JUSTO IMPEDIMENTO
ALTERAÇÃO
REQUERIMENTO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES
ÓNUS
CORREÇÃO DE ERROS FORMAIS
PRECLUSÃO
INADMISSIBILIDADE
Sumário


I. Fora do enquadramento legal da situação de justo impedimento (artigo146º do CPC), não é de admitir a substituição da peça recursiva que contenha alterações substanciais de conteúdo à inicialmente apresentada.
II. O incumprimento do ónus processual previsto no artigo 637º, nº2, do CPC tem efeito preclusivo e determina de imediato a não admissão do recurso, sem que, previamente, se imponha a formulação de convite no sentido do suprimento da deficiência.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes na 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

1. A Recorrente CONLUX – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, notificada da decisão da relatora que não admitiu o recurso de revista interposto do acórdão da Relação proferido nos autos, requereu que sobre a matéria recaia acórdão.

No instrumento adrede, reproduziu sem inovação os argumentos já aduzidos e concluiu:

«1ª O Tribunal a quo violou o regime previsto nas disposições conjugadas dos artigos 6º, n.º 2, 7º, n.º 1, 8º, 639º, n.º 3, todos do CPC.

2ª Essa violação decorre da circunstância de ter interpretado tais normativos no sentido de que o recurso apresentado não era admissível por não conter as conclusões completas, não se pedindo a correcção das deficiências apresentadas;

3ª E, por outro lado, após ter considerado o primeiro ficheiro apresentado como não admissível, não ter apreciado o recurso apresentado no dia seguinte, junto no prazo para o efeito;

4ª Deveria tê-los interpretado em sentido contrário. Justamente no sentido de que, à sua luz, e de acordo com a jurisprudência superior – designadamente Ac. n.º 3/2024 do Supremo Tribunal de Justiça e Ac. n.º 174/2020, do Tribunal Constitucional oficiosamente pedido a correcção da peça processual que não cumpre os requisitos legais ou, em última instância, ter admitido a junção do recurso apresentado na última data, em razão de ter sido apresentado dentro do prazo para o efeito. 5ª Nesta conformidade, deverá revogar-se o despacho reclamado e, em sua substituição, deverá ser proferido um outro que admita o recurso interposto.»


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A reclamada pugnou pela improcedência da reclamação.

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2. Seguindo-se o estabelecido no artigo 652,nº3, ex vi 679º do CPC, corridos os Vistos - a revista interposta é de admitir?

3. Antecipando razões, revisitado o conteúdo do despacho reclamado e as alegações da reclamante, não se afigura ao colectivo diferente avaliação, convergindo no juízo de não admissão da revista.

Na senda da metodologia que se vem adoptando no julgamento de situações paralelas, se desnecessária fundamentação adicional à que suporta a decisão reclamada, em ordem à economia de actos e meios, remete-se para o respectivo conteúdo que vai transcrito1 :

«1. No âmbito dos autos de acção declarativa e processo comum que AA, e BB intentaram, contra CONLUX – Sociedade de construção, Lda., foi proferido em 30.05.2023, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação da sentença, interposto pela Ré.

2. Notificadas as partes, a Ré em 4.07.2023 deu entrada em juízo do requerimento de interposição de recurso e alegações que corresponde à peça com a REFª: 46047101 e composta por 14 páginas (leitura na plataforma).

Na primeira página consta o texto que se reproduz:

“ [..] CONLUX – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, ré nos autos de acção de Processo Comum supra identificados, não se conformando com o Acórdão, e apresentando a competente motivação, requer, nos termos dos artigos 627º, n.º 1, 628º a contrario, 629º, n.º 3, alínea a), 631º, n.º 1, 644º, n.º 2 h), 645º, n.º 2, 647º, n.º 3, alínea b) do CPC: - Que seja admitido recurso de apelação da mesma, para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata e com efeito suspensivo do processo.[..]”

Da motivação da revista que dirige ao Supremo Tribunal de Justiça, constam em sequência e destacados os seguintes apartados: “[..]I Resumo do Processo II. Delimitação do recurso. 3. Do recurso da decisão sobre a matéria de direito1. Da relevância do contexto pré-contratual e contratual; IV Conclusões (1ª a 11ª); e termina “Requer-se, nos termos do disposto no artigo 646º, n.º 1 do CPC, que o presente recurso seja junto com as seguintes peças processuais, cuja certidão se pretende: - Notificação da secretaria com a referência .......57; - Despacho com a referência .......72.[..]”

2.1. No dia subsequente (5.06.2023), a Ré deu entrada em juízo de outra peça que tem a REFª: ......51 e 33 páginas, capeada com o requerimento cujo teor se reproduz:

“[..]CONLUX – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, ré nos autos de acção de processo comum supra identificados, vem expor e requerer o seguinte: 1. No dia de ontem deu entrada às alegações de recurso do presente processo; 2. Contudo, por lapso, pelo qual se pedem as devidas desculpas, anexou o ficheiro errado; 3. Solicita-se, por isso, que se atenda ao presente pedido, e se aceite a junção do ficheiro correcto.[..]

O texto da motivação tem a seguinte ordenação: “[..]I Resumo do Processo. II Delimitação do recurso. 1. Do recurso da matéria de facto2. Do recurso da decisão sobre a matéria de direito.1. Da relevância do contexto pré-contratual e da boa-fé na celebração dos contratos.2. Da validade da interpelação admonitória IV Conclusões 1ª a 60ª.[..]”

2.2. As Autoras por requerimentos de 20.09.2023 interpõem recurso subordinado REFª: ......00) e respondem no recurso da Ré, pronunciando-se por cautela sobre ambas as peças apresentadas.

2.3. No tribunal a quo os recursos foram admitidos por despacho tabelar.

3. Neste Supremo, as partes foram notificadas para se pronunciarem conforme despacho da relatora:

“{[..]Em apreciação perfunctória dos requerimentos de interposição da revista apresentados pela Ré, respectivamente, em 04/07/2023 (Ref.Citius nº.....3) e, em 05/07/2023 (Ref.Citius nº....51), pode decorrer a rejeição da peça processual entregue em último lugar, em virtude da invocada “substituição da anterior, devido a lapso”, não configurar justo impedimento.[…]”

A Ré sustenta que apresentou “o anexo correcto” dentro de prazo legal, sendo notório que o primeiro estava “incompleto”, sendo admissível a prática do acto, sem preclusão do e prazo legal ou afectação da parte contrária; e caso assim não se entenda, requer a sua notificação para “corrigir as alegações apresentadas no primeiro ficheiro.

As Autoras, defendem, em síntese, que a Ré não apresentou qualquer justificação atendível para o sucedido, não se verificar um erro mecânico (de impressão, de truncamento, etc), mas sim duas peças processuais diferentes, e bem assim que a falta de conclusões de recurso quanto à matéria dos autos no requerimento de 4.06.2023 não pode ser objecto de aperfeiçoamento.

4. Apreciando

4.1. Não existe controvérsia que a peça apresentada pela Ré no dia 4.07.2023 não corresponde ao conteúdo principal da peça junta no dia subsequente.

Da leitura comparativa resulta evidenciado, que a primeira peça, aparentando corresponder a um articulado de recurso formalmente completo, corresponde afinal a um documento em elaboração, mas que se quis completar, embora através da formulação de conclusões que não se prendem com o objecto da lide.

A segunda peça, que mantém parte do texto da anterior, redefine a ordenação de assuntos e desenvolve os tópicos argumentativos (matéria de facto e de direito) e encerra agora com o enunciado de 30 conclusões, cujo conteúdo diz respeito ao tema em discussão nos autos.

Ou seja, a primeira peça não traduz um documento inacabado, que pela sua leitura se perceberia não estar concluído ( o que não se sucedeu), como se disse.

A Ré, além do ensaiado “lapso” na entrega do “ficheiro”, que de resto não explicita, não apresentou qualquer motivo que à luz das regras da experiência, seja enquadrável no justo impedimento.

Sabendo que o manuseamento dos meios informáticos, gera alguns “erros irritantes”, dificilmente se concebe o descrito como mera troca de ficheiro que justifique sua relevância.

No âmbito da previsão do artigo 146º do CPC, esclarece PINTO RUI “[..] que o artigo contempla é a dos ‘vícios ou omissões puramente formais’: há uma omissão ou uma ininteligibilidade, total ou parcial, da vontade expressa por escrito, em razão de um impedimento técnico. Dito de outro modo, uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real causada pelo próprio corpus mechanicum de comunicação do ato, e não pela vontade da parte, como é o caso dos erros materiais do nº 1. (…) Trata-se de gralhas, truncagens, omissões e incompletudes, originadas em qualquer momento do ciclo de edição e apresentação do texto do ato processual escrito: na composição, impressão, anexação, apresentação e transmissão, seja em suporte de papel, seja em suporte informático.”2

Como se constata no confronto entre as duas peças, a recorrente reformulou substancialmente as alegações, e terminou com conclusões distintas.

A equacionar a ocorrência como troca “parcial” de um ficheiro informático, s.m.o., não se fica a dever a factores exógenos, pelo menos, que a recorrente tenha logrado identificar, em ordem a reparar o alegado “lapso”, mas, outrossim à falta de zelo e diligência.

4.2. Por fim, a junção do segundo ficheiro dentro do prazo legal de recurso.

Praticado o acto, o mesmo fica consumado, restando a possibilidade de retificação prevista no artigo 146º do CPC, e, por conseguinte, esgotado a possibilidade de o repetir, ainda que não completado o prazo peremptório para a respectiva prática.

Fora do enquadramento legal da situação sob o artigo 146º do CPC, não é de admitir a substituição pretendida pela peça recursiva que contém alterações substanciais de conteúdo.

Posto isto, subsistindo a peça recursiva interposta pela Ré em 4.06.2023, cujas 10ª conclusões não respeitam à matéria dos autos, estamos perante motivo de rejeição do recurso de revista, conforme disposto no artigo 637º, nº2 ex vi 679º do CPC.

5.Tendo presente o que se acabou de expor, concluindo-se que a revista não é admissível, visto o disposto no artigo 652º, nº1, al) b) ex vi artigo 679º do CPC, decide-se não conhecer do recurso do acórdão a Relação interposto pela Ré; e em consequência, visto o disposto no artigo 633º, nº3, do CPC, resulta prejudicada a admissão da revista subordinada interposta pelas Autoras.»

Uma nota final sobre o apelo à aplicação da doutrina dos arestos que consta da 4ª conclusão do requerimento trazido à Conferência.

Apesar da deficiente indicação, supomos que a reclamante se refira ao Acórdão do Tribunal Constitucional de 11.03.2020, proc.º n.º 564/2018 e, ao Acórdão do STJ de Recurso Extraordinário para Fixação de Jurisprudência nº3/2024, de 23.04.2024, proc. nº de707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1, disponíveis nas respetivas páginas web.

Segundo se compreende , a reclamante pretende que o tribunal deveria notificá-la e facultar a “correcção” da peça de recurso que inicialmente apresentou, prosseguindo a orientação dos sobreditos arestos.

A argumentação não colhe.

Desde logo, as situações ali ajuizadas respeitam à interposição de recurso em processo penal 3, e prendem-se com o direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

A enunciada jurisprudência, sem que se observe relação de identidade com a dimensão normativa das regras de admissão do recurso em processo civil - não é, por conseguinte, transponível para o caso em análise (falta de alegações no recurso de revista), excluindo-se a pari ratione, idêntico juízo.

Obiter dictum.

Como vem acentuando o Tribunal Constitucional, inter alia, no Acórdão n.º 462/2016, de 14.07, as exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, não afastam a liberdade de conformação do legislador ordinário na estruturação do processo, ressalvando situação que possa revelar-se funcionalmente inadequada aos fins do processo , traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável.

Retomando o caso em apreciação, o ónus de formular conclusões na peça de recurso -artigo 637º, nº2, do CPC(1ªparte), enquanto condição de admissão, sem prévio convite ao aperfeiçoamento, afigura-se justificada dentro da auto-responsabilidade das partes e não afronta princípio ou norma constitucional , nomeadamente, o artigo 20º, nº4, da CRP.

Interpretação do preceito que não se afigura de arbitrária ou desproporcionada e integrada na liberdade de conformação do legislador ordinário quanto à disciplina procedimental do tipo de recursos em apreço4.

Na fase recursiva , o juiz tem o dever de proferir convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 639º, n.º 3, do CPC, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou para o recorrente proceder às especificações previstas no n.º 2 do mesmo artigo; ou seja, o tribunal apenas tem o dever de convidar o recorrente a suprir omissões ou deficiências meramente formais e secundárias, do que não se cuida no caso sob julgamento.

Em suma, a falta/ ausência de conclusões na peça recursiva, traduz o incumprimento do ónus processual previsto no artigo 637º, nº2, do CPC com efeito preclusivo, determinando de imediato a não admissão do recurso, sem que, previamente, se imponha a formulação de convite no sentido do suprimento da deficiência.

4. Pelo exposto, não tendo a reclamante invocado quaisquer fundamentos suscetíveis de colocar em crise o sentido decisório impugnado, renova-se o juízo de não admissão da revista, confirmando-se o despacho em reclamação.

Custas a cargo da reclamante, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Lisboa,2.10.2025

Isabel Salgado (relatora)

Ana Paula Lobo

Fernando Baptista de Oliveira

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1. Entre outros, os acórdãos do STJ de 14-10-2021, no proc. 54843/19.6YIPRT.G1-A. S1, e de 4.07.2024,no proc 2254/20.7T8STS.P1-A-A. S1, ambos tirados nesta secção, in www.dgsi.pt.

2. In anotação ao artigo 146º do CPC º, Código de Processo Civil Anotado, Rui Pinto, Almedina, Vol. I.

3. Versa sobre a motivação do recurso à luz do disposto no artigo 412º do CPP, v.g. a circunstância de estar em causa um recurso interposto da decisão sobre a matéria de facto o qual só não é conhecido por uma razão de ordem formal: a falta de indicação nas conclusões da motivação do recurso de certas menções legalmente exigidas quando se impugne a matéria de facto, sem que, previamente, seja facultada à recorrente oportunidade de suprir as deficiências formais em causa.

4. Situação distinta à apreciada no Acórdão nº 151/2020 de 4.03.2020 (entre outros, sobre o mesmo ponto) em que o Tribunal Constitucional emitiu juízo de inconstitucionalidade do artigo 637.º, n.º 2,do CPC segunda parte, interpretado no sentido de o recurso de revista, em processo especial de revitalização, ser imediatamente rejeitado no caso de o Recorrente não juntar cópia do acórdão-fundamento, sem que antes seja convidado a suprir essa omissão, E teve por fundamento a natureza marcadamente secundária e não estruturante deste ónus no exercício do direito do recurso.