COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
CONTRATO DE MANDATO
RESIDÊNCIA HABITUAL
SOCIEDADE ESTRANGEIRA
PRESTAÇÃO DE CONTAS
PROCESSO ESPECIAL
ELEMENTO DE CONEXÃO
Sumário


I. No que se refere aos pedidos relacionados com o contrato de mandato alegadamente celebrado entre as partes, residentes em Portugal, e celebrado em território português, é o tribunal português competente para prosseguir os termos da acção, concorrendo os factores de atribuição de competência tipificados nas als. a) e b) do art. 62.º do CPC.
II. Diversamente, é o tribunal português incompetente para apreciar o pedido de prestação de contas de sociedade angolana da qual alegadamente o réu é administrador, por não se encontrar preenchido qualquer dos critérios de conexão definidos no art. 62.º do CPC.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. AA instaurou a presente acção especial de prestação de contas ao abrigo do disposto nos arts. 941.º e segs. do Código de Processo Civil contra BB, pedindo que se decida:

“1) Ordenar a citação do Réu para, no prazo de 30 dias, apresentar as suas contas ou contestar a ação, sob cominação de não se poder opor às contas que o Autor apresente, seguindo-se os demais termos até final; E

2) Condenar o Réu no pagamento dTo saldo favorável ao Autor que venha a apurar-se. E

3) Ordenar a entrega pelo Réu dos títulos representativos das ações nominativas tituladas pelo Autor, devidamente endossadas e registadas no livro de ações da sociedade, a favor do Autor. E

4) Condenar o Réu a indemnizar o Autor das quantias em que este incorrer como satisfação de todas as despesas com a presente ação, compreendendo, designadamente, mas sem excluir, taxas de justiça e honorários com Advogados, os quais que desde já se computam em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros)”.

Para tanto, e após: (i) justificar a cumulação de pedidos de prestação de contas e de condenação à entrega dos títulos mencionados no ponto 3) do pedido, argumentando serem entre si compatíveis, tratando-se de pretensões interligadas nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, 547.º, 37.º, n.º 2, e 555.º do CPC; (ii) invocar a competência internacional e territorial do tribunal por estar em causa o cumprimento de obrigações emergentes de documento assinado pelo réu na cidade do Porto, onde reside, impondo-se a propositura da acção no tribunal do domicílio do réu.

Alegou, em síntese, o seguinte:

- Ser o autor proprietário material de participação correspondente a 27% (vinte e sete por cento) do capital social da sociedade comercial de direito angolano denominada IMPEX – Importadora e Exportadora, S.A., inscrita na Conservatória dos Registos da Comarca de Cabinda, com sede na Rua do Comércio, Bairro Deolinda Rodrigues, na Cidade de Cabinda, não obstante sendo a titularidade formal das acções detida pelo réu;

- Titularidade que o réu reconheceu em documento intitulado “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.”, subscrito pelo próprio réu, no Porto, a 8 de Maio de 2012, conforme documento n.º 2 junto aos autos (e nos termos em tal documento descritos);

- Sendo o valor real da participação social de 27% de € 2.500.000,00;

- O réu obrigou-se a administrar tal participação detida pelo autor, de forma gratuita, o que vem fazendo desde 2012;

- Impende sobre o réu, que também vem exercendo as funções de administrador da IMPEX, o dever de informar e de prestar contas da sua administração sobre as acções tituladas pelo autor, o que não fez;

- Pelo que requer o autor a citação do réu para prestar as contas por referência ao período que medeia entre 08/05/2012 e o presente;

- Contas que se encontra obrigado a prestar tanto quanto às contas da sociedade IMPEX atenta a sua qualidade de administrador desta, quanto à administração das acções que pertencem ao autor;

- Relevando as contas da administração da sociedade IMPEX para as contas a apresentar pelo réu sobre a administração exercida relativamente às acções do autor;

- Mais requereu o autor a condenação do réu à entrega dos títulos representativos das acções, devidamente endossadas e registadas no livro de acções da sociedade, a favor do autor, por das mesmas ser proprietário, nos termos da mencionada declaração;

- Bem como a condenação do réu a indemnizar o autor das quantias que este suportar com a satisfação de todas despesas com a presente acção, compreendendo, designadamente, taxas de justiça e honorários com advogados, os quais desde já se computam em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

2. Por despacho de 04/10/2022 foi proferida decisão que admitiu “a cumulação de pedidos, em face dos motivos invocados e considerando o disposto nos artigos 37º, nº 2 e 555º do Código de Processo Civil.”. Foi também ordenada a citação do réu nos termos do disposto no art. 942.º, n.º 1, do CPC.

3. O réu contestou, tendo, em síntese:

- Impugnado a alegada titularidade de qualquer participação social do autor no capital social da sociedade IMPEX;

- Bem como a existência de uma qualquer convenção celebrada entre autor e réu quanto a “uma putativa representação formal deste relativamente àquele”;

- Realidade de que afirmou ser o autor conhecedor por, nos idos de 2005, ter o réu adquirido, por cessão de quotas, 60% do capital social da referida IMPEX;

- Acto no qual o autor interveio enquanto um dos procuradores do até então titular desses 60% do capital social;

- Tendo ainda o autor conhecimento de quem eram os titulares dos restantes 40% do capital social (CC e Herdeiros de DD);

- Em 2006 os então sócios da IMPEX deliberaram aumentar o capital social desta e transformar a mesma em sociedade anónima, operação levada ao registo em 10/08/2007 – ap. 15;

- O autor adultera assim a verdade dos factos, assumindo uma atitude censurável;

- O documento 2 junto aos autos pelo autor, cujo teor o réu desconhecia, tem uma assinatura que, a ser sua – o que não exclui –, não foi por si aposta tendo o documento o teor que tem;

- Tendo o documento sido forjado; o que justificou pelo contexto de outras relações pessoais e societárias entre vários sócios (e entre três sociedades), assentes em elevados graus de confiança;

- Sendo uma das manifestações de tal confiança, o facto de, no cofre de uma outra sociedade, existirem folhas em branco assinadas por cada um dos sócios (habitualmente, em número de cinco folhas por cada sócio), destinadas a serem preenchidas e utilizadas em ocasiões em que um deles não pudesse estar presente para outorgar um qualquer documento que fosse necessário;

- Folhas em branco que, das assinadas pelo autor, desapareceram duas do dito cofre; e das restantes assinadas pelos outros sócios, faltavam duas por cada um; quanto ao aqui réu, de cinco folhas em branco, só estavam três;

- Por tal motivo, não enjeitando o réu a possibilidade de a assinatura aposta no documento 2 ser a sua; a ser o caso, correspondendo então a uma das folhas assinadas em branco e desaparecidas;

- Após 2019/2020 as relações entre as partes deterioram-se, tendo o autor proposto acções destinadas a impugnar deliberações tomadas nas assembleias gerais das três sociedades, visando incomodar e melindrar os demais sócios daquelas três sociedades e ainda causar perturbação no funcionamento das mesmas.

Suscitou ainda o réu as seguintes questões:

- Sobre o valor da acção atribuído pelo autor, atendendo ao previsto no art. 298.º, n.º 4, do CPC, para a acção de prestação de contas. Na falta de outro critério mais preciso, pugnando dever ser fixado à acção o valor de € 30.001,00;

- Sobre a cumulação de pedidos, embora expressando o entendimento da sua inadmissibilidade, por já judicialmente admitida declarou não questionar o assim decidido;

- Invocou a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade na medida em que:

- “o Autor, em rigor, não pretende qualquer prestação de contas, até porque sabe que nenhumas contas há a prestar, até porque sabe que é falso que seja titular de qualquer participação social na IMPEX e até porque sabe que inexiste qualquer vínculo entre si e o Réu justificativo de qualquer prestação de contas.”

- “ainda que sob a aparência de contas a prestar, tudo o que o Autor visa é o exercício de (putativos) direitos sociais relativamente à IMPEX.”

- “Aquilo que aqui temos é alguém a instaurar em Tribunal português uma ação destinada a fazer valer (putativos) direitos sociais relativamente a uma sociedade comercial estrangeira, de Angola, in casu.”

Concluindo, assim, o réu:

- “[Q]ue os Tribunais portugueses carecem de competência em razão da nacionalidade para a presente ação, o que gera a sua incompetência absoluta e constitui uma exceção dilatória que conduz à absolvição do Réu da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 96º, al. a), 99º, 278º, nº 1, al a), e 577º, al. a), todos do CPC.”;

- Sem prescindir, e com base na mesma argumentação, suscitou o réu a incompetência em razão da matéria por serem os Juízos do Comércio os competentes para o exercício dos direitos sociais (art. 128.º, n.º 1, al. c), da LOSJ).

Pugnando pela consequente absolvição da instância do réu.

- Mais arguiu a incompatibilidade das pretensões deduzidas pelo autor, afirmando que a única forma de este ver reconhecido o seu pretenso direito a 27% das acções da IMPEX, seria peticionando a declaração de invalidade do negócio por via do qual o réu adquiriu 60% das acções da dita sociedade;

- Bem como peticionando a declaração de invalidade dos restantes negócios, operações e actos por via dos quais os restantes accionistas da IMPEX adquiriram as suas próprias participações sociais;

- O que não fez, sendo totalmente infundada a pretensão deduzida.

Termos em que concluiu o réu:

“Devem ser julgadas procedentes as exceções de incompetência absoluta do Tribunal, absolvendo-se o Réu da instância.

Deve ser alterado o valor da causa, fixando-se o mesmo em 30.000,00 €.

Deve ser atendida a demais defesa deduzida, julgando-se a ação totalmente improcedente e absolvendo-se o Réu do pedido.”.

4. Respondeu o autor às excepções invocadas pelo réu, pugnando, em suma:

- Pela manutenção do valor da acção por si indicado;

- Pela compatibilidade da cumulação de pedidos por si deduzidos;

- Pela competência internacional e territorial do tribunal;

- Pela competência material do tribunal.

Relativamente à impugnação pelo réu da factualidade descrita na petição inicial, nomeadamente à impugnação das obrigações emergentes do documento por si junto como documento 2, o autor alegou o seguinte:

- “[R]efira-se que o Autor, na pessoa do seu mandatário, tem elementos de prova bastantes para demonstrar que o Réu falta à verdade e que, em bom rigor, reconheceu, num passado recente, a legítima titularidade material da participação ora reclamada pelo Autor.

- Tais meios de prova consistem em comunicações trocadas entre os mandatários do Autor e os mandatários do Réu, encontrando-se, portanto, a coberto do segredo profissional nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

- Assim, desde já se dá conta de que o mandatário do Autor diligenciou pelo pedido de dispensa do segredo profissional, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que se tem a divulgação do teor daquelas comunicações como absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do Autor e do próprio mandatário (vide Documento 1 que ora se junta para os devidos efeitos).

- De facto, o teor daquelas comunicações é de modo a permitir desmentir categoricamente a posição assumida pelo Réu na sua Contestação.

- Desta feita, desde já se protesta proceder à sua junção aos presentes Autos, tão logo o referido pedido de dispensa de segredo profissional seja deferido pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados.”.

5. Em 10/03/2023 veio a ser proferido despacho saneador sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos.

6. Desta decisão interpôs o autor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pedindo a ampliação do objecto do mesmo.

Por acórdão de 08/04/2024 foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e parcialmente procedente a ampliação do recurso deduzida pelo autor, consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida, decidindo:

- Ordenar a prossecução dos autos de acordo com a tramitação processual aplicável, para apreciação da pretensão formulada pelo autor relativa ao pedido formulado contra o R. para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor – as participações que alega serem de sua pertença.

- Quanto ao demais pedido pelo autor, absolver o R. da instância por verificada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciação de tais pretensões.”.

7. Inconformado veio o autor interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“OBJETO E ÂMBITO DO PRESENTE RECURSO

a) Por via do presente recurso de revista, vem o Recorrente recorrer da douta decisão do Tribunal da Relação do Porto que considera os tribunais portugueses incompetentes e, nessa decorrência, conclui pela absolvição do Réu da instância, sem proferir decisão de mérito sobre as seguintes questões:

− Prestação de contas dos atos praticados pelo Recorrido, na qualidade de administrador nomeado por conta da detenção das ações do Recorrente (e de outros acionistas de facto);

− Endosso dos títulos (ações), pelo Recorrido, a favor do Recorrente;

− Entrega dos títulos (ações), pelo Recorrido, ao Recorrente;

− Registo da transmissão das ações, no livro de ações, a favor do Recorrente.

DAS NULIDADES DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

b) Entende o Recorrente que aquele Tribunal incorreu numa oposição entre os fundamentos e a decisão, no que se refere à ampliação pretendida pelo Réu/Recorrido do recurso de apelação interposto pelo Autor, na questão relativa ao valor da causa (vide artigos 11 a 31 supra);

c) Em síntese, dando razão ao Recorrente, o Tribunal da Relação entendeu que, tendo o Réu ficado vencido nesta questão relativa ao valor da causa, cabia ao Réu ter interposto um recurso autónomo, estando-lhe vedada por lei a possibilidade de ampliação do âmbito do recurso para efeitos de conhecimento do valor fixado à causa;

d) No entanto, na sua decisão, concluiu aquele Tribunal nos seguintes termos: “Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e parcialmente procedente a ampliação do recurso deduzida pelo autor, consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida (…)”.

e) Tal decisão apresenta-se manifestamente contraditória, e mesmo ininteligível, face à fundamentação exposta, em particular na parte em que julga “parcialmente procedente a ampliação do recurso deduzida pelo autor”.

f) Enfatiza-se que a ampliação de recurso foi deduzida pelo Réu/Recorrido e não pelo Autor/Recorrente; de outra parte, não se vislumbra em que medida aquele douto Tribunal julga “parcialmente” esta questão, dado que foi perentório em decidir: “Procede nestes termos a questão da inadmissibilidade da ampliação do âmbito do recurso para efeitos de conhecimento do valor fixado à causa.”

g) A decisão deverá, portanto, ser no sentido de julgar totalmente improcedente a ampliação do recurso deduzida pelo Réu; ou, alternativamente, julgar totalmente procedente a recusa de ampliação do recurso deduzida pelo Autor.

h) Diante de quanto se vem de dizer, resulta manifesta a oposição entre a fundamentação invocada e a decisão tomada pelo Tribunal, a qual configura uma situação de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.

i) O douto Acórdão incorreu, ainda, na omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação do Réu/Recorrido em litigância de má-fé, requerida pelo Autor/Recorrente, nos termos devidamente fundamentados nos artigos 32 a 39 acima, ficando assim o Acórdão ferido de nulidade, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS

j) O Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se (e bem!) pela competência internacional dos tribunais portugueses: “apesar de estar em causa a administração de ações de sociedade registada e constituída em Angola, o que é certo é que as partes têm residência em Portugal, o que torna os Tribunais portugueses competentes, conforme o artigo 62.º, a) do CPC.”

k) O Tribunal da Relação, por sua vez, confirmou a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar e decidir sobre a questão da prestação de contas pelo Réu/Recorrido, relativamente à administração das ações que são materialmente propriedade do Autor/Recorrente (ao abrigo do mandato).

l) Relativamente aos demais pedidos, entendeu o Tribunal da Relação – a nosso ver erradamente –, que os mesmos têm subjacentes atos da própria sociedade e da sua vida social, concluindo pela incompetência dos tribunais portugueses.

m) Ora, com o devido respeito que é muito, e conforme acima se procurou demonstrar (vide artigos 52 a 128 acima), entende o Recorrente que o Tribunal da Relação incorreu aqui num erro de determinação da lei aplicável e, consequentemente, num erro de aplicação da lei, assim como na violação e errada aplicação da lei de processo (cfr. artigo 674.º, n.º 1, al. a) e b) e n.º 2).

n) No que se refere à prestação de contas dos atos praticados pelo Réu/Recorrido, na qualidade de administrador nomeado por conta da detenção das ações do Recorrente, enfatiza-se que decorre da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.”, subscrita pelo Recorrido, no Porto, em 08.05.2012, que o Réu/Recorrente recebeu, de forma expressa, poderes de representação para agir em nome do Recorrente, o que configura um mandato com poderes de representação, nos termos do artigo 1178.º do Código Civil (quer português, quer angolano);

o) Nestes termos, ao abrigo do regime do mandato, em particular do disposto no artigo 1161.º, alinhas b) e d) do Código Civil, o Recorrido está obrigado a prestar as informações pedidas e a prestar contas do seu exercício de administração, seja na condição de acionista, seja na condição de administrador.

p) Enquanto acionista (meramente formal), o Recorrido está obrigado a prestar contas da administração das ações propriamente ditas, conforme decidido – e bem – pelo douto Tribunal da Relação; já no exercício do cargo de administrador, em representação da participação social do Recorrente detida no capital social da IMPEX, o Recorrido deverá prestar informações e contas dos atos por si praticados nessa qualidade, designadamente, sobre o relatório de contas e sobre a proposta de aplicação de resultados, em cuja elaboração terá obrigatoriamente participado enquanto administrador, por força do disposto nos artigos 70.º, n.º 1 e 3 e 71.º, n.º 2, al. f) da Lei das Sociedades Comerciais angolana.

q) Acresce que, de modo a prestar as informações e contas da administração das ações, o Recorrido terá, lógica e inevitavelmente, em momento prévio ou simultâneo, de prestar contas dos atos por si praticados enquanto administrador da sociedade.

r) Se o Recorrido, tendo domicílio no Porto, consegue (presume-se) administrar a sociedade angolana à distância, por maioria de razão, deverá entender-se também que o Recorrido está igualmente em posição de prestar as informações e contas, quer relativas à administração das ações, quer à administração da sociedade por si exercida, mesmo não estando em Angola.

s) Consequentemente, deverão os tribunais portugueses ser considerados competentes para apreciar o pedido de prestação de contas formulado pelo Autor/Recorrente, atento o facto de o Réu/Recorrido ter domicílio no Porto, seja por referência à administração das ações, seja por referência aos atos de administração da sociedade realizados pelo Recorrido, em representação dos legítimos proprietários das ações, nos termos acima explanados.

t) Aqui chegados, requer-se ao douto Tribunal ad quem que reverta a decisão do Tribunal a quo e julgue procedente a competência internacional dos tribunais portugueses para estas questões.

u) No que se refere aos pedidos formulados pelo Autor/Recorrente, visando a condenação do Recorrido no endosso e na entrega das ações reclamadas, a favor do Recorrente, deverá observar-se o disposto na legislação Angolana aplicável sobre esta matéria, nomeadamente o disposto no artigo 106.º do Código dos Valores Mobiliários angolano, aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto.

v) Nos termos desta disposição legal, as ações transmitem-se por declaração de transmissão, escrita nos respetivos títulos, efectuada pelo transmitente [Recorrido] a favor do transmissário [Recorrente], seguida de registo requerido junto do emitente (sociedade IMPEX).

w) Assim, é ao Recorrido que cabe proceder à entrega física dos títulos a favor do Recorrente; assim como é ao Recorrido que cabe proceder à declaração de transmissão das ações a favor do Recorrente (endosso).

x) Como vem de se demonstrar, com sustentação na lei aplicável, os atos a praticar no âmbito do pedido formulado pelo Autor/Recorrente são, na verdade, atos que a lei atribui ao acionista [Recorrido] e não à sociedade, contrariamente à posição sustentada pelo Tribunal da Relação.

y) Considerando que os pedidos do Autor/Recorrente compreendem a prática de atos que são incumbência do acionista, a competência dos tribunais terá de ser aferida por referência ao acionista, que tem domicílio no Porto.

z) Diga-se, ainda, que, na qualidade de proprietário material da participação em causa, o Autor/Recorrente está legitimado a exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente entrega, pelo Réu/Recorrido, dos títulos representativos das ações nominativas devidamente endossadas, por aplicação do disposto nos artigos 1305.º, 1311.º, n.º 1 e 1161.º, al. e) todos do Código Civil (português e angolano).

aa) Assim, está o Autor/Recorrente legitimado a pedir a entrega dos títulos, endossados em seu nome, e está o Réu/Recorrido obrigado a proceder à entrega dos mesmos devidamente endossados, devendo o Tribunal julgar procedentes os pedidos do Autor/Recorrente.

bb) Por último, no que se refere ao registo da transmissão das ações, no livro de ações, a favor do Recorrente, releva o disposto no artigo 106.º, n.º 4 do referido Código dos Valores Mobiliários, que estabelece que o transmitente [Réu/Recorrido] tem legitimidade para requerer o registo junto do emitente [IMPEX]. Significa isto que cabe também ao Recorrido requerer à sociedade o registo das ações a favor do Recorrente.

cc) Deverá, ainda, ter-se presente que o registo não é um pressuposto da transmissão, nem da titularidade das ações. Pelo contrário, a entrega dos títulos devidamente endossados e o respetivo pedido de registo dirigido à sociedade é que são pressupostos para o registo da transmissão em causa. A lei basta-se com o pedido de registo da transmissão das ações, o qual incumbe ao transmitente [Recorrido], como marco para a eficácia dessa mesma transmissão (vide artigo 106.º, n.º 5 do Código dos Valores Mobiliários).

dd) Uma vez mais, entende o Recorrente que o Tribunal da Relação errou na determinação da norma aplicável, e consequentemente na interpretação e aplicação da mesma, culminando num erro de julgamento.

ee) Desta feita, repita-se, considerando que os pedidos do Autor/Recorrente compreendem a prática de atos que são incumbência do acionista, a competência dos tribunais terá de ser aferida por referência ao acionista, que tem domicílio no Porto.

ff) Em suma, deverá concluir-se que os tribunais portugueses são competentes ao abrigo do disposto no artigo 62.º, al. a) do CPC para apreciar os pedidos formulados pelo Autor/Recorrente – em razão de o Réu ter domicílio no Porto.

gg) Refira-se, ademais, que os tribunais portugueses são igualmente competentes por aplicação do disposto no artigo 62.º, al. b) do CPC, pois que o facto que serve de causa de pedir na ação emerge da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.” e do “Contrato de Compra e Venda de Acções”, já juntos pelo Autor/Recorrente aos presentes autos, os quais foram celebrados no Porto, em 08.05.2012 e 16.02.2009, respetivamente.

hh) Também por se verificar o disposto no artigo 62.º, al. c) do CPC, deverão os tribunais portugueses ser considerados competentes. Desde logo, é inegável que existem elementos ponderosos de conexão entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa, pois que as Partes têm domicílio em Portugal e o facto que serve de causa de pedir na ação foi praticado em Portugal (no Porto).

ii) Adicionalmente, verifica-se dificuldade apreciável para o Autor/Recorrente na propositura de ação em Angola, seja porque quer o Recorrente, quer o Recorrido não têm lá residência, nem lá se têm deslocado, o que comprometeria as probabilidades de sucesso na citação do Ré/Recorrido, seja porque é comumente sabido e divulgado nos meios de comunicação social que os tribunais angolanos só muito deficientemente funcionam.

jj) Conclui-se, assim, pela errada determinação da norma aplicável, e consequentemente na interpretação e aplicação da mesma, culminando num erro de julgamento (cfr. artigo 674.º, n.º 1, al. a) do CPC),

kk) Bem como pela errada aplicação da lei de processo, que é igualmente fundamento para o recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. b) do CPC.

ll) Em suma, não deverá proceder a excepção dilatória invocada pelo Réu quanto à incompetência dos tribunais portugueses para apreciar as questões suscitadas na presente ação; antes deverá ser revista a decisão do Tribunal da Relação e, consequentemente, deverá ser proferida uma decisão de mérito, que reaprecie e altere a decisão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos deduzidos pelo Autor/Recorrente na petição inicial e nas alegações de recurso de apelação por si interposto (vide artigo 129 acima), ou seja:

− Deverá ser reconhecido que o Autor/Recorrente detém a propriedade material das ações reclamadas, e que, portanto, detém a qualidade de acionista;

− Em face do reconhecimento da qualidade de acionista do Recorrente, deverão ser apreciados e admitidos todos os pedidos formulados pelo Autor, os quais, como acima se procurou demonstrar, referem-se a atos que são incumbência do Recorrido e não da sociedade, a saber:

− Prestação de contas dos atos praticados pelo Recorrido, na qualidade de administrador nomeado por conta da detenção das ações do Recorrente e de outros acionistas de facto;

− Endosso dos títulos (ações), pelo Recorrido, a favor do Recorrente;

− Entrega dos títulos (ações), pelo Recorrido, ao Recorrente;

− Pedido de registo da transmissão das ações dirigido à sociedade, no livro de registo de ações, a favor do Recorrente;

− Em particular, deverá ser ordenada a prossecução dos autos, com vista a que o Recorrido preste as contas a que está obrigado, não só quanto à sua administração das ações, mas também quanto aos atos por si praticados enquanto administrador da sociedade nomeado por conta das ações por si detidas;

− Na sequência do reconhecimento da qualidade de acionista do Recorrente, deverá decidir-se no sentido da condenação do Recorrido na entrega das ações, devidamente endossadas a favor do Recorrente e na apresentação de pedido de registo da transmissão das ações junto da sociedade, nos termos previstos na lei aplicável.

mm) Nestes termos, não deverá o Réu ser absolvido da instância.

DA AUSÊNCIA DE PRODUÇÃO DE PROVA E DA RECUSA NA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

nn) Nesta sede, enfatiza-se que o Tribunal de Primeira Instância, à margem do disposto no artigo 413.º do CPC, não produziu quaisquer provas (nem as necessárias, nem quaisquer outras), o que configura uma omissão a uma formalidade prescrita na lei, culminando na sua nulidade, por aplicação do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC,

oo) De que o Autor aqui reclama expressamente, nos termos do disposto na segunda parte do artigo 196.º do CPC, requerendo ao douto Supremo Tribunal de Justiça que a declare.

pp) De outra parte, o Réu/Recorrido veio alegar, na sua contestação e nas suas contra-alegações de recurso de apelação, que o Autor/Recorrente não é titular de qualquer participação social na sociedade IMPEX, impugnando o referido documento, apodando-o de “forjado”;

qq) Nestas circunstâncias, em 31.01.2024, o Autor/Recorrente teve como fundamental a junção aos autos de documentos sigilosos, destinados a evidenciar que o Réu/Recorrido reconheceu a existência, veracidade, fidedignidade e validade da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.” e do “Contrato de Compra e Venda de Acções”, cuja autorização expressa de divulgação, mediante despacho proferido pelo Senhor Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, embora requerida em 28.02.2023, apenas foi obtida em 25.01.2024, data posterior à apresentação das alegações de recurso.

rr) O douto Tribunal da Relação, porém, veio decidir pela não admissão da junção aos autos destes documentos, em razão de terem sido oferecidos após as alegações de recurso, isto é, para além do período máximo permitido pelo legislador no artigo 651º do CPC, e, ainda, em razão de estarem “datados de momento anterior à propositura da ação” e visarem “nos termos alegados pelo recorrente provar factualidade por si alegada na petição.”

ss) Ora, resulta evidente que estando os documentos em causa sujeitos a segredo profissional, a apresentação dos mesmos em juízo apenas se tornou possível na sequência da decisão de dispensa de segredo profissional, proferida pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, em 25.01.2024, não tendo sido possível a apresentação destes documentos antes do encerramento da discussão na primeira instância, devido a razões ponderosas, devidamente sustentadas na própria lei, tornando-se, como tal, irrelevante que os documentos estejam datados de momento anterior à propositura da ação.

tt) Neste sentido dispõe precisamente o artigo 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso do recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, o que se verificou no caso em apreço.

uu) Quanto à junção de documentos em sede de recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 651.º do CPC que: “As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º (…)”, que, como se vem de ver, é aplicável ao caso em crise.

vv) Sendo certo que o supra citado n.º 1 do artigo 651.º do CPC se refere à junção de documentos às alegações – por ser esse o momento usual, óbvio e natural em que as partes vêm aos autos indicar as suas pretensões e o que as fundamenta-, entende-se, porém, que esta norma não deve ser interpretada textual e restritivamente, sob pena da ratio que esteve na origem desta norma se ver esvaziada de efeito útil, quando o que o legislador pretendeu foi possibilitar às partes a junção de documentos em sede de recurso, quando se demonstre que não foi possível fazê-lo em momento anterior.

ww) Note-se que esta posição tem sustentação em princípios basilares enformadores do processo civil, como sejam o princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma, o princípio do inquisitório, com sustentação legal nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas b) e c),411.º, 436.º, 662.º, n.º 2todos do CPC, e ainda o princípio do contraditório e o princípio da igualdade, conforme sufragado por Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8), nos termos suficientemente explanados nos artigos 161 a 184 acima.

xx) Acresce que a admissão da junção dos documentos requerida pelo Recorrente é determinante para a defesa da dignidade, dos direitos e dos interesses legítimos deste em face das falsidades e das acusações vertidas pelo Réu/Recorrido nos seus articulados, pelo que deveria o Tribunal da Relação ter admitido a junção dos mesmos e alterado a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância sobre a matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC que determina que “ A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se (…) um documento superveniente impuser(em) decisão diversa.

yy) Note-se, ademais, que o douto Tribunal da Relação decidiu – e bem – “ordenar a prossecução dos autos de acordo com a tramitação processual aplicável, para apreciação da pretensão formulada pelo autor relativa ao pedido formulado contra o R. para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor –, caso em que deverão os autos baixar à primeira instância. Nessa altura, resulta indiscutível que a documentação cuja junção foi requerida em 31.01.2024 estará em devido tempo de ser adequadamente apreciada pelo Tribunal de Primeira Instância, por força do disposto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC.

zz) Desta feita, requer-se a alteração da decisão de recusa da admissão dos documentos requerida, com vista à sua admissão e recorre-se quer da decisão de desentranhar os documentos dos autos, quer da multa de 1UC na qual o Recorrente foi condenado pelo douto Tribunal da Relação.

aaa) Caso assim não se entenda, o que só por dever de patrocínio se admite, sempre sem conceder, requer-se a admissão dos documentos com fundamento no disposto no artigo 680.º, n.º 1 do CPC, de onde resulta que com as alegações no âmbito do recurso de revista podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 651.º.”.

8. Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso do autor.

9. Também o réu interpôs recurso de revista, concluindo nos seguintes termos:

“1. Na base da presente acção está a afirmação de que o Autor é titular material de acções representativas de 27% do capital social de uma sociedade comercial de direito angolano, denominada IMPEX.

2. Invocando essa (pretensa) circunstância, o Autor alegou que as mencionadas acções são formalmente detidas pelo Réu, o qual, segundo também alegado, teria assumido a obrigação de administrar aquela participação social do Autor.

3. Nesta acção, invocando o regime do mandato, o Autor formulou pedido de prestação de contas acerca daquela administração (supostamente) feita pelo Réu.

4. O Autor também formulou outros pedidos, acerca dos quais o acórdão recorrido declarou a incompetência internacional dos Tribunais portugueses, ordenando o prosseguimento dos autos, limitadamente à dita prestação de contas.

5. Sucede que também aqui ocorre incompetência internacional dos Tribunais portugueses.

6. Nos termos definidos no próprio acórdão recorrido, o (pretenso) dever de prestação de contas por parte do Réu supõe a demonstração do seguinte: a) que o Autor é titular material de 27% das acções representativas do capital social da IMPEX; b) que o Réu é titular formal dessas mesmas acções; c) que, por convenção entre ambos, o Réu se vinculou a administrar aquela participação detida (materialmente) pelo Autor.

7. É incontornável que tal demonstração deverá observar uma sequência lógica, de tal modo que, falhando a demonstração do indicado em a), fica logicamente prejudicado o intento de demonstrar o indicado em b) e em c).

8. Para efeitos do indicado em a), a afirmação de que o Autor é titular material de 27% das acções representativas do capital social da IMPEX é uma afirmação cujos efeitos e cujo impacto não se repercutem somente na (pretensa) relação entre o Autor e o Réu.

9. Antes de mais, tal afirmação haveria de ter cariz judicial, isto é, deveria constar de uma decisão judicial, mais precisamente da decisão que, do mesmo passo e nestes autos, reconhecesse ao Autor o direito de, no falado contexto, exigir a prestação de contas por parte do Réu.

10. Tal afirmação implicaria o reconhecimento judicial de que 27% do capital social da IMPEX pertencem (materialmente) ao Autor.

11. No entanto, uma afirmação desta natureza não pode ter lugar sem ser no confronto com a própria sociedade, nem tão pouco sem ser no confronto com

os demais accionistas da IMPEX.

12. Acresce que uma afirmação desta natureza é geradora de efeitos com impacto na inscrição do registo comercial de um país terceiro – Angola, in casu.

13. Pelas razões expostas, o reconhecimento judicial que tal afirmação implicaria não está sob a jurisdição dos Tribunais portugueses.

14. A haver decisão nos moldes admitidos no acórdão recorrido, tal decisão seria violadora das regras de competência internacional dos Tribunais portugueses, sendo fonte de excepção dilatória e gerando a absolvição do Réu da instância.

15. Mostra-se violado o disposto nos arts. 59º, 62º, 96º, al. a), 99º, 278º, nº 1, al. a), e 577º, al. a), todos do CPC.

16. Na procedência do recurso e na revogação do acórdão em crise, deverá ser decretada a absolvição do Réu da instância.”.

10. Em resposta ao recurso do réu, o autor apresentou contra-alegações, concluindo nos termos seguintes:

“a) O Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se (e bem!) pela competência internacional dos tribunais portugueses, nos seguintes termos.

b) O Tribunal da Relação do Porto confirmou a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar e decidir sobre a questão da prestação de contas pelo Réu, relativamente à administração das ações que são materialmente propriedade do Autor (ao abrigo do mandato).

c) O Réu, por sua vez, interpôs o competente recurso de revista, com o propósito de “questionar a competência internacional dos Tribunais portugueses, que o acórdão recorrido deu como verificada”, cujas alegações assentam, em síntese, na necessidade de demonstrar os seguintes três pontos:

− “que o Autor é titular material de 27% das acções representativas do capital social da IMPEX;

− que o Réu é titular formal dessas mesmas acções;

− que, por convenção entre ambos, o Réu se vinculou a administrar aquela participação detida (materialmente) pelo Autor”.

d) Com as presentes contra-alegações, o Autor procurou responder cabalmente às alegações do Réu, procurando enfatizar os pontos de discordância, de forma devidamente fundamentada.

i. Da titularidade material das ações pelo Autor e da titularidade formal das mesmas ações pelo Réu

e) Para comprovar que o Autor tem a titularidade material das ações formalmente detidas pelo Réu, o Autor juntou aos presentes autos, com o requerimento inicial, uma “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A”, subscrita pelo Réu, no Porto, em 08.05.2012, e um “Contrato de Compra e Venda de Acções”, celebrado no Porto, em 16.02.2009, em que são signatários o Réu, o Autor e outros acionistas.

f) Destes documentos resulta declarado pelo Réu que, dos 60% da participação social que este detém no capital social da IMPEX, a percentagem total de 27% pertence “sem quaisquer reservas e na sua totalidade” ao Autor, que detém a “legítima e efectiva propriedade”.

g) Em síntese, por via destes documentos, livremente assinados pelo Réu, este reconheceu que o Autor é o legítimo proprietário de uma participação correspondente a 27% do capital social daquela sociedade comercial de direito Angolano.

h) Sucede, porém, que o Tribunal de Primeira Instância fez tábua rasa desta prova documental junta pelo Autor (não lhe fazendo sequer menção), e decidiu, sem atender a qualquer prova (documental ou testemunhal), que o Autor não podia pedir a prestação de contas pretendida porque não tinha a qualidade de acionista e concluiu, consequente e incompreensivelmente, ficar “prejudicado o conhecimento dos demais pedidos”.

i) Não obstante o artigo 413.º do CPC estipular que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…).”, o que se verificou foi que o Tribunal de Primeira Instância não produziu quaisquer provas: nem as necessárias, nem quaisquer outras, tendo incorrido numa omissão a uma formalidade prescrita na lei, culminando na sua nulidade, por aplicação do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, de que o Autor aqui reclama expressamente, nos termos do disposto na segunda parte do artigo 196.º do CPC, requerendo ao douto Supremo Tribunal de Justiça que a declare.

j) De outra parte, o Réu veio alegar, na sua contestação e nas suas contra-alegações de recurso de apelação, que o Autor não é titular de qualquer participação social na sociedade IMPEX, impugnando o referido documento, apodando-o de “forjado”;

k) Nestas circunstâncias, em 31.01.2024, o Autor teve (e tem ainda) como fundamental a junção aos autos de documentos sigilosos, destinados a evidenciar que o Réu reconheceu a existência, veracidade, fidedignidade e validade da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.” e do “Contrato de Compra e Venda de Acções”, cuja autorização expressa de divulgação, mediante despacho proferido pelo Senhor Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, embora requerida em 28.02.2023, apenas foi obtida em 25.01.2024, data posterior à apresentação das alegações de recurso.

l) Enfatiza-se que estes documentos são de modo a evidenciar que o Réu pretendeu negociar sobre as ações em apreço, tendo apresentado uma proposta de compra, de modo a obstar a que as mesmas fossem formalmente transmitidas a favor do Autor, como viria posteriormente a ser peticionado nos presente autos em face de as negociações se terem frustrado. Deste modo, a proposta

de compra das ações apresentada pelo Réu é suficientemente clarificadora de que aquele reconhece:

− a titularidade material do Autor sobre 27% do capital social da sociedade,

− bem como a titularidade meramente formal do Réu sobre a mesma participação social.

m) O douto Tribunal da Relação, porém, veio decidir pela não admissão da junção aos autos destes documentos, em razão de terem sido oferecidos após as alegações de recurso, isto é, para além do período máximo permitido pelo legislador no artigo 651º do CPC, e, ainda, em razão de estarem “datados de momento anterior à propositura da ação” e visarem “nos termos alegados pelo recorrente provar factualidade por si alegada na petição.”

n) Ora, resulta evidente que estando os documentos em causa sujeitos a segredo profissional, a apresentação dos mesmos em juízo apenas se tornou possível na sequência da decisão de dispensa de segredo profissional, proferida pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, em 25.01.2024, não tendo sido possível a apresentação destes documentos antes do encerramento da discussão na primeira instância, devido a razões ponderosas, devidamente sustentadas na própria lei, tornando-se, como tal, irrelevante que os documentos estejam datados de momento anterior à propositura da ação.

o) Neste sentido, dispõe precisamente o artigo 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso do recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, o que se verificou no caso em apreço.

p) Quanto à junção de documentos em sede de recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 651.º do CPC que: “As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º (…)”, que, como se vem de ver, é aplicável ao caso em crise.

q) Sendo certo que o supra citado n.º 1 do artigo 651.º do CPC se refere à junção de documentos às alegações – por ser esse o momento usual, óbvio e natural em que as partes vêm aos autos indicar as suas pretensões e o que as fundamenta-, entende-se, porém, que esta norma não deve ser interpretada textual e restritivamente, sob pena da ratio que esteve na origem desta norma se ver esvaziada de efeito útil, quando o que o legislador pretendeu foi possibilitar às partes a junção de documentos em sede de recurso, quando se demonstre que não foi possível fazê-lo em momento anterior.

r) Note-se que esta posição tem sustentação em princípios basilares enformadores do processo civil, como sejam o princípio da prevalência do mérito sobre meras questões deforma, o princípio do inquisitório, com sustentação legal nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas b) e c), 411.º, 436.º, 662.º, n.º 2 todos do CPC, e ainda o princípio do contraditório e o princípio da igualdade, conforme sufragado por Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8), nos termos suficientemente explanados nas presentes contra-alegações.

s) Acresce que a admissão da junção dos documentos requerida pelo Autor é determinante para a defesa da dignidade, dos direitos e dos interesses legítimos deste em face das falsidades e das acusações vertidas pelo Réu nos seus articulados, pelo que deveria o Tribunal da Relação ter admitido a junção dos mesmos e alterado a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância sobre a matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC que determina que “ A Relação deve alterara decisão proferida sobre a matéria de facto, se (…) um documento superveniente impuser(em) decisão diversa.

t) Note-se, ademais, que o douto Tribunal da Relação decidiu – e bem – “ordenar a prossecução dos autos de acordo com a tramitação processual aplicável, para apreciação da pretensão formulada pelo autor relativa ao pedido formulado contra o R. para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor –, caso em que deverão os autos baixar à primeira instância. Nessa altura, resulta indiscutível que a documentação cuja junção foi requerida em 31.01.2024 estará em devido tempo de ser adequadamente apreciada pelo Tribunal de Primeira Instância, por força do disposto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC, pelo que deverá ser admitida.

u) Caso assim não se entenda, o que só por dever de patrocínio se admite, sempre sem conceder, requer-se a admissão dos documentos trocados entre o Autor e seus mandatários e entre estes e os mandatários do Réu, já juntos com as alegações de recurso de revista interposto pelo Autor como Documento 1, com fundamento no disposto no artigo 680.º, n.º 1 do CPC, de onde resulta que com as alegações no âmbito do recurso de revista podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 651.º.

v) A par de tais questões processuais, é bem de ver que os elementos de prova já carreados para o processo são de modo a comprovar a titularidade material das ações pelo Autor e a titularidade formal das mesmas ações pelo Réu.

w) Na qualidade de proprietário material da participação em causa, o Autor está legitimado a exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente entrega, pelo Réu, dos títulos representativos das ações nominativas devidamente endossadas, por aplicação do disposto nos artigos 1305.º, 1311.º, n.º 1 e 1161.º, al. e) todos do Código Civil (português e angolano).

x) Assim, está o Autor legitimado a pedir a entrega dos títulos, endossados em seu nome, e está o Réu obrigado a proceder à entrega dos mesmos devidamente endossados, devendo o Tribunal julgar procedentes os pedidos do Autor.

ii. Do mandato com representação

y) Da análise ao ponto 2. do “Contrato de Compra e Venda de Acções” resulta claro que a participação de capital detida pelo Autor apenas é titulada pelo Réu em representação do Autor – e não porque fosse materialmente titular dessa mesma participação. Do mesmo modo, com a subscrição da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.” o Réu vem, livremente, declarar que não só a posição de acionista, como também a posição de administrador da sociedade para que foi nomeado pelos acionistas, é exercida exclusivamente em representação dos legítimos proprietários acima indicados, cessando de imediato, por livre renúncia do próprio, logo que estes o entendam.

z) Reitera-se, portanto, que a qualidade de acionista e de administrador da sociedade assumida pelo Réu decorre, expressa e exclusivamente, no âmbito do reconhecimento que o Réu faz de que a propriedade das ações pertence, sem quaisquer reservas e na totalidade, aos acionistas identificados na Declaração em apreço, onde se inclui o Autor.

aa) Quer isto dizer, enfatiza-se, que a atribuição do mandato com poderes de representação, nos termos do disposto no artigo 1178.º do Código Civil (português e angolano), por parte do Autor ao Réu, teve evidentemente subjacente a qualidade de acionista material do Autor e a aceitação expressa pelo Réu, materializada na documentação aqui considerada, a qual foi assinada pelo Réu, pelo seu próprio punho.

bb) Como consequência, fica demonstrado e provado que o Réu ficou vinculado à obrigação de cumprir com o disposto no artigo 1161.º do Código Civil, em particular no que se refere à prestação das informações pedidas e à prestação de contas do seu exercício de administração, seja na condição de acionista, seja na condição de administrador, quanto aos atos por si praticados, sempre inseridos no âmbito do mandato conferido pelo Autor ao Réu e que este aceitou expressamente.

cc) Assim, enquanto acionista (meramente formal), o Réu deverá prestar contas da administração das ações propriamente ditas, conforme decidido pelo douto Tribunal da Relação do Porto.

iii. Da competência internacional dos Tribunais portugueses

− Da Prestação de contas dos atos praticados pelo Réu, quer na qualidade de acionista, quer na qualidade de administrador

dd) Os atos a praticar no âmbito dos pedidos formulados pelo Autor são, todos sem exceção, atos que a lei atribui exclusivamente ao acionista [Réu] e não à sociedade, pelo que a competência dos tribunais deverá ser aferida tão-somente por referência ao Réu, que tem domicílio no Porto.

ee) Com efeito, enquanto acionista (meramente formal), o Réu está obrigado a prestar contas da administração das ações propriamente ditas, que assumiu em representação do Autor, nos termos em que voluntariamente se vinculou com a assinatura do “Contrato de Compra e Venda de Acções” e da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.”, devendo, nomeadamente, prestar informações e contas relativamente à sua participação e sentido de voto nas Assembleias Gerais (ordinárias e extraordinárias) de Acionistas ocorridas, ou ainda quanto aos dividendos recebidos por referência à participação social materialmente detida pelo Autor;

ff) Já no exercício do cargo de administrador, em representação da participação social do Autor detida no capital social da IMPEX, o Réu deverá prestar informações e contas dos atos por si praticados nessa qualidade, designadamente, sobre o relatório de contas e sobre a proposta de aplicação de resultados, em cuja elaboração terá obrigatoriamente participado enquanto administrador, por força do disposto nos artigos 70.º, n.º 1 e 3 e 71.º, n.º 2, al. f) da Lei das Sociedades Comerciais angolana.

gg) Se o Réu, tendo domicílio no Porto, consegue (presume-se) administrar a sociedade angolana à distância, por maioria de razão, deverá entender-se também que o Réu está igualmente em posição de prestar as informações e contas, quer relativas à administração das ações, quer à administração da sociedade por si exercida, mesmo não estando em Angola.

hh) Como bem se vê, as informações e contas a prestar pelo Réu, quer na qualidade de acionista (meramente formal), quer na qualidade de administrador, reportam-se à atuação do Réu, em nada colidindo com a sociedade ou com os demais acionistas, que não são parte na presente ação.

ii) Consequentemente, deverão os tribunais portugueses ser considerados competentes para apreciar o pedido de prestação de contas formulado pelo Autor, atento o facto de o Réu ter domicílio no Porto, seja por referência à administração das ações, seja por referência aos atos de administração da sociedade realizados pelo Réu, em representação dos legítimos proprietários das ações, nos termos já explanados.

− Do endosso e da entrega dos títulos (ações) pelo Réu a favor do Autor

jj) No que se refere aos pedidos formulados pelo Autor, visando a condenação do Réu no endosso e na entrega das ações reclamadas, a favor do Autor, deverá observar-se o disposto na legislação Angolana aplicável sobre esta matéria, nomeadamente o disposto no artigo 106.º do Código dos Valores Mobiliários angolano, aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto.

kk) Nos termos desta disposição legal, as ações transmitem-se por declaração de transmissão, escrita nos respetivos títulos, efectuada pelo transmitente [Réu] a favor do transmissário [Autor], seguida de registo requerido junto do emitente (sociedade IMPEX). Assim, é ao Réu que cabe proceder à entrega física dos títulos a favor do Autor; assim como é ao Réu que cabe proceder à declaração de transmissão das ações a favor do Autor (endosso).

ll) Como vem de se demonstrar, com sustentação na lei aplicável, os atos a praticar no âmbito do pedido formulado pelo Autor são, na verdade, atos que a lei atribui exclusivamente ao acionista [Réu] e não à sociedade, contrariamente à posição sustentada pelo Réu e pelo Tribunal da Relação.

mm) Considerando que os pedidos do Autor compreendem a prática de atos que são incumbência do acionista Autor, a competência dos tribunais terá de ser aferida por referência ao Autor, que tem domicílio no Porto.

− Do pedido de registo da transmissão das ações, no livro de registo de ações, a favor do Autor

nn) Relativamente a esta questão, note-se que o Réu sustenta as suas pretensões no regime legal aplicável à cessão de quotas no âmbito das sociedades comerciais por quotas, bem sabendo, ou tendo obrigação de saber, que o que está em causa nos presentes autos é a transmissão de ações no âmbito de uma sociedade comercial anónima, cujo regime legal aplicável em nada se assemelha.

oo) Importa ter presente que a transmissão das ações reclamadas a favor do Autor não está sujeita a registo comercial [na Conservatória do Registo Comercial].

pp) Conforme decorre dos n.os 1, 4 e 5 do artigo 106.º do Código dos Valores Mobiliários (acima transcrito), a transmissão dos valores mobiliários produz efeitos a partir da data de requerimento de registo junto do emitente – isto é da sociedade IMPEX –, tendo o acionista transmitente legitimidade para requerer esse registo.

qq) Conclui-se, desta feita, que cabe também ao Réu requerer à sociedade o registo das ações a favor do Autor.

rr) Ainda que se admita que o registo efetivo das ações a favor do Autor já será um ato da sociedade, salienta-se, em todo o caso, que o registo não é um pressuposto da transmissão, nem da titularidade das ações. Pelo contrário, a entrega dos títulos devidamente endossados e o respetivo pedido de registo dirigido à sociedade é que são pressupostos para o registo da transmissão em causa. A lei basta-se com o pedido de registo da transmissão das ações, o qual incumbe ao transmitente [Réu], como marco para a eficácia dessa mesma transmissão (vide artigo 106.º, n.º 5 do Código dos Valores Mobiliários).

ss) Adicionalmente, sublinhe-se, não haverá qualquer intervenção de entidade pública angolana no processo de registo de transmissão das ações no livro de registo de ações da sociedade, a favor do Autor – nem tem de haver –, tão simplesmente porque nada na lei determina que tenha de haver. O registo é lavrado apenas e tão-só no livro de registo de ações depositado na sociedade.

tt) Nesse sentido, é falso que a transmissão formal das ações reclamadas pelo Autor contenda, ou impacte com qualquer ato praticado diante de entidades públicas angolanas e arquivados em registos públicos angolanos, como pretende fazer crer o Réu.

uu) Ademais, nada tem de irregular ou de anormal o facto de o Autor não surgir identificado como titular das ações nos registos oficiais, como pretende sugerir o Réu, pois que é próprio das sociedades anónimas que os acionistas se mantenham anónimos em qualquer registo comercial, seja angolano, seja português.

− Da aplicação do artigo 62.º do CPC

vv) Diante de todo o acima exposto, considerando que os pedidos do Autor compreendem tão-somente a prática de atos que são incumbência do acionista Réu, repita-se que a competência dos tribunais terá de ser aferida por referência ao Autor, que tem domicílio no Porto.

ww) Em suma, deverá concluir-se que os tribunais portugueses são competentes ao abrigo do disposto no artigo 62.º, al. a) do CPC para apreciar os pedidos formulados pelo Autor – em razão de o Réu ter domicílio no Porto.

xx) Refira-se, ainda, que os tribunais portugueses são igualmente competentes por aplicação do disposto no artigo 62.º, al. b) do CPC, pois que o facto que serve de causa de pedir na ação emerge da “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.” e do “Contrato de Compra e Venda de Acções”, já juntos pelo Autor aos presentes autos, os quais foram celebrados no Porto, em 08.05.2012 e 16.02.2009, respetivamente.

yy) Também por se verificar o disposto no artigo 62.º, al. c) do CPC, deverão os tribunais portugueses ser considerados competentes. Desde logo, é inegável que existem elementos ponderosos de conexão entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa, pois que as Partes têm domicílio em Portugal e o facto que serve de causa de pedir na ação foi praticado em Portugal (no Porto).

zz) Adicionalmente, verifica-se dificuldade apreciável para o Autor na propositura de ação em Angola, seja porque quer o Autor, quer o Réu não têm lá residência, nem lá se têm deslocado, o que comprometeria as probabilidades de sucesso na citação do Réu, seja porque é comumente sabido e divulgado nos meios de comunicação social que os tribunais angolanos só muito deficientemente funcionam.

aaa) Em síntese, corrobora-se que no âmbito dos presentes autos apenas releva a competência dos tribunais para julgar e decidir a ação declarativa, sendo os Tribunais portugueses competentes para tanto, conforme sobejamente se demonstrou ao longo das presentes contra-alegações.

bbb) No que se refere às decisões judiciais proferidas em Portugal, cuja execução eventualmente se torne inevitável e necessária em Angola, importará ter presente que sempre poderá o Autor intentar a competente ação em Angola destinada à revisão e confirmação de sentença proferida pelos tribunais portugueses, de modo a promover a sua execução junto dos tribunais angolanos.

ccc) Diante de tudo quanto acima se disse, não deverá proceder a excepção dilatória invocada pelo Réu quanto à incompetência dos tribunais portugueses para apreciar as questões suscitadas na presente ação.

ddd) Antes deverá ser confirmada a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação do Porto na parte em que julgou procedente o pedido relativo à prestação de contas pelo Réu, na qualidade de acionista, quanto à administração que fez das ações do Autor e ordenou a prossecução dos autos de acordo com a tramitação processual aplicável.”.

11. Por acórdão deste Supremo Tribunal de 13/02/2025 ambos os recursos foram admitidos.

12. Também pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 13/02/2025 foram assim identificadas as questões objecto dos recursos interpostos do acórdão da Relação de 08/04/2024:

Recurso do autor:

• Nulidade do acórdão recorrido por oposição entre os fundamentos e a decisão no que se refere à decisão relativa ao valor da causa (suscitada pelo réu apelado em sede de ampliação do objecto do recurso de apelação);

• Nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pedido formulado pelo autor de condenação do mandatário do réu como litigante de má-fé;

• Admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso de apelação;

• Competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar parte dos pedidos formulados pelo autor: erro de julgamento do acórdão recorrido ao declarar a incompetência para apreciar o pedido de entrega dos títulos indicados no ponto 3) do petitório.

Recurso do réu:

• Competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o pedido na parte em que o tribunal recorrido ordenou a prossecução dos autos: erro de julgamento do acórdão recorrido ao declarar a competência para apreciar o pedido de prestação de contas pelo réu.

13. Pelo acórdão deste Supremo Tribunal identificado nos números anteriores considerou-se não verificada a invocada nulidade do acórdão de 08/04/2024 “por oposição entre os fundamentos e a decisão no que se refere à decisão relativa ao valor da causa” e verificada a nulidade do mesmo acórdão “por omissão de pronúncia quanto ao pedido formulado pelo autor de condenação do mandatário do réu como litigante de má-fé”, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento do pedido de condenação do mandatário do réu por litigância de má fé, apresentado pelo autor, após o que deveriam os autos regressar a este Supremo Tribunal para conhecimento das demais questões suscitadas nos presentes recursos.

14. Por acórdão de 24/03/2025 o pedido de condenação do mandatário do réu como litigante de má-fé foi julgado improcedente.

Tendo o autor interposto recurso deste acórdão, pronunciou-se o réu recorrido pela sua inadmissibilidade.

15. Após exercício do contraditório, foi proferida decisão de não admissão do recurso referido no ponto anterior.

II – Identificação das questões recursórias a apreciar no presente acórdão

Não sendo admissível o recurso interposto pelo autor do acórdão da Relação de 24/03/2025, e tendo já sido definitivamente apreciadas pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 13/02/2025, as nulidades do acórdão da Relação de 08/04/2024, cumpre conhecer das questões cuja apreciação foi relegada para este momento pelo acórdão de 13/02/2025; a saber:

Recurso do autor:

• Admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso de apelação;

• Competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar parte dos pedidos formulados pelo autor: erro de julgamento do acórdão recorrido ao declarar a incompetência para apreciar o pedido de entrega dos títulos indicados no ponto 3) do petitório.

Recurso do réu:

• Competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o pedido na parte em que o tribunal recorrido ordenou a prossecução dos autos: erro de julgamento do acórdão recorrido ao declarar a competência para apreciar o pedido de prestação de contas pelo réu.

III - Fundamentação de facto

Releva a factualidade constante do relatório do presente acórdão.

IV – Fundamentação de direito

1. Do indeferimento da junção de documentos requerida pelo autor em sede de recurso de apelação

Depois de ter apresentado as suas alegações de recurso de apelação e de os autos terem subido ao Tribunal da Relação (o que ocorreu em 26/05/2023), o autor apelante veio, em 31/01/2024, pedir a junção aos autos de três documentos que foram alvo do pedido de levantamento do sigilo profissional e relativos a comunicações trocadas por correio eletrónico entre os Exmos. Mandatários entre Novembro de 2021 e Junho de 2022, para demonstração da veracidade dos factos por si alegados na petição inicial quanto à sua titularidade da participação social na sociedade “IMPEX – Importadora e Exportadora, S.A.” (e para cuja prova já havia junto dois documentos: “Declaração e Reconhecimento da Propriedade da Sociedade Impex” e “contrato de compra e venda de ações”).

O autor justificou a junção dos documentos apenas naquele momento processual, por só ali se ter tornado possível em virtude da dispensa de segredo profissional proferida a 25/01/2024, embora por si requerida a 28/02/2023.

Em requerimento de 02/02/2024, o réu opôs-se à requerida junção, pugnando pela sua inadmissibilidade legal e, em todo o caso, pela sua irrelevância.

No acórdão ora recorrido (acórdão da Relação de 08/04/2024) rejeitou-se a sua apresentação, com a seguinte fundamentação:

“Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos alegados – 341º do CC (Código Civil).

Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios, tal como previsto no artigo 412º do CPC.

De entre os diversos meios de prova, definem os artigos 423º e segs. do CPC as regras adjetivas relativas à prova por documentos – definindo os termos em que é admissível a sua produção; encontrando nos artigos 362º e segs. do CC o contraponto em sede substantiva – relativo ao conceito e modalidades de documento e valor/ força probatória da prova documental.

Da leitura conjugada dos artigos 423º n.º 1, 429º n.º 2 ex vi 432º e 443º n.º 1 do CPC extrai-se que aos autos apenas devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para a decisão da causa, sendo por referência a estes fundamentos que será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.

Mais e quanto ao momento processual adequado à pretendida junção, regula o artigo 423º do CPC – estando em causa situação anterior ao encerramento da discussão, pois que para o momento posterior preceitua o artigo 425º do CPC – do qual se extrai que o momento processual adequado à junção de documentos aos autos para prova dos fundamentos da ação ou da defesa é por regra o da apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes, tal como se infere do nº 1 deste artigo 423º que disciplina o “Momento da Apresentação”.

Fora deste momento próprio, sendo ainda permitida a apresentação de tais documentos, conforme decorre do citado artigo 423º:

“2- (…) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”.

Após tal limite temporal, apenas sendo “3- (…) admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aquela cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Assim e fora da situação regra – junção com o respetivo articulado – apenas é permitida a junção dos documentos pertinentes até 20 dias antes da audiência com multa, salvo se for provado que antes com o respetivo articulado os não pôde oferecer. Após tal momento e até ao encerramento da discussão sendo ainda permitida a junção de documentos quando:

- a apresentação não tiver sido possível até àquele momento ou quando

- a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

A impossibilidade de apresentação em momento anterior poderá ser fundada em circunstâncias objetivas por o documento se reportar a incidências supervenientes a tal limite temporal, ou em circunstâncias subjetivas por até lá a parte do mesmo ou da situação a que se reporta não ter tido conhecimento.

A necessidade de apresentação em momento posterior tem por sua vez como pressuposto a novidade da questão que o mesmo visa provar, o que não ocorre quando este se destina à prova de questões alegadas nos articulados e que são alvo de prova.

Já em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é ainda admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e com as alegações de recurso:

i- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.

Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.

Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;

ii- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.

No caso dos autos, estão em causa documentos que embora alvo de decisão de dispensa do segredo profissional já proferida na pendência do recurso, estão datados de momento anterior à propositura da ação.

E visam, nos termos alegados pelo recorrente provar factualidade por si alegada na petição.

Estes documentos foram oferecidos após as alegações de recurso.

E como tal para além do período máximo permitido pelo legislador no artigo 651º do CPC.

O que determina por si só o indeferimento da pretendida junção, no momento processual mencionado.

Acresce que o tribunal a quo, como decorre da decisão recorrida que acima se deixou reproduzida, decidiu não ter o autor direito a pedir a prestação de contas por parte do R., em função do que o mesmo alegou na sua petição.

E como tal independentemente dos factos alegados de que o mesmo viesse a fazer prova.

Em função do que absolveu o R. dos pedidos contra o mesmo formulados.

A este tribunal de recurso cabe, neste momento aferir se o decidido merece censura, em função dos elementos processuais disponíveis perante o tribunal a quo aquando da prolação de decisão e que este levou em consideração.

Pelo que também por esta via, se não justifica a peticionada junção dos documentos nesta fase processual.

Motivo por que se não admite a junção aos autos dos documentos oferecidos em momento posterior à apresentação das alegações de recurso.”

Partindo do enquadramento legal exaustivamente reproduzido no acórdão recorrido, e que nos absteremos de repetir por desnecessário, temos como ponto de partida normativo que a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações (cfr. art. 651º, n. º 1, do CPC).

Trata-se, aliás, de um mecanismo de utilização excepcional, pois pressupõe a verificação das situações previstas no art. 425.º do CPC ou que a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância para provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente prever antes da decisão proferida.

A este respeito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em anotação ao art. 651.º, n.º 1, do CPC (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 786) afirmam que “a jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”, sendo que, “no que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.

No caso em análise, a junção de novos documentos teve lugar, não com o oferecimento das alegações, mas em requerimento posteriormente apresentado pelo recorrente, tendo em vista a prova de factos para os quais já havia junto prova documental (como a “Declaração e Reconhecimento da Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A. e o “Contrato de Compra e Venda de Ações”).

Ora, constitui acto não permitido a admissão de documento apresentado depois do prazo legal; sendo a junção de documento possível apenas com a apresentação da alegação de recurso, isso envolve a existência de um prazo peremptório, já que se não prevê a possibilidade da sua prorrogação (cfr. art. 141.º, n.º 1, do CPC).

É certo que, no caso, o requerimento teve em vista a junção de três comunicações electrónicas trocadas entre Novembro de 2021 e Junho de 2022, documentação sujeita a sigilo profissional, cujo levantamento é deferido já na pendência do recurso de apelação. Contudo, não é menos verdade que o autor, podendo tê-lo feito à data, não protestou juntar tal documentação na petição inicial, nem sequer mencionou a respetiva impossibilidade de junção imediata, só tendo vindo a pedir o levantamento do sigilo muito tempo após a entrada da acção em juízo, comportamento que só a si é imputável e a que muito se deve a subsequente resposta tardia da Ordem dos Advogados.

Tal como se escreve no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/06/2021 (proc. n.º 309/19.0TVRL.G1.S1), consultável em https://juris.stj.pt/ecli:

“I - As hipóteses previstas de apresentação de documentos na fase de recurso, limitam-se às situações em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se torna necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente prever antes da decisão proferida, surgindo, por isso, pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento.

II - A apresentação de documento com as alegações do recurso de apelação, formado em data posterior à da prolação da sentença na 1.ª instância e cuja produção se encontre na inteira disponibilidade do interessado, só deve ser admitido se o recorrente demonstrar as razões da sua “tardia” realização, de molde a afastar quaisquer dúvidas que pudessem surgir sobre eventual negligência daquele na sua produção.”.

Não se afigura, por outro lado, que as comunicações pretendidas juntar pelo autor assumam relevância decisiva para a decisão a proferir quanto à competência internacional do Tribunal para apreciar e julgar a acção de prestação de contas instaurada pelo autor, considerando que, para o efeito, apenas releva a configuração da causa de pedir tal como factualmente descrita na petição inicial pelo autor, i.e. independentemente da prova que sobre a mesma se venha a fazer.

Improcedem, deste modo, as razões expostas pelo autor no seu recurso, não merecendo censura o acórdão nesta parte.

Com idêntico fundamento, se indefere a novamente requerida junção dos mesmos documentos em sede de recurso de revista.

Note-se que nos recursos de revista a possibilidade de apresentação de documentos é mais restrita do que no âmbito dos recursos de apelação, estando circunscrita aos documentos supervenientes (cfr., entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 02/02/2022, proc. n.º 15485/17.8T8LSB-C.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), o que, como vimos, não é o caso, uma vez que os documentos em causa já existiam à data da instauração da acção (a sua impossibilidade de junção à data não colide com a natureza não superveniente do documento, sendo certo que uma tal impossibilidade deveria ter sido oportunamente invocada e provada).

2. Da competência internacional dos tribunais portugueses

Cumpre passar à análise da questão essencial, suscitada em ambos os recursos, relativa à competência internacional dos tribunais portugueses para tramitar e decidir da presente acção de prestação de contas.

A infracção das regras de competência internacional é, nos termos dos arts. 96.º, alínea a), e 97.º, do CPC, uma excepção dilatória que é de conhecimento oficioso pelo Tribunal.

Conforme se explica no acórdão deste Supremo Tribunal de 17/11/2020 (proc. n.º 6471/17.9T8BRG.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt:

“A “competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado” [Cfr. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 198].

6. De acordo com a maioria da doutrina, a competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial [Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, Coimbra, Coimbra Editora, 1945, p. 111; Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 91; Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns, Lisboa, A.A.F.D.L., 1990, p. 139; José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, volume 1.ª, p. 129; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Coimbra, Almedina, 2017, p. 92; Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coimbra, Almedina, pp. 183-184, 507-508].

7. Por seu turno, conforme o art. 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26/08, a “lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais” e a “competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (art. 38.º, n.º 1).

8. Segundo o art. 59.º do CPC, “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

9. Assim, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, desde logo, do que resultar de convenções internacionais (…) ou dos regulamentos europeus (…) e, depois, dos arts. 62º e 63.º do CPC, sem prejuízo do que possa emergir de pacto atributivo de competência, nos termos do art. 94.º do CPC [Cfr. António Santos Abrantes Geraldes/Luís Pires de Sousa Paulo Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2020, p. 91].”.

Para efeitos de apreciação da problemática ora suscitada, importa assim atentar no pedido e causa de pedir, tal como configurados pelo autor na petição inicial, sendo este, independentemente da sua procedência substantiva, o ponto de partida necessário para aferir da questão da competência (cfr., entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 07/06/2022, proc. n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Na petição inicial, o autor alegou ser o “legítimo proprietário de uma participação correspondente a 27% (vinte e sete por cento) do capital social da sociedade comercial de direito Angolano denominada “IMPEX – IMPORTADORA E EXPORTADORA, S.A.” inscrita na Conservatória dos Registos da Comarca de Cabinda, com sede na Rua do Comércio, Bairro Deolinda Rodrigues, na Cidade de Cabinda, com o capital social de Kz 10.000.000,00 (dez milhões de Kwanzas)”.

Proprietário material da participação referida, já que “a titularidade formal das ações é detida pelo Réu” (vide ponto 27.º da p.i.).

Realidade que alegou estar comprovada pelo constante no documento por si oferecido aos autos e denominado de “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.”, subscrito pelo réu, aos 8 de Maio de 2012, na cidade do Porto, réu que reside na mesma cidade do Porto.

Mais alegou o autor que o réu se obrigou perante aquele a administrar a participação detida pelo autor sob o regime de mandato que qualificou de “mandato com representação” (vide ponto 34.º da p.i.).

Com base na referida declaração, alegou ainda o autor que o réu vem a exercer desde Maio de 2012 a administração de facto da participação social de 27% do capital social da Impex, de que é o legítimo proprietário, do que deve prestar contas ao autor.

Ainda alega o autor que este mesmo réu, enquanto administrador da Impex, tem a obrigação de apresentar contas da sociedade Impex ao autor, por relevarem estas para a administração do réu das acções tituladas pelo autor (vide ponto 49.º da p.i.).

Cumulativamente peticionou o autor a condenação do réu à entrega dos títulos representativos das acções, devidamente endossadas e registadas no livro de acções da sociedade, a favor do autor, por serem de sua pertença e como tal estar legitimado a exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente entrega, pelo réu, dos títulos representativos das acções nominativas tituladas pelo autor, devidamente endossadas e com o registo correctamente averbado a favor deste, no livro de registo de acções da sociedade Impex.

O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a acção, absolvendo os réus dos pedidos, recorrendo, para tanto, aos seguintes fundamentos:

“… o autor baseia o seu pedido com o facto de ser um acionista “de facto” da sociedade supra identificada.

Contudo, e conforme o artigo 304.º, n.º 3 da Lei das Sociedades Comerciais Angolana, aprovada pela Lei n.º 1/04, de 13 de fevereiro (legislação aplicável, atento o facto de estarmos perante uma sociedade constituída de acordo com o direito angolano, “A qualidade de sócio adquire-se com a celebração do contrato de sociedade ou da escritura pública de aumento do capital social, independentemente da emissão e entrega dos títulos ou da inscrição na conta de registo individualizado”.

Ora ainda que o autor demonstrasse ser um acionista “de facto”, tal não tem qualquer validade, uma vez que a aquisição da qualidade de sócio é um negócio formal, sendo que o autor nem alega a causa da alegada aquisição de facto dessa qualidade.

Assim, não se aplica ao autor as disposições dos artigos 23.º, n.º 1, al. c) e 320.º da referida lei, não tendo este também direito a pedir a prestação de contas por parte do réu, nem como administrador da sociedade, nem como mandatário, no âmbito do invocado contrato (repita-se, ainda que fixasse demonstrado), uma vez que não adquiriu, dessa forma, a condição de acionista.

Em consequência, fica prejudicado o conhecimento dos demais pedidos, que eram dependentes da verificação da obrigação do réu em prestar contas, ficando também prejudicado o conhecimento das demais exceções invocadas pelo réu.”.

Por seu turno, o acórdão do Tribunal da Relação, partindo da configuração da acção tal como descrita pelo autor na petição inicial, considerou existirem duas causas de pedir distintas, a carecer de tratamento jurídico igualmente distinto no que à questão da competência internacional respeita.

Escreve, a este propósito, o acórdão ora recorrido:

“[C]om relevo para a questão da competência em razão da nacionalidade, importa realçar que o autor demanda o R. na cumulativa qualidade de mandatário constituído ao abrigo da declaração que juntou e convocou, bem como na qualidade de administrador da Impex.

Enquanto mandatário alegadamente constituído nos termos que resultam da declaração junta aos autos datada de 2012, o R. em nome pessoal reconheceu a propriedade da participação que o autor invoca ser sua e mais declarou exercer a posição para a qual foi nomeado na Impex, exclusivamente em representação dos legítimos proprietários das participações e assim também em representação do autor

Realça-se desta declaração o reconhecimento de que o R. foi nomeado para os órgãos sociais da Impex – alegando o autor nomeadamente que o mesmo foi nomeado administrador da Impex.

A ser assim, afigura-se-nos que a declaração de representação que acima deixámos reproduzida, associada à detenção formal das participações por parte do mandante, deve ser interpretada no sentido de que o mandato que alegadamente foi conferido ao R., foi um mandato sem representação.

Por contraponto ao mandato com representação – no qual o mandatário atua em nome do mandante (vide artigo 1178º do CC); verifica-se o mandato sem representação quando o mandatário atua em nome próprio, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes (artigo 1180º do CC).

Sendo obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato – artigo 1181º do CC.

Na definição de Pessoa Jorge in “Mandato Sem Representação”, este é o contrato «pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um ato jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse ato; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um ato jurídico que ao segundo respeita»8.9

Atendendo a que o aqui R. de acordo com o alegado era o detentor formal da participação social e o administrador nomeado da sociedade Impex, atuando, contudo, de acordo com os interesses do autor, é de entender que a afirmada “representação” do autor (e dos demais), não foi redigida no rigoroso sentido jurídico de conferir ao mandatário poderes de “representação”. Antes impondo o contexto da declaração a sua interpretação no já mencionado sentido do mandato sem representação – ou seja atuação do R. em seu nome, com a obrigação de transferir para o mandante os direitos adquiridos pela execução do mandato.

Seja como for – tanto com poderes de representação ou sem tais poderes, como entendemos ser o caso de acordo com [o] alegado e sustentado em documento analisado – por via do mandato conferido, se e quando demonstrada a veracidade do alegado – estará o R. obrigado a prestar contas do exercício do seu mandato perante o autor (vide artigo 1161º do CC).

Sustentando o autor a obrigação de prestação de contas exigidas ao R. num mandato que alega foi conferido ao mesmo ao abrigo do documento assinado no Porto em 2012, tendo ainda o R. domicílio no Porto, encontra-se justificada a demanda do R. em Território Português para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor – as participações que alega serem de sua pertença.

Sendo quanto a este pedido, que assim deverá prosseguir para apreciação do mesmo, de acordo com a tramitação processual que ao caso couber, improcedente a arguida incompetência internacional do tribunal.

Adicionalmente, alegou o autor estar o R. igualmente obrigado a prestar contas da sociedade Impex ao A., para tanto invocando a qualidade de administrador da dita sociedade Impex.

Justificando-o com o relevo que estas terão para o apuramento da administração do R. das ações tituladas pelo autor.

Em causa estão realidades diferentes.

O autor, enquanto alega ser o proprietário das ações ou participação social na Impex que identifica nos autos e de que o R. por via de mandato conferido é apenas o formal detentor, com obrigação de lhe prestar contas justifica a sua pretensão ao abrigo de um contrato entre si e R., em nome pessoal (deste R.) celebrado.

Já quando pretende que lhe sejam prestadas contas da sociedade Impex pelo R., necessariamente e agora na qualidade de administrador de tal sociedade, pois de outro modo não teria legitimidade para prestar tais contas, em causa está a própria sociedade e a sua vida social.

O mesmo ocorrendo, desde já se adianta com o pedido formulado de condenação do R. à entrega dos títulos representativos das ações, devidamente endossadas e registadas no livro de ações da sociedade, a favor do Autor.

Em causa estão atos a praticar necessariamente com a intervenção da sociedade e na sua sede [registo no livro de ações da sociedade do endosso das ações a entregar ao autor].

Por tal motivo estes pedidos justificam uma diferente análise da pretensão formulada, por referência à competência internacional do tribunal.

(…)

A sociedade Impex tem sede em Angola.

Como já referido, o pedido formulado de prestação de contas pelo R., necessariamente enquanto administrador de tal sociedade colide com a vida societária da mesma.

Também a pretensão de entrega das ações após endosso e registo destas no livro de ações da sociedade, implica a prática de atos a praticar com a intervenção da sociedade em causa.

A que acresce, não resultar diretamente do alegado mandato conferido ao R. a título pessoal, tal obrigação.

Nos termos do artigo 62º do CPC, os “tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”

A nosso ver nenhum dos critérios definidos neste artigo se preenchem.

Sendo a sede da sociedade em Angola, fica afastada a aplicação da regra da coincidência – al. a); a gestão da sociedade cuja prestação de contas é solicitada, é executada em território angolano e só esta sociedade ou o seu administrador nessa qualidade as pode prestar ou ser demandado para tal, por quem para tal demonstre ter legitimidade. Não resulta do mandato invocado pelo autor a obrigação de serem prestadas contas a este autor pela sociedade. Nem do mesmo resulta a obrigação de ser efetuado o registo e averbamento peticionados que são pressuposto da peticionada entrega das ações.

Recorda-se que foi em nome pessoal que o R. assumiu a obrigação de gerir o património do A. – a sua participação social na dita sociedade. Pelo que se entende afastada a aplicação do critério da causalidade a que alude a al. b) deste mesmo artigo 62º quanto a estas duas pretensões em análise.

Finalmente nada foi alegado para os fins do terceiro critério, o da necessidade a que corresponde a al. c) deste artigo e que tem aplicação apenas em situações excecionais e a título subsidiário.

Nada tendo sido alegado para o seu preenchimento, tem-se o mesmo igualmente por não verificado.

Consequentemente é de concluir pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento destas duas pretensões formuladas pelo autor, com a consequente absolvição da instância do R. quanto às mesmas.”. [bold nosso]

Não se conformando com o acórdão recorrido, nesta última parte, alega o autor, em síntese, que o peticionado diz respeito a actos que são incumbência do accionista e que o seu domicílio é no Porto. Acrescenta existirem elementos ponderosos de conexão entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa, alegando ainda existir dificuldade apreciável para o autor em propor a acção em Angola, por aí não residir e por ser expectável ser difícil citar o réu (dificuldade que nunca antes havia sido alegada, nem em sede de recurso de apelação).

Por sua vez, o réu, inconformado com a decisão de prossecução dos autos, alega que, para efeitos de aferir da competência, teria de ter resultado provado o facto alegado pelo autor de que é ele o titular material das acções representativas de 27% do capital social da Impex.

Vejamos.

A apreciação e decisão dos presentes recursos, delimitados pelas conclusões da alegação dos recorrentes (cfr. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), resumem-se à análise e dilucidação da questão jurídica colocada a este tribunal e que consiste em determinar se o tribunal português é internacionalmente competente para apreciar o pedido de prestação de contas tal como formulado pelo autor.

Para que os tribunais portugueses sejam competentes, no seu conjunto, “é necessário que entre o litígio e a organização judiciária portuguesa haja um elemento de conexão considerado pela lei suficientemente relevante para servir de fator de atribuição de competência internacional para julgar esse litígio” (acórdão deste Supremo Tribunal de 28/06/2018, proc. n.º 30508/15.7T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt).

Para além dos casos em que é atribuída competência exclusiva aos tribunais portugueses (art. 63.º do CPC), o art. 62.º do CPC enuncia como factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, os critérios ou princípios da coincidência (alínea a)), da causalidade (alínea b)) e da necessidade (alínea c)).

Como sublinha o mencionado acórdão de 28/06/2018, estes factores são autónomos (e não cumulativos), funcionando cada um em completa independência relativamente aos outros, sendo cada um de per si bastante para desencadear a atribuição da competência aos tribunais portugueses.

Considerando o caso concreto e a fundamentação do acórdão recorrido, a qual, antecipa-se, merece a nossa concordância, temos por certo que o autor demanda o réu em duas qualidades diferentes para, com base nisso, entender que o mesmo está obrigado a prestar-lhe contas.

Conforme sublinhado no acórdão recorrido e como resulta à evidência da petição inicial, o autor começa por demandar o réu na qualidade de mandatário por si constituído ao abrigo de declaração que juntou.

Segundo consta do alegado pelo autor, o réu, em nome pessoal reconheceu a propriedade da participação que o autor invoca ser sua e mais declarou exercer a posição para a qual foi nomeado na Impex, exclusivamente em representação dos legítimos proprietários das participações e também em representação do autor.

Não entrando na discussão de índole substantiva sobre a natureza jurídica do mandato conferido (se com ou sem representação), – a qual se mostra irrelevante já que a obrigação de prestar contas que impende sobre o mandatário se verifica quer o mandato seja representativo, quer não (cfr. art. 1161.º, alínea d), do Código Civil) – resta, pois, saber se, delimitada como está esta causa de pedir, pode ou não a prestação de contas ser exigida em Portugal.

No caso, não existem dúvidas de que foi alegado (sendo também o que consta do documento intitulado “Declaração e Reconhecimento da Propriedade da Sociedade Impex – Importadora e Exportadora, S.A.”) que mandante e mandatário residem ambos em Portugal e que o contrato de mandato se formou no Porto.

Nestes termos, no que se refere aos pedidos relacionados com o mandato celebrado entre as partes, é o tribunal português competente para prosseguir os termos da acção, concorrendo os factores de atribuição de competência tipificados nas alíneas a) e b) do art. 62.º do CPC.

Diferentemente no demais peticionado.

Com efeito, o autor vem ainda pedir que o réu preste contas da sociedade Impex, S.A., para tanto invocando a qualidade de administrador de tal sociedade e justificando tal pedido na relevância que tais contas terão para o apuramento da administração – feita pelo réu - das acções tituladas pelo autor (sendo certo que do mandato invocado pelo autor não resulta a obrigação de serem prestadas contas da sociedade).

Tal como evidenciado pelo acórdão recorrido, os pedidos feitos na decorrência desta causa de pedir implicam necessariamente com a vida da sociedade Impex, com sede em Angola, a qual não é parte da acção e que está sujeita a regime legal próprio no que respeita à prestação de contas por parte dos seus administradores ou gestores.

Assim, nesta parte, o que se constata é, antes de mais, que, de acordo com o que é alegado pelo autor, não é possível concluir pela legitimidade do réu para prestar contas de uma sociedade que tem sede num outro país. Para tanto, não basta, quanto a nós, a invocação de que o réu é administrador da referida sociedade.

Ainda que assim não se entendesse, certo é que não podemos deixar de acompanhar o raciocínio argumentativo seguido pelo acórdão recorrido, na parte em que afasta o preenchimento dos critérios de conexão definidos no art. 62.º do CPC.

Situando-se a sociedade, a cuja prestação de contas o autor quer ter acesso, em território angolano, não pode senão afastar-se o critério da coincidência a que alude a alínea a) do art. 62.º do CPC.

Veja-se que os tribunais portugueses nunca teriam competência internacional para a execução desta obrigação, ainda que a reconhecessem, uma vez que a prestação de contas da sociedade é naturalmente executada em território angolano e de acordo com o regime societário próprio daquele país.

Por seu turno, o único facto praticado em território português que serve de causa de pedir na acção é, como vimos, o contrato de mandato. Ora, do mesmo, tal como invocado pelo autor, não consta a obrigação de serem prestadas contas da sociedade pelo réu ao autor. Entende-se, assim, também afastado o critério da causalidade previsto na alínea b) do art. 62.º do CPC.

Por último, não se vê que o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, muito pelo contrário. Neste contexto, e muito embora seja a primeira vez que o autor vem alegar dificuldades na propositura da acção no estrangeiro, de uma forma genérica e que minimamente não observa o critério da “dificuldade apreciável” previsto na alínea c) do art. 62º do CPC, certo é que, por tudo quanto se expôs, não se vê que entre o objecto do litígio nesta parte e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão que justifique o alargamento da competência aos tribunais portugueses.


Sublinhe-se que, sendo o autor, como alega, accionista da referida sociedade, não se vê que esteja impossibilitado ou sequer tenha dificuldade manifesta em pedir a prestação de contas da sociedade, demandando esta directamente (e não já o réu), perante os tribunais de Angola.

Quanto ao fundamento invocado pelo réu para afastar a competência dos tribunais portugueses para apreciar o pedido de prestação de contas pelo exercício do mandato, importa apenas referenciar que a prova dos factos controvertidos, inclusivamente no que respeita aos factos invocados pelo autor quanto à titularidade das acções, deverá ser feita no momento próprio para o efeito (cfr. art. 942.º, n.º 3, do CPC), assumindo-se a questão da competência em razão da nacionalidade como pressuposto prévio à da tramitação processual do processo nos termos legalmente previstos no art. 942.º do CPC.

Nesta medida, quanto aos pedidos sobre os quais se considera terem competência os tribunais portugueses – circunscritos estes à causa de pedir fundada no mandato – , deverão os autos retornar ao Tribunal de 1.ª instância para prosseguir na sua apreciação, de acordo com a tramitação processual que ao caso couber, designadamente no que concerne à necessidade de produção de prova sobre os factos controvertidos.

V – Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a. Julgar improcedente o recurso do autor interposto do acórdão do Tribunal da Relação de 8 de Abril de 2024, na parte não apreciada pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2025;

b. Julgar improcedente o recurso do réu interposto do acórdão do Tribunal da Relação de 8 de Abril de 2024;

c. Determinar a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para prosseguir a sua apreciação, de acordo com a tramitação processual que ao caso couber, designadamente no que concerne à necessidade de produção de prova sobre os factos controvertidos

Custas em ambos os recursos pelos respectivos recorrentes.

Lisboa, 2 Outubro de 2025

Maria da Graça Trigo

Isabel Salgado

Emídio Santos