerados na lei – os factos e as acções sujeitas a registo (art.ºs 2.º e 3.º do CR Predial).

O registo predial prossegue, a um tempo, fins de natureza privada e fins de natureza caracteristicamente pública. Prossegue fins de natureza privada, dado que garante a segurança no domínio dos direitos privados, especificamente no plano dos direitos com eficácia real – segurança do comércio jurídico imobiliário, globalmente considerado – facilita o tráfico e o intercâmbio de bens, e assegura o cumprimento da função social dos direitos reais (cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5ª edição, 1993, pág. 335, e Isabel Pereira Mendes, Enunciação Esquemática dos Fins e Princípios Registais, in, Regesta, Revista de Direito Registral, Ano XII, nº 4, Outubro-Dezembro de 1991, pág. 19 e ss.; prossegue finalidades de interesse público, enquanto instrumento da certeza do direito, da tutela de terceiros e da segurança do comércio jurídico e de garante da actualização do registo face ao facto publicitado (cfr. J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2ª edição, 1994, pág. 73).

O registo predial tem essencialmente por escopo dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição até á actualidade (art.º 1.º do CR Predial) (cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4º ed. refundida, Coimbra Editora, 1983, pág. 337).

Exige-se, por isso, um nexo ininterrupto entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre o prédio. Trata-se do princípio do trato sucessivo que, a par dos princípios da instância, da legalidade, da obrigatoriedade e da prioridade, constitui um dos elementos estruturantes do instituto (art.ºs 4.º, 67.º, n.º 1, 34.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 do CR Predial) (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 19.05.00, www.dgsi.pt. Adicionando aos princípios enunciados, também os da especialidade e da legitimação, cfr., Isabel Pereira Mendes, locs. Cit).

Como se notou, o registo predial deve patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição até á actualidade, pelo que se exige, de harmonia com o princípio do trato sucessivo, um nexo ininterrupto entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre o prédio – embora no rigor das coisas, o princípio do trato sucessivo seja apenas uma concretização relevante do princípio – contestado – da legalidade, designadamente do segmento em que este princípio vincula o conservador a aferir a viabilidade do registo em face de registos anteriores (art.º 68.º do CR Predial).

A publicidade dada pelo registo às situações jurídicas dos prédios é feita, em princípio, de um modo indirecto: publicita, através do mecanismo da inscrição, os actos que, tendo eficácia real, ditam a configuração daquelas situações. Não raro, os actos visados têm natureza contratual, i.e., implicam a manifestação de vontade de dois ou mais intervenientes. A necessidade de confirmação do panorama tabular com as vicissitudes jurídicas dos prédios dita a lógica do trato sucessivo: o registo só é possível quando o disponente surja, á face do registo, como titular da situação jurídica que publicita. Só assim, o registo representará uma sucessão de actos ligados pelos intervenientes. O registo lavrado em violação do trato sucessivo é nulo (art.º 16, e), in fine, do CR Predial).

A publicidade assegurada pelo registo predial não visa escopos de mero conhecimento dentro do espaço jurídico: ela repercute-se no nível substantivo das situações jurídicas em jogo. Os reflexos materiais do registo implicam, pela sua própria existência, a definição prévia de quais as situações dotadas, efectivamente, de publicidade tabular. O problema põe-se quando situações jurídicas incompatíveis apresentem ou pretendam apresentar publicidades incompatíveis. A resposta é dada pelo princípio da prioridade (art.º 6.º n.º 1, do CR Predial).

As realidades tabulares repercutem-se nas situações jurídicas privadas subjacentes, ou, dito de outro modo, o registo produz efeitos substantivos. O primeiro desses efeitos é presuntivo: o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (art.º 7.º do CR Predial).

Quem tem a seu favor um registo determinado escusa de provar: que o direito existe; que é titular dele; que ele tem a configuração dada pelo registo.

Quem assim não entenda terá que provar a inexactidão do registo: a presunção é simplesmente iuris tantum (art.º 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), (sendo de salientar, contudo, que no âmbito da presunção, não estão abrangidos os factores descritivos, com as confrontações ou áreas, dada a impossibilidade de assegurar a fidedignidade das declarações dos interessados, v.g., Acs. deste Tribunal de 12 de fevereiro de 2008, proc.º n.º 08A055, relatado por Sebastião Póvoas, de 14 de novembro de 2013, proc.º n.º 74/07.3TCGMR.G1.S1, relatado por Serra Baptista, de 3 de março de 2015, 210/12.8TBGMR-D.G1.S1, relatado por Júlio Gomes, e de 11 de fevereiro de 2016, 6500/07.4TBBRG.G2.S3, relatado por Lopes do Rego e Ac. Rel. do Porto de, 15 de dezembro de 2021, proc.º n.º 772/20.6T8PFR.P1, relatado por Carlos Gil).

A prova em contrário, destruidora da presunção tabular, pode derivar de um deste dois factos: ou da demonstração de o registo ser inexistente ou nulo, por alguma das causas referidas no Código de Registo Predial (art.ºs 14.º e 16.º); ou da demonstração de o registo, válido em si, se reportar a factos substancialmente inválidos, o que implica o seu cancelamento (art.º 13.º do CR Predial). No primeiro caso há inexistência ou nulidade do registo ou invalidade extrínseca; no segundo invalidade substantiva ou extrínseca. Os vícios do registo não esgotam, pois, a delimitação negativa da eficácia tabular presuntiva: o registo perde os seus efeitos quando, se reportar a factos substancialmente inválidos, seja pedido o seu cancelamento. Mas não basta a mera existência do vício; exige-se, em qualquer caso, uma decisão judicial que o reconheça (art.º 17.º, n.º 1, do CR Predial).

O registo e os seus efeitos podem, pois, ser destruídos por invalidade intrínseca ou extrínseca, como sucede nos casos de nulidade do registo. Pode, contudo, suceder que, antes da declaração de tal nulidade por sentença transitada em julgado, alguém, fiado no registo, adquira uma qualquer posição jurídica.

Se houver registo nulo, se alguém, com base nesse registo, adquirir uma posição substantiva, a título oneroso e de boa fé, e registar a aquisição antes de regista a acção de nulidade, gera-se uma situação, por força do registo, que não pode ser impugnada.

A presunção derivada do registo torna-se inilidível ou volve-se em iuris et de iure (art.º 17.º, n.º 2, do CR Predial). Fala-se, a este propósito, em aquisição tabular, que traduz a projecção substantiva mais relevante do registo predial, derivada da fé pública de que é dotado. Abstraindo do caso em que ao registo se deve assinalar uma eficácia constitutiva, o instituto tem simplesmente por finalidade conspícua dar publicidade às situações jurídicas prediais, através da inscrição dos factos que lhes tenham dado origem. Face à fé pública de que é dotado, o registo permite presumir que o direito pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o define (art.º 7.º do CR Predial).

A técnica do registo pode ordenar-se segundo um de dois modelos: o de base real; o de base pessoal. A primeira técnica assenta ou parte do prédio: descreve-se o prédio e, de seguida, inscrevem-se factos a eles relativos, dos quais resultam direitos subjectivos sobre eles; o registo de harmonia com a técnica de base pessoal, assenta nas pessoas, físicas ou meramente jurídicas: na base do seu nome, anotam-se os factos relevantes. Comprovadamente, o sistema de registo predial português é de base real.

O ponto de partida do registo é, sempre, a descrição de um prédio, descrição que visa a identificação física, económica e fiscal desse mesmo prédio (art.º 79.º, n.º 1, do CR Predial). De cada prédio é feita uma descrição distinta (art.º 79.º, n.º 2, do CR Predial). Embora esteja na base do registo, a descrição ocorre na dependência de uma inscrição ou averbamento (art.º 80.º, n.º 1, do CR Predial), dado que, por força do princípio da instância e das regras sobre a legitimidade, não é admissível a descrição de um prédio ad nutum, i.e., sem lhe associar a inscrição de um facto. As descrições podem ser principais ou subordinadas (art.º 81.º, n.º 1, do CR Predial).

Como decorre destas considerações, e como bem se compreende, sob pena de desconformidade flagrante entre a descrição e a realidade material subjacente, a cada prédio correspondente uma só descrição; mas o inverso também é verdadeiro: cada descrição deve referir-se também a um só prédio.

Vale, portanto, no tocante à descrição e relativamente à realidade predial subjacente que constitui o seu objecto, um princípio de correspondência unitária ou singular recíproca: um prédio, uma descrição; uma descrição um prédio.

Descrito o prédio, seguem-se as inscrições, que visam definir a sua situação jurídica, por extracto dos factos a ele referidos (art.º 91.º, n.º 1, do CR Predial). As inscrições podem ser provisórias ou definitivas; as provisórias são-no por natureza quando respeitam a factos transitórios, v.g., acções; as inscrições são provisórias por dúvidas quando haja uma qualquer deficiência no processo de registo e as dúvidas não sejam fundamento de recusa (art.ºs 69.º e 70.º do CR Predial).

O âmbito do registo é dado pelo universo dos factos e ele sujeitos, o que, de harmonia com a técnica tabular, determina a inscrição de factos e não de direitos: estes deduzem-se dos factos que os constituam, modiquem ou extingam (art.º 2.º do CR Predial).

Em suma, podemos dizer que a nulidade do registo se encontre contemplada no art. 16.º, do CRP (na redação conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.7), que dispõe de forma taxativa que o registo é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere; d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte; e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo.

Na verdade, a previsão normativa que aqui se convoca, constante da alínea c) citada, configura uma nulidade intrínseca do registo predial, que se não se basta com qualquer omissão ou inexatidão do registo, antes exige uma inexatidão ou omissão qualificadas, no sentido de que delas deva resultar incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere (no caso a penhora).

Significa que, no caso dos autos, não basta identificar a presença de inexatidões relativamente ao objeto descrito, exigindo-se a demonstração de que tais inexatidões são suficientemente graves para pôr em causa a identidade dos prédios, ou de molde a atingir aquele elemento essencial da relação jurídica registral, inculcando a ideia de que os imóveis penhorados são, ou podem ser, outros (cfr. . A. Mouteira Guerreiro. in Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2ª edição, 1994, Coimbra Editora, pág. 99.

Só nesse caso não poderá assegurar o registo da penhora a sua função (a de dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário – art. 1.º do CRP), por não se poder determinar com segurança o bem ou bens que ficarão adstritos aos fins da execução, estando, por isso, também, em causa a própria produção dos efeitos substantivos que com ele se visa e que dele depende, nomeadamente, a ineficácia relativa dos actos subsequentes de alienação, oneração ou de arrendamento (art. 819.º do Código Civil) bem como a aquisição, pelo exequente, do direito a ser pago com preferência relativamente a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, à custa do valor dos bens penhorados (art.º 822.º, n.º1, do C.C).

Os Capítulos II e III do Título IV do Código de Registo Civil (artigos 79.º a 103.º) regulam a matéria das descrições, averbamentos e anotações, e se é certo que daí decorre ser sobre o prédio que se descreve que incidem os factos jurídicos que se inscrevem, traduzindo-se a descrição numa espécie de imagem verbal do imóvel, visando a sua identificação física, económica e fiscal » (artigo 79.º, n.º 1).

Assim, o ato de registo individualizador do prédio é a descrição, mas o que se regista (o objecto do registo), como decorre inequivocamente do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão, a penhora) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros) (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 26-11-2013, proc.º n.º 1643/10.0TBCTB.C1, relator Barateiro Martins)

Na verdade, quando o prédio não se encontra cadastrado, a descrição que o assento registal apresenta (a área, as confrontações e a localização do prédio, etc.) é essencialmente alicerçada no que o interessado declara corresponder à realidade material e numa matriz fiscal, sem que estes elementos essenciais de delimitação sejam previamente objeto de uma verificação de conformidade com essa realidade física. A significar que a exatidão dos elementos descritivos não passa pelo controlo do conservador – art.º 68° do CRP - o qual se limita a exigir e a assegurar, nos concelhos em que vigora o cadastro geométrico obrigatório, que a descrição do prédio corresponda à inscrição matricial – art.º 28° do CRP - no mais aceitando/confiando nas declarações dos respetivos interessados – art.º 43° a 46° e 90° do CRP.

Além disso, essa mesma falta de rigor e fidedignidade dos dados descritivos registais no que concerne à sua materialidade agrava-se, frequentemente, com a respetiva desatualização, fruto das alterações físicas ou materiais que sofre o imóvel e que, embora podendo e devendo sê-lo, não são transpostas para a respetiva descrição.

Por essa, está vedado atribuir-se aos elementos constantes da descrição predial a força da presunção legal de titularidade, prevista no art. 7º do CRP.

De facto, e nos termos desta regra, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define, mas a generalidade da doutrina e a própria jurisprudência há muito vêm entendendo que a força probatória do registo não se estende à definição das confrontações ou limites dos prédios cuja propriedade está inscrita, muito menos às restantes características nela identificada (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/2/2020 no processo n.º 602/17.6T8MFR.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa, e os acórdãos nele referidos). tenha as características descritas. E isto porque o registo predial não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio.

Nessa medida, a descrição, enquanto identificação física, económica e fiscal do imóvel, apenas funciona como suporte para a inscrição/registo de factos jurídicos, sendo instrumental relativamente a um ato registal, do qual se encontra dependente ( art.º 80.º do CRP).

Tem como função a individualização, caracterização e diferenciação dum imóvel, tendo em vista dar uma pública compreensão e tornar inteligível o prédio a que se referem os factos registados, com o objetivo último de publicitar, com clareza, os factos jurídicos inscritos. Todavia, sendo a inscrição o único ato registal e a descrição o seu suporte, os elementos da descrição registal não fazem parte do que se regista, pelo que não estão abrangidos pela eventual a presunção de verdade e exactidão subjacentes a cada registo (cfr. Mónica Jardim, in O Sistema de Registo Predial Português – Perspetiva Geral e Sintética, pp. 22 e ss, onde se refere: - O sistema registal português não consagra o princípio da fé pública regital e, consequentemenete, não assegura o terceiro quanto à exactidão do Registo, concede-lhe uma protecção fraca. Só lhes assegura que o Registo é “completo ou íntegro”, já não que é exacto. Salienta, ainda, que o princípio da fé pública registal só poderá ser consagrado no ordenamento jurídico português e, assim, passar a ser concedida uma forte tutela a terceiros, após serem eliminados ou, pelo menos, substancialmente reduzidos os obstáculos que o impedem de ser um sistema exacto, como a extrema a facilidade com que, em alguns serviços de finanças, se inscrevem “falsos prédios na matriz, o enorme o número de prédios rústicos que se encontram duplicados no Registo, a falta de controlo da titularidade do direito em caso de falecimento, desde que os prédios não estejam registados na Conservatória, a grande facilidade podem ser prestadas falsas declarações e com base nelas ser lavrada uma escritura de justificação de direitos tendente à primeira inscrição ou ser obtido um “título formal” num processo de justificação e, de seguida, obter-se o registo de um direito que efectivamente pertence a outrem, sem que, na grande maioria das vezes, o verdadeiro titular do direito tome conhecimento do ocorrido, a circunstância de ítulos falsos continuarem a servir de base à feitura do registo, a inexistência um cadastro de todos os prédios rústicos, etc.

Não se assegurando, por esta via, a quem o consulta, a confiança nos elementos da descrição, nem a função primacial do registo predial é publicitar as situações jurídicas reais, o que quer dizer que em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal é a primeira que prevalece e que significa que a situação substantiva do prédio não é alterada se a descrição tiver uma área maior ou menor (uma vez que a descrição aquisitiva não é um facto aquisitivo com eficácia real (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 26-11-2013, no processo 1643/10.0TBCTB.C1 Relator Barateiro Martins)

Também por isso, a circunstância de, por declarações iniciais inexatas ou por falta de averbamento das alterações materiais sofridas pelo imóvel, não haver correspondência entre os elementos descritivos tabulares e a realidade física do prédio não acarreta só por si, nem poderia acarretar face ao exposto, a nulidade do registo de um qualquer facto jurídico que tenha por objeto o imóvel tal como se encontra descrito, ou só a acarretará, quando enquadrável na previsão do art.º 16.º al. c) do CRP, por dela resultar incerteza acerca do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere.

Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

No caso dos autos a Ré CGD, aqui recorrida, registou penhora sobre quatro imóveis pertencentes aos executados, agora recorrentes, tal como descritos no registo predial (n.os 14.1, 14.2, 14.3 e 14.4 dos factos provados) e apesar de dado como assente que “ tal como se encontram descritos nas respetivas fichas prediais junto da Conservatória do Registo Predial, os prédios acima identificados, não têm correspondência com a realidade atual, pois no respetivo espaço físico onde esses prédios se localizam não é possível identificar um “pinhal com mato”, uma “terra de cultura com oliveiras”, uma “parcela de terreno” e “dois barracões” (n.º 3) e que “essa falta de conformidade ou de correspondência é consequência de diversas construções levadas a cabo em tais prédios e em terrenos contíguos àqueles, passando a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona também uma unidade industrial (n.º4), tudo o resto se encaminha para devermos considerar consubstanciar tal factualidade uma mera desatualização do registo predial, inexistindo, ou estando por demonstrar, qualquer incerteza ou indeterminação quanto à identificação dos prédios.

Em boa verdade, apesar de sustentarem que “nenhuma das descrições prediais sujeitas ao registo de penhora, cuja nulidade se pretende ver declarada, aponta para qualquer realidade física, económica ou fiscal efectivamente existente”, pondo “em causa a verdadeira identidade de cada um dos prédios penhorados”, não logram os recorrentes demonstrar em que medida é que a falta de correspondência entre a descrição e a realidade material de cada prédio afeta a sua identificação, não apresentando, designadamente, qualquer dúvida fundada que inculque a possibilidade de o objeto da penhora poder ser outro, tendo em conta os elementos da descrição tabular.

Reafirma-se, por isso, a decisão da primeira instância, integralmente acolhida pelo Acórdão recorrido, quando e na medida em que determina que “não pode sustentar-se que os imóveis ´não existem`; eles ´existem` e podem ser identificados no local, embora com diferente composição, áreas (elas existem e são mensuráveis, embora não estejam definidas, podendo sê-lo) e ´delimitação` física (ainda que indefinida, mas suscetível de demarcação ou definição material das respetivas estremas). Ou seja, os quatro prédios têm hoje outra composição e características físicas, aquela que foram sofrendo por ação dos seus proprietários ao longo dos anos, o que gerou desconformidade entre a realidade e a descrição predial – aquela ´não bate certo` com esta, é certo, mas, (…) o objeto é conhecido – os prédios ´estão lá`, existem fisicamente ´no terreno`, podem ser apropriados e podem ser objeto de relações jurídicas e, naturalmente, de penhora e posterior venda.

Assim, podendo afirmar-se que, apesar de a descrição registal relativa a cada um dos quatro imóveis não acompanhar a respetiva transformação física, os imóveis são os mesmos e não deixaram de existir pelo facto de no respetivo local físico de implantação existir uma outra realidade edificada, incorporada, plantada ou construída (mas não averbada) à data da feitura e registo da penhora, os direitos que sobre eles incidem são os mesmos (cfr . Mónica Jardim/Margarida Costa Andrade, Sumários desenvolvidos, (no prelo), em resposta à pergunta : (…) de que consequências sofrerá o direito real com a mutação da coisa que dele é objecto? Imagine-se que o proprietário de um prédio rústico nele decidiu construir uma casa de habitação — quer isto dizer que a coisa deixou de ser um prédio rústico e passou a ser um prédio urbano (cfr. n.º 2 do art. 204.º); mas justificará esta mutação a extinção do direito e o renascimento de um novo? Cremos que a resposta deverá ser negativa. Pelo menos, não quando não se possa propriamente falar em substituição de uma coisa por outra, mas apenas numa transformação desta, sem que ela perca a sua identidade.

Aponta neste sentido o n.º 2 do art. 1478.º, nos termos do qual o disposto no n.º 1 é aplicável ao “caso de a coisa se transformar noutra, que ainda tenha valor, embora com finalidade económica distinta” — isto quer dizer que “continua o usufruto” (n.º 1), apesar da rei mutatio. E o mesmo acontece na hipótese prevista pelo n.º 1 do art. 1479.º, enquanto aqui se prevê que, “se o usufruto for constituído em algum prédio urbano e este for destruído por qualquer causa, tem o usufrutuário direito a desfrutar o solo e os materiais restantes”. Veja-se, ainda, a al. b) do n.º 1 do art. 1536.º: “o direito de superfície extingue-se se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a plantação, dentro dos mesmos prazos a contar da destruição” — o que é o mesmo que dizer que, apesar de destruída a obra ou a plantação, ainda assim se mantém o direito de superfície (mesmo que de direito sobre a construção/plantação tenha passado a direito a construir/a plantar), são penhoráveis e pertencem aos executados, são materialmente, e com segurança, identificáveis, o registo de penhora efetuado pela ré não pode considerar-se nulo, pois não há omissão ou inexatidão capaz de gerar a nulidade prevista na lei registal, tratando-se de um registo plenamente válido que se reporta a imóveis com existência ´real` (e isso o tribunal pôde constatar no local), embora existam atualmente, por força de alterações levadas a cabo ao longo dos anos, com outra configuração e características físicas.

É, pois, evidente que os imóveis materialmente penhorados e apreendidos pela Ré CGD são os mesmo que se encontram descritos, de nada valendo o argumento da alteração física ou jurídica destes não constar do registo antes da penhora.

Sustentam por outro lado, os autores, que a dificuldade de identificação reside, sobretudo, no facto de tal como fisicamente se encontram os imóveis penhorados, com construções que ultrapassam o perímetro de cada um, não é possível delimitar ou individualizar cada um deles face aos restantes atendendo à descrição predial, problema que no seu entender foi indevidamente ultrapassado pelas decisões que ora se põem em crise ao tomarem como base do seu raciocínio uma área global dos prédios, ou seja, a globalidade da área ocupada pelos ditos quatro prédios (e, ainda, outros prédios contíguos), sem tomar em consideração que o Registo Predial trata cada um dos imóveis, de per se, sendo certo que o prédio, rectius, cada prédio em concreto, é o centro da actividade registral. Ou seja: contrariamente ao que sucede quando estamos na presença de um só prédio – onde se identifica uma realidade que se encontra dentro de uma linha poligonal apontada pelas confrontações (naturais ou nominais) – no caso em apreço estamos, no seu entender, perante um conjunto de prédios de dimensão considerável, - um conjunto de imóveis contíguos, onde foram levadas a efeito diversas construções, arruamentos, parques de estacionamento - não sendo possível, a partir do registo, identificar qualquer um dos prédios penhorados, designadamente onde começa e termina cada prédio que outrora existiu com a configuração que, presentemente, está retratada no registo, dadas as transformações que, entretanto, cada um deles foi sofrendo ao longo dos anos.

Mais uma vez se julga carecerem os autores de razão. Efetivamente ninguém duvida que a penhora foi objeto de inscrição autónoma sobre cada um dos prédios descritos autonomamente no Registo Predial, bastando isso para se encontrar salvaguardado o alegado princípio da especialidade, previsto no Código do Registo Predial, consignado no nº 2, do art. 79.º do CRP.

Além disso, não ficou demonstrado que os referidos prédios identificados no local e, tendo em conta a respetiva descrição registal, não possam ser delimitados fisicamente, sendo eles suscetíveis de demarcação ou definição material das respetivas estremas.

No entanto, do ponto de vista da salvaguarda de qualquer dos interesses, públicos ou privados, legítimos e atendíveis, não se impõe no caso em litígio proceder a tal demarcação os delimitação, porquanto, todos os quatro prédios individualmente descritos são suscetíveis de penhora, encontram-se inscritos a favor dos executados e , tendo uma vez mais por certas as considerações expendidas pelas instâncias, a venda está concretamente anunciada em ´lote`, para aquisição ´conjunta, pelo que, ainda que um qualquer terceiro venha a comprar, em contexto de venda executiva, os imóveis penhorados, nenhum óbice se descortina face a tal desatualização. Ou seja, quem adquirir, adquire ´todos` os quatro imóveis ´uno actu`, assinalando-se perfeita sintonia e correspondência entre o que existe no local e o que é comprado/adquirido por via executiva, concentrando-se na mesma pessoa a propriedade plena sobre os quatro imóveis - vd. o ponto 22 dos factos provados. Além de que, acrescentamos nós, não podem os interessados ater-se simplesmente, como base para a tomada de decisão de celebrar o negócio jurídico, à descrição predial publicitada pelo registo, porquanto este não assegura, por esta via, a quem o consulta, a confiança nos elementos da descrição.

Aliás, como bem salientam as instâncias são os próprios autores quem, contraditória, mas sintomaticamente, defendem nos autos que “(...) cada um dos (autores), apesar do que consta da Escritura e do próprio Registo, sabe aquilo que é sua pertença, respeitando, cada um deles, os direitos dos demais relativamente à composição efetiva de cada um dos prédios”( vd. os pontos 8, 14 a 20 dos factos provados), além de que a discrepância que alegam não os impediu de tendo como objeto os referidos prédios e de forma autónoma celebrarem contratos de comodato e de partilha.

Face ao exposto deve ter-se por confirmado o Acórdão recorrido quanto à questão (central) da alegada nulidade do registo da penhora, devendo ter-se o registo como válido por não verificada nenhuma das hipóteses (taxativas) de nulidade previstas no art.º 16.º do CRP, mormente a que resulta da previsão normativa constante da al. c).

Assim, pelo exposto, não sendo nulo o registo, nunca seria por essa via nula a própria penhora, ao contrário do que pugnam os AA, aqui recorrentes e isso independentemente da posição que se assuma quanto à natureza ou caráter constitutivo ou meramente declarativo do respetivo registo

De exposto, temos para nós, nesta vertente não assistir razão aos recorrentes.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

B.- Saber se a correção das discrepâncias factualmente comprovadas entre o teor das descrições tabulares prediais vigentes e a realidade física atual dos prédios configura um ónus e sobre quem ele incide, ou seja, se a necessidade de correção onera somente os proprietários do(s) prédio(s) inscrito(s) ou também o credor exequente, beneficiário do registo da penhora e se a arguição da nulidade do registo da penhora pelo executado com aquele fundamento é suscetível de configurar abuso de direito (art. 334.º do C. Civil).

Esta questão ficou precludida face ao decidido no ponto anterior (ponto A), ou seja, pela improcedência da nulidade do registo pretendida pelos recorrentes, pelo que, não se toma posição sobre a questão.

IV- Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a)- face ao referido em A), julgar improcedente o recurso, confirmando, o Acórdão recorrido.

b)- Face à improcedência do aludido em A), não conhecer da questão ventilada em B), por precludida.

Custas pelos recorrentes

Lisboa, 30/9/2025

Pires Robalo (relator)

Maria João Vaz Tomé (adjunta)

António Magalhães (adjunto)