MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
SUPRIMENTO
Sumário

- Só em caso de desproporcionalidade manifesta na fixação da
pena ou de necessidade de correcção dos critérios da sua determinação, atenta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, é que o Tribunal de 2ª Instância deve alterar a espécie e o quantum da pena.
- A suspensão da execução da pena de prisão, enquanto verdadeira pena de substituição, só pode ser aplicada se for possível fazer, à data da decisão, um juízo de prognose favorável de que uma suspensão de pena seja suficiente para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos.
- A personalidade violenta revelada pelo recorrente, a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento ou juízo crítico acerca da gravidade da sua conduta e o não reconhecimento do seu problema aditivo de álcool não permitem que se efectue qualquer juízo de prognose favorável de que a suspensão da execução da pena o iria demover de prosseguir a sua conduta criminosa.
- O recorrente praticou o crime dos autos durante o período de suspensão da execução de uma pena de prisão anteriormente aplicada, o que demonstra que não interiorizou de forma consistente a advertência contida na anterior condenação, a qual não teve a virtualidade de o afastar da prática de novos crimes.
- Há omissão de pronúncia quando o Tribunal a quo nada disse sobre o limite temporal da pena de expulsão aplicada ao recorrente, o que gera a nulidade da decisão, quanto a este segmento.
- Esta nulidade pode, no entanto, ser suprida pelo Tribunal de recurso, se não foi impugnada a matéria de facto fixada e esta matéria assim o permite.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1– Relatório

No processo nº 94/24.3GGODM do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Cível e Criminal de … - Juiz … foi proferido acórdão, datado de 2/07/2025, no qual se decidiu:

“ - Absolver o arguido AA da prática de um crime de violência doméstica agravado, na pessoa de BB;

- Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão efectiva, e na pena acessória de proibição de contactos, com afastamento da residência/local de trabalho de CC, pelo período máximo de cinco anos, que será fiscalizada por meios de controlo à distância caso o arguido regresse à liberdade em território nacional, ficando também sujeito à obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;

- Condenar o arguido na pena acessória de expulsão do território nacional, prevista no art. 151º nº.1 da Lei 23/2007, de 04 de Julho;

- Manter o arguido a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva e proibido de contactar, por qualquer meio, a vítima, consignando-se que se encontra ininterruptamente privado da liberdade à ordem dos presentes autos desde 20 de Outubro de 2024; (…)”

*

Inconformado com aquela decisão, quanto à pena de prisão que lhe foi aplicada, à não suspensão da execução da mesma e à pena de acessória de expulsão do território nacional, veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

“1 – O recorrente não se conforma com o douto acórdão que o condenou pela prática como autor material, de um crime de violência doméstica agravado, p.p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº2, alínea a) do CP:

- na pena de quatro anos de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de contactos, com afastamento da residência/local de trabalho de CC, pelo período máximo de cinco anos, que será fiscalizado por meios de controlo à distância caso o arguido regresse à liberdade em território nacional, ficando também sujeito á obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência domèstica;

- na pena acessória de expulsão do território nacional, prevista no artigo 151º, nº 1 da Lei 23/2007, de 04 de Julho.

2 – A pena de quatros anos de prisão efetiva é excessiva e prejudicial à ressocialização do recorrente.

3 –A aplicação de qualquer pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, cumprindo as funções de responder ás necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir em cada caso concreto, pelo que a pena tem sempre o fim de assegurar, por um lado a reafirmação do bem jurídico violado e de assegurar que o autor do crime não volte a delinquir, advertindo-o individualmente e dissuadindo-o da prática de novos crimes.

4 – Pela conjugação do nº 1 do artigo 71º e nº 2 do artigo 40º do CP, podemos verificar que a medida da pena é feita em função da culpa do agente, bem como da necessidade de prevenção, não podendo a pena ser superior à culpa.

5 – E certo é que, nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP, para a determinação da medida da pena releva também “ a conduta anterior ao facto e posterior a este”.

6 – Ora,

a) O recorrente já sofreu três condenações, é certo, mas por crimes de natureza distinta do dos autos ( crime de condução sem habilitação legal e condução sob o efeito do álcool), sendo primário quanto a este tipo de crime;

b) Embora á data da sua detenção se encontrasse desempregado, o recorrente regularmente desempenhou trabalhos agrícolas e na área da construção civil;

c) Não houve qualquer noticia de crime posterior à prática do crime pelo qual vem condenado;

d) No estabelecimento prisional tem mantido um comportamento pautado pelas regras institucionais.

7 – Pelo que acreditamos que a conduta do recorrente, anterior e posterior á prática dos factos deve ser valorada positivamente nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.

8 – Deveria assim a pena aplicada ao recorrente ter sido fixada em quantum inferior e suspensa na sua execução, atentos os critérios do artigo 50º do CP.

9 – A pena de prisão suspensa na sua execução não perde a sua virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes, uma vez que o arguido sujeito a uma pena de prisão suspensa na sua execução tem perfeito conhecimento de que se praticar novos crimes, a mesma será revogada.

10 –O tribunal recorrido devia ter formulado um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do recorrente, concluindo que, em liberdade, não voltará a praticar novos crimes.

11 – No que aos fins das penas diz respeito, o destaque terá que ser colocado na prevenção especial positiva ou de ressocialização, devendo a pena espelhar a vertente ressocializadora, subjacente á respetiva aplicação – artigo 70º do CP.

12 – Por tudo o exposto e atentos os critérios ínsitos no artigo 50º do CP, deverá determinar-se a suspensão da pena de prisão na sua execução, após a sua redução nos termos supra pugnados, cumulada com a já aplicada pena acessória de proibição de contactos com afastamento da residência/local de trabalho de CC, pelo período de cinco anos, fiscalizada por meios de controlo à distância e com a obrigação já imposta de frequência de programa especifico de prevenção da violência doméstica.

13 - O que realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, propiciando a compreensão e interiorização da sua conduta e levando o recorrente a adotar um comportamento conforme ás normas.

14 – O tribunal a quo violou o disposto noa artigos 40º, nº 1 e 2, 50º, 70º e 71º do Código Penal e artigo 18º, nº 2 da CRP.

15 – Por outro lado, ao aplicar ao recorrente a pena acessória de expulsão do território nacional, prevista no artigo 151º da Lei 23/2007, de 04 de Julho, o tribunal a quo coartou de forma liminar o direito do arguido ao convívio com a sua filha menor de quatro anos, com a qual mantem relação de proximidade e afetividade, assim como o priva do direito ao convívio com os seus familiares de origem que residem em Portugal.

16 - E isto constituí uma clara violação do estatuído no nº 4 do artigo 30º da CRP.

17- A aplicação da pena acessória da pena de expulsão não é automática ( artigo 65º, nº 1 do CP e artigo 30º nº 4 da CRP), dependendo sempre da alegação e prova de pressupostos autónomos da pena principal.

18 - E por se tratar de pena cuja aplicação toca em direitos fundamentais do arguido e constituí uma ingerência na sua vida familiar, a mesma só deve ser aplicada quando estritamente necessária para salvaguarda de necessidades sociais imperiosas que, na ponderação de proporcionalidade, sobrelevem os interesses individuais.

Tem sido este o sentido da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

19 - Pelo exposto, entende o recorrente, que o tribunal a quo devia ter decidido pela não aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional.

20 - Ao fazê-lo violou o disposto no nº 4 do artigo 30º da CRP, assim como violou os artigos 3º e 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

21 – Acresce que o tribunal a quo não fixou o quantum da pena acessória de expulsão de território nacional aplicada ao recorrente.

22 – Na aplicação da pena acessória de expulsão o tribunal a quo não deveria limitar-se a decretar a expulsão do país, deveria concomitantemente ter decretado a interdição de entrada em território nacional com indicação do respetivo prazo.

23– Não o fazendo o tribunal recorrido ignorou os comandos do disposto no artigo 157º, alínea c) da Lei 23/2007, de 04 de julho, deixando de pronunciar-se sobre questão que obrigatoriamente deveria decidir.

24- Tal decisão é, por isso nula, nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, c) do CPP, nulidade que se argui.

25- Á semelhança da pena principal, o quantum da pena acessória de expulsão deve ser fixado em obediência ás regras gerais de determinação da medida da pena, nos termos dos artigos 40, nº 2 e 71º, nº 1 e 2 do CP.

26- O Tribunal recorrido violou, pois, o disposto no artigo 157º, alínea c) da Lei 23/2007 de 04 de Julho, nos artigos 40º, nº 2 e 71, nº 1 e 2 do CP e no artigo 30º, nº1 da CRP.”

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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, formulando as seguintes conclusões:

“Entende o Ministério Público que o Tribunal aqui, agiu dentro da lei, valorando as circunstâncias que depuseram a favor e contra, pesando cada uma delas e chegou à conclusão de condenar o arguido dentro dos ditames da lei, nada podendo ser apontado ao mesmo.

Entende o Ministério Público que a decisão não merece qualquer reparo, uma vez que foram observadas todas as regras no momento em que foi proferida a sentença devendo a mesma ser mantida na íntegra.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmando a douta sentença recorrido nos seus precisos termos.”

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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida, acompanhando a posição assumida na primeira instância.

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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.

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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.

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2 – Objecto do Recurso

Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).

À luz destes considerandos, as questões a decidir neste recurso consistem no seguinte:

- medida da pena de prisão;

- suspensão da sua execução;

- aplicação da pena de expulsão.

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3- Fundamentação:

3.1. – Fundamentação de Facto

3.1.1. - A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. O arguido AA e CC, ofendida, iniciaram um relacionamento amoroso há cerca de seis anos e meio, ainda na …, vindo para Portugal logo após.

2. Em Portugal, residiram entre … e actualmente no …, mantendo vida de casal, como se de marido e mulher se tratassem, com comunhão de cama, mesa e tecto.

3. Desse relacionamento nasceu em …2020 uma filha, BB, actualmente com 4 anos, que com eles sempre viveu.

4. Há cerca de três anos, quando viviam em …, movido por ciúmes por achar que a ofendida mantinha relações com outros homens, o arguido, alcoolizado, apontou uma faca de cozinha na direcção daquela, à zona do abdómen, e disse-lhe que a cortava.

5. Há cerca de 2 anos e meio, moravam em …, o arguido, sem qualquer motivo e em estado alcoolizado, dirigiu-se à ofendida e, sem mais, empregando força, bateu com o cabo da vassoura na cabeça da mesma, partindo-a.

6. No dia 01.09.2024, cerca das 03h30, o arguido chegou a casa, sita em …, alcoolizado, dirigiu-se à ofendida que se encontrava deitada e, porque queria manter relações sexuais, com as suas mãos, apalpou-lhe as mamas e tocou-lhe nas pernas.

7. A ofendida recusou e levantou-se, pegou na filha e foi para outro quarto.

8. O arguido seguiu-a, acusou-a de manter relações extraconjugais e apodou-a de “puta”, “vaca” e outras ofensas em moldavo; após, saiu de casa e foi fumar.

9. Quando voltou, dirigiu-se à ofendida e, acto contínuo, empregando bastante força, deferiu-lhe um soco de punho cerrado no nariz, partindo-o.

10. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida ficou com um hematoma na face, na região periorbital e fractura dos ossos próprios do nariz, com multi-fragmentação, tendo sangrado abundantemente.

11. Ficou ainda com uma equimose roxa no membro superior esquerdo, com dedada no terço superior do braço.

12. Tais lesões determinaram 15 dias para a consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho geral (8 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (15 dias) e consequências permanentes.

13. Foi transportada para o Hospital do … e depois transferida para o Hospital de ….

14. Tudo isto sucedeu na presença da filha de 4 anos.

15. A GNR foi chamada e compareceu no local.

16. O arguido esteve calmo durante cerca de 3/4 dias e depois voltou a apodar a ofendida dos mesmos nomes supra-referidos e a acusá-la de manter relacionamentos extraconjugais.

17. No dia 16.10.2024, de madrugada, na Casa … o arguido quis manter relações sexuais com a ofendida, tendo esta recusado.

18. De manhã, cerca das 09h00, quando esta se encontrava a brincar com a filha, o arguido abordou-a, alcoolizado e dirigindo-se a ela, disse-lhe que queria ter relações sexuais com ela e, em face da recusa, em tom e expressão de voz ameaçador, acusou-a de ter outro homem.

19. Acto contínuo, deu-lhe uma chapada de mão aberta na cara, agarrou-a com força pelo braço esquerdo, e puxou-lhe a camisola entre o peito e o pescoço, tudo como se de imediato lhe fosse bater.

20. Com medo, a ofendida agarrou na filha e fugiu de casa, chamando a GNR de seguida.

21. No dia 18.10.2024, de manhã, em casa, no …, quando a ofendida se encontrava deitada na cama, o arguido quis manter relações sexuais com ela, mas como esta recusou, de imediato colocou uma das mãos à volta do seu pescoço e, empregando força, apertou-lho.

22. Não obstante os diversos pedidos da ofendida para parar, o arguido persistiu na conduta descrita, dizendo-lhe ainda “corto-te a garganta, corto-te os pulsos”.

23. O arguido só cessou a sua conduta quando a filha de ambos, vendo a situação, gritou para parar de fazer aquilo à mãe.

24. Em consequência directa e exclusiva do supra descrito, a ofendida ficou atordoada e com falta de ar.

25. Após cessar a sua conduta, o arguido agarrou em todo o dinheiro da ofendida, aproximadamente €200,00, proveniente do seu trabalho e que servia para fazer face às despesas da casa, e foi para o café/ restaurante.

26. Quando o arguido voltou, alcoolizado, já cerca das 11h30, porque a ofendida lhe disse que tinham que sair e entregar a casa à senhoria e que não iriam para outra casa juntos, aquele disse-lhe que lhe cortava o pescoço, que ia levar a filha de ambos para uma instituição e deu-lhe uma chapada na cara.

27. A ofendida agarrou na filha, fugiu de casa e foi pedir ajuda aos vizinhos.

28. Ao ver a ofendida sair de casa, o arguido agarrou no telemóvel desta e atirou-o contra o chão, partindo-o.

29. Já na presença da GNR e fora da habitação, o arguido permaneceu aos gritos, conduta em que persistiu mesmo depois de avisado pelos militares para a cessar.

30. Durante todo o período de relacionamento, o arguido, por diversas vezes, agarrou no telemóvel da ofendida e, contra a vontade desta, acedeu a todos os conteúdos do mesmo.

31. Apodou-a diversas vezes de “porca” e “vaca vadia”.

32. Sempre que estava alcoolizado, o que era muito frequente, o arguido falava aos gritos com filha.

33. Sempre que o arguido agrediu a ofendida estava visível e consideravelmente embriagado.

34. O arguido nunca se coibiu de levar a cabo as suas condutas na presença da sua filha de apenas quatro anos.

35. O arguido estava desempregado e era a ofendida que suportava as despesas da casa com o fruto do seu trabalho.

36. Os factos descritos foram sempre praticados pelo arguido dentro da residência do casal.

37. Tais comportamentos reiterados do arguido fizeram e com que a ofendida vivesse num ambiente de terror na sua própria casa e fora dela, vivendo constantemente com medo do que o arguido pudesse fazer-lhe não só contra a sua integridade física, liberdade pessoal e mesmo vida, mas também da sua filha de quatro anos.

38. Assim como sujeitou a sua filha de quatro a assistir a actos de extrema violência contra a mãe.

39. Ao agir do modo supra descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a ofendida, como efectivamente maltratou, bem como pretendeu, com tais expressões e condutas amedrontá-la, o que conseguiu, originando-lhe medo constante das suas reacções, como medo daquilo que lhe pudesse vir a fazer no futuro, contra a sua integridade física ou a sua vida, bem como humilhando a ofendida na sua honra e consideração, em condutas de absoluto desrespeito desta não só enquanto mulher, mas também enquanto ser humano.

40. O arguido visou e conseguiu, reiteradamente ao longo deste tempo, atingir a saúde física e psíquica da ofendida, bem como diminui-la enquanto mulher.

41. O Arguido agiu consciente, voluntaria, livre e deliberadamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

Mais se provou que

42. O arguido não é titular qualquer tipo de autorização para permanecer e residir em território nacional.

43. O arguido foi condenado:

- em pena de multa pela prática em 15 de Junho de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal, a qual já se encontra extinta – Proc. 133/20.7…;

- em pena de multa pela prática em 23 de Maio de 2023 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, a qual já se encontra extinta – Proc. 109/23.2…;

- pena de 10 meses de prisão, suspensa por 1 ano, pela prática em 07 de Novembro de 2022 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, a qual transitou em julgado a 02 de Outubro de 2023 – Proc. 60/22.3….

44. AA permanece no Estabelecimento Prisional de Beja, no qual deu entrada no dia 20 de Outubro de 2024, em cumprimento da medida de coacção de prisão preventiva aplicada nos presentes autos. O respectivo comportamento institucional apresenta-se adaptado à regras e normas que enformam o universo penitenciário. Efectua trabalho de faxina. À excepção de uma visita de um irmão, que se acompanhou da sobrinha, a menor BB, à visita do respectivo progenitor, AA não tem beneficiado de visitas de familiares, ainda que alguns dos irmãos residam no … em …. À data da sua prisão, o arguido encontrava-se laboralmente inactivo. Ao longo da sua permanência em Portugal, AA vinha mantendo actividade laboral ligada à agricultura, que conciliava com períodos de trabalho na construção civil, noutros países europeus, nomeadamente na …, … e …, verificando-se, entre trabalhos, períodos de inactividade. Entrou em Portugal pela primeira vez em 2014, encontrando-se já no país alguns elementos do seu agregado de origem, irmãos. Tal decisão resultou da procura de melhores condições económicas, por via dos salários mais elevados praticados em Portugal. Mantinha, então, uma relação de união de facto, da qual nasceu, em 2015, o filho DD. Esta companheira manteve-se a residir, com o filho de ambos, na …. AA veio a conhecer CC, com quem estabeleceu vinculo afectivo, com coabitação, em 2018. Desta união nasceu BB, em 2020. No início o relacionamento era ajustado. Veio depois a degradar-se até à respectiva ruptura, sendo que nenhum dos elementos pretende retomá-lo. AA integrou uma fratria de 5 elementos, dos quais se constitui o primogénito. O pai faleceu há cerca de 3 anos, em Portugal. A progenitora regressou à …. Frequentou o ensino no seu país, efectuando o 9.º ano de escolaridade, a obrigatória. Realizou alguns cursos profissionais, na área de design industrial de vestuário, publicidade, manicura/pédicure e bar. Ao longo dos períodos de permanência em Portugal não conseguiu legalizar a respectiva situação, tendo chegado a ter agendada entrevista no, então, SEF, em data anterior à situação de pandemia, Covid 19, à qual faltou. Não reconhece deter problemática alcoólica. (…)”

*

3.2.- Mérito do recurso

Nos presentes autos foi o recorrente condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a) do Cód. Penal:

- na pena de quatro anos de prisão efectiva;

- na pena acessória de proibição de contactos, com afastamento da residência/local de trabalho de CC, pelo período máximo de cinco anos, ficando sujeito à obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;

- na pena acessória de expulsão do território nacional, prevista no art.º 151º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4/07.

O recorrente não discute a matéria de facto apurada na decisão recorrida, nem o seu enquadramento jurídico, pretendendo apenas a redução do período de tempo da pena de prisão que lhe foi aplicada, a suspensão da sua execução e a não aplicação da pena de expulsão.

Alega, para tanto, que:

- já sofreu três condenações, mas por crimes de natureza totalmente distinta do dos autos (crimes de condução em estado de embriaguez e condução sem habilitação legal);

- embora à data da sua detenção se encontrasse desempregado, desempenhou trabalhos agrícolas e na área da construção civil ao longo da sua permanência em Portugal;

- veio para Portugal, país onde já se encontravam os seus irmãos aos quais se juntou e com os quais tem mantido relação de grande proximidade;

- a pena de quatro anos de prisão efetiva mostra-se excessiva e não permite a sua ressocialização, a sua reintegração quer profissional, quer familiar;

- está preso preventivamente desde 20 de outubro de 2024 no Estabelecimento prisional de …, tendo mantido um comportamento pautado pelo respeito das regras institucionais e não houve qualquer notícia de crime posterior à prática do crime pelo qual vem condenado.

Vejamos se lhe assiste razão.

Prevê-se no art.º 152º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal que:

“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…)

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;(…)

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:

a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; (…)

é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. (…)” (sublinhado nosso)

Quanto à determinação da medida da pena, esta deve ser apurada em função dos critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, que são os seguintes:

“ Artigo 71.º - Determinação da medida da pena

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”

Estes critérios devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, onde se estabelece no seu nº 1 que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e no seu nº 2 que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Como se refere no Acórdão do STJ de 28/09/2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, a dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art.º 71º do Cód. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena. Tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão, arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Em síntese, pode dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal, Parte Geral “, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96).

Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182), apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.”

Conforme explicita Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331, o critério geral de escolha entre penas alternativas e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.

Quanto à função que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este autor, in ob. cit., § 500, págs. 332 e 333, que: «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração»

Também neste sentido decidiu o STJ em acórdão datado de 12/09/2012, proferido no processo nº 1221/11.6JAPRT.S1, em que foi relator Raul Borges, in www.dgsi.pt:”A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção. Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, mas e sobremaneira, atender às razões de prevenção geral, que se impõem no caso presente, não sendo excessivo a opção recair na pena privativa de liberdade, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, atendendo ao pleno do comportamento assumido pelo arguido no trecho de vida aqui analisado e valorado, que se não quedou apenas pela prática da infracção ora em equação e em discussão, antes a ultrapassando com uma configuração quantitativa e qualitativamente mais abrangente, bem mais ampla e gravosa em termos de lesividade, privando de vida a ex-companheira. A própria escolha da espécie da pena a aplicar deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.”

No entanto, do que se trata agora é de sindicar as operações feitas pelo Tribunal a quo com essa finalidade. Ainda segundo Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, bem como o desconhecimento ou a errónea aplicação pelo tribunal a quo dos princípios gerais de determinação da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda que está plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção e a determinação do quantum exacto de pena, o qual será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Para este autor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: “Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena”.

Importa, assim, ter em conta que só em caso de desproporcionalidade manifesta na fixação da pena ou de necessidade de correcção dos critérios da sua determinação, atenta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, é que o Tribunal de 2ª Instância deve alterar a espécie e o quantum da pena, pois, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, nada há que corrigir.

Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 11/12/19, proferido no processo nº 4695/15.2T9PRT.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “ A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.”

Também no mesmo sentido se pronunciou José Souto de Moura, in “ A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena, 26 de Abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt, onde defende que: “ Sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado.”

Voltando ao caso dos autos, o acórdão recorrido fundamentou a aplicação ao recorrente da pena de prisão em apreço pela seguinte forma:

“(…) O crime de violência doméstica agravado é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

Assim, há a considerar:

- As fortíssimas exigências de prevenção geral que suscita o crime em apreço, e onde ainda são elevadas as cifras negras, constituindo um verdadeiro flagelo nacional;

- O arguido agiu sempre com dolo, e na sua modalidade mais gravosa (dolo directo), no qual persistiu face à reiteração dos seus comportamentos;

- Quanto ao grau de ilicitude, situa-se num plano elevado, atendendo ao grau de violência física e psíquica infligida, ao tempo por que perdurou esse seu comportamento, e as respectivas motivações, ocorrendo duas circunstâncias agravantes – no domicílio comum e na presença da filha menor;

- Esta sua actuação, conjugada com os antecedentes criminais, revela que estamos perante alguém que tem um problema de adição alcoólica, mas que não o reconhece, como resulta do relatório social;

- As suas condições socioeconómicas, nos termos dados como provados;

- A ausência de qualquer manifestação de arrependimento, ou sequer de interiorização do desvalor das suas condutas.

Por tudo o exposto, considera-se adequada a condenação do arguido na pena de quatro anos de prisão, pena essa que terá de cumprir efectivamente uma vez que à suspensão se opõem as exigências de prevenção geral e, sobretudo, as de prevenção especial, isto porque consideramos existir, pela postura assumida pelo arguido, quer desvalorizando os seus actos, quer negando o problema de adição alcoólica, um elevadíssimo risco de reincidência, com consequências trágicas, atento o crescendo de agressividade e violência física que caracterizou o seu comportamento, risco a que não podemos expor a vítima e que só a prisão pode acautelar.(…)”

Ora, não obstante a argumentação do recorrente, analisada a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo teve em conta todos os factos que o pudessem favorecer e desfavorecer, aplicou correctamente os princípios gerais de determinação da medida da pena, não ultrapassou os limites da moldura da culpa e teve em conta os fins das penas nos quadros da prevenção geral e especial. Em face da matéria de facto apurada, entendemos que a quantificação da pena de prisão não se mostra desproporcionada, nem se mostram violadas as regras da experiência comum, estando as circunstâncias atenuantes e agravantes bem ponderadas, nomeadamente o dolo directo, a ilicitude elevada, as condições de vida do recorrente e os seus antecedentes criminais, que revelam uma dificuldade de inibição para a prática de crimes, ao que temos que acrescentar as prementes exigências de prevenção geral relativas a este tipo de crime em concreto, gerador de grande alarme social e insegurança na comunidade, sobretudo quando associado ao consumo de álcool. Também não releva a argumentação do recorrente no sentido de que não houve qualquer notícia de crime posterior à prática do crime pelo qual vem condenado, porquanto o recorrente está em prisão preventiva, o que não permite retirar conclusões sobre o seu comportamento posterior aos factos como se estivesse em liberdade. Por tudo o exposto, não se justifica a alteração da pena aplicada ao recorrente, a qual ainda se enquadra no limite da culpa, improcedendo nesta parte o seu recurso.

Entende também o recorrente que a pena de prisão em que foi condenado deve ser suspensa na sua execução, porquanto os seus antecedentes criminais são por crimes de natureza diferente do dos autos, podendo ser-lhe aplicada ainda outra pena acessória de cumprimento de determinadas obrigações, nomeadamente a sujeição a tratamento à problemática alcoólica.

Ora, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º, nºs 1, alínea b) e 2, alínea a) do Cód. Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena de quatro anos de prisão efectiva.

Afastada a viabilidade ou possibilidade de aplicação de qualquer outra pena substitutiva ou de um diferente regime de execução da pena de prisão, importa aferir se se verificam os pressupostos em que assenta a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente. Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, há que atentar no disposto no art.º 50º do Cód. Penal, onde se prevê que:

“ 1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 – O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”

Sucede que a suspensão da execução da pena de prisão, enquanto verdadeira pena de substituição, só pode ser aplicada se for possível fazer, à data da decisão, um juízo de prognose favorável de que uma suspensão de pena seja suficiente para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos. Nesse momento não estão em causa considerações sobre a culpa do agente, nem sobre o seu passado criminal, mas sobretudo prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção e de ressocialização do mesmo, a fim de prevenir a reincidência. Importa, pois, determinar se existe, com base nos factos apurados, uma esperança séria de que é possível a socialização do arguido em liberdade e de que o mesmo tem capacidade para se auto-controlar, pautar os seus comportamentos pela obediência às normas jurídicas e evitar o cometimento de novos crimes. Nos termos do art.º 50º do Cód. Penal, a averiguação de tal capacidade deve, no entanto, ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se no momento em que a decisão é tomada, se concluir que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são aptos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, então deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.

Porém, estamos em presença de um crime de violência doméstica, relativamente ao qual as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, decorrentes da sua frequência, consequências nefastas para a vítima, na maior parte das situações, alarme social e censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição séria. Impõe-se, assim, quanto a este tipo de crimes, fazer um juízo de prognose reforçado sobre a capacidade de o arguido, uma vez em liberdade, evitar o cometimento de novos crimes.

A decisão recorrida considerou não ser de suspender a execução da pena aplicada ao recorrente pela postura assumida pelo mesmo, quer desvalorizando os seus actos, quer negando o seu problema de adição alcoólica, o que representa um elevadíssimo risco de reincidência, atento o crescendo de agressividade e violência física que caracterizou o seu comportamento, ao qual não se pode expor a vítima e que só a prisão efectiva permite acautelar. Com efeito, no caso dos autos a personalidade violenta revelada pelo recorrente, a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento ou juízo crítico acerca da gravidade da sua conduta e o não reconhecimento do seu problema aditivo de álcool não permitem que se efectue qualquer juízo de prognose favorável de que a suspensão da execução da pena, mesmo que sujeita a deveres/regras de conduta, o iria demover de prosseguir a sua conduta criminosa. Estas fortes exigências de prevenção especial, aliadas àquelas de prevenção geral sobejamente conhecidas, obstam a que se opte pela suspensão da execução da pena e impõem o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada. A isto acresce que o grupo de factos praticados pelo recorrente a 1/09/24 o foi durante o período de suspensão da execução da pena de prisão anteriormente aplicada, o que demonstra que o mesmo não interiorizou de forma consistente a advertência contida na anterior condenação, a qual não teve a virtualidade de o afastar da prática de novos crimes. Em face de tudo o exposto, entende-se que as finalidades da punição no caso concreto não se satisfazem com mais uma suspensão da execução da pena nos termos requeridos, impondo-se julgar também neste tocante improcedente o recurso.

Relativamente à pena de expulsão invoca o recorrente que a mesma coarta o seu direito ao convívio com a sua filha menor e que deixará também de poder conviver com outros familiares, nomeadamente irmãos que se encontram a residir em Portugal.

Invoca ainda a nulidade da decisão recorrida, nos termos do art.º 379º, nº 1, c) do Cód. Proc. Penal, por falta de fixação do quantum da pena acessória de expulsão que lhe foi aplicada, em violação do exigido pelo art.º 157º da Lei nº 23/2007, de 4/07.

Apreciemos a sua pretensão.

Quanto aos requisitos da sentença, dispõe o art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. (…)” A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; - Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. Segundo o art.º 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo diploma, é nula a sentença penal quando não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º ou quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Quanto à nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal, entendemos que a sentença ou o acórdão só têm que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, ou seja sobre as questões, de facto ou de direito, com incidência ou impacto directo, positivo ou negativo, na decisão. Tais questões só podem ser as que são colocadas expressamente pelos intervenientes e as de conhecimento oficioso, nisto consistindo o thema decidendum (cf. neste sentido, Fernando Gama Lobo, in “ Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, Almedina, pág. 860).

Relativamente à pena acessória de expulsão, a mesma tem a natureza de uma verdadeira pena, conforme o expressamente previsto no art.º 151º da Lei nº 23/2007 de 04-07-2007, que estabelece o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, onde se pode ler que: “1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses. 2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional. 4 - Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão. 5 - O juiz de execução das penas pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta e desde que esteja cumprida metade da pena de prisão.”

Quanto ao conteúdo da decisão que aplique uma pena de expulsão, estabelece o art.º 157º do mesmo diploma que: “ 1 - A decisão judicial de expulsão contém obrigatoriamente: a) Os fundamentos; b) As obrigações legais do expulsando; c) A interdição de entrada e de permanência em território nacional e de recusa de entrada e permanência no território dos Estados membros da União Europeia e no dos Estados onde vigore a Convenção de Aplicação, quando aplicável, com a indicação dos respetivos prazos; d) A indicação do país para onde não deve ser encaminhado o cidadão estrangeiro que beneficie da garantia prevista no artigo 143.º 2 - A execução da decisão implica a inscrição do expulsando, no SIS e no Sistema Integrado de Informação UCFE pelo período de interdição de entrada e de permanência, nos termos do disposto no artigo 33.º-A. 3 - A inscrição no Sistema de Informação Schengen é notificada ao expulsando pela força de segurança que proceder à execução da decisão.” (sublinhado nosso) O prazo e o âmbito territorial do dever de abandono e da interdição de entrada e de permanência, vêm previstos no art.º 144º do diploma nos seguintes termos: “ 1 - Ao cidadão estrangeiro sujeito a decisão de afastamento é vedada a entrada e a permanência em território nacional por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional. 2 - A medida de recusa de entrada e de permanência é graduada a partir da mera permanência ilegal e pode ser agravada atento o período da estada não autorizada, quando, com a permanência ilegal se afira: a) A violação dolosa das normas aplicáveis em matéria de entrada e permanência; ou b) A prática de ilícitos criminais ou a violação grave dos deveres inerentes às medidas de coação enumeradas no artigo 142.º; ou c) Que o cidadão estrangeiro tenha sido sujeito a mais do que uma decisão de retorno ou tenha entrado em violação de indicação de recusa de entrada e permanência; ou d) A existência da ameaça referida no número anterior. 3 - Quando o cidadão estrangeiro não esteja habilitado, por qualquer forma, a permanecer no território dos Estados membros da União Europeia e no dos Estados onde vigore a Convenção de Aplicação, o dever de abandono, o afastamento ou a expulsão e a indicação de recusa de entrada e de permanência abrangem também o território daqueles Estados, devendo a especificação do âmbito territorial da medida de interdição constar expressamente das notificações legalmente previstas para o respetivo procedimento.” (sublinhado nosso)

Quanto à determinação da medida da pena de explusão, esta, como verdadeira pena que é, deve também ser apurada em função dos critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, os quais devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, como supra referido.

Voltando ao caso dos autos, o acórdão recorrido fundamentou a aplicação ao recorrente da pena de expulsão em apreço pela seguinte forma:

“(…) Conforme resultou provado, o arguido entrou e permanece ilegalmente em território nacional, não tendo autorização de residência, sequer visto de entrada.

Tem uma filha nascida em Portugal, mas que não está a seu cargo nem é responsável por assegurar o respectivo sustento e educação. Ou seja, não existe qualquer circunstância que constitua limite à expulsão, nos termos do disposto no art. 135º do mesmo diploma legal.

Assim, em face da gravidade do crime cometido, do alarme social que o mesmo gera, e da medida concreta da pena aplicada, impõe-se a condenação do arguido na pena acessória de expulsão.(…)”

Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo ponderou bem os critérios de aplicação da pena acessória de expulsão, não só relativamente à gravidade do ilícito praticado pelo recorrente, como ao facto de o mesmo se encontrar em situação ilegal em Portugal e não ter a sua filha menor, aqui residente, a seu cargo, factualidade esta que o recorrente não impugnou.

Porém, aquele Tribunal nada disse sobre o limite temporal da pena de expulsão aplicada ao recorrente, quando a tal estava obrigado, o que configura efectivamente uma omissão de pronúncia que gera a nulidade da decisão, mas apenas neste segmento. Esta nulidade pode, no entanto, ser suprida por este Tribunal de recurso, nos termos previstos nos arts.º 379º, nº 2 e 414º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, porquanto o recorrente não impugnou a matéria de facto fixada e esta matéria assim o permite.

Da factualidade apurada resulta que:

- os factos praticados pelo recorrente são muito graves;

- não obstante o recorrente ter uma filha em Portugal, apurou-se que:

“32. Sempre que estava alcoolizado, o que era muito frequente, o arguido falava aos gritos com filha.

33. Sempre que o arguido agrediu a ofendida estava visível e consideravelmente embriagado.

34. O arguido nunca se coibiu de levar a cabo as suas condutas na presença da sua filha de apenas quatro anos.

36. Os factos descritos foram sempre praticados pelo arguido dentro da residência do casal.

37. Tais comportamentos reiterados do arguido fizeram e com que a ofendida vivesse num ambiente de terror na sua própria casa e fora dela, vivendo constantemente com medo do que o arguido pudesse fazer-lhe não só contra a sua integridade física, liberdade pessoal e mesmo vida, mas também da sua filha de quatro anos.

38. Assim como sujeitou a sua filha de quatro a assistir a actos de extrema violência contra a mãe.”;

- a filha do recorrente não se encontrava aos seus cuidados à data da detenção;

- o recorrente reside em Portugal há cerca de seis anos e meio e ainda não é titular qualquer tipo de autorização para permanecer e residir em território nacional;

- o recorrente já sofreu três condenações anteriores;

- a progenitora do recorrente regressou à …;

- o recorrente não reconhece deter problemática alcoólica.

Em face desta factualidade, verifica-se que a permanência do recorrente em Portugal constitui efectivamente uma ameaça grave para a ordem e segurança públicas, porquanto o mesmo revela uma dificuldade de contenção de impulsos, o que, aliado ao consumo excessivo de álcool, pode potenciar a prática de novos crimes, não tendo a presença da filha menor constituído um factor inibitório da prática do crime em apreço nos autos.

Em face do exposto, entende-se fixar em cinco anos o prazo da pena de expulsão do território nacional aplicada ao recorrente.

No mais, mantém-se integralmente a decisão recorrida, a qual não padece de qualquer outra nulidade, nem de vício previsto no art.º 410º do Cód. Proc. Penal, não resultado também da mesma a violação de qualquer preceito legal ou constitucional, designadamente os invocados pelo recorrente.

*

4. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente AA, e, em consequência:

- declaram a nulidade parcial do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nulidade esta que sanam, condenando o recorrente AA na pena acessória de expulsão do território nacional pelo prazo de cinco anos, prevista no art.º 151º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4/07;

- no mais consideram improcedente o recurso e mantêm integralmente a restante parte decisão recorrida.

Sem custas (art.º 513º, nº 1 do Cód. Proc. Penal).

Évora, 30 de Setembro de 2025

(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)

Carla Francisco

(Relatora)

Maria Clara Figueiredo

Mafalda Sequinho dos Santos

(Adjuntas)