I – Os pressupostos para o decretamento da providência de suspensão de deliberações sociais são a qualidade de sócio do requerente, a existência de uma deliberação tomada por uma associação ou sociedade que seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato e a suscetibilidade de a execução dessa deliberação causar dano apreciável.
II - O requerente da providência deve fazer prova cabal de que a execução da deliberação social antes da decisão da ação principal é suscetível de causar à sociedade ou a si, enquanto sócio, um dano juridicamente atendível (mas não necessariamente grave e dificilmente reparável, nos termos exigidos nas providências cautelares comuns).
III – O aviso convocatório tem que conter, de modo claro e elucidativo, as matérias concretas sobre que vão incidir as deliberações em Assembleia Geral, de forma a habilitar os sócios a prepararem as discussões e o seu sentido do voto em tais deliberações, na defesa do interesse societário e/ou dos seus interesses individuais.
Comarca: [Juízo de Comércio de Amarante (J2); Comarca do Porto Este]
Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista
Juiz Desembargador Adjunto: Rodrigues Pires
Juiz Desembargador Adjunto: João Diogo Rodrigues
SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ..., vieram instaurar a presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais contra “A..., LDA.”, sociedade comercial com sede na Rua ..., Penafiel, pedindo que seja decretado a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da Requerida de 15 de março de 2025, pelas catorze horas, com todas as necessárias e legais consequências, incluindo que a Requerida se abstenha de diligenciar a prática de quaisquer atos de execução das mesmas.
Alegam, em síntese, a Requerida é uma sociedade comercial por quotas constituída em 22 de janeiro de 2024, tendo quatro sócios: os Requerentes, irmãos entre si, e CC e DD, respetivamente pai e filho entre si, e respetivamente seu Solicitador e seu Advogado.
Dizem que CC e DD lograram convencê-los a constituir a sociedade Requerida, dividindo o capital social e a gerência em partes iguais.
Expõem que, aquando da constituição da sociedade Requerida, CC
e DD minutaram ainda duas minutas de escritos particulares com o mesmo objeto, denominados, respetivamente, “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” e “Contrato Promessa com Clausula de Compensação Futura”.
Concretizam que segundo o escrito particular “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” eles supostamente prometiam vender à Requerida dois prédios rústicos e “em troca” receberiam “uma fração futura do tipo T2, aquando da aprovação do projeto na Câmara”. Bem como que de acordo com o outro escrito particular, denominado “Contrato Promessa com Clausula de Compensação Futura”, eles supostamente prometiam vender à Requerida os mesmos dois prédios rústicos acima identificados “em troca” de “uma participação correspondente a 10% da área bruta de construção que venha a ser aprovada para os prédios suprarreferidos, na proporção de 5% para cada um”, as “últimas que restarem do empreendimento” e “após a venda de todas as outras unidades”.
Declaram que entre a prestação assumida por si e a prestação assumida pela Requerida, especialmente pelos seus sócios CC e DD, existe um enorme e evidente desfasamento, porquanto eles entraram para o negócio com €5.000,00 cada para o capital social da Requerida, mas (teórica e supostamente) também com dois prédios rústicos com uma área de 14079m2 avaliados em cerca de €3.000.000,00, enquanto, por seu lado, os sócios CC e DD, entraram apenas com €5.000,00 cada para o capital social da Requerida.
Advogam que, caso os apelidados “contratos promessa” se concretizassem, os sócios CC e DD obteriam, para si, um benefício claramente excessivo por comparação à prestação devida por i, no âmbito do negócio em questão nos autos – circunstâncias estas que os sócios DD e CC conheciam e não tinham como ignorar, e das quais se aproveitaram para obter para si benefícios excessivos.
Declaram que CC e DD agiram neste negócio como Solicitador e Advogado, respetivamente, mas também como sócios e parte contrária e que, por outro lado, eles, à data com 21 e 26 anos de idade, não tinham qualquer experiência de negócios.
Defendem que aqueles, que supostamente deveriam aconselhar e defender os seus interesses, exploraram a sua situação de fragilidade e, naturalmente, da sua inexperiência na relação negocial, para, desse modo, obter um benefício totalmente injustificado.
Mais alegam que tomaram conhecimento da Ata da assembleia geral em questão nos presentes autos, e que alegadamente teve lugar no dia 15 de março de 2025, na sede social, pelas catorze horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Análise e deliberação sobre a conduta do sócio-gerente AA, nomeadamente as suas implicações jurídicas e financeiras para a sociedade;
2. Discussão e adoção de medidas para assegurar o comprimento do contrato promessa, prevenindo responsabilidades e prejuízos para a sociedade;
3. Deliberação sobre a eventual instauração de ação judicial contra o sócio-gerente, em razão do bloqueio da celebração do contrato definitivo;
4. Deliberação sobre a destituição do sócio-gerente AA, ao abrigo do artigo 64.° do Código das Sociedades Comerciais, por conduta lesiva aos interesses da sociedade;
5. Discussão de outros assuntos de relevante interesse para a sociedade.”.
Dizem que as deliberações em apreço não foram tomadas com a sua regular convocação, como sócios.
Concretizam que o sócio-gerente DD convocou, em 21.02.205, por carta registada, uma assembleia geral da Requerida para o dia 01.03.2024, convocatória esta que enfermava de um lapso evidente, pois designava uma data ultrapassada para a realização da assembleia geral.
Acrescentam que o mesmo sócio-gerente DD limitou-se a remeter uma nova carta a designar a data de 15.03.2025 para a realização da assembleia geral, omitindo todos os demais elementos, designadamente a ordem do dia.
Mais defendem que o conteúdo das deliberações aprovadas naquela assembleia geral contraria ostensivamente os bons costumes, assim como preceitos legais imperativos, face ao conteúdo dos indicados contratos, nos termos acima referidos.
Invocam também que o ponto n.º 2 da ordem de trabalhos da convocatória não identifica qual o contrato promessa em questão.
Suscitam igualmente que, ainda que os contratos-promessa referidos consubstanciem um negócio determinável, estaria sempre em causa um claro caso de celebração de um negócio celebrado por Advogado e Solicitador com os seus clientes, nos termos e para os efeitos do artigo 100.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Advogam ainda que a destituição de um dos Requerentes da gerência da Requerida, qual manobra de chantagem utilizada para compelir aquele ao cumprimento de um negócio manifestamente desproporcional, encurralando-os entre a opção de cumprir um negócio escandalosamente danoso, obtido única e exclusivamente em consequência do aproveitamento da sua inocência, falta de experiência, mas também da confiança depositada, de forma enganosa, no seu Advogado e no seu Solicitador, DD e CC, viola o princípio da boa-fé, consubstanciando os contratos promessa um estratagema para prejudicar os Requerentes, por si representados.
Defendem que os contratos promessa celebrados são nulos, à luz dos artigos 280.º, n.º 2 e 281.º, ambos do Código Civil.
Mais defendem que, caso se entenda que o conteúdo das deliberações em apreço não ofende os bons costumes, as mesmas deliberações são anuláveis, por serem apropriadas a satisfazer o propósito de dois sócios conseguirem, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si, em prejuízo de outros sócios.
Também que, para a mera hipótese de se poder vir a considerar que os negócios acima descritos não foram usurários, sempre terá de entender-se que o comportamento do sócio-gerente DD e de seu Pai, CC, configura um flagrante abuso de direito.
Em sede de periculum in mora alegam que a execução desta deliberação social resultará em prejuízos para ambos, como sócios, como até para a própria Requerida, na medida em que a mesma foi aprovada, priorizando tão-só os interesses pessoais do sócio-gerente da Requerida/advogado dos Requerentes DD e seu Pai, CC.
Concretizam que se viram envolvidos num negócio danoso para o seu património, pelo qual seria suposto receber uma contrapartida evidentemente inferior à prestação que ofereceram.
Bem como que são já antecipáveis os danos – patrimoniais e morais – sofridos pelos si, fruto daqueles negócios e agravados pelo conteúdo destas deliberações sociais.
Concluem que a única forma de impedir os propósitos dos indicados sócios e os subsequentes danos é a suspensão imediata das deliberações que tomaram na assembleia geral em causa nos presentes autos.
A Requerida veio apresentar oposição, aceitando a constituição da sociedade e a celebração dos negócios jurídicos referidos no requerimento inicial.
Exceciona que não existe uma relação de interdependência entre a Providência Cautelar e a Ação Principal (Processo n.º ..., que corre termos junto do Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este), já que as duas têm objetos distintos, na medida em que a primeira visa a Suspensão de uma Deliberação Social e a segunda visa a Declaração de Nulidade ou Anulação dos Contratos-Promessa celebrados.
Defende estarmos perante uma exceção dilatória, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
Mais excecionam verificar-se uma exceção dilatória de Impropriedade do Meio Processual, na medida em que a Providência Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais visa obter a Suspensão de Eficácia de Deliberações Sociais contrárias à Lei, aos Estatutos ou ao Contrato, sendo que o centro da proteção de interesses que esse meio processual visa acautelar são os interesses da Sociedade e não os interesses de algum dos seus Sócios individualmente considerados, como os Requerente aqui pretendem.
Excecionam ainda a existência de uma situação processual de ilegitimidade ativa, por que os Requerentes estão a agir em juízo não na qualidade de Sócios, mas sim na qualidade de Promitentes-Vendedores no âmbito dos Contratos-Promessa celebrados, sendo terceiros relativamente à Sociedade.
Contrapõe, com particular relevo, que a constituição da sociedade foi feita de forma igualitária, assumindo os quatro Sócios a mesma percentagem do Capital Social e ficando dois sócios como Gerentes, precisamente o Sócio AA e o Sócio DD.
Também que o negócio que os sócios pretenderam conjuntamente levar a cabo – de forma livre, espontânea, voluntária e esclarecida – passava pela conversão de dois Prédios Rústicos dos sócios AA e BB em prédios urbanizáveis, para aí ser promovido o Licenciamento de Habitação Coletiva, em Regime de Propriedade Horizontal, e, ato contínuo, ser construído o respetivo empreendimento.
Alega que a obrigação assumida pelos sócios CC e DD foi claramente desproporcional em prejuízo destes, na medida em que recaía sobre eles as principais obrigações (e encargos) associadas ao que era pretendido pelos Sócios AA e BB, cabendo-lhes o trabalho de conseguir as aprovações necessárias para a construção do empreendimento, as burocracias bancárias para financiar essa construção, bem como promover as vendas, tendo direito a 25% cada um dos proventos/lucros da comercialização/exploração que a sociedade viesse a fazer do empreendimento que iria ser edificado nesses prédios, mas ficando os direitos às frações a construir em exclusivo para os sócios AA e BB.
Mais contrapõe que os prédios apenas terão o valor de € 3.000.000,00 caso aí se possa construir um empreendimento.
Afirma que, não obstante a missiva de 21/02/2025 conter um manifesto lapso de escrita ao referir que a Assembleia Geral de Sócios se realizaria em “01.03.2024”, a verdade é que, subsequentemente, foi enviada retificação dessa Convocatória, referindo a “a data correta é 15 de março de 2025” e indicando, de forma clara, que se mantinha inalterada a Ordem de Trabalhos.
Diz que os, alegados, “danos e prejuízos” invocados pelos Requerentes não são prejuízos da Sociedade Requerida, nem seus na qualidade de Sócios, mas sim prejuízos que estes invocam na qualidade e enquanto pessoas singulares, desprovidas das suas vestes de sócios.
Defende ser manifesto que não se verifica o requisito/pressuposto do periculum in mora, como, ainda, é evidente que serão superiores os prejuízos que resultarão da concessão da presente Providência Cautelar face aos que resultarão da sua recusa.
Conclui pedindo que sejam julgadas procedentes, por provadas, as exceções dilatórias invocadas, conducentes à absolvição da Requerida da instância. Ou, caso assim não se entenda, pedindo que a presente Providência Cautelar seja julgada improcedente, por não provada.
Notificados para o efeito, os Requerentes vieram responder às matérias de exceção, impugnando as respetivas matérias de facto alegadas para o efeito.
Em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, entre o mais, julgou-se improcedente a exceção da ilegitimidade ativa e considerou-se que a falta de correspondência entre esta Providência Cautelar e a Ação Principal já proposta não releva, por os Requerentes poderem intentar nova ação no prazo legal.
Proferiu-se decisão final, com a seguinte parte decisória: “Termos em que se decide:
i.- julgar o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social parcialmente procedente e, consequentemente, ordenar a imediata suspensão das deliberações sociais identificadas nos pontos 2 e 3 tomadas em assembleia geral de acionistas da sociedade requerida a 15 de março de 2025.
ii. – improceder o demais.”
Inconformada com esta decisão, a Requerida “A..., LDA.” interpôs o presente recurso, pedindo que seja revogada a decisão final proferida, sendo substituída por outra que determine a total improcedência da Providência Cautelar requerida, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
Os Requerentes vieram apresentar contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, rematando com as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
Como questão prévia, cumpre referir que a Recorrente, depois de pedir a modificação da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas, diz impugnar outros factos “que não foram elencados de forma clara nos “Factos Provados” na Sentença em apreço, mas que aí se assumem como relevantes”, pedindo que os mesmos sejam “corrigidos”.
Estes por si invocados “factos” são tão-só os argumentos apresentados pelo tribunal recorrido em sede de fundamentação de facto, como justificação para considerar um conjunto de factos como indiciariamente provados e outros como indiciariamente não provados.
Em sede de recurso, as partes podem legalmente impugnar o julgamento dos factos e, num segundo momento, a fundamentação de Direito.
Obviamente que a impugnação do julgamento dos factos dados como provados e/ou não provados contende necessariamente com a forma como o tribunal recorrido fundamentou esse julgamento factual.
No entanto, não é legalmente admissível, nem sequer útil, impugnar diretamente os argumentos utilizados nesta fundamentação de facto.
O tribunal de recurso analisa os factos à luz das provas produzidas, alterando-os se assim entender, ficando, nesta situação, prejudicada a fundamentação de facto do tribunal de 1.ª Instância.
Não se atenderá, consequentemente, à alegada “impugnação” dos factos “que não foram elencados de forma clara nos “Factos Provados” na Sentença em apreço, mas que aí se assumem como relevantes”.
Ultrapassada esta questão prévia, as questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
- Nulidade da decisão recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- Modificação da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas;
- Legalidade da convocatória para a Assembleia Geral enviada aos Requerentes e
- Existência de periculum in mora.
A Recorrente, no final das conclusões de recurso, vem suscitar uma nulidade da decisão recorrida, nos seguintes termos:
“Por fim, no segundo segmento decisório, o Tribunal A Quo decidiu que “Com efeito, para além das obrigações assumidas pelos requerentes com a assinatura dos contratos promessa serem manifestamente desproporcionadas com as obrigações assumidas pelos sócios DD e CC, uma vez que relativamente a estes últimos apenas se mostra indiciariamente provado que entraram com o valor do capital social referente às quotas dos mesmos, ao passo que os requerentes, para além deste capital social, assumiram as obrigações decorrentes dos contratos promessa acima escalpelizados, o que os coloca numa situação desfavorável, importa dizer que a indefinição dos contratos acima adiantada é danosa para os mesmos, que facilmente poderão ficar à mercê de interpretações diversas daqueles documentos.”
Sendo que da Matéria de Facto Provada, não resulta qualquer facto que permita concluir como concluiu o Tribunal de 1.ª instância, ao invés, a Testemunha EE invalida este entendimento do Tribunal – vide minutos 00:12:20 a 00:12:59 do seu depoimento.
O mesmo emergindo dos factos aditados como “FACTOS PROVADOS 21 e 22”, e consequentemente, a Conclusão quanto a esta matéria tem, necessariamente, que ser distinta daquela que foi alcançada pelo Tribunal de 1.ª instância.
Por fim, quanto à alegada, “indefinição dos contratos acima identificados”, não existe nos autos qualquer elemento do qual se possa retirar essa indefinição, pelo que a Sentença é aqui nula em face do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.”
Decorre do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do CP Civil que a sentença é nula – entre o mais – quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Tratam-se de vícios de natureza formal e não substancial.
Concretizando: ocorre uma situação de nulidade quando os fundamentos de facto e/ou de direito, de forma clara e evidente, não são passíveis de logicamente conduzir à decisão concreta escolhida.
Por outro lado, os vícios da ambiguidade ou obscuridade estão presentes sempre que a sentença seja ininteligível para um destinatário médio. O regime legal atual, em superação restritiva do regime legal do CP Civil anterior, prescreve que a obscuridade e ininteligibilidade só são relevantes se e quando gerarem ininteligibilidade da decisão.
Explica, a este propósito, Pais do Amaral[2] que "(...) a sentença tem de ser entendida pelos destinatários. Doutro modo, de nada lhes servirá. Por isso, a sentença tem de ser clara, de forma que na sua interpretação se não hesite entre dois sentidos e se conheça claramente o seu alcance."
No caso em apreciação, entendemos não se verificar nenhuma das contradições alegadas nem qualquer ambiguidade, vício este final que não está sequer cabalmente invocado (sendo de presumir que será “apenas” decorrente da verificação das contradições suscitadas).
Com efeito, a decisão final alude ao teor dos contratos dos autos e, logo em sede de fundamentação de facto, refere-se às diferenças entre os dois contratos outorgados e às incompatibilidades entre si, o que redunda necessariamente numa indefinição da situação.
Aí se conclui que “Acresce que, não é percetível a que título receberão os requerentes uma fração T2 ou 10% do que será construído. Por fim, não se percebe se estas compensação são cumulativas ou se apenas receberão uma fração T2, ou os 10%.”
Em nenhum passo desta decisão final se apresentam argumentos contraditórios com esta indefinição.
Além disso, como é evidente, o teor dos depoimentos das testemunhas, por si só, não colide com a apreciação jurídica da causa (sendo, “apenas” anteriormente, fundamento para a respetiva decisão de facto).
Por fim, a pretendida introdução de novos factos no elenco dos Factos Provados será oportunamente apreciada.
Indefere-se, assim, a nulidade apontada à decisão recorrida.
Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CP Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
A Recorrente pretende que a matéria de factos do Item 4)[3] seja reformulada, passando a constar que “O Sócio da Requerida CC prestou, ao longo dos anos, os seguintes Serviços Jurídicos aos Pais dos Requerentes e aos Requerentes: 1. Aconselhamento num processo de expropriação; 2. Um registo automóvel; 3. Um contrato de arrendamento; 4. Uma declaração de imposto de selo após o falecimento da mãe dos Requerentes; 5. Uma habilitação de herdeiros; 6. Um contrato promessa de compra e venda (CPCV).”
Mais pretende que a matéria de facto do Item 8), alínea ii)[4], seja reformulada nos seguintes termos: “Os Sócios DD e AA, entre si, e de comum acordo, concordaram na constituição de uma Sociedade.” e “O negócio previa a transmissão de dois prédios rústicos com uma área de 14.079 m², tendo sido alegado um valor estimado de €2.700.000,00 por estudo informal apresentado pelos Requerentes.”
Pretende também que a matéria de facto do Item 10)[5] transite para o elenco dos Factos não provados.
Mais pretende que a matéria de facto da alínea e) dos Factos não provados[6] passe a considerar-se provada, além de complementada com a seguinte matéria factual: FACTO PROVADO 21: “Os Requerentes acordaram receber como compensação 10% do total da construção futura da sociedade, estimando-se cerca de 84 frações, e a menção a uma fração T2 em contrato distinto teve apenas finalidade fiscal.”
Finalmente pretende que a matéria de facto da alínea g)[7] dos Factos não provados transite para o elenco dos Factos Provados.
Analisando cada um dos pedidos parcelares separadamente, temos que a Recorrente pretende que a matéria de factos do Item 4) seja reformulada, passando a constar que “O Sócio da Requerida CC prestou, ao longo dos anos, os seguintes Serviços Jurídicos aos Pais dos Requerentes e aos Requerentes: 1. Aconselhamento num processo de expropriação; 2. Um registo automóvel; 3. Um contrato de arrendamento; 4. Uma declaração de imposto de selo após o falecimento da mãe dos Requerentes; 5. Uma habilitação de herdeiros; 6. Um contrato promessa de compra e venda (CPCV).”
Sustenta que a prova produzida não permite a consagração de um Facto Provado tão abrangente como este, já que ao contrário do que aí se entende, os serviços prestados foram pontuais, esparsos no tempo, e absolutamente comuns e triviais do ponto de vista técnico e jurídico.
Pede que a matéria em causa seja reformulada para refletir a verdadeira natureza residual e episódica da relação profissional existente.
Tendo, desde logo, por pressuposto que a Requerida aceita que, durante vários anos, foram prestados serviços jurídicos aos pais dos Requerentes e, depois, a estes, deve complementarmente ter-se em conta que o Requerente, em declarações de parte, depôs sobre esta realidade, concretizando-a.
Acresce que os documentos 4, 5 e 6 juntos com o requerimento inicial provam um conjunto de serviços jurídicos prestados pelo indicado Solicitador e/ou colegas de escritório, nomeadamente – e tal como se refere no Item em causa – elaboração de contratos, registos automóveis e declarações de imposto de selo.
Mantém-se, pois, a redação do Item em causa, alterando-se apenas o adjetivo “longos” para “vários”, por se tratar de palavra mais objetiva.
Pretende a Recorrente que que a matéria de facto do corpo do Item 8) e alínea ii) seja reformulada nos seguintes termos: “Os Sócios DD e AA, entre si, e de comum acordo, concordaram na constituição de uma Sociedade.” e “O negócio previa a transmissão de dois prédios rústicos com uma área de 14.079 m², tendo sido alegado um valor estimado de €2.700.000,00 por estudo informal apresentado pelos Requerentes.”
Refere que esta factualidade assentou exclusivamente numa referência indireta feita pela testemunha FF, que relatou uma conversa informal, mas ambígua e insuficiente para sustentar, com segurança, a conclusão de que a iniciativa partiu do sócio DD.
Invoca, em sua defesa, as declarações do próprio Requerente AA que alegadamente terão confirmado esta factualidade.
Analisadas as declarações de parte do Requerente AA, verifica-se que o mesmo referiu expressamente reportando-se ao sócio DD: “propôs-me negócio.”, repetindo mais à frente “Nunca tive a iniciativa do negócio” (sic).
A testemunha FF, amigo dos Requerentes, confirmou esta “ tese, explicando ter estado num jantar com o Requerente e com o sócio DD, em que este falou minuciosa e entusiasticamente sobre o negócio que iam encetar, resultando evidente ter sido este último quem apresentou o modelo de negócio àquele.
Com base nestes elementos probatórios, mantém-se a primeira parte do Item 8).
Quanto ao valor dos prédios rústicos, a Recorrente advoga que o mesmo carece de qualquer base técnica ou pericial idónea nos autos, já que o único valor apresentado resulta de um “estudo informal” feito por um conhecido do Requerente, sem competência profissional comprovada na área da avaliação imobiliária, nem qualquer independência funcional.
Acrescenta que, além disso, esse mesmo próprio estudo não aponta um valor de € 3.000.000,00, mas sim de € 2.700.000,00, sendo esta discrepância injustificadamente arredondada em desfavor da Requerida.
Sobre esta matéria temos como elemento de prova a avaliação dos terrenos elaborada pelo Engenheiro Civil GG, bem como o seu depoimento prestado em audiência de julgamento. Este, em sede de julgamento, depôs sobre as características dos terrenos em causa e sobre os critérios por si utilizados para efetuar tal avaliação.
Não temos qualquer motivo que sequer indicie que esta avaliação tenha sido realizada de forma parcial ou de forma incompetente.
Entendemos, assim, dever compatibilizar o resultado desta avaliação com o teor do Item 13) – onde se refere que os prédios têm um valor superior a € 2 500 000,00 – alterando o valor em causa para um “valor aproximado de € 2 700 000,00”.
Pretende também a Recorrente que a matéria de facto do Item 10) transite para o elenco dos Factos não provados.
Sustenta que este facto é manifestamente contraditório, ao afirmar que o Requerente AA apresentou aos “Requerentes” dois Contratos, constituindo ele próprio um dos Requerentes.
Também que das declarações do Requerente AA resulta que apenas participou na criação da sociedade como parte interessada e não como alguém que estivesse a apresentar o projeto a terceiros, nem tal resulta da prova produzida.
A mera leitura do teor deste Item 10) revela conter um mero lapso de escrita ao referir “DD, e AA” quando pretendia referir “DD, e CC”, lapso este que cumpre retificar.
Ultrapassada esta questão formal, entendemos dever manter esta matéria como indiciariamente provada com base no teor dos contratos promessa juntos aos autos, na consideração de que os mesmos foram assinados na mesma data em que foi constituída a sociedade, nas declarações do Requerente nos termos acima expostos e, em especial, ao referir que foram os sócios DD e pai quem elaboraram as minutas dos contratos e as apresentaram apenas para assinatura e nas declarações da Requerente BB que confirmou desconhecer o conteúdo dos documentos que assinou (declarando “Nós reunimos, constituímos a sociedade e assinamos os contratos.” (…) “Eu mal li.” (…) “Confiava neles” – sic).
Tal como afirmam os Recorridos nas suas contra-alegações, as dificuldades patentes na explicação do projeto negocial em apreço evidenciam a falta de compreensão e de conhecimento claro do seu conteúdo em grau que obsta a que se afirme estarem os Requerentes suficientemente esclarecidos aquando da sua celebração.
Mais pretende a Recorrente que a matéria de facto da alínea e) dos Factos não provados passe a considerar-se provada, além de complementada com a seguinte matéria factual: FACTO PROVADO 21: “Os Requerentes acordaram receber como compensação 10% do total da construção futura da sociedade, estimando-se cerca de 84 frações, e a menção a uma fração T2 em contrato distinto teve apenas finalidade fiscal.”
Pretende finalmente que a matéria de facto da alínea g) dos Factos não provados transite para o elenco dos Factos Provados.
Entende que estes termos do negócio resultam patentes das declarações do Requerente AA, tendo ainda este confirmado que havia uma divisão clara, ainda que informal, de tarefas entre os sócios.
Das declarações dos Requerentes – em termos já analisados acima – apenas resultou que o negócio que eles pretendiam levar a cabo passava pela conversão de 2 (dois) prédios rústicos dos Sócios AA e BB em Prédios Urbanizáveis, para aí ser promovido o Licenciamento de Habitação Coletiva, em Regime de Propriedade Horizontal, e, ato contínuo, ser construído o respetivo Empreendimento.
Contudo, e tal como resulta da exposição antecedente, a forma concreta apresentada pelos sócios DD, e CC para concretização deste negócio foi “aceite” e “assinada” pelos Requerentes sem análise prévia, acordo ou pelo menos consciência dos respetivos termos.
Deve, assim, adicionar-se aos Factos indiciariamente provados que “O negócio que os Requerentes e DD e CC pretendiam levar a cabo passava pela conversão de 2 (dois) prédios rústicos dos Sócios AA e BB em Prédios Urbanizáveis, para aí ser promovido o Licenciamento de Habitação Coletiva, em Regime de Propriedade Horizontal, e, ato contínuo, ser construído o respetivo Empreendimento.”
Quanto aos pretendidos aditamentos dos Itens 21) e 22), repetimos que foram patentes nas declarações dos Requerentes as dificuldades na concretização do projeto negocial escolhido.
Em concreto, não souberam concretizar com precisão e clareza as contrapartidas que receberiam pela transmissão dos ditos prédios rústicos nem as obrigações assumidas pelos sócios CC e DD, para além da quota com que ficaram de entrar para a sociedade.
Acresce - como razão explicativa para este desconhecimento - que parte das testemunhas ouvidas explicaram, de forma coincidente, que os Requerentes, à data da constituição da sociedade, eram jovens, não estavam habituados a celebrar negócios com esta complexidade e estavam bastante fragilizados com a recente morte da sua mãe.
Com particular relevo, a testemunha HH, amigo dos Requerentes, declarou “O estado emocional deles não era o mais agradável” e “Não têm experiência nenhuma” de negócios (sic) e a testemunha FF, amigo do Requerente desde a infância, disse “Estavam bastante fragilizados”.
Mantêm-se, consequentemente, os factos não indiciariamente provados nos termos elencados na decisão recorrida e indeferem-se os aditamentos propostos.
A conclusão final é, portanto, a da parcial procedência deste fundamento de recurso.
São os seguintes os factos dados como indiciariamente provados na decisão final recorrida, com as alterações por nós introduzidas:
1) A Requerida é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 22 de janeiro de 2024, e que tem quatro sócios: AA e BB, aqui Requerentes, e irmãos entre si, e CC e DD, respetivamente pai e filho, entre si, detendo cada um dos sócios uma quota no valor de 5000,00€.
2) À data da constituição da Requerida, os Requerentes, BB e AA tinham 21 e 26 anos de idade, respetivamente, sendo a requerente BB estudante.
3) A Mãe dos Requerentes faleceu a 20 de dezembro de 2023, e o pai havia já falecido em 29 de setembro de 2014.
4) O sócio da Requerida, CC (doravante, CC), é Solicitador e durante vários anos prestou serviços jurídicos aos Pais dos Requerentes e, posteriormente a estes últimos, diretamente ou por intermédio de colegas do escritório B..... como a elaboração de contratos, registos automóveis, declarações de imposto de selo.
5) O sócio-gerente da Requerida, DD (doravante, DD), é Advogado e filho do sócio da Requerida, CC e ambos desenvolvem a sua atividade no escritório instalado na Rua ..., ..., Penafiel, denominado B....
6) O sócio-gerente da Requerida, DD, era amigo do Requerente AA desde os três anos de idade.
7) O sócio-gerente da Requerida, DD prestou serviços jurídicos aos Requerentes, diretamente ou por intermédio de colegas do escritório B.....
8) No período imediatamente após o falecimento da Mãe dos Requeridos, DD abordou o requerente AA para lhe propor, bem como à requerente BB, o seguinte negócio:
i) constituição de uma sociedade (a Requerida);
ii) Transmissão de dois prédios rústicos com uma área de 14079m2 (com o valor aproximado de € 2.700.000,00) dos Requerentes para a aludida sociedade;
iii) construção de um prédio nos dois aludidos prédios rústicos, após a sua transmissão para a sociedade;
iv) alienação pela Requerida do prédio a construir.
8 – A) O negócio que os Requerentes e DD e CC pretendiam levar a cabo passava pela conversão de 2 (dois) prédios rústicos dos Sócios AA e BB em Prédios Urbanizáveis, para aí ser promovido o Licenciamento de Habitação Coletiva, em Regime de Propriedade Horizontal, e, ato contínuo, ser construído o respetivo Empreendimento.
9) A sociedade requerida foi constituída com o pacto social acima referido, sendo gerentes os sócios DD e AA.
10) Aquando da constituição da sociedade Requerida, realizada na B..., DD, e CC apresentaram aos requerentes, que estes assinaram, os escritos particulares denominados, respetivamente, “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” e “Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura o escrito particular”, juntos sob os documentos 7 e 8 da petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11) Os prédios rústicos referidos em 8.- ii) têm a seguinte composição:
1- Prédio Rústico: ..., com a área de 11820 m2 sito em ..., Av. ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz sob o artigo ... da dita freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... da freguesia ..., (extinta freguesia ...).
2- Prédio Rústico – ..., com a área de 2259m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz sob o artigo ... da dita freguesia, descrito na Conservatória sob o número ... da freguesia ... extinta de ....
12) Os prédios referidos em 11.- têm um valor superior a 2.500.000,00€
13) O sócio-gerente DD convocou, em 21.02.205, por carta registada, uma assembleia geral da Requerida para o dia 01.03.2024 com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Análise e deliberação sobre a conduta do sócio-gerente AA, nomeadamente as suas implicações jurídicas e financeiras para a sociedade;
2. Discussão e adoção de medidas para assegurar o comprimento do contrato promessa, prevenindo responsabilidades e prejuízos para a sociedade;
3. Deliberação sobre a eventual instauração de ação judicial contra o sócio- gerente, em razão do bloqueio da celebração do contrato definitivo;
4. Deliberação sobre a destituição do sócio-gerente AA, ao abrigo do artigo 64.° do Código das Sociedades Comerciais, por conduta lesiva aos interesses da sociedade;
5. Discussão de outros assuntos de relevante interesse para a sociedade.”.
14) Em 25.2.2025 o sócio-gerente DD enviou uma comunicação aos requerentes com o seguinte teor:
“assunto: Retificação da convocatória para a assembleia geral dos sócios.
Exmos. senhores,
AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ... ..., Penafiel.
Na qualidade de sócio-gerente da sociedade A... LDA, …venho, por meio da presente, proceder à retificação da convocatória para a assembleia geral de sócios anteriormente enviada.
Por lapso, a convocatória mencionava incorretamente a data de realização da assembleia como sendo 1 de março de 2024, quando, na realidade, a data correta é de 15 de março de 2025.…
A ordem de trabalhos mantém-se inalterada, conforme indicado na convocatória original”.
15) A Assembleia Geral da Sociedade realizou-se na data de 15.3.2025 e nela esteve presente DD, por si e em representação do sócio CC.
16) Na assembleia referida em 15.- foi deliberada a seguinte ordem de trabalhos:
1. Análise da conduta do sócio gerente AA, bem como das consequências jurídicas e financeiras dessa conduta para a sociedade,
2. Discussão sobre a adoção de medidas necessárias para garantir o cumprimento do contrato promessa de permuta de bens futuros e evitar responsabilidades e prejuízos para a sociedade;
3. Deliberação sobre eventual ação judicial contra o sócio-gerente que está a bloquear a celebração do contrato definitivo;
4. Possível deliberação sobre a destituição do sócio-gerente, AA, nos termos do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais, por conduta lesiva aos interesses da sociedade”.
17) Na ata da Assembleia referida em 15.- consta, entre outros, o seguinte:
“Entrando-se no ponto um da Ordem de Trabalhos, o sócio DD, por si e em representação do sócio CC, deliberou por unanimidade considerar grave a conduta do sócio-gerente AA, nomeadamente quanto à sua atuação em proveito próprio, com prejuízo para os interesses da sociedade e dos seus sócios, uma vez que, sem razão aparente e sem o consentimento dos demais sócios e gerente, comunicou ao Exmo. Arquiteto II e ao Eng.º JJ que estes deveriam suspender e não fazer mais nada relativamente ao contrato celebrado entre
o Exmo. Arquiteto e o Exmo. Eng.º e a sociedade, mais tendo comunicado através do s/ Ilustre Advogado KK a intenção de revogar o referido contrato promessa, o que, consequentemente, implica graves e sérios prejuízos para a sociedade a nível financeiro, pois que além de propositadamente incumprir com os compromissos celebrados pela sociedade, está, com a sua conduta evidentemente contrária aos interesses da sociedade, a impedir que a mesma cumpra a sua finalidade: construir e vender todas a frações resultantes dessa construção, não olvidando o facto de que esta conduta (adotada pelo sócio-gerente AA) não coaduna em nada com os princípios pelos quais os sócios DD e CC pautam o seu comportamento ao longo dos anos, ponde em causa, assim, a boa imagem da sociedade e a integridade dos seus sócios.
Relativamente ao ponto dois da Ordem de Trabalhos, o sócio DD, por si e em representação do sócio CC, deliberou por unanimidade o envio de notificação formal aos permutantes AA e BB, no sentido de se fazer cumprir o referido contrato-promessa, formalizando o contrato definitivo, atenta a necessidade de tomada de medidas urgentes para evitar o incumprimento do referido contrato-promessa por parte da sociedade, ainda que não por causa imputável aos sócios DD e CC.
Entrando-se no ponto três da Ordem de Trabalhos, o sócio DD, por si e em representação do sócio CC deliberou por unanimidade que se a conduta evidentemente contrária aos interesses da sociedade e já discutida no ponto um do sócio gerente AA se perpetuar, a sociedade deverá utilizar de todos os meios judiciais para fazer valer os seus interesses.
Relativamente ao ponto quatro da Ordem de Trabalhos, o sócio DD, por si e em representação do sócio CC deliberou por unanimidade que, tendo em conta a conduta claramente prejudicial e obstrutiva no sentido da celebração do mencionado contrato promessa, não resta outra alternativa se não a deliberação no sentido da destituição do sócio gerente AA, pois que, só assim, se fazem valer efetivamente os interesses da sociedade e igualmente, só desta forma, se pode comportar o sócio gerente DD para cumprir os seus deveres de cuidado e lealdade que lhe são impostos por lei.”
18) Os Requerentes não estiveram presentados nem representados na assembleia geral referida em 15.-.
19) A requerente BB delegou totalmente no seu irmão os termos do negócio.
20) Através do “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura”, os Requerentes prometeram transmitir à Requerida dois prédios rústicos no valor atribuído no contrato de € 100.000,00 (cem mil euros), enquanto esta prometeu transmitir-lhes uma fração futura do Tipo T-2, aquando da aprovação do projeto na Câmara.
21) Ao abrigo do outro contrato-promessa (“Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura”), celebrado na mesma data e ao mesmo tempo que suprarreferido, os Requerentes prometeram transmitir à Requerida aqueles mesmos prédios, mediante a promessa de que a Requerida os compensaria “com uma participação correspondente a 10% (dez por cento) da área bruta construída que venha a ser aprovada para os prédios suprarreferidos, na proporção de 5% (cinco por cento) para cada um” dos Requerentes.
São os seguintes os factos considerados não indiciariamente provados na decisão final recorrida, com as alterações acima introduzidas:
a) À data da constituição da Requerida, o Requerente AA era estudante.
b) A abordagem referida em 8. dos factos indiciariamente provados tenha sido também efetuada por CC.
c) AA contactou e abordou o seu Amigo DD, pedindo-lhe apoio para concretizar essa sua vontade de “entrar no mundo dos negócios imobiliários”, de preferência com o seu Amigo de longa data.
d) Após variadas insistências por parte de AA, foi acordada a Constituição da Sociedade Requerida.
e) ELIMINADO.
f) A Avaliação dos prédios rústicos cifra-se no representativo montante de € 2.741.910,00 (dois milhões, setecentos e quarenta e um mil, novecentos e dez euros), no pressuposto de aí estarem construídas e prontas a comercializar Frações.
g) Os Sócios CC e DD “entraram” para a Sociedade com os seus conhecimentos, know-how, expertise, e, principalmente, com a obrigação por si assumida de: i.-conseguir as aprovações necessárias para a Construção do Empreendimento, ii.- realizar as burocracias bancárias para financiar essa Construção, cuja contratação iria ser assegurada pelos Sócios CC e DD junto da Banca.
h) O preço constante do Contrato-Promessa subjacente aos autos - € 100.000,00 – constituiu uma exigência do Sócio AA e foi motivada por questões tributárias.
i) Ambos os Contratos-Promessa foram objeto de Deliberação em sede de Assembleia-Geral de 15.03.2025.
j) Os sócios AA e BB solicitaram ao Sócio DD que este adotasse todas as diligências necessárias à construção, nos Prédios Rústicos dos Requerentes, de um Empreendimento que viesse depois a ser comercializado e cujos lucros revertessem para a Sociedade Requerida.
O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais consta dos art.º 380.º e ss. do CP Civil.
Dispõe o art.º 380.º, n.º 1, que “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”
Tal como se refere na decisão final recorrida, os pressupostos para o decretamento da providência nele considerada são os seguintes:
.- qualidade de sócio da pessoa que requer a providência;
.- tomada de deliberação, por uma associação ou sociedade de qualquer espécie, contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato; e
.- suscetibilidade de a execução dessa deliberação causar dano apreciável.
O tribunal recorrido decidiu desta forma quanto à legalidade da convocatória para a Assembleia Geral:
“Cremos que no caso em apreço a convocatória não foi clara, nomeadamente, quanto aos pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos.
Vejamos:
Depreende-se da factualidade apurada que, como referido supra, foram celebrados pelos Requerentes e Requerida, na mesma data, dois “contratos promessa”, a saber: “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” e “Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura”.
Ora, a convocatória enviada aos requerentes refere no ponto 2 da ordem de trabalhos o seguinte:
2. Discussão e adoção de medidas para assegurar o cumprimento do contrato promessa, prevenindo responsabilidades e prejuízo para a sociedade.
O ponto 3 da Ordem de Trabalhos tem o seguinte teor: “deliberação sobre a eventual instauração de ação judicial contra o sócio -gerente em razão do bloqueio da celebração do contrato definitivo”.
No que se refere ao ponto 2 importa dizer que, da redação desta convocatória não se descortina qual o contrato promessa a que se refere a convocatória. Com efeito, a convocatória faz uma singela menção a contrato promessa, o que não permite aferir a qual dos contratos se está a referir.
Em face disso, cremos que a convocatória não tem, quanto a este ponto 2 da ordem de trabalhos, o seu objeto determinado.
E igual conclusão se chega após análise do ponto 3.
De facto, este ponto refere-se ao bloqueio do contrato definitivo, sem especificar a qual contrato definitivo se está a referir. Ou seja, não se percebe se está a referir-se ao contrato promessa que tem a designação de Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” ou ao contrato promessa que tem a designação de “Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura”.
Em face disso, cremos que a convocatória não tem, de igual modo, quanto a este ponto da ordem de trabalhos, o seu objeto determinado.
Por fim, cremos, ainda, que não pecaria por defeito, se a convocatória indicasse o nome do gerente a que se refere ao ponto 3 (ainda que, considerando que é o outro gerente está a enviar a convocatória, se possa concluir que o gerente a que se reporta o ponto 3 é o requerente AA). (…)
Ora, a consequência dessa falta de clareza é a invalidade da deliberação tomada, por violação do citado preceito legal, ou seja, por violação do disposto art.º 377.º, n.º8 do CSC, aplicável às sociedades por quotas por força do disposto no art.º 248.º do CSC que determina que “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada.”
Verificando-se, assim, a invalidade das deliberações tomadas quanto aos pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos, está verificado o primeiro requisito para que a providência seja decretada, ou seja, a existência de deliberação contrária à lei.”
A Recorrente ataca esta decisão alegando que se trata de um entendimento impercetível e contraditório, porque resulta do Requerimento Inicial que os próprios Requerentes admitem, reconhecem e confessam que optaram por não comparecer à Assembleia-Geral de 15/03/2025. Também por que qualquer homem-médio teria contactado o Sócio-Gerente DD, com vista a que este esclarecesse qual o Objeto concreto da Convocatória.
Sustenta, por outro lado, que o Tribunal de 1.ª instância demonstra ter percebido que existia um e um só negócio, que passava pela entrega/permuta, pelos Requerentes, de um terreno, para aí ser promovida a construção de um Empreendimento Habitacional, recebendo os Requerentes, como contrapartida dessa permuta a quantia de € 100.000,00, uma Fração de Tipologia e uma participação correspondente a 10% da área bruta construída que viesse a ser aprovada, pelo que era este o negócio que as Partes estabeleceram entre si, sendo apenas um e um só, estando materializado em dois Contratos-Promessa.
Advoga que a existência de dois Contratos Promessa não compromete a clareza da deliberação nem justifica a invalidade, quer porque os Contratos-Promessa são complementares e tratam da mesma operação de permuta com cláusulas de compensação cumulativas e não alternativas, quer porque os Sócios sabiam quais os contratos em causa.
Conclui que a decisão recorrida padece de um excesso de formalismo, não se verificando qualquer invalidade das deliberações tomadas quanto aos Pontos 2 e 3 da Ordem dos Trabalhos, e, nessa medida, a referida Deliberação não é contrária à Lei, pelo que a Sentença aqui em escrutínio deve ser revogada.
Cumpre apreciar e decidir.
Decorre do art.º 377.º, n.º 8, do Código das Sociedades Comerciais[8] (aplicável ex vi do art.º 248.º, n.º 1, do mesmo Código) que “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada.”.
Os Acórdãos citados pela Recorrente são elucidativos da forma como a jurisprudência tem vindo a densificar esta cláusula geral.
Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2019, tendo como Relator Fonseca Ramos[9] “A atuação de boa fé, princípio geral do Direito, a salvaguarda do princípio da proibição da indefesa, vigente também no domínio societário, postula uma atuação leal, transparente e equitativa expressa na obrigação da sociedade informar os sócios, sejam os não gerentes, estando em causa deliberações que os visam, não se compagina com o laconismo e a opacidade da ordem de trabalhos, quando de modo algum, assegura, sequer literalmente, um real e prévio direito de informação com vista à defesa.”
Por seu turno, o Acórdão da Relação de Guimarães de 04/11/2021, tendo como Relatora Sandra Melo[10] decidiu que “Na convocatória da assembleia geral tem que constar claramente o assunto objeto da deliberação, como impõe o artigo 377.º n.º 8 do Código das Sociedades Comerciais (aplicável às sociedades por quotas ex vi artigo 248.º, n.º 1 do mesmo diploma); o grau de especificação e pormenorização dessa rúbrica varia consoante o seu objeto, tendo em conta que é instrumental à sua finalidade, a qual é permitir a intervenção esclarecida dos sócios na deliberação.”
Por fim, o Acórdão da Relação de Coimbra de 12/04/2023, tendo como Relator José Avelino Gonçalves[11]: “A convocatória, ainda que sucinta, deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objeto decisório.”
Deve, assim, entender-se que o aviso convocatório tem que conter, de modo claro e elucidativo, as matérias concretas sobre que vão incidir as deliberações em Assembleia Geral, de forma a habilitar os sócios a prepararem as discussões e o seu sentido do voto em tais deliberações, na defesa do interesse societário e/ou dos seus interesses individuais.
No caso dos autos concordamos com o tribunal recorrido que a convocatória é excessivamente vaga, não concretizando com a clareza necessária qual o contrato promessa sobre que iam ser objeto deliberações, com as consequências legais aí enunciadas.
Não é verdade – como alega a Recorrente – que os contratos promessa celebrados entre as partes sejam complementares, com cláusulas de compensação cumulativas.
Está provado nos autos que, aquando da constituição da sociedade Requerida, realizada na B..., DD, e CC apresentaram aos requerentes, que estes assinaram, os escritos particulares denominados, respetivamente, “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” e “Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura o escrito particular”, juntos sob os documentos 7 e 8 da petição inicial.
Bem como que, através do “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura”, os Requerentes prometeram transmitir à Requerida dois prédios rústicos no valor atribuído no contrato de € 100.000,00 (cem mil euros), enquanto esta prometeu transmitir-lhes uma fração futura do Tipo T-2, aquando da aprovação do projeto na Câmara.
Também que, ao abrigo do outro contrato-promessa (“Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura”), celebrado na mesma data e ao mesmo tempo que suprarreferido, os Requerentes prometeram transmitir à Requerida aqueles mesmos prédios, mediante a promessa de que a Requerida os compensaria “com uma participação correspondente a 10% (dez por cento) da área bruta construída que venha a ser aprovada para os prédios suprarreferidos, na proporção de 5% (cinco por cento) para cada um” dos Requerentes.
É, assim, evidente que os contratos não são complementares, mas diversamente contraditórios entre si, designadamente no que respeita às compensações devidas aos Requerentes.
Por outro lado, não tem qualquer relevo jurídico a circunstância de os Requerentes terem optado por não comparecer à Assembleia-Geral de 15/03/2025 e terem, ainda, optado por não contactar o Sócio-Gerente DD, com vista a que este esclarecesse qual o objeto concreto da Convocatória.
Neste ponto, concordamos inteiramente com as alegações destes em sede de contra-alegações.
A ausência do sócio em Assembleia Geral da sociedade não pode ser interpretada como sinal da compreensão do teor da convocatória.
A participação na Assembleia Geral da sociedade é um direito que assiste aos sócios (artigo 379.º, n.º 1 do CSC ex vi artigo 248.º, n.º 1 do CSC) e não uma obrigação, não podendo os mesmos ser penalizados pela sua decisão de nela não comparecerem.
Da mesma forma, não é obrigação dos sócios procurarem ativamente clarificar e esclarecer junto da sociedade aquilo que, antes de tudo, cabia a esta transmitir de forma clara e esclarecedora através da Convocatória.
Improcede, consequentemente, este fundamento de recurso.
O tribunal recorrido decidiu, a este propósito:
“Com efeito, para além das obrigações assumidas pelos requerentes com a assinatura dos contratos promessa serem manifestamente desproporcionadas com as obrigações assumidas pelos sócios DD e CC, uma vez que relativamente a estes últimos apenas se mostra indiciariamente provado que entraram com o valor do capital social referente às quotas dos mesmos, ao passo que os requerentes, para além deste capital social, assumiram as obrigações decorrentes dos contratos promessa acima escalpelizados, o que os coloca numa situação desfavorável, importa dizer que a indefinição dos contratos acima adiantada é danosa para os mesmos, que facilmente poderão ficar à mercê de interpretações diversas daqueles documentos.
Em face disso, cremos que a execução da deliberação constante dos pontos 2 e 3 causa dano considerável.”
A Recorrente contrapõe que a Providência Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais visa obter a suspensão de eficácia de deliberações sociais contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, sendo que o centro da proteção de interesses que esse meio processual visa acautelar são os interesses da sociedade e não os interesses de algum dos seus Sócios individualmente considerados.
Sustenta que os interesses que se visam acautelar nesta providência cautelar não são os interesses da Sociedade Requerida mas sim os interesses pessoais dos sócios AA e BB.
Acrescenta que o interesse da Sociedade Requerida e dos seus sócios é o de, nos Prédios Rústicos abrangidos pelos Contratos-Promessa, promoverem a construção e a venda de Frações para habitação.
Cumpre decidir.
Já ficou acima referido que os pressupostos para o decretamento da providência de suspensão de deliberações sociais são a qualidade de sócio do requerente, a existência de uma deliberação tomada por uma associação ou sociedade que seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato e a suscetibilidade de a execução dessa deliberação causar dano apreciável.
Esta providência cautelar assume uma natureza cautelar, provisória e antecipatória, aplicando-se-lhe, com as devidas adaptações, as regras das providências cautelares comuns.
Tal como refere Anselmo de Castro[12], “Os procedimentos cautelares nada mais são do que simples medidas destinadas a prevenir os perigos da natural demora do julgamento ou curso de qualquer ação. De facto, os meios de tutela que a lei põe à disposição dos interessados para garantia de efetivação dos seus direitos não são suficientes, por vezes, sem o auxílio dos procedimentos cautelares, para preservar o autor, a quem venha a ser reconhecida razão, das desvantagens da demora da ação declarativa e executiva.”
As partes trataram nas respetivas alegações de recurso das várias posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes a respeito do periculum in mora e, em especial, do sujeito deste dano previsível.
A posição maioritária, aliás manifestamente dominante, é aquela que considera que os danos previsíveis tanto podem ser da própria sociedade como dos sócios desta.
O art.º 380.º do CP Civil limita-se a aludir a “causar dano apreciável” e a teleologia da providência demonstra que se pretende acautelar com a mesma quer os interesses da sociedade, quer os interesses dos seus sócios.
Quanto à “medida” exigível do dano, a lei alude a um “dano apreciável”.
Deve, em síntese, concluir-se que o requerente da providência deve fazer prova cabal de que a execução da deliberação social antes da decisão da ação principal é suscetível de causar à sociedade ou a si, enquanto sócio, um dano juridicamente atendível (mas não necessariamente grave e dificilmente reparável, nos termos exigidos nas providências cautelares comuns).
Cita-se, por particularmente incisivo e esclarecedor, o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/07/2008, tendo por Relator Rui Vouga[13]: “No procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, a lei contenta-se com que o dano seja apreciável, sem, todavia, exigir que ele seja irreparável ou de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum. Todavia, ao contrário do que ocorre com outros procedimentos, não prescindiu da demonstração, em concreto, de um certo perigo de ocorrência de consequências prejudiciais. Os danos serão normalmente de natureza patrimonial, mas não está excluída a suspensão de deliberações para evitar danos de outra natureza que possam ser provados na esfera jurídica do requerente ou da sociedade.”
Em face da exposição acima feita, é evidente que não concordamos com a tese da Recorrente de que este meio processual visa acautelar os interesses da sociedade e não os interesses de algum dos seus sócios individualmente considerados.
Entendemos, nos termos acima explicados, que os sócios podem, através desta providência, acautelar os seus interesses.
Nos presentes autos, deve complementarmente ter-se em conta que não é possível autonomizar a qualidade de sócios dos Requerentes da sua qualidade de promitentes-vendedores, considerando que estes, ao celebrarem os indicados contratos promessa, estavam a contratar, não com uma qualquer sociedade, mas sim com a concreta sociedade da qual eram sócios.
Os Requerentes invocam nos autos que o conteúdo dos contratos promessa dos autos contraria ostensivamente os bons costumes, além de serem manifestamente usurários.
Assim sendo, a deliberação em Assembleia Geral de formalização de um dos contratos promessa outorgados (desconhecendo-se qual deles) e, sendo necessário, de recorrer aos meios judiciais para obrigar a tal formalização, é potencialmente geradora de danos juridicamente relevantes na esfera patrimonial dos Requerentes, simultaneamente enquanto sócios e promitentes vendedores.
Sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente este fundamento de recurso.
A conclusão final é a da total improcedência do recurso da Requerida.
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso da sociedade Recorrente/Requerida e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 30 de setembro de 2025
Lina Baptista
Rodrigues Pires
João Diogo Rodrigues
________________
[1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Direito Processual Civil, 11ª Edição, Almedina, 2013, pág. 400.
[3] Do seguinte teor: “O sócio da Requerida, CC (doravante, CC) é Solicitador e durante longos anos prestou serviços jurídicos aos pais dos Requerentes e, posteriormente a estes últimos, diretamente ou por intermédio de colegas do escritório B..., como a elaboração de contratos, registos automóveis, declarações de imposto de selo.”
[4] Do seguinte teor: “No período imediatamente após o falecimento da Mãe dos Requeridos, DD abordou o requerente AA para lhe propor, bem como à requerente BB, o seguinte negócio: i) constituição de uma sociedade (a Requerida); ii) Transmissão de dois prédios rústicos com uma área de 14 079 m2 (com o valor aproximado de € 3.000.000,00) dos Requerentes para a aludida sociedade.”
[5] Do seguinte teor: “Aquando da constituição da sociedade Requerida, realizada na B..., DD, e AA apresentaram aos requerentes, que estes assinaram, os escritos particulares denominados, respetivamente, “Contrato Promessa de Permuta por Fração Futura” e “Contrato Promessa com Cláusula de Compensação Futura o escrito particular”, juntos sob os documentos 7 e 8 da petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
[6] Do seguinte teor: “O negócio que os Sócios pretenderam conjuntamente levar a cabo - de forma livre, espontânea, voluntária e esclarecida – passava pela conversão de 2 (dois) Prédios Rústicos dos Sócios AA e BB em Prédios Urbanizáveis, para aí ser promovido o Licenciamento de Habitação Coletiva, em Regime de Propriedade Horizontal, e, ato contínuo, ser construído o respetivo Empreendimento.”
[7] Do seguinte teor: “Os Sócios CC e DD “entraram” para a Sociedade com os seus conhecimentos, know-how, expertise, e, principalmente, com a obrigação por si assumida de: i – conseguir as aprovações necessárias para a Construção do Empreendimento; ii – realizar as burocracias bancárias para financiar essa Construção, cuja contratação iria ser assegurada pelos Sócios CC e DD junto da Banca.”
[8] Doravante apenas designado por CSC, por questões de operacionalidade e celeridade.
[9] Proferido no Processo n.º 5808/15.0T8LSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[10] Proferido no Processo n.º 2723/20.9T8VNF.G1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[11] Proferido no Processo n.º 5884/19.6T8VIS.C2 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[12] In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 1981, Almedina, pág. 130.
[13] Proferido no Processo n.º 2321/2008-1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.