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INCUMPRIMENTO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DESPESAS NAO PREVISTAS NO REGIME DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Sumário
I - A imposição ao progenitor que não as satisfez, da responsabilidade pelo pagamento de uma quota-parte das despesas suportadas pelo outro progenitor com a educação e ortodontia dos filhos de ambos, caso assumam particular importância e não estejam previstas no regime de exercício de responsabilidades parentais estabelecido a esse propósito, depende da obtenção do seu acordo para a respectiva realização ou da intervenção judicial em ordem à superação da falta desse acordo. II - Pela sua natureza e pelos custos que comportam, enquadra-se na categoria de questões de particular importância para a vida do filho a decisão sobre a frequência de um estabelecimento de ensino superior privado ou de um estabelecimento de ensino no estrangeiro, ou da colocação de aparelhos de ortodontia com custos de cerca de 2.000,00€.
Texto Integral
Proc. nº 4882/21.4T8MAI-G.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores da Maia - Juiz 2
No âmbito de um incidente de incumprimento de responsabilidades parentais promovido por AA, residente na Avenida ..., ..., Casa ..., ... Maia, em representação dos filhos BB, CC, maiores de idade, e DD, em que é requerida a progenitora EE, residente na Alameda ..., nº ..., ... Vila Nova de Gaia, a propósito do não cumprimento de obrigações pecuniárias cujo total ascendeu a 9.550, 80 €, foi a requerida notificada, deduziu oposição, procedeu-se a audiência e, a final, foi proferida decisão que concluiu pela verificação de incumprimento em relação às suas responsabilidades parentais, no que ao pagamento de despesas extraordinárias diz respeito, condenando a requerida no pagamento da quantia global de oito mil, seiscentos e cinquenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos (8.658, 69 €).
É desta decisão que vem interposto recurso, pela requerida, que o terminou formulando as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida omite factos relevantes para a boa apreciação da causa, nomeadamente relacionados com a defesa por excepção da Recorrente.
2. Omite o Tribunal a quo que no âmbito do apenso A do acordo que fixou o regime das responsabilidades parentais, estipulou-se que, pese embora a residência alternada dos menores, “[A]s responsabilidades parentais nas questões de particular importância para os menores serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta” – cfr. ponto 1 da acta de conferência de pais realizada a 03-02-2016, a qual foi junta pelo Recorrido com o requerimento inicial.
3. Tal facto é de manifesta importância, porquanto, é certo e notório que jamais a Recorrente consentiu nas despesas reclamadas pelo Recorrido, pelo que não pode ser pelas mesmas responsabilizada.
4. Assim, face ao exposto, desde logo se requer que conste da matéria de facto provada no ponto 3 da sentença, por resultar de sentença judicial, que “As responsabilidades parentais nas questões de particular importância para os menores serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta” – facto também alegado pela Recorrente no artigo 20.º das alegações.
5. De igual modo, a matéria de facto deve ser ampliada de forma a ter-se por provado que “A Requerida acordou com os filhos a sua comparticipação nas despesas escolares, os quais já têm a sua independência económica” – facto alegado pela Recorrente nas alegações no artigo 22.º.
6. Tal facto resulta do depoimento da Requerente a minutos 24:28 a 24:40 que diz que “A BB durante vários períodos, que não estava na faculdade, então dizia que queria trabalhar e eu disse-lhe que achava muito bem, que lhe dava todo o apoio” e a minutos 33:33 a 33:39 que diz que “Eu sei que o CC já... mensalmente, eu não sei. Não vou dizer que mensalmente sei. Mas sei que o CC tira mais dinheiro do que eu”. Ademais, a minutos 32:48 a 32:55 a Requerente afirma: “Todos os meses. Transferia para o meu filho 175 euros. Dava à BB 50, que estava a viver comigo. E depois ao CC 175.”
7. Ademais, deve também constar como provado que “A Requerida não concordou com a inscrição do filho CC em escola sita no Reino Unido, nem com a inscrição da filha BB em estabelecimento de ensino privado, bem como nas despesas tidas com a colocação de aparelho dentário no filho DD” – cfr. factos alegados nos artigos 29.º, 30.º, 36.º a 51.º das alegações da Recorrente.
8. Este facto resulta logo das comunicações feitas pela Recorrente aos seus filhos e que esta juntou com as primeiras alegações como documentos n.º 2 a 5, os quais são demonstrativos de que a Recorrente jamais concordou com a decisão unilateral do Recorrido em suportar tais despesas, sendo certo e notório que o acordo foi então feito entre os filhos e este.
9. Tal afirmação é sustentada pelo depoimento da Requerente a minutos 1:27 a 1:53: “Considero que não, em relação às propinas. Eu sempre disse aos meus filhos e ao pai dos meus filhos que não tinha possibilidades de pagar ensinos privados e ensinos no estrangeiro. Isto foi sempre claro no discurso entre mim e os filhos. E também sempre transmiti isso ao pai deles” e a minutos 2:04 “Sempre deliberou sozinho...”.
10. A minutos 5:52 e 5:53 diz que “Sim, mas eu nunca concordei que a minha filha fosse para uma faculdade...”, referindo-se à filha BB.
11. Relativamente ao filho DD, a minutos 9:14 a 9:36 em que a Requerente afirma “E de um dia para o outro o CC faz um acordo com um médico que ele gosta e que eu honestamente não gosto, não tenho boa impressão dele, não tenho boa opinião dele. Eu sei de muitas pessoas que estiveram lá e saíram. E sempre lhe disse. E ele disse “ah, os meus filhos vão para o doutor FF.” Eu disse “não concordo, não concordo.”
12. Por fim, em relação ao filho CC, a minutos 29:59 a 30:03 diz que “E eu disse, CC, eu não tenho dinheiro para te pagar os estudos em Inglaterra. Nem alojamento sequer” e a minutos 30:55 a 31:09 “E eu mandei um e-mail a dizer que ele era contra, porque eu não era a favor dele eliminar o 10º, 11º e 12º (...) E disse-lhe, tu és menor e eu não concordo com a tua ida para a Inglaterra.”
13. De igual modo, deve passar a constar da matéria de facto tida por provada que: “A Requerida aufere mensalmente a quantia de € 1.081,02 (mil e oitenta e um euros e dois cêntimos)” – facto vertido no artigo 41.º, 48.º e 49.º das alegações da Recorrente.
14. Este facto é provado pelo documento n.º 1 – recibo de vencimento – junto com as alegações da Recorrente, que comprovam a insuficiência económica da mesma e irrazoabilidade que seria aceitar comparticipar em despesas assaz avultadas para o seu orçamento pessoal.
15. Conforme resulta do depoimento da Requerente, a minutos 18:33 a 18:41, afirmou: “1100... Neste momento, 1100 e... Não chega a... 1118, mais ou menos.” e a minutos 21:23 a 21:28: “Eu só recebo mil e tal euros e não tenho absolutamente mais rendimento nenhum!”
16. De igual modo, deve passar a constar da matéria de facto tida por provada que: “A Requerida comparticipa mensalmente com uma mesada entregue aos filhos CC e BB” – facto alegado nos artigos 48.º, 52.º, das alegações da Recorrente.
17. O referido facto resulta do teor do depoimento da Requerente a minutos 5:30 a 5:40 e 16:23 a 16:44.
18. Sublinhe-se que a ampliação da matéria de facto fundamenta-se por se terem omitido dos temas da prova factos alegados pela Recorrente que são essenciais para a resolução do litígio na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do Tribunal a quo.
19. É precisamente o caso dos factos que supra se transcrevem, os quais foram todos alegados e estão provados pelas declarações da Requerente e dos documentos juntos, sendo que ademais provam as excepções defendidas pela Recorrente, sendo a apreciação imprescindível para a boa decisão da causa.
20. Face ao exposto, deve a presente impugnação proceder, tendo-se por provados os mencionados factos.
21. Impugna-se também a decisão do Tribunal a quo de dar por provados os factos identificados nos pontos 6 e 7 da sentença pois tal decisão viola as regras do ónus da prova.
22. Incumbia ao Recorrido demonstrar que havia incorrido em despesas por conta das responsabilidades parentais exercidas e que as mesmas foram devidamente comunicadas à Recorrente, nomeadamente com a apresentação de recibo.
23. Sucede que o email junto ao processo não é prova suficiente de o Recorrido ter incorrido em todas aquelas despesas, pelo que são as mesmas inexigíveis.
24. Ao ter incumprido o ónus da prova, andou mal o Tribunal a decidir que o Requerente incorreu nas ditas despesas com os filhos.
25. Face ao exposto, por violarem o disposto no artigo 342.º do Código Civil, deve-se eliminar tais factos por outros que afirmem apenas que: O Requerente, por email de 08 de novembro de 2021, transmitiu à Requerida que incorreu nas seguintes despesas com os seus filhos.
26. Sublinhe-se que a mera comunicação de ter incorrido em determinadas despesas não torna a obrigação exigível, pois, a mesma só se torna perfeita com a comunicação do respectivo recibo.
27. Ora, ao não ter provado a comunicação dos recibos das despesas que depois seguem discriminadas nos mencionados pontos da matéria de facto, não pode julgar-se procedente a ação.
28. Quanto à impugnação do direito, face à matéria de facto que deve ser tida em conta para a apreciação da causa, e, diga-se, mesmo que a presente impugnação da decisão da matéria de facto não vença, nunca poderia o Tribunal a quo proferir a sentença impugnada, porquanto, viola a mesma o direito e as normas jurídicas que se passam a expor separadamente.
29. Primeiramente, como se enunciou na impugnação que se fez aos pontos da matéria de facto identificados na sentença pelos n.º 6 e 7, que as despesas reclamadas pelo Recorrido não são de todo exigíveis, pois, não provou o mesmo a comunicação dos respectivos recibos à Recorrente.
30. Face ao exposto, a obrigação não é exigível, não sendo ademais possível ao Tribunal dar como provado que o Recorrido incorreu nos reclamados custos com os seus filhos.
31. “Se no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais os progenitores ajustaram que “As despesas escolares e de saúde das menores serão suportadas mensalmente por cada um dos progenitores na proporção de 50%, sendo apresentadas ao pai os respetivos comprovativos por parte da mãe no último dia de cada trimestre”, e que “as atividades extracurriculares das menores que forem acordadas por ambos os progenitores serão suportadas na mesma proporção por cada um”, tal significa que só haverá incumprimento de tal cláusula se o pai das crianças for previamente interpelado para reembolsar a mãe, com cópia dos recibos relativos às despesas, e não efetuar tal pagamento. III- Os pressupostos referidos em II- têm que se mostrar verificados à data da dedução do incidente de incumprimento, sob pena de improcedência do mesmo, no que se reporta à referida obrigação alimentar” – acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 25-03-2025 no processo n.º 2358/17.3T8CSC-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
32. A sentença é ilegal, violando as normas constantes nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP, nomeadamente por violação do princípio da proporcionalidade e 989.º do CPC e 334.º, 2003.º a 2006.º e 2009.º do Código Civil devendo, por isso, ser revogada e substituída por acórdão que absolva a Recorrente de todos os pedidos.
33. Depois, a sentença contraria o acordo das responsabilidades parentais, nomeadamente quanto às duas primeiras despesas indicadas no ponto 6 da matéria de facto dada como provada – no valor de € 927,60 e € 1.000,00 –, pois, as mesmas são anteriores ao acordo dos progenitores celebrado em novembro de 2019, plasmado no ponto 4 da sentença, pelo que não são as mesmas devidas pela Recorrente, pois, aplicando-se o regime anterior, é ao Recorrido que incumbia suportar tais custos, nomeadamente por via do seguro de saúde.
34. Por sua vez, as despesas identificadas no terceiro ponto do n.º 6, no valor de € 27,00, não são contempladas como sendo responsabilidade de ambos os progenitores, mas, sim, como responsabilidade do progenitor que à data esteja com o menor.
35. Face ao exposto, incumbia para além do mais ao Recorrido demonstrar que à data das mencionadas despesas, o menor encontrava-se com a Recorrente, o que não logrou fazer, porque, na verdade, não estava.
36. Assim, deve a Recorrente ser absolvida do pagamento de tais quantias, o que se requer.
37. De igual modo, as despesas com os treinos do filho DD não são também devidas pela Recorrente, pois, a mesma pagava-as alternadamente, como resulta do acordo convencionado.
38. Prova em contrário incumbia ao Recorrido, ou seja, demonstrar que pagou a mensalidade em mês que não era da sua responsabilidade.
39. Ao decidir como decidiu a sentença supramencionada violou o disposto nos artigos do Código Civil 342.º, relativo ao ónus da prova, 405.º, relativo à liberdade contratual das partes que assim acordara o regime de responsabilidades parentais, e 406.º, em virtude da violação do princípio pacta sunt servanda.
40. Depois, a condenação da Recorrente viola o disposto no artigo 1095.º do Código Civil, porque as dívidas são irrazoáveis.
41. As dívidas relacionadas com o aparelho fixo mandibular colocado nos filhos e residência do filho CC em • 20/11/2021, bem como propinas da filha BB para estudo em estabelecimento de ensino superior particular não podem ser reclamadas à Recorrente.
42. Com efeito, estipula o artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil que “entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
43. Ao contrário do que escreve a sentença recorrida, a irrazoabilidade não obriga a que o progenitor prejudicado tenha de apresentar novo incidente.
44. O que tem de fazer é provar essa mesma falta de razoabilidade, como a Recorrente logrou fazer, demonstrando também que jamais concordou com as mesmas.
45. A Recorrente não tem de apresentar novo incidente de alteração das responsabilidades parentais porque, pura e simplesmente, o assunto estava devidamente esclarecido, pois, o Recorrido tomou as decisões unilateralmente, sem nunca consultar a Recorrente, pese embora soubesse que a mesma não concordava com tal.
46. É manifestamente irrazoável julgar que a Recorrente, que aufere o salário que se prova nos presentes autos, estaria disposta a assumir um encargo como os que o Recorrido reclama e comprometeu-se a oferecer – e muito bem, diga-se – aos filhos.
47. Julga o Tribunal que a Recorrente tem por bel-prazer condenar-se à insolvência? Somente em caso de inimputabilidade da progenitora pode o Julgador assumir como razoável a Recorrente aceitar tais encargos face aos rendimentos que possui.
48. A decisão contestada não tem qualquer cabimento factual ou jurídico.
49. Atento a matéria de facto provada, é irrazoável exigir que a Recorrente assuma os custos reclamados pelo Recorrido no pagamento das dívidas supramencionadas, as quais somente existem por vontade própria do Recorrido, sem anuência da Recorrente, que desde o início transmitiu que as não podia suportar.
50. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o disposto no artigo 1095.º do Código Civil.
51. Ademais, as dívidas identificadas e relacionadas com os estudos e aparelho careciam de prévio acordo entre os progenitores, à luz do acordo entre eles celebrado.
52. Como sentencia o Tribunal da Relação do Porto, “I - Nos casos de divórcio, como na separação judicial de pessoas e bens ou nos de declaração de nulidade ou anulação do casamento, as responsabilidades parentais quanto a questões de particular importância para a vida do filho serão, em princípio, exercidas em comum, salvo casos de urgência manifesta. II - “Questões de particular importância” é um conceito indeterminado, com a capacidade de abranger um conjunto alargado de situações que uma enumeração taxativa comprometeria. III - É um conceito que deve ser casuisticamente preenchido, sendo pertinente que sirva de critério a esse preenchimento o impacto relevante que a concreta situação tenha na vida da criança. IV - A escolha entre um estabelecimento de ensino público e um estabelecimento de ensino privado para a frequência futura de uma criança de seis anos justifica e impõe a intervenção do tribunal, se cada um dos progenitores a inscreveu nesses diferentes estabelecimentos e não se entendem relativamente a qual deles, nas demais circunstâncias concretas do caso, deve ser o escolhido”.
53. Ora, o Recorrido tomou a decisão de, de livre e espontânea vontade, incentivar os seus filhos a seguirem tais rumos, sem se preocupar em recolher o acordo da progenitora.
54. Pelo contrário, sabia que a progenitora não concordava com aquelas decisões, pois, não podia suportar tais custos.
55. Diga-se que agiu durante anos sem nada reclamar da Recorrente, transmitindo a ideia de que não ia reclamar tais valores da mesma.
56. Todavia, passados anos, decide propor ação, em manifesta má-fé, peticionando tudo e mais alguma coisa, em manifesto abuso de direito.
57. Face ao exposto, não pode o Tribunal condenar a Recorrente como condenou, pois, ao fazê-lo, violou o estipulado entre as partes na regulação dos poderes parentais e permitiu que o Recorrido abuse do direito.
58. Ao decidir como decidiu a sentença violou o disposto nos artigos do Código Civil 334.º, 342.º, 405.º e 406.º.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a sentença recorrida ser revogada por outra que absolva a Recorrente no pedido.
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O requerente apresentou resposta ao recurso, defendendo a sua rejeição por extemporaneidade. Em qualquer caso, concluiu que o recurso não merece provimento.
O MºPº ofereceu resposta ao recurso, no que concerne aos alimentos devidos ao DD, por serem deste os únicos interesses que, fruto da sua menoridade, o Ministério Público entendeu defender. Pronunciou-se pela confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Foi recebido neste TRP, cumprindo decidi-lo.
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Veio o apelado arguir a extemporaneidade do recurso, entendendo que o mesmo deveria ter sido interposto até 27/4.
Não tem, porém, razão. Sendo certo que o prazo inicial de recurso foi interrompido por via da demonstração, pela requerida, da apresentação de um pedido de apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono, em 31/10/2024, quando ainda não se tinha esgotado o prazo de recurso, constata-se que o mesmo só começou a correr no dia 2/4/2025, após a junção aos autos, a 1/4/2025, de uma procuração forense.
Começou, então, a correr o prazo de recurso de 15 dias (art. 32º, nº 3 do RGPTC), a acrescer com dez dias, pois que a recorrente também recorreu da decisão da matéria de facto, com apelo a prova gravada (art. 638º, nº 7 do CPC).
Não tendo este processo natureza urgente (cfr. art. 13º do RGPTC, não aplicado pelo tribunal ao caso em apreço), o prazo suspendeu-se durante as férias judiciais, entre 13 e 21 de Abril (art. 138º do CPC). Terminou, então, a 6/5. Mas o tribunal permitiu o acréscimo de um dia, em função do correntemente designado “apagão”, por despacho que não foi impugnado. O recurso foi depois oferecido a 9/5, ou seja, foi apresentado no 2º dia ulterior ao termo do prazo, o que motivou a aplicação da multa prevista na al. b) do nº 5 do art. 139º do CPC.
Por conseguinte, não existe fundamento para a rejeição do recurso por extemporaneidade. Consequentemente, passar-se-á de imediato à apreciação do respectivo objecto.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir:
- Se deve alterar-se a matéria de facto, com a adição da factualidade apontada pela recorrente, bem como a exclusão dos factos descritos nos pontos 6 e 7 dos factos provados;
- Se a subsunção da factualidade provada ao regime de exercício de responsabilidades parentais em vigor justifica a alteração do decidido.
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O tribunal assentou a decisão na seguinte factualidade:
1. BB nasceu em ../../2002; o CC em 21/09/2003 e o DD, em ../../2007;
2. Tendo todos a maternidade e a paternidade registadas em nome de requerida e requerente, respetivamente
3. No âmbito do apenso A), foi homologado acordo que fixou o regime da residência alternada, dos 3 irmãos, tendo sido fixado o seguinte regime de alimentos:
• as despesas escolares dos menores serão adiantadas pelo Pai e reembolsadas pela Mãe, no mês seguinte após a apresentação do recibo.
• O ATL e actividades extracurriculares serão pagos, alternadamente, pelo Pai e pela Mãe relativamente às actividades que estiverem de acordo.
• O Pai assume integralmente o pagamento mensal do seguro de saúde que detém a favor dos menores, e o pagamento das consultas particulares feitas ao abrigo do contrato de seguro.
• As despesas medicamentosas só serão exigíveis, na proporção de metade, ao Progenitor que as não assumiu se superiores ao valor de 10,00 € (dez euros), e serão reembolsadas no mês seguinte após a apresentação do recibo.
Já no âmbito do apenso E), e por sentença de 21/10/2019, foi homologado o seguinte acordo que alterou parcialmente o regime de alimentos:
• Na cláusula 18 passa a constar o seguinte:
As restantes despesas escolares serão pagas 50% por cada um dos progenitores, sendo pagas pelo progenitor que é encarregado de educação, devendo este para tal enviar ao outro progenitor o respetivo recibo por email e este terá de pagar até ao dia 8 do mês seguinte por transferência bancária.
• - Eliminam a cláusula 19.º.
• - Mantém a cláusula 20.º.
• - Eliminam a cláusula 23.º;
• As despesas médicas e medicamentosas cobertas pelo serviço nacional de saúde serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.
• - As despesas de orto-dentária e oftalmologia serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.
5. No âmbito dos autos principais, e por sentença de 14/02/2022, foi fixada a residência do DD junto do pai, com a fixação de um regime de contatos com a mãe, e ainda de alimentos, regime que só entraria em vigor quando a mãe for viver para o ..., sendo que a mãe comunicará ao pai com 30 dias de antecedência a data em que tal sucedesse;
6. Através de email de 8 de Novembro de 2021 o aqui Requerente informou a Requerida das seguintes despesas:
• 31/01/2019 - Aparelho fixo Mandibular, relativo à BB, no valor € 927,60.
• 24/01/2019 - Aparelho fixo Mandibular, relativo à BB, no valor de € 1.000,00;
• 02/04/2019 – despesas com costura, no valor de 27,00 €;
• 16/04/2019 – despesas de farmácia do DD, no valor de 27, 45 €;
• Junho de 2019; despesas com treinos do DD, no valor de 28,00 €;
• Despesa de Material escolar de 25/08/2019, no valor de € 136,59
• Despesa de Material escolar de € 6,95, de 26/06/2019;
• 02/03/2020 - Aparelho fixo Mandibular, relativo ao DD, no valor de € 1.927,60.
• 27/04/2020 - Farmácia no valor de € 10,64;
• 28/04/2020 - Laboratório no valor de € 7,35;
• 14/08/2020 - Clínica ... – consulta do CC, no valor de € 45,00
• 02/10/2021 - Residência ... 1ª prestação no valor de € 2.301,14, relativa à frequência do ensino superior do CC, em Inglaterra;
• 20/09/2021 - Propina Set/21 BB no valor de € 420,70;
• 20/10/2021 - propina Out/21 - BB no valor de € 420,70;
• 13/04/2021 - Pré matrícula no IPAM, BB, no valor de € 250,00;
• 23/03/2021 - Candidatura IPAM no valor de € 150,00
• 24/08/2021 - Inscrição IPAM no valor de € 380,00;
7. O requerente efectuou ainda as seguintes despesas com os filhos:
• 20/01/2022 - Residência 1ª prestação ... no valor de € 2.327,51 relativa ao CC;
• 13/01/2022 - Residência 2ª Prestação - ... no valor de € 2.189,44.
• 21/04/2022 - Residência 3ª Prestação ... no valor de € 2.278,80.
• 20/11/2021 - Propina Nov/21 - BB no valor de € 420,70. ;
• 20/12/2021 - Propina Dez/21 - BB no valor de € 420,70.
• 20/01/2022 - Propina Jan/22 - BB no valor de € 420,70.
• 20/02/2022 - Propina Fev/22 - BB no valor de € 420,70;
• 20/03/2022 - Propina Mar/22 - BB no valor de € 420,70.
• 20/04/2022 - Propina Abr/22 - BB no valor de € 420,70
8. A progenitora não aceita liquidar as demais quantias, por nunca ter estado de acordo nem com a frequência, pelos filhos, do ensino privado, e no ensino fora do país, bem como com o tratamento de ortodontia.
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O presente processo configura uma instância incidental, conexa, portanto, com um processo principal a cujo conteúdo está associado. Pressupõe o estabelecimento de uma instância anterior, que definiu obrigações a propósito do exercício das responsabilidades parentais respeitantes aos filhos do requerente e da requerida, BB, CC e DD.
Tais obrigações são as que ficaram definidas no regime de tal exercício, descritas supra, nos itens 3, 4 e 5 dos factos provados, sendo útil tê-las presentes, incluindo com as alterações que sofreram:
1 • despesas escolares - adiantadas pelo Pai e reembolsadas pela Mãe, no mês seguinte após a apresentação do recibo;
- (depois de 21/10/2019) as restantes despesas escolares serão pagas 50% por cada um dos progenitores, sendo pagas pelo progenitor que é encarregado de educação, devendo este para tal enviar ao outro progenitor o respetivo recibo por email e este terá de pagar até ao dia 8 do mês seguinte por transferência bancária
2 • ATL e actividades extracurriculares - pagos, alternadamente, pelo Pai e pela Mãe relativamente às actividades que estiverem de acordo.
3 • (até 21/10/2019) O Pai assume integralmente o pagamento mensal do seguro de saúde que detém a favor dos menores, e o pagamento das consultas particulares feitas ao abrigo do contrato de seguro.
• (até 21/10/2019) As despesas medicamentosas só serão exigíveis, na proporção de metade, ao Progenitor que as não assumiu se superiores ao valor de 10,00 € (dez euros), e serão reembolsadas no mês seguinte após a apresentação do recibo.
• (depois de 21/10/2019) As despesas médicas e medicamentosas cobertas pelo serviço nacional de saúde serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.
• (depois de 21/10/2019) As despesas de orto-dentária e oftalmologia serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.
Será, então, para efeitos de enquadramento num tal regime que importará apurar e analisar a factualidade relevante, a propósito do que a apelante vem impugnar a decisão do tribunal entendo que a mesma peca por defeito e por erro.
Sendo uma típica impugnação da decisão de matéria de facto, ficou a apelante sujeita à observância do ónus previsto no art. 640º do CPC, designadamente quanto à especificação da factualidade a reponderar e aos meios de prova a analisar. Não oferece dúvida o cumprimento de tal regime processual, pelo que o recurso haverá de ser conhecido também nessa parte.
Em qualquer caso, como infra se referirá, a sindicância pretendida quanto à decisão sobre a matéria de facto será limitada aos factos que forem pertinentes, atento o disposto no art. 130º do CPC.
Começa a apelante por pretender que se dê também por provado que, nos termos do acordo quanto ao exercício de responsabilidades parentais, homologado por sentença em 3/2/2016, se fixou que as responsabilidades parentais nas questões de particular importância para os menores seriam exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta.
Podendo ser útil para a decisão a proferir e uma vez que tal disposição consta do referido acordo, ter-se-á esta matéria por aditada ao elenco dos factos provados, sem prejuízo de se recordar que tal estipulação não deixa de corresponder ao previsto no art. 1906º, nº 1 do C.Civil, pelo que um tal dispositivo sempre seria passível de utilização pelo tribunal, em sede de decisão.
De seguida, pretende a apelante que se dê por provado que ela própria teria acordado com os filhos a sua comparticipação nas despesas escolares, os quais já têm a sua independência económica.
Esta matéria, além de ser conclusiva e de tal forma genérica que não permite que a ela se adira, ao aludir a uma independência económica dos filhos, é irrelevante porquanto jamais poderia ser em função de um tal acordo que se poderiam ter por alteradas as obrigações parentais de qualquer dos progenitores.
Como a jurisprudência vem repetindo a apreciação de uma questão irrelevante para a decisão constitui um acto inócuo, inútil e, como tal, impedido pelo disposto no art. 130º do CPC.
Pelo exposto, por irrelevante para a decisão a proferir, não se apreciará esta questão.
Mais pretende a apelante que se dê por provado: “A Requerida não concordou com a inscrição do filho CC em escola sita no Reino Unido, nem com a inscrição da filha BB em estabelecimento de ensino privado, bem como nas despesas tidas com a colocação de aparelho dentário no filho DD”.
Verifica-se, no entanto, que tal matéria já consta no elenco dos factos provados, sob o ponto 8, o que prejudica a presente pretensão.
Pretende também a apelante que se dê por provado que “A Requerida aufere mensalmente a quantia de € 1.081,02 (mil e oitenta e um euros e dois cêntimos)”.
Como meio de prova para esse efeito, indica o recibo de vencimento junto como documento nº 1, com as respectivas alegações. Desse documento resulta, com efeito, que em Abril de 2022, tal era o salário em questão.
Por isso, ao elenco dos factos provados, acrescentar-se-á um outro, com o seguinte teor: “Em Abril de 2022, o salário mensal da requerida ascendia a € 1.081,02 (mil e oitenta e um euros e dois cêntimos)”.
Por fim, pretende a requerida que se dê por provado que “A Requerida comparticipa mensalmente com uma mesada entregue aos filhos CC e BB”.
Tal como se referiu acima, quanto ao alegado acordo com os filhos sobre o pagamento de despesas, também aqui a matéria é genérica, conclusiva e, a final, irrelevante para a decisão a proferir. Por isso, isto é, pelas mesmas razões antes enunciadas, não se apreciará tal questão.
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Mais pretende a apelante que não se dê por provado que o requerido suportou as despesas descritas nos itens 6 e 7, pois que as não demonstrou exibindo os correspondentes recibos. Por isso, deveria ser dado como provado tão só que, por email de 8/11/2021, o requerido lhe comunicou ter incorrido em tais despesas.
A alegação recursiva em análise confunde duas questões: se deve ter-se por provado que o progenitor suportou tais despesas; e se o progenitor comprovou a realização de tais despesas junto da ora apelante, cumprindo o regime estabelecido, em ordem a poder exigir-lhe a comparticipação correspondente.
Para efeitos de demonstração da ocorrência e pagamento das despesas em questão, o teor do email e resposta havida, o tipo das mesmas, com valores coerentes e repetidos, e a sua natureza, não nos oferecem dúvidas quanto à sua realidade e veracidade. Por isso, entendemos que o teor dos itens 6 e 7 dos factos provados dever ser mantido.
Da dependência da sua exigibilidade à requerente relativamente à exibição de recibos, e do cumprimento, ou não, desta condição, não cumpre tratar nesta sede, sendo certo que o requerido, sujeito a tal obrigação segundo o disposto no art. 342º, nº 1 do C.Civil, não veio comprovar esse cumprimento, tal como resulta da ausência de qualquer referência a esse procedimento no elenco dos factos provados.
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Em suma, procedendo parcialmente a pretensão da apelante quanto à alteração da matéria de facto, será esta complementada pelos seguintes factos, que se têm por provados:
- As responsabilidades parentais nas questões de particular importância para os menores seriam exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta.
- Em Abril de 2022, o salário mensal da requerida ascendia a € 1.081,02 (mil e oitenta e um euros e dois cêntimos).
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Fixada definitivamente a factualidade a considerar, importa verificar se, em face do regime de exercício de responsabilidades parentais em vigor, bem como de outros factos eventualmente relevantes, pode ser imputada à requerente a responsabilidade pelo pagamento das despesas reclamadas.
Para este efeito, a sentença recorrida enunciou alguns pressupostos que cumpre discutir, porquanto a apelante os põe em causa.
Assim refere a sentença que a maioridade dos filhos BB e CC não põe em causa a continuidade da obrigação de prestação de alimentos (sendo dispensável discutir aqui a globalidade de necessidades dos alimentandos que o conceito de alimentos compreende, pois que isso não chega a ser objecto do recurso), até que perfaçam 25 anos, tal como dispõe o art. 1905º, nº 2 do C. Civil. Para que o contrário aconteça, é o progenitor obrigado que tem de vir a juízo pedir a exoneração ou alteração da sua obrigação.
Este pressuposto da decisão decorre da norma citada, tal como o refere o tribunal recorrido, sendo à luz desta solução legal que já acima se excluiu a utilidade da ponderação de qualquer acordo com os próprios filhos, nos termos do qual a ora apelante tenha alterado o conteúdo das suas obrigações de prestação de alimentos.
Sendo certo, ainda, que a apelante jamais veio pretender junto do tribunal a cessação ou a alteração das suas obrigações para com os seus filhos em razão de terem completado ou interrompido por sua vontade o seu processo de formação, nada se alterou no conteúdo daquelas, por efeito da maioridade da BB e do CC.
No que respeita ao fundamento da irrazoabilidade, sendo caso disso, ulteriormente nos pronunciaremos.
Por outro lado, é também acertada a afirmação da sentença recorrida quanto ao facto de uma eventual incapacidade financeira do progenitor obrigado a alimentos dever determinar um pedido de alteração do regime de exercício de responsabilidades parentais em vigor.
No entanto, no caso em apreço, o que importa verificar é se a apelante deve ser sujeita ao pagamento de algumas das despesas reclamadas, em face do regime vigente.
Pelo contrário, já se não pode admitir a correcção da asserção nos termos da qual o conhecimento, pela ora apelante, da existência de algumas despesas com as quais não concordava, sem que tivesse tido a iniciativa de requerer a alteração do regime, a sujeita depois à comparticipação nessas mesmas despesas.
Nesse sentido, afirma-se na sentença “Não pode é nada fazer para reagir contra opções do progenitor com as quais não concorda, e não efectuar o pagamento de metade dessas despesas que foram feitas.”
Todavia, essa não é a solução. O que cumpre verificar é, a montante disso, se a falta de obtenção de acordo da apelante quanto à realização de algumas despesas impede a sua responsabilização pelo correspondente pagamento. De resto, num regime assim estabelecido, em observância do disposto no art. 342º, nº 1 do C. Civil, é ao progenitor credor que cumpre demonstrar que cumpriu os requisitos estabelecidos para a reclamação da despesa: por exemplo, que o outro progenitor concordou; ou que a despesa era urgente; ou que enviou a factura ou recibo, conforme estipulado.
Assim, designadamente quanto à primeira hipótese de entre as que acabaram de se referir, resulta ainda do disposto no art. 1906º, nº 1 do C. Civil e decorre expressamente do regime fixado por apelante e apelado, que se as despesas provêm de opções que se traduzem em questões de particular importância para os alimentandos, a sujeição de cada um dos progenitores ao pagamento da respectiva comparticipação sempre dependerá de ter dado o seu acordo às mesmas ou, na falta deste, isso ter sido suprido judicialmente, mas sem que essa obrigação possa decorrer exclusivamente da vontade do outro progenitor ou dos próprios titulares do direito aos alimentos.
Ora, das despesas reclamadas pelo requerente, o tribunal só considerou serem de excluir as relativas a “costura, treinos e laboratório, esta porque inferior a 10,00€”, somando as outras e considerando serem elas da responsabilidade da requerente num total de 8.658,69 €.
Cumpre, então, rever tal decisão, à luz das questões suscitadas no recurso.
Quanto aos custos de 24/1/2019 e 31/01/2019, referentes a aparelho fixo mandibular aplicado à BB, nos valores de € 927,60, e de € 1.000,00, alega a apelante que, a essa data, cabia ao progenitor e ao seguro de saúde que mantinha para os filhos, o correspondente pagamento.
É certa a alegação de que o acordo de 21/10/2019, que tendia à repartição de despesas de ortodontia, não abrangia os custos em questão, que eram anteriores.
Por outro lado, perante o item 3º dos factos provados, não se evidencia que tais despesas coubessem no seguro de saúde pressuposto no acordo de exercício de responsabilidades parentais de 2016. Mas também não se podem considerar tais custos como despesas medicamentosas que, nos termos de tal acordo, caberiam a ambos os progenitores.
Ora, se assim não é, a incursão em tal custo, dado o seu valor, sempre constituiria uma questão de particular importância, a exigir o acordo de ambos os progenitores. Assim, para vincular a requerida ao pagamento de metade de tais custos, como pretendido, deveria o requerente ter alegado e demonstrado ter obtido o seu acordo. Tal lhe impunha o regime do art. 342º, nº 1 do C. Civil.
Dado que o elenco de factos provados não traduz uma tal realidade, falece o pressuposto para impor à requerida o correspondente pagamento.
Procederá, nesta parte, a sua pretensão.
As despesas com costura e treinos, de 27,00€ e de 28,45€ (conclusões 34ª a 39ª), respectivamente, foram excluídas da imputação à recorrente, na própria decisão recorrida, pelo que nada cumpre decidir a esse propósito.
Seguidamente, insurge-se a apelante quanto à consideração do custo do aparelho fixo mandibular “colocado nos filhos”.
A questão dos aparelhos referentes à BB já acima se decidiu. Mas vem referida outra despesa com um aparelho mandibular relativo ao filho DD, no valor de € 1.927,60.
Este valor foi gasto em 2/3/2020, ou seja, quando já se encontrava consensualizado que a ambos os progenitores caberia suportar os custos de ortodontia, conforme o acordo de Outubro de 2019. A obrigação de pagamento de metade não ficou sequer condicionada à apresentação de recibo pelo progenitor que tiver pago. Assim, a requerente não poderá deixar de pagar a sua comparticipação de 50% da despesa em causa.
Mais alega a apelante não lhe poderem ser imputadas as despesas com residência do filho CC em ... e ..., bem como as propinas da filha BB para estudo em estabelecimento de ensino superior particular, estando adquirido que jamais para elas deu o seu acordo.
As despesas em questão são as que maior relevância assumem no caso sub judice.
Assim, as despesas relativas ao ingresso da BB no IPAM (instituição de ensino privado que se admite ser o IPAM - Instituto Português de Administração de Marketing) são: pré-matrícula, candidatura, inscrição e 8 propinas de 420,70€ cada, tudo num total de 4.145,60€.
Por sua vez, as despesas do CC, associadas a formação em Inglaterra (... e ...) foram de 9.096,89€, assim discriminadas:
• 02/10/2021 - Residência ... 1ª prestação no valor de € 2.301,14.
• 20/01/2022 - Residência 1ª prestação ... no valor de € 2.327,51.
• 13/01/2022 - Residência 2ª Prestação - ... no valor de € 2.189,44.
• 21/04/2022 - Residência 3ª Prestação ... no valor de € 2.278,80.
A propósito da repartição de despesas escolares, requerente e requerida haviam acordado que as mesmas seriam “…pagas 50% por cada um dos progenitores, sendo pagas pelo progenitor que é encarregado de educação, devendo este para tal enviar ao outro progenitor o respectivo recibo por email e este terá de pagar até ao dia 8 do mês seguinte por transferência bancária.”
Em concordância com a apelante, entendemos que a opção pela formação de um filho num estabelecimento de ensino superior privado, bem como pela frequência de ensino superior no estrangeiro, desde logo pelos custos que importa – tal como resulta do acima contabilizado – é uma questão de particular importância, caindo no âmbito de aplicação da regra do art. 1906º, nº 1 do C.Civil, aliás expressamente adoptado por requerente e requerida no acordo de regulação de responsabilidades parentais relativas aos seus filhos.
Por isso, tal como acima se referiu em relação ao aparelho de ortodontia de BB, a implementação de tais opções de frequência de ensino superior privado (BB) e em Inglaterra (CC) deveria estar dependente do acordo de ambos os progenitores. Se o acordo da requerida tivesse sido obtido para esses efeitos, não poderia ela eximir-se à comparticipação em 50% nos correspondentes custos, mediante a apresentação de recibo, tudo a ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte, como estabelecido no regime acordado em Outubro de 2019.
No entanto, não só o requerente não demonstrou esse pressuposto, como se provou exactamente o contrário, isto é, que a requerida sempre disso discordou.
Nestas circunstâncias, e não tendo a falta de acordo sido superada por intervenção do tribunal, nos termos do nº 2 do art. 1906º do C.Civil, inexiste fundamento para, por aplicação do regime de exercício vigente entre requerente e requerida, se impor a esta o pagamento de despesas que resultam apenas da vontade daquele e, eventualmente, dos próprios filhos.
Resulta do exposto que, nos termos do regime de exercício de responsabilidades parentais vigente, nas suas sucessivas versões, compete à apelante pagar 50% das despesas que se passam a elencar:
● despesas de farmácia do DD, no valor de 27, 45 €;
● despesa de material escolar de 25/08/2019, no valor de € 136,59
● despesa de material escolar de € 6,95,
● aparelho fixo mandibular, relativo ao DD, no valor de € 1.927,60
● farmácia no valor de € 10,64
● Clínica ... – consulta do CC, no valor de € 45,00.
Tais despesas ascendem a 2.154,23€, cabendo à apelante pagar metade das mesmas, num total de 1.077,12€.
Fica prejudicada a questão da eventual exoneração da requerida em relação às demais despesas, v.g. em relação as despesas escolares de BB e de CC, no IPAM e em Inglaterra, respectivamente, em função da sua invocada irrazoabilidade.
Procederá, pois, parcialmente a apelação, cumprindo alterar a decisão recorrida, na parte em que condenou a ora apelante no pagamento de 8.658, 69 €, e fixando-se essa mesma condenação no pagamento, ao requerente, de mil e setenta e sete euros e 12 cêntimos. No mais, se absolverá a requerida, ora apelante, de quanto contra si vinha pedido.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento ao presente recurso, em razão do que, alterando a decisão recorrida, a substituem por outra que decreta a condenação da requerida, ora a apelante, a pagar ao requerente a quantia de 1.077,12€ (mil e setenta e sete euros e 12 cêntimos), absolvendo-a do mais que contra si vinha pedido
Custas por apelante e apelado, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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Porto, 30 de Setembro de 2025
Rui Moreira
Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos