A taxa de justiça do recurso de uma decisão proferida em embargos de executado é a fixada na tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais.
A executada Metalgest deduziu oposição à execução mediante embargos, nos quais, e além do mais, pediu a suspensão da execução.
Esse pedido foi julgado improcedente no despacho saneador.
A Metalgest não se conformou com a decisão e interpôs recurso para o Tribunal da Relação.
O exequente respondeu ao recurso.
O Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente o recurso, condenando a recorrente (Metalgest) nas custas do recurso.
Transitada em julgado a decisão, foi elaborada conta de custas. Nela, imputou-se à Metalgest, a título de remanescente de taxa de justiça devida pelo referido recurso e pela resposta (depois de deduzido o valor das taxas de justiça já pagas), a quantia de 928.118,40 euros.
Metalgest reclamou da conta. Pediu a correcção dela no sentido de ser eliminada a parte relativa ao remanescente da taxa de justiça, de acordo com o n.º 8 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Para o efeito alegou em síntese:
• Na conta reclamada foi considerado devido o remanescente da taxa de justiça no montante de € 928 118,40;
• A conta não está de harmonia com as disposições legais aplicáveis, incorrendo em erro quanto à norma aplicada, que terá sido o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais;
• No caso em apreço, na medida em que a causa terminou antes de concluída a fase da instrução, não se subsume a esta norma - artigo 6.º, n.º 7 do RCP –, mas sim ao n.º 8 do artigo 6.º, que se apresenta como norma especial relativamente àquela, sendo certo que a norma especial prevalece sobre a geral.
O Meritíssimo juiz da 1.ª instância indeferiu a reclamação da conta.
Apelação
A reclamante interpôs recurso de apelação, pedindo:
1. Se corrigisse a conta e se considerasse que nada mais era devido pela executada embargante, uma vez que a mesma já havia procedido ao pagamento do valor devido;
2. Caso assim se não entendesse, pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
O Tribunal da Relação julgou o recurso procedente, determinando que fosse refeita a conta de custas com aplicação da tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Revista
O Ministério Público não se conformou com o acórdão e interpôs recurso de revista, pedindo se revogasse e substituísse o acórdão por decisão que mantivesse a decisão proferida em 1.ª instância.
Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Visa-se com o presente recurso a apreciação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido nos presentes autos, no dia 09.04.2025, que julgou procedente o recurso interposto pela “Metalgest, S.A.”, da decisão proferida em primeira instância e, em consequência, determinou seja refeita a conta elaborada, aplicando-se ao recurso a tabela II, do Regulamento de Custas Processuais.
2. A revista deverá ser admitida, ao abrigo do n.º 2, do art.º 671º, do Cód. Proc. Civil, porquanto o Acórdão recorrido mostra-se em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo nº 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1, no dia 29.03.2022, transitado em julgado, proferido no domínio da mesma redacção do n.º 2, do art.º 7.º, do Regulamento de Custas Processuais e sobre a mesma questão de direito, que decidiu: “I - Nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1º, nº 2) a taxa de justiça “é sempre fixada” ou, “é fixada” nos termos da tabela I-B, tal como preceituam os nºs 2, dos art.ºs. 6.º e 7.º, do Regulamento.”
3. Afigura-se ao Ministério Público que a conclusão alcançada no acórdão recorrido não encontra sustentação nos factos julgados provados e no direito aplicável. Com efeito,
4. O art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento de Custas Processais é expresso ao prescrever, sob a epígrafe “Regras especiais”, que “Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.”
5. Não sendo necessário proceder a uma interpretação ab-rogante dessa norma para evitar situações de desproporcionalidade ou de exageros no valor da taxa de justiça, uma vez que a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no n.º 7, do art.º 6.º, do Reg. de Custas Processuais permite prevenir tais situações.
6. No caso dos autos estão preenchidos os pressupostos legalmente exigidos pelo art.º 7º, n.º 2, do Reg. de Custas Processuais, norma que se mostra violada pela decisão recorrida.
A reclamante, ora recorrida, respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Os fundamentos da resposta expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. O presente recurso de revista interposto pelo Ministério Público deve ser julgado inadmissível, por força da norma especial consagrada no artigo 31.°, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, que limita a um único grau de recurso as decisões proferidas no âmbito do incidente de reclamação da conta, salvo se estiverem em causa os casos excecionais previstos no artigo 629.° do Código de Processo Civil - o que manifestamente não se verifica, uma vez que o Recorrente funda o presente recurso no artigo 671.°, n.º 2 do mesmo diploma.
2. O presente recurso interposto pelo Ministério Público visa reagir contra o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que, na sequência de correta interpretação e aplicação do artigo 7. °, n.º 4, do RCP, determinou a reformulação da conta de custas, aplicando ao recurso a Tabela II anexa ao referido diploma.
3. A questão jurídica essencial a decidir consiste em saber se os recursos interpostos em procedimentos expressamente sujeitos à Tabela II do RCP - como os embargos à execução - devem ser igualmente tributados segundo a mesma tabela, afastando-se, por conseguinte, a aplicação da Tabela l-B e a exigência de pagamento de remanescente da taxa de justiça.
4. A interpretação defendida pelo Recorrente, fundada numa leitura estritamente literal do artigo 7. °, n.º 2 do RCP, ignora os elementos sistemático, teleológico e axiológico da norma, conduzindo a resultados manifestamente desproporcionais, desconformes com a estrutura do RCP e com a natureza jurídica da taxa de justiça.
5. A tese de que o legislador teria pretendido desincentivar a interposição de recursos em procedimentos da Tabela II mediante o agravamento da taxa de justiça não encontra qualquer fundamento válido no sistema legal ou constitucional, sendo expressamente rejeitada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 23.04.2025, proferido no processo n.º 939/16.1T8LSB-H.L1.S1, que revê, critica e ultrapassa o entendimento anteriormente sufragado no Acórdão Fundamento de 29.03.2022.
6. A posição acolhida na decisão recorrida encontra pleno respaldo na doutrina de Salvador da Costa e na jurisprudência reiterada de diversos Tribunais da Relação, bem como, recentemente, no Supremo Tribunal de Justiça, que convergem na inaplicabilidade da Tabela l-B aos recursos interpostos em procedimentos cautelares e outros regulados pelo artigo 7. °, n.º 4 do RCP.
7. A aplicação da Tabela l-B nos recursos interpostos nestes procedimentos representaria uma inversão arbitrária da lógica do sistema de custas, determinando que a taxa devida pelo recurso exceda a da própria instância de origem, em violação do princípio da proporcionalidade, da correspetividade e do direito de acesso à justiça.
8. A taxa de justiça, enquanto verdadeiro tributo sinalagmático, exige, para sua legitimidade constitucional, uma relação razoável entre o custo exigido e a complexidade do serviço prestado - o que não se verifica na hipótese defendida pelo Recorrente, como demonstra a tentativa de cobrança de €928.118,40 em remanescente num mero recurso interlocutório sobre suspensão de embargos.
9. Ainda que se admitisse, por mera cautela e sem conceder, a aplicabilidade da Tabela l-B, não se pode aceitar que a eventual ausência de requerimento de dispensa de remanescente inviabilize a atuação oficiosa do tribunal, nem que tal dispensa esteja condicionada, de forma absoluta, à iniciativa da parte, já que o artigo 6. °, n.º 7 do RCP consagra um verdadeiro poder-dever judicial, dirigido à salvaguarda da proporcionalidade tributária.
10. Acresce que, no caso concreto, a exigência de remanescente estaria sempre excluída por força do artigo 6. °, n.º 8 do RCP, que expressamente determina que não é devido o pagamento do remanescente da taxa de justiça quando a causa termine antes de concluída a fase de instrução - como sucede no presente recurso, interposto de decisão proferida em despacho saneador.
Recurso: saber se o acórdão recorrido violou o n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais ao decidir que a taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas nos incidentes e procedimentos sujeitos à tabela II era a fixada nesta tabela.
Resposta: saber se a revista é admissível.
A questão de saber se a revista era admissível foi decidida pelo ora relator no despacho liminar, no sentido afirmativo.
Os relatados no relatório deste acórdão.
Na origem do presente recurso está a decisão da secretaria de, ao elaborar a conta de custas devida pelo recurso de apelação interposto pela executada, ora recorrida, contra o despacho da 1.ª instância que indeferiu o pedido de suspensão da execução, indicar como taxa de justiça devida a fixada na tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
A executada reclamou da conta, mas a razão da sua discordância não foi a aplicação ao recurso da taxa de justiça fixada na mencionada tabela. Discordou da conta por ela incluir o remanescente da taxa de justiça. No seu entender, tal remanescente não era devido, pois o processo havia terminado antes de concluída a fase de instrução e, nos termos do n.º 8 do artigo 6.º do RCP, não haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça em tal situação.
O tribunal de 1.ª instância indeferiu a reclamação com tal fundamento.
Foi no recurso de apelação contra o despacho que indeferiu a reclamação da conta que a reclamante, ora recorrida, alegou que a taxa de justiça aplicável ao recurso era a fixada na tabela II e não na tabela I-B.
Socorreu-se, pois, do recurso para reclamar da conta com um novo fundamento. Apesar de o acórdão recorrido ter entendido – e bem - que a questão da taxa aplicável ao recurso era uma questão nova não suscitada na 1.ª instância, conheceu dela por ela “ter natureza estritamente legal (aplicação da lei) e atento o carácter oficioso do conhecimento da aplicação das disposições legais nesta matéria (art. 31º n.º2 do CRP)”.
Sobre tal questão, o tribunal recorrido entendeu que a taxa de justiça aplicável aos recursos das decisões proferido nos incidentes e procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 7.º do RCP – nos quais se incluía a oposição à execução por embargos - era a fixada na tabela II do RCP. Em consequência revogou o despacho da 1.ª instância, substituindo-o por decisão a ordenar que a conta de custas fosse elaborada de novo com aplicação ao recurso de apelação interposto em sede de embargos de executado da taxa prevista na tabela II do RCP.
Os fundamentos da decisão foram os seguintes:
• A tributação processual obedece a uma distinção básica entre a regra geral e situações especiais (art. 6º e 7º do RCP), a que correspondem tabelas específicas (tabelas I e II). A primeira tabela apresenta valores progressivos, em função do valor da causa, e sem limite final. A segunda apresenta valores fixos ou, em menos casos, valores com intervalos muito limitados, e sempre com limites máximos fixos. Pese embora ocorram variações, a tabela II é marcadamente menos gravosa do que a tabela I, o que se ajusta à ideia de que, como regra, as espécies contempladas na tabela II apresentam menor complexidade e por isso menor intensidade do serviço prestado e do dispêndio público associado. Donde ser menor, ou tendencialmente menor, o preço imposto.
• Deste modo, a aplicação da tabela I-B aos recursos em espécies cabíveis na tabela II contraria esta asserção fundante, ao tratar, no recurso, como igual aquilo que o legislador já reconheceu dever ser, em termos de preço, tratado diferentemente.
• Como regra, o recurso terá menor complexidade do que a espécie processual de que parte, dada a simplicidade da sua tramitação, o facto de naquela espécie já se operaram actividades (v.g. instrução) não cabíveis no recurso, ou a circunstância de o recurso ter, também como regra, um objecto mais limitado do que a decisão recorrida (parte de uma situação já trabalhada e pode ainda, como a mais das vezes ocorre, incidir apenas sobre parte da decisão).
• Esta ideia foi legalmente reconhecida e traduzida no facto de o preço do recurso ser sempre inferior ao preço do procedimento onde surge (corresponde a metade da taxa de justiça fixada para a espécie, havendo ainda que considerar a regra do art. 12º n. º 1 do RCP para a sucumbência parcial, que, quando aplicada, ainda acentuará a diferenciação) - tabela I-A e I-B;
• Tal ideia mostra-se, porém, contrariada pela aplicação da tabela I-B às espécies da tabela II pois vai provocar, em regra, um preço do recurso superior ao preço da espécie de que o recurso depende, quando a composição legal da taxa de justiça entre as espécies processuais seria a contrária - e conduzindo ainda a que, nas espécies da tabela I-B, o preço do recurso não tenha limite quando o preço da espécie subjacente está sempre limitado (e muito limitado, nunca envolvendo valores muito expressivos) [no caso, a oposição não se sujeitaria a mais de 6 UC e o recurso - que incidia sobre questão meramente processual - se sujeitaria a um valor superior a 4.400 UC, tornando evanescente qualquer ideia de proporcionalidade e obliterando a correspectividade, ainda que não exacta, que a taxa supõe existir entre prestações.
Segundo o acórdão existe uma dupla contradição valorativa na aplicação da tabela I-B aos recursos das espécies a que se aplica a tabela II: tal aplicação contraria a ideia, decorrente da lei e aplicada ao recurso, de que as espécies da tabela I devem ser mais caras que as espécies da tabela II, por passarem a ter, em sede de recurso, tendencialmente o mesmo preço; e contraria, em especial, a ideia (também decorrente da lei) de que o recurso deve ter preço inferior ao da espécie onde é proferido.
Segundo o acórdão esta contradição não encontra justificação racional cabal. No seu entender, uma compreensão teleológica da lei, ajustada à sua intencionalidade e uma aplicação sistemática aos resultados, deve conduzir à aplicação da tabela II aos recursos das espécies da tabela II.
E assim – prossegue o acórdão - quando no art.º 6.º n.º 2 do RCP, se refere que a tabela I-B se aplica sempre aos recursos, deve entender-se que a norma, em articulação e complemento da previsão do n.º 1 do mesmo art.º 6º, visa apenas as espécies derivadas daquela n.º 1 e contempladas pela mesma tabela I, na sua coluna A. Nessa linha, aquele n.º 2 constitui apenas extensão da previsão do n.º 1 do art.º 6º do RCP, quando elege a tabela I como regra, significando que também como regra aos recursos, das situações elencadas no n.º1 do art. 6º (tabela I), se aplica a tabela I-B. Quanto ao art.º 7º n.º 2 do RCP, ele causa perplexidades que denunciam a sua impropriedade. Assim a primeira parte deste art.º 7.º, n.º 2, parece repetir o que consta já do art.º 6º n.º 2, o que seria redundante face àquela norma, ficando também sem se perceber por que razão se incluiu em uma norma destinada a fixar regras especiais a reprodução (ou reiteração) de uma regra que seria geral (não especial, e já por si afirmada). A não ser que se pretendesse deixar claro que também nos processos especiais sujeitos à tabela I (por não se incluírem na tabela II), processos estes referidos no n.º 1 do mesmo art.º 7.º, os recursos se sujeitariam à mesma tabela I(-B) - o que a articulação das duas normas (n.º 1 e 2) suporta: também aqui o art.º 7.º n.º 2 seria complemento da regra do n.º 1 do mesmo art.º 7.º, quando se reporta aos processos especiais que ficam sujeitos à tabela I. Já as situações realmente especiais (previstas no n.º 4 do art.º 7.º) ficariam fora do âmbito de tal regra (e daí a sua previsão em momento posterior e destacado). Acresce que a segunda parte da norma, ao fixar o momento do pagamento, também não contém em rigor uma regra especial, mas antes uma regra própria do recurso, dela não derivando contributos relevantes. Devendo por isso proceder-se a uma interpretação que impeça que o aparente princípio, a ser aplicado sem restrições, ultrapasse o fim para que foi ordenado (parafraseando F. Ferrara), repondo-se a coerência de soluções que a previsão demasiado geral atraiçoa.
Como se vê pela exposição acabada de efectuar, segundo o acórdão recorrido a interpretação teleológica e sistemática do Regulamento das Custas Processuais, designadamente dos seus artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, 7.º, n.ºs 1, 2 e 4, conduziam a duas ideias fundamentais em matéria de taxa de justiça:
• A primeira é a de que a taxa de justiça das acções a que se refere a tabela I-A devia ser mais cara do que a taxa de justiça dos incidentes e procedimentos previstos na tabela II (II-A);
• A segunda é a de que o preço dos recursos, ou seja, a taxa de justiça aplicável aos recursos devia ser inferior à taxa de justiça da acção onde é proferida a decisão recorrida.
Em consequência, na lógica argumentativa do acórdão, a aplicação da taxa de justiça fixada na tabela I-B aos recursos das decisões proferidas nos incidentes e procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 7.º do RCP estava em contradição com as duas ideias acima enunciadas. Para evitar esta contradição, a solução consistia em aplicar aos recursos das decisões proferidas nos incidentes e procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 7.º a taxa de justiça fixada na tabela II (II-A).
O recorrente contrapõe com o n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais. Segundo ele, não é necessário proceder a uma interpretação ab-rogante dessa norma para evitar situações de desproporcionalidade ou de exageros no valor da taxa de justiça, uma vez que a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no nº 7, do art.º 6.º, do Regulamento de Custas Processuais permite prevenir tais situações.
Pese embora o muito respeito que nos merece o acórdão recorrido e a sua desenvolvida e clara fundamentação, o recurso é de julgar procedente.
Antes de expormos as razões da procedência do recurso, importa dizer que a questão suscitada na presente revista – saber se a taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas nos incidentes e procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais é a fixada na tabela I-B ou na tabela II-A do RCP – tem obtido respostas divergentes na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e dos tribunais da Relação.
No sentido de que a taxa aplicável a tais recursos é a fixada na tabela I-B decidiram:
• O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29-03-2022, no processo n.º 3396/14.3T8GMR.2.G1, publicado em www.dgsi.pt.;
• O acórdão deste mesmo tribunal proferido em 28-05-2024, no processo n.º 1561/19.6T8PDL-A.L2.S1.m publicado em www.dgsi.pt;
No sentido de que a taxa aplicável a tais recursos é a fixada na tabela II do Regulamento das Custas Processuais decidiram:
• O acórdão do STJ proferido em 23-04-2025, no processo n.º 939/16.1T8LSD, publicado em www.dgsi.pt;
• O acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 9-11-2017, no processo n.º 2052/15.0T8FAR.E2, publicado em www.dgsi.pt (taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas em procedimentos cautelares);
• O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 24-01-2019, no processo n.º 2589/17.6T8BRG-A.G1., publicado em www.dgsi.pt (taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas em procedimentos cautelares);
• O acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 27-06-2019, no processo n.º 1489/09.8TBVNO-A.E1, publicado em www.dgsi.pt ( taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas em procedimentos cautelares);
• O acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 13-01-2020, no processo n.º 10526/19.7T8PRT-A.P1, publicado em www.dgsi.pt (taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas em procedimentos cautelares);
• O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 15-02-2024, no processo n.º 3870/20.2T8GMR.G1, publicado em www.dgsi.pt (taxa de justiça aplicável ao recurso de uma decisão proferida em incidente de prestação de caução).
Na doutrina, Salvador da Costa entende que a taxa de justiça fixada na tabela I-B é aplicável aos recursos das decisões proferidas nas espécies processuais constantes da tabela II, reconhecendo que daí pode resultar uma taxa de justiça do recurso superior à da causa (As Custas processuais – Análise e Comentário, 2017, 6.ª Edição, Almedina, página 130).
Vejamos, as razões pelas quais o recursão é de julgar procedente.
Em primeiro lugar, a interpretação do acórdão recorrido tem contra si a letra do n.º 2 do artigo 6.º e a do n.º 2 do artigo 7.º, do Regulamento das Custas Processuais, bem como a letra das tabelas I-B e II-A do mesmo diploma, e o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil.
Tem contra si a letra do n.º 2 do artigo 6.º e a do n.º 2 do artigo 7.º porque o primeiro dispõe que nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento e o segundo dispõe que, nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B.
Os dois preceitos são, pois, concordantes na afirmação de que a taxa de justiça aplicada aos recursos é a fixada na tabela I-B do RCP.
A única excepção a esta regra é a prevista no n.º 3 do artigo 7.º do RCP, consistente no seguinte: a taxa de justiça devida pela interposição do recurso da decisão arbitral ou do recurso subordinado, nos processos de expropriação, é a fixada na tabela I-A. Porém, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, que procedeu à alteração do n.º 3 do artigo 7.º do RCP, a taxa de justiça dos restantes recursos no processos de expropriação é a prevista na tabela I-B.
A interpretação do acórdão recorrido tem também contra si a letra da tabela I-B, pois esta remete expressamente para os artigos 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2, e a letra da tabela II-A, pois esta não remete para os preceitos do Regulamento sobre recursos e os incidentes e procedimentos descritos nas suas várias linhas não compreendem recursos.
É certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.
Sucede, agora por aplicação do n.º 3 do mesmo preceito, que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que perfeitamente expresso.
Ora, a decisão do acórdão recorrido de excluir do âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 7.º e da tabela I-B os recursos das decisões proferidas nos incidentes e procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 7.º do RCP e a de incluir neste número e na tabela II-A os recursos de decisões proferidas em tais incidentes e procedimentos não tem um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso nem na letra dos citados preceitos nem letra das mencionadas tabelas.
Em segundo lugar, é certo que, nos casos em que a taxa de justiça aplicável às acções é a fixada na tabela I-A, a taxa de justiça dos recursos proferidos em tais acções é em regra metade daquela.
Daqui não se pode, porém, inferir uma regra no sentido de que a taxa de justiça aplicável aos recursos será sempre inferior à taxa de justiça da acção onde é proferida a decisão recorrida.
O que é de presumir, considerando a directriz traçada no n.º 3 do artigo 9.º do CC, segundo a qual na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, é que o disposto no n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 2 do artigo 7.º do RCP - sujeição dos recursos à taxa de justiça fixada na tabela I-B - corresponde a uma opção do legislador.
Embora esta opção não seja explicada no preâmbulo dos Decreto-Lei n.º 34/2008, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, nem nos diplomas posteriores que procederam a alterações ao Regulamento e às tabelas, designadamente o Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, e o Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e mereça ser criticada com a lógica argumentativa do acórdão recorrido, não podemos deixar de entender que se trata de uma opção legítima do legislador. Só assim não seria se ela violasse normas ou princípios da Constituição da República Portuguesa, designadamente o acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, o que não acontece.
A este propósito, cabe dizer que não vale contra o entendimento que vem sendo exposto, a alegação de que, no caso, não existiria uma relação razoável entre o custo exigido e a complexidade do serviço prestado, pois num mero recurso interlocutório sobre a suspensão da execução estava a ser exigido um custo de €928.118,40, a título de remanescente de taxa de justiça.
Em primeiro lugar, é certo que a taxa de justiça corresponde à contrapartida devida pela prestação de um serviço e que, como se escreve no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, o valor dela deve adequar-se ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não pode ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.
Em segundo lugar, apesar de não ser possível indicar com rigor os custos que o recurso de apelação, interposto pela executada, acarretou para o sistema judicial, é seguro afirmar-se que não acarretou, além do valor da taxa de justiça já pago, custos no montante de €928.118,40 correspondentes à taxa de justiça remanescente.
Porém, daqui não se segue a conclusão de que a taxa de justiça devida pelos recursos das decisões proferidas nos incidentes e procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 7.º do RCP é a da tabela II e não a da tabela I-B.
É que o n.º 7 do artigo 6.º do RCP confere às partes, nas causas de valor superior a 275 000 euros, como é o caso do presente processo, a faculdade de requererem ao juiz a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça quando a especificidade da situação o justificar.
Com este mecanismo processual, o legislador procurou precisamente adequar o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que ele acarreta para o sistema judicial. É, pois, uma garantia de proporcionalidade da taxa de justiça.
Aliás, na apelação, a recorrente pediu, a título subsidiário, ou seja, para a hipótese de a taxa de justiça aplicada ao recurso ser a fixada na tabela I-B, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Pedido, cuja resposta foi considerado prejudicada pela solução que o acórdão recorrido deu ao pedido principal.
Daí que a circunstância de o n.º 2 do artigo 6.º e o n.º 2 do artigo 7.º do RCP preverem a aplicação, da taxa de justiça fixada na tabela I-B, aos recursos das decisões proferidas em incidentes e procedimentos constantes da tabela II não significa necessariamente a aplicação de uma taxa de justiça que não tenha qualquer relação com a complexidade do recurso e com os custos que ele acarretou para o sistema judicial.
Mais: a circunstância de, nos recursos, a base tributável para efeitos de taxa de justiça ser, em regra, o valor da sucumbência, quando esta for determinável e o recorrente o indique no requerimento de interposição do recurso (1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do RCP), também concorre para a proporcionalidade entre, por um lado, valor da taxa de justiça e, por outro, o tipo de recurso e aos custos que ele acarreta para o sistema judicial.
Por último, se se seguisse a lógica argumentativa do acórdão recorrido, segundo a qual o “recurso deve ter preço inferior ao da espécie onde é proferido”, então a taxa de justiça dos recursos das decisões proferidas nos processos e incidentes previstos na tabela II não podia ser a desta tabela, mas uma taxa inferior, o que não foi feita pelo acórdão recorrido que, contra a sua própria lógica, aplicou ao recurso da decisão proferida em sede de embargos a mesma taxa de justiça da prevista para os embargos.
Por todo o exposto é de afirmar que o acórdão recorrido, ao decidir que a taxa de justiça aplicável aos recursos de decisões proferidas nos incidentes e procedimentos constantes da tabela II era a fixada nesta tabela, violou não só n.º 2 do artigo 7.º do RCP, como indicou o recorrente, mas também o n.º 2 do artigo 6.º do mesmo diploma.
Na verdade, apesar de a epígrafe do artigo 7.º do RCP ser “regras especiais”, a 1.ª parte do n.º 2 do artigo 7.º, ao dispor que, nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B, não apresenta nenhuma especialidade em relação ao n.º 2 do artigo 6.º do RCP. Limita-se a reproduzi-la. A “especialidade” do n.º 2 do artigo 7.º, na redacção inicial, consistia em dizer que a taxa de justiça nos recursos era paga apenas pelo recorrente, sendo a taxa paga imputada, a final, ao recorrido que tenha contra-alegado, quando este tenha ficado total ou parcialmente vencido, na proporção respectiva. A especialidade do n.º 2 do artigo 7.º na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, consistiu em dizer que a taxa não era paga apenas pelo recorrente; era paga também pelo recorrido que contra-alegasse.
O Tribunal da Relação considerou prejudicado o conhecimento desta questão por ter julgado procedente a apelação.
Considerando que a revista é de julgar procedente e que será repristinada a decisão da 1.ª instância, cabe conhecer do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A competência para o conhecimento deste pedido cabe ao Tribunal da Relação, considerando o disposto no artigo 679.º do CPC, que exclui da aplicação ao recurso de revista do que se estabelece no artigo 665.º do CPC, que estabelece, no seu n.º 2, a regra da substituição ao tribunal recorrido.
Concede-se a revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido, repristinando-se a decisão da 1.ª instância.
Após o trânsito em julgado deste acórdão, remeta os autos ao Tribunal da Relação para apreciação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrida ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesma nas respectivas custas.
Considerando o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a conduta processual das partes (traduzida na apresentação de alegações e reposta) e facto de o presente recurso não revelar complexidade, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso.
Lisboa, 2 de Outubro de 2025
Relator: Emídio Santos
1.ª Adjunta: Ana Paula Lobo
2.º Adjunto: Fernando Baptista de Oliveira