A invocação em alegações de revista de que foi apresentada uma denúncia contra o Acompanhante nomeado em ação especial de acompanhamento de maior não permite que sejam aceites para decisão da causa os factos denunciados, “…ter retirado uma quantia avultada do património que deveria proteger” e consequentemente infirmar a idoneidade do Acompanhante nomeado.
Acordam em conferência neste Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 652.º, aplicável ex vi do art.º 679.º, ambos do C. P. Civil.
1. RELATÓRIO.
AA, BB, CC e DD, propuseram esta ação especial de acompanhamento de maior, com pedido de suprimento do consentimento, a favor de EE, seu pai, com fundamento, em síntese, em que o mesmo padece de síndrome demencial que o impede de reger a sua pessoa e bens.
O Requerido apresentou contestação, pedindo a improcedência da ação com fundamento na inexistência dos seus pressupostos legais.
I - Atribuir-se o poder de representação geral e de administração total de bens do beneficiário, em conformidade com o disposto nos artigos 138.º e 145.º, n.º 2, al.ºs b) e c), e n.º 4, do Código Civil, ao acompanhante, incluindo o de movimentação de contas bancárias até ao montante de € 3.500,00 mensais, cujo valor será actualizado anualmente a partir de 1 de Janeiro de cada ano em função da respectiva taxa de inflação;
II - Vedar-lhe o direito para contrair casamento, perfilhar e para testar, conforme resulta do disposto nos artigos 1601.º, al. b), 1850.º, n.º 1, e 2189.º, al. b), do Código Civil, com as alterações resultantes da redacção que lhes foi introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, bem como o de constituir união de facto, de recorrer à procriação medicamente assistida (cfr. art. 6.º, n.º 2, da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, com a redacção ora introduzida) e de adoptar, de se deslocar, sozinho, no país ou no estrangeiro, fixar domicílio e residência e de celebrar negócios da vida corrente”.
1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão da Relação do Porto, proferido a 12 de maio de 2025, que, no âmbito do Processo Judicial de Acompanhamento de Maior, procedeu à substituição do Acompanhante nomeado, FF, por GG, para representar o Acompanhado, EE.
2. Tal substituição tem subjacente, única e exclusivamente, a alegada escolha do Acompanhado, inexistindo o apuramento de quaisquer factos que possam assegurar a idoneidade do Acompanhante designado no Acórdão recorrido, na imperiosa defesa dos mais elementares direitos daquele.
3. Ora, a alegada vontade, terá de ser afastada em prol da defesa do “interesse imperioso do beneficiário”, nos termos da parte final do nº 2 do art.º 143º do Código Civil.
4. Primou o Acórdão recorrido pela absoluta omissão, no diz respeito ao apuramento dos requisitos da idoneidade do Acompanhante designado GG.
5. Determinação, que se afigura imperativa, nos termos do disposto no art.º 143º do Código Civil, a que não foi dado cumprimento.
6. No que respeita à designação do acompanhante, o artigo 143.º, n.º 1, do CC, preconiza que o tribunal atenda, "designadamente, à vontade manifestada pelo acompanhado, aos seus interesses e à sua situação familiar e patrimonial".
7. Contudo, e este é o ponto fulcral da presente revista, o n.º 2 do mesmo artigo 143.º do CC estabelece um requisito imperativo: "O acompanhante deve ser uma pessoa idónea, que dê garantias de bom exercício do cargo e de respeito pela vontade e autonomia do acompanhado."
8. Ora, o douto Acórdão recorrido incorreu num manifesto erro na aplicação do direito ao sustentar a sua decisão apenas e só na alegada vontade manifestada pelo acompanhado em audiência,
9. descurando por completo o dever legal de aferir a idoneidade do agora nomeado Acompanhante, GG e ignorando a manifesta incoerência e potencial vício dessa vontade.
10. Resulta evidente a violação da Lei nº 49/2018, de 14 de agosto, e consequentemente, do disposto nos artigos 138º, 139º, 140º, 143º e 146º, todos, do Código Civil.
11. Não obstante se considerar que a alegada vontade do Acompanhado se encontrava viciada, pelos motivos supra expostos, o Acórdão recorrido ignorou, em absoluto, todo o quadro factual, declarações integrais daquele, os factos provados e respetiva fundamentação, constante da sentença judicial recorrida.
13. Factos que vêm demonstrar a preocupação do Tribunal a quo em designar um Acompanhante que, para além da sua idoneidade, demonstrasse ser a melhor solução para assegurar os superiores interesses do incapaz.
14. Do que resultou a nomeação do irmão do Acompanhado, FF, afastando a designação de qualquer filho daquele, incluindo, GG.
15. Reitera-se, factos tidos como provados a que está subjacente uma profunda e desenvolvida fundamentação, da escolha do Acompanhante FF.
16. Á contrário, ficou patente na sentença judicial, os motivos pelos quais não eram designados como Acompanhantes os filhos do Acompanhado, em especial o designado no Acórdão Recorrido, GG.
17. A conflitualidade existente entre os filhos, a “recente e oportuna” aproximação do GG do seu pai; os problemas financeiros, nomeadamente, a falência daquele, os “empréstimos” avultados do seu pai, que nunca pagou.
18. A ter-se em conta o âmbito e alcance do Recurso de Revista para o STJ, e estando perante um Processo Judicial do Maior Acompanhado, não pode o Tribunal descurar toda a realidade factual, apurada em sede de julgamento, de onde resultou um conjunto de factos provados e a sua inerente fundamentação.
19. A ofensa de uma disposição expressa de lei é patente, mais precisamente, o disposto no art.º 143, nº 2 do Código Civil, a que se exige prova para a existência do facto em causa, a idoneidade.
20. Ora, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por parte do Tribunal da Relação do Porto, terá de ser objeto de recurso de revista, nos termos do disposto da segunda parte do nº 3 do art.º 674º do CPC.
21. O Acórdão recorrido dá como provado que o Acompanhado escolheu para Acompanhante GG, sem aferir, em momento algum, como a lei impõe, a sua idoneidade para exercer tal função.
22. A ocorrência de factos supervenientes, em 13 de dezembro de 2024, determinantes para a apreciação da idoneidade de GG, um dos Denunciados, resultaram na apresentação da competente Denúncia Criminal, junto do Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP de ....
23. Tendo por base a dissipação do património financeiro do Acompanhado, mais precisamente da sua conta bancária sediada em Espanha, na CAIXABANK, no valor de 1.624.711,21 USD.
24. Tal facto, originou a apresentação de uma Denúncia Criminal, contra, entre outros, GG, pela prática dos crimes de Burla Agravada e Abuso de Confiança.
25. Tendo sido distribuído ao DIAP de ..., ... secção, sob o nº 2443/25.8T9VNG, estando a decorrer a fase de inquérito.
26. Colocando em causa, para além dos factos tido como provados e sua fundamentação, irremediavelmente, a idoneidade do Acompanhante designado no Acórdão recorrido.
27. Resulta da Jurisprudência dominante, que a vontade do Acompanhado, ainda que livre, não é absoluta nem poderá se sobrepor à falta de idoneidade do Acompanhante por si escolhido.
28. A verificação da idoneidade do Acompanhante é um requisito imprescindível inerente a Lei nº48/ 2018, de 14 de agosto, em articulação com as disposições previstas no código Civil, nomeadamente, dos seus artigos 138º, 149º, 140º, 143º, 146º.
29. O Acórdão recorrido violou, expressamente, tais disposições legais, incorrendo em erro de interpretação e aplicação da Lei.
30. Colocando em causa os superiores interesses do Acompanhado, consagrados legal e constitucionalmente, na salvaguarda do seu bem-estar pessoal e patrimonial.
Face ao exposto e ao que os Excelentíssimos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser julgado Procedente, por Provado, e, em consequência:
a) Ser o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de maio de 2025, revogado, na parte em que substituiu o Acompanhante do Maior, FF pelo GG.
b) Ser mantida a decisão do Tribunal de 1.ª Instância - Comarca de Aveiro – Tribunal Judicial de Santa da Feira, que nomeou FF como Acompanhante do seu irmão EE, por ser a pessoa idónea e que melhor salvaguarda o superior interesse e património do acompanhado.
A) Os factos.
O acórdão recorrido julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. O beneficiário nasceu a D de M de 1936, encontrando-se no estado de divorciado.
2. É portador de “Síndrome Demencial”, com deterioração mental, que atinge grave e globalmente todas as funções psíquicas.
3. Esta situação clínica decorre de patologia de carácter adquirido e progressivo, rapidamente progressivo, sendo incapacitante desde data posterior a 18-05-2021, provavelmente desde julho de 2021.
4. À data da instauração da presente ação (19-03-2021) residia sozinho, numa casa situada em ..., onde se manteve a viver sozinho desde que está divorciado há cerca de 25 anos.
5. Tem seis filhos todos com as suas vidas familiares independentes e devidamente organizadas.
6. Adoeceu gravemente infetado por SARS-COV-2, tendo sido internado no dia 16-02-2021, com pneumonia intersticial bilateral grave, disfunção hematológica e síndrome demencial de etiologia não esclarecida, ficando muito debilitado fisicamente, dependente nas atividades de vida diárias, prostrado, com períodos confusionais e de agitação.
7. Até esse episódio tinha sido saudável, não fazendo qualquer medicação regularmente.
9. Teve alta para o domicílio após um período em que recebeu cuidados numa Estrutura de Apoio Residencial.
10. Teve novo recurso ao Serviço de Urgência, no dia 22-05-2021, tendo sido levado pela filha BB, sendo referido como motivo de admissão “comportamento estranho, num homem descrito como autónomo para as atividades de vida diárias (AVD), que vive sozinho, mas tem o apoio dos filhos”.
11. Ao exame objetivo apresentava-se consciente, orientado no tempo e no espaço e colaborante durante a anamnese, discurso fluente, algo ansioso e não percebendo a razão para a ida ao hospital; diz sentir-se bem e que tem ido regularmente ao médico assistente e feito análises; menciona que os filhos querem provar que está demente para ficarem com a herança; exame neurológico sumário sem alterações.
12. Fez Tomografia Axial Computorizada (TAC) cerebral, com alterações inocentes compatíveis com a idade.
13. Foi avaliado por neurologia, apresentando-se consciente, com discurso de alto volume e discretamente desinibido, negando qualquer défice cognitivo, sem assimetria motora e sem parkinsonismo.
14. Tem alta no mesmo dia, com indicação de manter acompanhamento, com o neurologista que já o acompanha, com o diagnóstico de “Demência Soe, com perturbação do comportamento".
15. Foi avaliado em Consulta de Neurologia pelo Prof. Doutor II. Na sua Declaração Médica de 04-05-2021 consta: “senhor com boa aparência, bem cuidado, atento e muito colaborante, é autónomo e conduz um veículo ligeiro sem dificuldade, faz as suas próprias compras sem ajuda; não refere queixas cognitivas, cuja ausência é testemunhada por um filho; não refere qualquer doença prévia, mantendo-se ativo apesar da idade; não toma qualquer medicação; o exame neurológico é normal; na avaliação neuropsicológica não se verificam alterações cognitivas significativas, exceto um pequeno declínio em provas de evocação verbal diferida e muitos ligeiros defeitos das funções de controlo executivo (Montreal Cognitive Assessment-MoCA: 27/30 pontos).
16. Posteriormente foi atendido no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga a 20-06-2021 por episódio de alteração do estado de consciência e movimentos involuntários dos membros, o que foi interpretado como prostração e bradicinesia/tremor/rigidez por provável reação iatrogénica a neurolépticos ou eventual quadro para-infecioso.
17. No dia 08-07-2021 foi encaminhado ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Universitário de São João pela PSP de ... por desorientação temporoespacial, desorganização comportamental, agitação psicomotora heteroagressividade.
18. Foi avaliado por Medicina Interna e depois por Psiquiatria que concluiu tratar-se de um doente com ideação delirante persecutória, com atividade alucinatória auditiva, com desorganização do padrão comportamental, com hostilidade e risco de heteroagressividade.
19. Pelo quadro descrito em 17 e 18 e atendendo à incapacidade sociofamiliar de lidar com a situação, propôs-se internamento que o doente aceitou.
20. Foi internado no Hospital de Magalhães Lemos, tendo melhorado apesar de algumas intercorrências, como queda da própria altura que obrigou a avaliação no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Universitário do Porto (exames auxiliares de diagnóstico normais), isolamento posterior durante 7 dias por não ser capaz de usar máscara e de cumprir distanciamento social, e episódios hipotensivos e hiperglicémicos.
21. Aquando da alta, a 09-08-2021, apresentava-se consciente, calmo e colaborante, parcialmente orientado no espaço, no tempo e na pessoa, postura adequada, contacto cordial, atenção captável e mantida, discurso fluente, mas pouco espontâneo, com perda da ideia alvo, não verbaliza ideação delirante, sem solilóquios, humor eutímico, sono e apetite mantidos, não verbalizando ideação auto ou heterolesiva.
22. Saiu do Hospital com o diagnóstico de Demência com Perturbação do Comportamento, melhorado, para a ERPI de ..., em ..., graças ao trabalho realizado pelo Serviço Social do Hospital com conhecimento dos familiares que foi possível contactar, orientado para a Consulta de Psiquiatria do Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga e com a indicação de manter tratamento com rivastigmina (medicação específica para a Demência), olanzapina (neuroléptico tranquilizante), lorazepam (benzodiazepina tranquilizante), trazodona (antidepressivo facilitador do sono), sitagliptina (antidiabético oral), pantoprazola (para proteção gástrica e furosemida (diurético).
23. Foi recebido em Consulta de Neurologia pelo seu Neurologista assistente no dia 28-09-2021, e segundo nota clínica emitida pelo mesmo "tem uma deterioração cognitiva que no último meio ano evoluiu de forma rápida, na consulta não demonstrou agitação, embora o comportamento seja nitidamente demencial".
24. As avaliações clínicas realizadas nos dias 29-09-2021, no Tribunal, com Interrogatório do Requerido realizado pelo Meritíssimo Juiz, e no dia 14-10-2021, na ERPI, confirmaram a existência de alterações da memória, especialmente da memória recente, desorientação no tempo e no espaço, prejuízo na atenção, capacidade de concentração e no discurso, com respostas ao lado, ideação perseverante, inquietação, humor disfórico, irritável, com acentuado prejuízo do juízo crítico, tendo assim perdido a sua autonomia e a sua capacidade de gerir a sua pessoa e bens.
25. Não pareceu que entendesse as razões para a avaliação que estava a acontecer.
26. A capacidade geral de discernimento e de crítica mostrou-se prejudicada, nomeadamente para a sua situação mórbida e também para o exame a que estava a ser sujeito.
27. Constata-se a existência de uma limitação grave da sua faculdade de discernimento.
28. Está completamente dependente na utilização dos recursos da comunidade, nomeadamente nos cuidados de saúde e segurança.
29. À luz dos conhecimentos médicos atuais não se prevê que cure independentemente de qualquer terapêutica.
30. Apesar disso é necessária a continuação dos tratamentos médicos e a manutenção dos cuidados que tem recebido na ERPI, pelo seu crescente grau de dependência.
31. A Instituição onde se encontra atualmente reúne as condições necessárias em termos de equipamentos e equipa multidisciplinar.
32. A Instituição tem assegurado também o devido distanciamento em relação às dificuldades e divergências dos filhos no que respeita aos cuidados exigidos pela condição clínica do pai o que não lhes tem possibilitado criar as condições de suporte social que promovessem a continuação de um processo de envelhecimento digno e mais saudável.
33. Tem tido saídas diárias, saindo com os vários filhos (sai com um filho, mas outros ficam vigilantes) e, em regra, volta mais confuso.
34. A deficiência constatada limita séria e muito provavelmente de forma permanente as capacidades do Requerido, impedindo-o de gerir a sua pessoa e bens, nomeadamente celebrar negócios próprios da vida corrente e mesmo na tomada de cuidados de saúde e segurança.
35. O irmão do Requerido, FF, assumiu perante a responsabilidade pela pessoa do Requerido, tendo procedido ao respetivo internamento na Estrutura Residencial 1, sito na Rua 1.
36. O referido FF tem assumido o pagamento das mensalidades junto do ERPI, que orça, em média, o montante de € 1.460,25 acrescido de € 120,00 mensais com despesas extra e medicamentosas.
37. O filho do Requerido, GG, inscreveu o Requerido na Estrutura Residencial 2, pertencente à Associação Bem Estar de ..., cujos custos imputados mensalmente, tendo por referência a data de 19 de Janeiro de 2022, numa possível admissão, eram de € 1.240,00 (quarto duplo) ou € 1.390 (quarto individual), excluindo as despesas extra, como medicação e produtos de incontinência.
38. Não há notícia de que o beneficiário tenha celebrado testamento vital ou outorgada procuração para cuidados de saúde.
39. O Requerido, até ao momento em que adoeceu gravemente e foi internado em 16-02-2021, foi absolutamente autónomo na tomada de decisões sobre a sua pessoa e administração de bens.
40. Desde, pelo menos, o período em que o Requerido se divorciou o mesmo manteve um relacionamento regular com a sua filha BB, a qual o visitava todos os dias na respetiva, onde lhe levava pão fresco e o jornal.
41. Era a filha BB quem cuidava da limpeza da roupa do Requerido e que diligenciava pela limpeza da casa.
42. O Requerido era totalmente autónomo na gestão do seu património, tendo aforrado valores na ordem dos seis milhões de euros, que tem depositado em Bancos em Portugal e em Espanha.
43. O Requerido nunca deu a conhecer aos filhos o dinheiro que tinha.
44. Declarou, na audição pessoal de 18-05-2021, que emprestou dinheiro aos filhos GG e DD e precisou em seu valor.
45. Pedia habitualmente conselhos financeiros ao irmão FF, solicitando o seu apoio sempre que tinha necessidade e a quem confidenciou o seu património bancário.
46. Aufere, ainda, uma pensão de reforma.
47. Na inquirição ocorrida em 18/05/2021 o acompanhado declarou que as suas duas filhas, se estivesse numa situação em que precisasse seriam capazes de o acolher até ao fim da sua vida e, se estivesse numa situação em que já não fosse capaz de decidir era nos seus filhos GG e HH em quem mais confiaria para o ajudar”.
Pretendem os Reclamantes que o Acórdão recorrido e a decisão sumária reclamada violam os princípios basilares do processo do maior acompanhado, plasmados na Lei nº 49/2018, de 14 de agosto e nos art.ºs. 138.º, 139.º, 140.º, 143.º e 146.º, todos do Código Civil.
Embora os Recorrentes o não explicitem claramente, essa violação, reportando-se à nomeação de acompanhante pelo acórdão recorrido e à sua confirmação pela decisão sumária reclamada, estrutura-se em dois fundamentos diferentes, a saber, a omissão do acórdão na avaliação da idoneidade do acompanhante nomeado e a desconsideração pela decisão singular de “…prova dos autos e os factos supervenientes que tornam a sua falta de idoneidade patente e o conflito de interesses insuperável”.
Digamos, desde já, que nem um, nem outro desses invocados fundamentos encontra fundamento objetivo nos autos, como decorre da decisão reclamada, sem prejuízo da subjetividade dos Recorrentes, que aqui não pode relevar.
Com efeito, no que respeita à avaliação da idoneidade do acompanhante pelo acórdão recorrido, refere a decisão reclamada que:
“O acórdão recorrido, não tendo feito uma avaliação expressa e individualizada da idoneidade do filho nomeado como Acompanhante, tanto mais que a factualidade provada não continha (e não contém) quaisquer indícios conflituantes com a norma da primeira parte do n.º 1, do art.º 143.º, do C. Civil na definição do interesse do Acompanhado, procedeu contudo a uma avaliação objectiva dessa idoneidade, assente em dois parâmetros, o primeiro, de natureza negativa, por referência à sentença, ao referir que “…no caso sub Judice o tribunal recorrido, como se evidencia da respetiva decisão, nem sequer equacionou, na designação do acompanhante, essa escolha do beneficiário/recorrente, e, por lógica implicância, não a afastou por o interesse imperioso do beneficiário impor outra designação que não aquela escolha”, e o segundo, como fundamento positivo da sua própria decisão, referindo que “…podendo qualquer um dos citados filhos (GG e HH) ser nomeado acompanhante do apelante, a nosso ver, deve ser designado para ocupar o referido cargo o filho GG, por ter sido designado pela decisão recorrida para membro do conselho de família e, como também aí se refere, ter manifestado a vontade de zelar pelo bem-estar do progenitor/recorrente de molde a permitir uma situação de equilíbrio”.
Acresce que o filho do Acompanhado, GG, foi nomeado para integrar o Conselho de Família, nomeação decidida pela sentença, cuja fundamentação expressamente lhe reconheceu idoneidade para a função como decorre do excerto em que se declara “Quanto ao segundo membro do Conselho de Família, entende-se que o mesmo deve ser integrado pelo filho do Requerido GG, face à vontade manifestada em zelar pelo bem-estar do progenitor e de molde a permitir uma situação de equilíbrio”.
Sendo em tese admissível a asserção de que a idoneidade para integrar o Conselho de Família pode não ser a mesma exigível para o desempenho da função de acompanhante, o certo é que os Reclamantes não situam nem substanciam a sua discordância com o acórdão recorrido na diversidade dessas funções, mas antes numa falta de idoneidade que, a ocorrer, obstaria ao exercício de qualquer delas.
Não podemos, pois, deixar de concluir pela falta de razão dos Recorrentes/Reclamantes na imputação ao acórdão recorrido de ilegalidade, com violação do disposto na Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto e nos art.ºs 138.º, 139.º, 140.º, 143.º e 146º, do C. Civil, não aferindo da idoneidade do acompanhante nomeado.
Relativamente à decisão reclamada, não obstante a mesma ter expressamente concluído, após apreciação da argumentação da revista, que na apreciação da questão imputada ao acórdão recorrido “…a matéria de facto a considerar na sindicância da legalidade do acórdão é a que foi fixada na primeira instância, com o aditamento pela Relação do facto sob o n.º 47 e que acima se encontra descrito”, os Reclamantes persistem em substituir essa mesma matéria de facto fixada pelas instâncias, a única que este Supremo Tribunal pode valorar, pelo seu próprio julgamento, como decorre entre outras, das expressões em que afirmam:
“Resulta, de forma liminar e objetiva, das conclusões de recurso apresentadas junto do STJ, a falta de idoneidade de GG e o Conflito de Interesses existente”;
- “A Decisão Singular manteve a nomeação do filho, ignorando, deliberadamente, a prova dos autos e os factos supervenientes que tornam a sua falta de idoneidade patente e o conflito de interesses insuperável”.
Olvidando a indiscutível realidade processual de que a matéria de facto pertinente para decisão da causa é fixada pelo tribunal, pretendem os Reclamantes que com a apresentação de uma denúncia sejam aceites para decisão da causa os factos denunciados, “…ter retirado uma quantia avultada do património que deveria proteger”, invocando conflito de interesses e concluindo que “Este facto superveniente corrobora de forma dramática a falta de idoneidade do filho e o motivo pelo qual este não deve ser nomeado”.
A pretensão dos Recorrentes de que uma simples denúncia determine a falta de idoneidade e a exclusão do Acompanhante nomeado pelo acórdão recorrido é de todo desprovida de fundamento legal, uma vez que a mera invocação de apresentação de denúncia contra este não determina a prova dos factos denunciados, neste caso, “…ter retirado uma quantia avultada do património que deveria proteger” e consequentemente também não permite concluir pela falta de idoneidade do Acompanhante nomeado.
Na sequência desta sua pretensão, de inidoneidade do Acompanhante e ilegalidade da decisão reclamada, mais aduzem os Reclamantes que a sentença “…fundamentou explicitamente a sua decisão na necessidade de afastar o filho, por este "se ter aproximado do pai com interesses egoístas".
Também nesta invocação lhes não assiste razão.
Com efeito, na fundamentação da decisão em matéria refere a sentença que:
“De igual modo, da análise e confronto dos depoimentos prestados, em particular pelos filhos, resulta uma relação hostil e de evidente desconfiança entre os Requerentes e o irmão GG, revelando aqueles o seu temor de que o GG se aproprie do vasto património financeiro de que o Requerido é detentor, aproveitando-se das suas fragilidades, e um foco demasiado acentuado na gestão do património do Requerido, reveladores de um interesse mais pessoal do que verdadeiramente altruísta.”…
Como decorre do confronto deste excerto da sentença com os termos da revista e da reclamação, os Recorrentes arrogam-se juízes de si próprios na oposição entre irmãos.
E mais diz a sentença na sua parte decisória relativa à nomeação de acompanhante:
“É, pois, precisamente essa relação de conflito entre os filhos, centrada mais nos seus interesses pessoais do que primordialmente salvaguardar a condição clínica do pai, que faz com que o Tribunal, secundado o parecer do Ministério Público, entenda também que a pessoa que deve ser nomeada como acompanhante é o seu irmão Dr. FF”
Ao contrário do invocado pelos Reclamantes, a sentença não contém referências negativas em relação à idoneidade do filho nomeado acompanhante pelo acórdão recorrido, antes verberando a todos os filhos a prevalência dos seus interesses pessoais em face dos interesses do pai, como também realçado pela decisão reclamada quando refere que:
“O acórdão recorrido julgou a apelação procedente, nomeado acompanhante em aplicação do disposto na primeira parte do n.º 1, do art.º 143.º, do C. Civil, com o que também assegurou a realização do interesse do beneficiário, presente na escolha deste como critério legal de nomeação e também presente nos autos em relação a todos e cada um dos filhos do beneficiário, em relação aos quais, a decisão da primeira instância, de nomeação do irmão do beneficiário com preterição da ordem consagrada no n.º 2, do art.º 143.º, do C. Civil, se tinha estruturado numa relação de conflito entre os filhos, centrada mais nos seus interesses pessoais.”.
Por último, ainda, imputando os Reclamantes à decisão reclamada a violação do conjunto de preceitos processuais acima identificados, com a não prossecução do interesse pessoal do Acompanhado ao confirmar a nomeação do Acompanhante pelo acórdão recorrido, proferido na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional N.º 186/2025, acima identificado, com valoração da escolha do próprio Acompanhado, o certo é que essa imputação se configura desprovida de fundamento objectivo, não se vislumbrando em que medida é que essa nomeação de acompanhante descurou o interesse pessoal do Acompanhado ou violou os preceitos que os Reclamantes citam a esmo.
Pelo exposto, indeferimos a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelos Reclamantes, que lhes deram causa, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 527.º, do C. P. Civil, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Lisboa, 02-10-2025
Orlando Nascimento (relator)
Isabel Salgado
Catarina Serra
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1. ACÓRDÃO Nº 186/2025 que julgou “…inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, o n.º 1 do artigo 901.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual o recurso de apelação não é admissível quando a discordância quanto à sentença respeite apenas ao segmento relativo à nomeação da pessoa do acompanhante…”.