RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REFORMA
LAPSO MANIFESTO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sumário


O inconformismo do recorrente face à solução jurídica adoptada no acórdão, diversa daquela que defende ser a adequada, não constitui fundamento de reforma; esta apenas será de mobilizar na situação de manifesto lapso quanto à norma aplicável, ou na qualificação jurídica dos factos, ou constem do processo documentos ou outros elementos que, só por si, impliquem decisão distinta da proferida, que por lapso manifesto, não foi atendido pelo tribunal.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes na 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

1. Notificado do acórdão proferido em 15.05.2025, veio o Réu Município Paços de Ferreira reclamar do mesmo, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC. Alinha para tanto, que existe erro na qualificação jurídica dos factos, assentando a responsabilidade contratual do recorrente em documento inválido e ineficaz, pugnando em consequência pela reforma do decidido ,

Do requerimento, em economia de actos, destaca-se a alegação seguinte :

“ (…) Ora, como ficou provado, o documento em causa – carta de conforto – em que assenta a responsabilidade do ora Requerente não passou por nenhum dos órgãos municipais que deveriam ter deliberado sobre a sua produção e conteúdo – Câmara Municipal e Assembleia Municipal –, estando a atuação do anterior Presidente da Câmara ferida de um claro abuso de poder, que teve como consequência jurídica alocar ao Município uma dívida de milhões de euros, para a qual este em nada contribuiu para a formar ou agravar.(..) Ora, só por um manifesto lapso do doutro Tribunal na qualificação jurídica dos factos pode justificar-se que se tenha julgado como provado que a carta de conforto não foi apreciada, deliberada ou sequer comunicada à Câmara Municipal de Paços de Ferreira, para nesse seguimento ter considerado que o Presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira é competente para emitir, por si só, uma carta de conforto juridicamente válida e vinculativa do órgão executivo camarário


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Em resposta, a Autora defendeu o indeferimento do requerido.

2. Em apreciação.

O Réu imputa ao acórdão sob reclamação errada e manifesta qualificação jurídica dos factos em que assentou o sentido decisório condenatório.

Estabelece o artigo 616.º, n.º 2, al. a) do CPC, que, não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; significando que a oportunidade da sua aplicação pressupõe que se conclua que o tribunal cometeu um erro grosseiro, ostensivo que evidencia uma solução jurídica manifestamente ilegal1.

No caso, o reclamante nada alega que possa consubstanciar causa de reforma da decisão.

De facto, limita-se a fundamentar o pedido na circunstância de se relevar juridicamente válida a “carta de conforto” 2 e vinculativa do órgão executivo camarário.

O alegado na parte transcrita e demais requerimento, não constitui causa de reforma do acórdão, traduzindo, outrossim e apenas, argumentos que indiciam a sua discordância com o acórdão.

Conquanto o reclamante manifeste inconformismo face ao sentido do acórdão proferido, mais não faz do que reiterar a argumentação da defesa da tese que não foi a acolhida, por diverso entendimento do tribunal quanto à solução jurídica correcta do litígio, e sobre a qual, não cabe mais a este tribunal pronunciar-se, esgotado o seu poder jurisdicional, tal como dispõe o artigo 616º, nº2, a) a ex vi 685º do CPC.

3. Pelo exposto, não se descortina fundamento que viabilize a requerida reforma do acórdão, que se indefere.

Custas a cargo do reclamante, fixando em 3UC a taxa de justiça.

Lisboa, 2.10.2025

Isabel Salgado (relatora)

Fernando Baptista de Oliveira

Ana Paula Lobo

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1. Cfr. inter alia os Ac.STJ de 28.1.2021, proc. nº 214/17.4T8MNC.G1.S1 , relatado por membro do colectivo, e de 18.2.2021, proc. nº 709/12.6TVLSB.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.

2. Um de entre outros elementos de prova atendidos e a outros segmentos da motivação.