Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
LEGITIMIDADE AD CAUSAM
Sumário
I - O trânsito em julgado é o momento em que uma decisão judicial se torna definitiva, não sendo mais possível recorrer dela. Isso ocorre quando todos os prazos para a interposição de recursos foram esgotados ou quando as partes simplesmente não os apresentaram. II - Se um banco é garante de uma garantia "on first demand" (ou "à primeira demanda") e é solicitado o pagamento, o dinheiro sai do banco, não diretamente da conta do devedor. Depois do pagamento, o banco tem o direito de regresso contra o devedor principal (quem solicitou a emissão da garantia) III - Se o devedor está insolvente, o banco garante faz o pagamento ao beneficiário da garantia on first demand, passando a ser credor do devedor e deve reclamar o seu crédito no processo de insolvência IV - Se o banco procede ao pagamento das garantias on firts demand com dinheiro existente na conta do devedor insolvente, está a violar o princípio da “par conditio creditorum”, ou seja, igualdade entre os credores. V - Mesmo havendo a autorização para a devedora manter a administração, tal não elimina os limites impostos aos credores individuais, que, sendo uma instituição bancária, não pode, sem prévia autorização, utilizar o saldo da devedora para proceder ao pagamento das garantias das quais era garante.
Texto Integral
Processo: 9630/24.4T8VNG-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 6
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é insolvente A..., S.A.” aquando da Assembleia de credores foi decidida a manutenção da actividade da insolvente até ao dia 31-03-2025, com a manutenção da administração pela devedora e fiscalização pela Sra. AI, com excepção da loja de Coimbra, a liquidar de imediato.
Entretanto veio a Sr.ª AI com um requerimento nos seguintes termos: I. Factos processuais: i. Como consta dos autos, a declaração de insolvência foi proferida em 20-12-2024; ii. E em 26-12-2024 foi proferida sentença no sentido de cometer a administração da massa insolvente à devedora, na pessoa do Sr. AA, sob fiscalização da signatária. II. Factos externos ao processo e que provocam a presente exposição e solicitação: iii. Face à decisão proferida sobre a administração da massa insolvente, a devedora, por intermédio da sua Ilustre mandatária, comunicou à Banco 1..., CRL estes factos, com cópia da sentença de declaração de insolvência e da decisão tomada sobre a administração, em 27-12-2024 – Doc. n.º 1; iv. Solicitando informações sobre a forma de manter a conta ativa, pois nesta conta caíam os pagamentos efetuados por ATM e o saldo ali existente era o que possibilitava o pagamento de rendas e impostos, sem todavia obter qualquer resposta;
No entanto, já em 26-12-2024, a colaboradora da insolvente, Dª BB verificou que a conta se encontrava bloqueada e que o acesso não lhe era permitido, pelo que questionou sobre o assunto – Doc. n.º 2; vi. Também sem resposta; vii. Em 03-01-2025 verificou-se que a Banco 1..., CRL, provavelmente a solicitação da empresa B... SUCURSAL EM PORTUGAL, procedeu ao pagamento da Garantia Bancária, no montante de 26.000,00 €, conforme consta do documento ora junto – Doc. n.º 3; viii. E, na mesma data, a solicitação da empresa C..., S.A, procedeu ao pagamento da Garantia Bancária, no montante de 100.000,00 €, conforme consta do documento ora junto – Doc. n.º 4; ix. Até aqui, tudo bem, ambas as garantias eram a 1ª solicitação, pelo que teriam de ser pagas e os respetivos valores reclamados no processo, nos prazos e Condições legais; x. No entanto, não foi isto que aconteceu, a Banco 1... CRL, ao absoluto arrepio da lei decidiu pagar-se a si própria, concedendo-se um privilégio ilegal e sabendo da declaração de insolvência e “limpou”, literalmente, a conta da insolvente; xi. E assim, pagou-se pela totalidade do saldo positivo existente na conta; xii.E como se isso não bastasse, liquidou um depósito a prazo, no montante de 40.000,00 €, deixando a conta com um saldo negativo de -54.223,46 € – Doc. n.º 5 (extrato da conta à data de 09-01-2025); xiii. Isto provocou a devolução dos pagamentos de rendas, impediu o pagamento dos impostos referentes ao mês em curso e provocou a devolução de vários débitos em conta, tudo conforme consta do extrato junto; xiv. Em 16 de Janeiro de 2024, a signatária enviou email à referida instituição bancária, solicitando a reposição dos valores em causa, conforme documento que se junta – Doc. n.º 6; xv. Sem resposta até à data e sem que tais valores tenham sido repostos. III. Do que se requer:
Em face do exposto, e porque se entende que a Banco 1..., CRL atuou ilegalmente e em prejuízo da massa insolvente, requer-se: Que seja notificada, pelo Tribunal, para no prazo de 10 dias repor o saldo da conta à ordem no valor que devia ter (superior a 30.000,00 €) de forma a que, a devedora e o seu administrador, possam proceder ao pagamento dos impostos devidos e possam também reabastecer as Lojas, o que ficaram impedidas de fazer face ao exposto.
**
Na sequência deste requerimento é proferido o despacho a 27.01.2025 “Ref. Citius 41370317: Notifique-se, com nota de urgência, o Gerente da Banco 1..., CRL para, no prazo de 10 dias, repor o saldo da conta à ordem no valor que devia ter (superior a 30.000,00 €) - pontos X a XII - de forma a que, a devedora e o seu administrador, procedam ao pagamento dos impostos devidos e reabastecimento das Lojas - envie-se cópia do requerimento para absoluta elucidação.”
A 12.02.2025 A Banco 1...CRL, veio expor o seguinte: “(…) Credora nos autos (…) vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: Com o devido respeito a aqui Credora Reclamante não pode concordar com o teor do aludido despacho, crendo aliás, que o seu teor resulta das informações obscuras, imprecisas ou deturpadas que foram carreadas para o processo pela Sr.ª AI, cumprindo por isso esclarecer o seguinte: Efetivamente, a declaração da Insolvente da Devedora ocorreu no dia 20-12-2024. Na sequência do que se decidiu cometer a administração da massa insolvente à devedora, na pessoa do Sr. AA, conforme resulta do despacho de 26-12-2024 com a referência eletrónica 467100313 e como tal que se mantivesse a movimentação das contas. Tendo tais factos sido efetivamente comunicados à aqui Credora Reclamante através da comunicação junta pela Sr.ª AI sob documento 1. Confirmando ainda a receção da comunicação que se juntou sob documento 2. O que daí vem a seguir, além de constituir uma série de imprecisões, constituem bem assim uma afronta À dignidade da aqui credora Reclamante, porquanto são tecidas considerações e insinuações sem qualquer fundamento. Antes demais, refere a Sr.ª AI que “provavelmente” a solicitação das EMPRESAS B... Sucursal em Portugal E C..., sa. Procedeu ao pagamento das garantias bancárias, nos montantes de €26.000,00 e €100.000,00, respetivamente, quando, bem sabe que foi efetivamente e não provavelmente a solicitação das aludidas empresas que foram pagas as garantias bancárias, porquanto, tal é expressamente referido na Reclamação de Créditos que foi apresentada junto da Sr.ª AI e cujo crédito foi devidamente reconhecido, conforme consta da lista de credores reconhecidos. Referiu, ainda, a Sr.ª AI que “ao absoluto arrepio da lei decidiu pagar-se a si própria, concedendo-se um privilégio ilegal e sabendo da declaração de insolvência e “limpou” literalmente a conta da insolvente.” A Sr.ª AI, antes demais, deverá ter algum cuidado com as acusações que faz, que além de serem manifestamente infundadas, constituem um atentado à dignidade e seriedade da Credora Reclamante, o que não se pode aceitar. Pois, a aqui Credora Reclamante não agiu contra a lei muito menos de má fé e contrariando os bons costumes, não se admitindo que se utilizem expressões como “limpou” a conta da insolvente, quando reportadas a uma operação bancária absolutamente legal e que tem justificação não só nos documentos juntos com a própria reclamação de créditos, mas ainda no extrato de conta junto pela própria AI. Pois, como se refere no d. despacho de 26-12-2024, a Devedora mantém a atividade epor tal o acesso às contas, E apesar da insolvência, a conta da insolvente não foi cancelada como refere a AI, indevidamente. A conta manteve-se e dali foram feitas todas as movimentações que surgiram, conquanto, estivesse aprovisionada com saldo suficiente para o efeito. Tal pagamento tratou-se de um ato de gestão corrente da conta da insolvente, como outros resultaram e se antolha do extrato de conta corrente junto pela Sr.ª AI e ainda o que foi junto com a Reclamação de Créditos da aqui Credora Reclamante. Assim, efetivamente a Credora Reclamante procedeu ao pagamento das aludidas garantias, o que não é verdade é a Credora Reclamante se tenha concedido qualquer privilégio, muito menos ilegal. A garantia bancária à primeira solicitação ou on first demand cria uma situação jurídica que impõe ao garante, ao ser interpelado pelo credor, esteja, obrigado a pagar a quantia garantida sem contestar o pagamento do que lhe é exigido. E foi precisamente o que a aqui Credora Reclamante efetuou, procedeu imediatamente ao pagamento das garantias bancárias que lhe foi solicitado. Não utilizou o dinheiro em benefício próprio, procedeu aos pagamentos que foram solicitados através do acionamento das garantias bancárias, utilizando o dinheiro que se encontrava à data disponível na conta da obrigada. O que é certo é que as obrigações da empresa para com as aludidas empresas B... e C... não foram cumpridas e não o foram por razões que são alheias à aqui Credora Reclamante, mas naturalmente não serão à Devedora e ao seu administrador e à Sr.ª AI que ficou incumbida de fiscalizar a atividade da empresa, e se as garantias foram acionadas, tal decorreu, por força do incumprimento da Devedora para com as aludidas empresas. No caso dos autos, foi decidido manter as contas correntes ativas para gestão dos atos de vida corrente da sociedade, para que a Insolvente pudesse manter ativa até à data da assembleia de credores. Ora, mantendo-se a sociedade em funcionamento, impunha-se que esta cumprisse todas as obrigações assumidas, nomeadamente as decorrentes dos contratos de emissão de garantias bancárias. E foi o incumprimento desta que originou a operação de pagamento das garantias bancárias Com efeito, conforme resulta expresso da cláusula quarta, ponto dois “A peticionária obriga-se a ter a conta DO suficientemente provisionada, nas datas de vencimento dessas obrigações, e desde já autorizam a Banco 1... a movimentá-la e a debitá-la, para efetivar quaisquer pagamentos.” Com o devido respeito, mantendo-se a atividade da Insolvente e por tal que a mesma continue a assumir e cumprir obrigações, tal cumprimento tem que ser geral. Os montantes gerados com a atividade da Insolvente serão para a sua gestão corrente, pagamento das obrigações que vierem surgindo. Não pode a questão do pagamento das garantias bancárias ser vista de forma diferente dos pagamentos aos fornecedores e salários de funcionários. O pagamento das garantias bancárias não deixa de constituir o pagamento a fornecedores motivado pelo incumprimento da Insolvente. Finalmente, nunca foi indicado à aqui Credora Reclamante que o valor solicitado pelas comunicações juntas se destinava a pagar impostos ou qualquer outra despesa em concreto, até porque, como se viu em sede de Assembleia de Credores não existe qualquer dívida da Sociedade insolvente para com a Autoridade Tributária. De forma que, em conclusão se terá de reiterar que o resgate das garantias bancárias foram pedidas pelas aludidas empresas porque a Insolvente não cumpriu o previamente estabelecido para com aquelas, factos que são alheios à Banco 1..., não restando outra alternativa, senão proceder ao seu pagamento, o que fez, naturalmente utilizando os saldos existentes, apesar de insuficiente, tanto assim, que decorrente do pagamento das garantias bancárias foi reclamado e devidamente reconhecido o crédito à aqui Credora Reclamante. Termos em que, com o devido respeito, deve ser revista a situação exposta pela Sr.ª AI e a final decidir-se pela revogação do douto despacho a que se responde.
**
Em resposta veio a SR. AI dizer que “A signatária mantém tudo o que foi alegado no seu requerimento de 23 de Janeiro de 2025, refª Citius 41370317;
• Sendo que constam dos autos as datas de declaração de insolvência, dos vários despachos proferidos e as datas em que a Banco 1... pagou as garantias bancárias em causa, utilizando o saldo e depósitos existentes na conta da insolvente;
• Verifica-se também, dos documentos juntos com o referido requerimento, que a Banco 1... já sabia da declaração de insolvência;
• Aliás, o pagamento das garantias em causa deu-se precisamente por causa da declaração de insolvência;
• Continuamos a entender que ambas as garantias, que eram a 1ª solicitação, teriam de ser pagas, mas os valores pagos teriam sempre de ser reclamados no processo de insolvência, pois o seu pagamento foi posterior à declaração de insolvência, mas tratava-se inequivocamente de uma dívida da insolvente e não da massa insolvente;
• Posição que foi também respeitada quanto aos restantes credores, incluindo fornecedores, pois tudo o que eram dívidas constituídas e/ou vencidas antes da declaração de insolvência não foram pagas e sim reclamadas no processo;
Não é defensável vir alegar que foi um ato de gestão corrente, ou que se pagou o que havia para pagar enquanto a conta estava provisionada;
• Como já se disse, o vencimento da garantia deu-se por força da declaração de insolvência, sendo, como já se disse e reafirma, paga uma dívida da insolvente, com fundos que não eram passíveis de ser utiiizados para tal, pois a declaração de insolvência, tem, como um dos seus efeitos, estabilizar o passivo;
• Para que as dívidas da insolvente sejam pagas do resultado da sua liquidação;
• E, mesmo mantendo-se a empresa a laborar esta separação é sempre evidente;
• Por outro lado, entende a signatária que o despacho em causa já transitou pois não foi alvo de qualquer recurso;
• Sendo que, até ao momento, e que seja do conhecimento da signatária, nunca foi reposta a legalidade da conta.
Pelo que se requer:
Que seja mantido o despacho proferido, o qual, na nossa muito humilde opinião, já transitou em julgado;
Que seja indeferido o peticionado pela Banco 1... no requerimento a que se responde;
Que seja a Banco 1... notificada, pelo Tribunal, para no prazo de 10 dias repor o saldo da conta à ordem.
***
A 30.03.2025 é proferida a seguinte decisão “ Com relevo para a apreciação da questão a decidir, atente-se no seguinte: - Por requerimento de 23.01.2025, veio a Senhora Administradora da Insolvência, informar o tribunal de que tinham sido pagas duas garantias à primeira solicitação no valor de € 26.000,00 e € 100.000,00. Informou, ainda, que, na sequência desses pagamentos, a entidade bancária “se pagou” com todo o saldo positivo existente na conta da insolvente e liquidou, ainda, um depósito a prazo, no montante de € 40.000,00, deixando a conta com um saldo negativo de -54.223,46 €. Requereu ao tribunal a notificação da a Banco 1... C.R.L para, no prazo de 10 dias, repor o saldo da conta à ordem no valor que devia ter (superior a 30.000,00€) de forma a que, a devedora e o seu administrador, possam proceder ao pagamento dos impostos devidos e possam também reabastecer as Lojas, o que ficaram impedidas de fazer face ao exposto. - A 27.01.2025 foi proferido despacho, nos termos do qual, foi ordenada a reposição do montante em causa. - A 12.02.2025 veio a Banco 1... informar, em suma, que não utilizou o dinheiro em benefício próprio, apenas procedeu aos pagamentos que foram solicitados através do acionamento das garantias bancárias, utilizando o dinheiro que se encontrava à data disponível na conta da insolvente. - Por requerimento de 28.02.2025 veio a Senhora Administradora da Insolvência pugnar pela manutenção do requerimento de 23.01.2025 e, ainda, pelo cumprimento do despacho proferido a 26.02.205. Cumpre apreciar e decidir. Começar-se-á por dizer que, como é consabido, uma vez proferida uma decisão judicial, o poder jurisdicional do juiz fica, imediatamente, esgotado. A extinção do poder jurisdicional tem por base a necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais, mas não é absoluta, sofrendo de algumas limitações previstas na lei. Com efeito, e conforme decorre do supra exposto, relativamente à questão suscitada, foi ordenada, por despacho proferido a 27.01.2025, a notificação da credora Banco 1... C.R.L para repor o valor que retirou da conta. Assim sendo, impõe-se, por um lado, dizer que o poder jurisdicional se esgotou com a prolação daquele despacho e, por outro lado, que o despacho proferido a 27.01.2025 já transitou em julgado, pelo que, deverá ser cumprido. De todo o modo, e para que não subsistam dúvidas, impõe-se lembrar que artigo 50.º do CIRE sob a epígrafe “créditos sob condição” prevê o seguinte: 1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico. 2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução; b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão; c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.” Podemos, assim, afirmar que o crédito condicional é aquele que, existindo, não pode, ainda, ser exigido, pelo facto de não se ter, ainda, por verificada a condição. Como é consabido a garantia autónoma on first demand cria uma situação jurídica por força da qual o garante tem de pagar a quantia garantida, logo que o benificiário o solicite. Ora, acionamento da garantia consiste, precisamente, na verificação dessa condição. Portanto, dúvidas não há de que, de facto, a Banco 1... C.R.L estava obrigada a pagar às duas credoras que acionaram a garantia, todavia, não podia pagar-se a si mesma, porque não podia ter beneficiado de uma garantia constituída a favor de outras duas pessoas coletivas. Veja-se a este respeito o que se escreveu no acórdão do TRL de 26.11.2024, processo n.º 392/13.1TYLSB-BC.L1-1, disponível em www.dgsi.pt: “acionada a garantia, deve a mesma ser transposta para o processo de insolvência, acompanhando os créditos que visa garantir e sem os quais aquela não existiria, não servindo a mesma para beneficiar todos os credores da insolvente, mas sim e apenas aqueles em benefício dos quais aquela garantia foi prestada, a favor de quem deve reverter o aludido valor.” (grifos nossos). Acrescenta-se, ainda, que de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 128.º do CIRE “devem os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem (…) as condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas.” Compulsados os autos, constata-se que não só a entidade bancária reclamou o seu crédito, como tal crédito foi, provisoriamente, reconhecido pela Senhora Administradora da Insolvência, (consta quadro anexo ao relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE) pelo que, terá de ser pago – tal como todos os outros créditos – no processo de insolvência. Conclui-se, assim, dizendo que a Banco 1... C.R.L não poderia, de maneira nenhuma, ter retirado os montantes da conta da insolvente para se “pagar a si própria”. O crédito foi reclamado, pelo que, será pago no processo e, além disso, o poder jurisdicional relativamente à questão suscitada encontrava-se já esgotado. Em face do exposto, determino o imediato cumprimento do despacho proferido a 26.02.2025.”
**
A Banco 1... veio pedir uma aclaração do despacho “Em primeiro lugar refere-se no despacho em referência “Conclui-se, assim, dizendo que a Banco 1... C.R.L não poderia, de maneira nenhuma, ter retirado os montantes da conta da insolvente para se “pagar a si própria”. O crédito foi reclamado, pelo que, será pago no processo e, além disso, o poder jurisdicional relativamente à questão suscitada encontrava-se já esgotado.” Cumpre esclarecer que o crédito que foi reclamado pela aqui Requerente, como da Reclamação de Créditos apresentada se antolha foi em momento posterior à operação em análise que consistiu no pagamento das garantias bancárias do montante existente na conta à ordem da insolvente. De forma que o valor reclamado, naturalmente não engloba o valor cuja devolução se está a determinar. Como resulta da Reclamação de Créditos que se junta(art.º 29.º a 47.º), apesar de ser mencionado o pagamento das garantias bancárias no valor de €26.000,00 à B... – SUCURSAL DE PORTUGAL e de €100.000,00 à C..., SA., o valor reclamado foi o montante resultante do débito que esse pagamento resultou, refletido na conta corrente cujo extrato de conta se juntou com a Reclamação de Créditos sob documento n.º 17, ou seja, a quantia de €53.568,82, tendo-se concluído no artº 47.º: “Decorrente dos pagamentos das aludidas contas bancária, resultou um débito para a Reclamante no valor de €53.568,82, tudo conforme resulta do extrato da conta DO associada aos contratos para emissão de garantias bancárias e que se junta sob documento 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais”De forma que, qualquer valor a ser devolvido terá que determinar uma atualização ao valor da Reclamação de Créditos, porquanto o valor utilizado para pagamento das garantias bancárias não foi reclamado no processo de insolvência. Por outro lado, cremos que o despacho, cujo cumprimento é determinado, contém algumas imprecisões/inexatidões, que se impõem esclarecer para que a aqui requerente possa, efetivamente, dar-lhe cumprimento. O despacho aqui em análise conclui determinando o cumprimento do despacho de 26-02-2025. Não sendo este o despacho visado nas comunicações dirigidas aos autos pela Senhora AI e ao qual a aqui requerente respondeu, crê-se que tal se deverá tratar de um mero lapso evidente e de escrita e que o que se pretendia referir era o despacho de 24-01-2025 com a referência eletrónica 468080683.,Vejamos então o que diz o despacho em causa: Notifique-se, com nota de urgência, o Gerente da Banco 1..., CRL para, no prazo de 10 dias, repor o saldo da conta à ordem no valor que devia ter (superior a 30.000,00 €) - pontos X a XII - de forma a que, a devedora e o seu administrador, procedam ao pagamento dos impostos devidos e reabastecimento das Lojas - envie-se cópia do requerimento para absoluta elucidação.” Não sendo mencionado o montante exato a ser devolvido, apesar de ter sido junto o extrato da conta que reflete todos os movimentos na conta e bem assim os pagamentos que foram efetuados relativos às garantias bancárias, não é mencionado o valor que deve ser devolvido, apenas se aludindo o valor que devia ter (superior a 30.000,00). Ora, da consulta do extrato da conta à ordem junto pela Sr.ª AI e bem assim do junto pela Credora Reclamante com a sua Reclamação de Créditos, resulta que a conta à ordem, à data em que foi feito o pagamento da garantia bancária à Empresa B... no valor de €26.000, a aludida conta à ordem tinha um saldo positivo no valor de €25.382,10 (movimentos de 03-01-2025 da primeira página do extrato junto). E na ótica a aqui Requerente é este o valor que deve ser devolvido, que é o montante que a conta teria caso não fossem liquidadas as garantias bancárias. Contudo por ser inferior à aludida quantia - superior a €30.000,00 - requer-se a V. Exa. que se digne determinar qual o montante exato que a aqui requerente deve devolver. Finalmente cumpre clarificar o seguinte: O despacho cujo cumprimento se está a ordenar foi proferido em 27-01-2025, momento em que a Sociedade Insolvente estava em plena laboração, pois como resulta da ata da Assembleia de Credores foi deliberada a manutenção da atividade da empresa até ao dia 31-03-2025.De forma que, não se mantendo, à data em que se fará a devolução do montante, a atividade da empresa, cremos que a manter-se a devolução de qualquer montante só faz sentido se for a reverter para a Massa Insolvente e não para a conta da Insolvente, uma vez que as razões que determinaram a sua devolução – manutenção da atividade da empresa (pagamento de impostos devidos e para reabastecimento das lojas) – neste momento inexistem. Decorrendo por um lado da própria Assembleia de Credores a inexistência de impostos em dívida e inexistindo, à data, qualquer necessidade de reabastecimentos das lojas, parece-nos por demais evidente que, a ser algum valor devolvido, terá que ser em benefício da Massa Insolvente e não para reposição da conta à ordem. Por essa razão, para que a aqui requerente possa cumprir o despacho em apreciação, impõe-se que previamente sejam prestados os seguintes esclarecimentos: 1. Qual o montante efetivamente a devolver? 2. Se deve ser devolvido para a conta à ordem ou atento o decurso do tempo e a inexistência das razões que determinaram a sua devolução para a conta à ordem, se o montante em causa deve ser entregue à Massa Insolvente e em caso afirmativo que seja informado o IBAN da conta em mérito. Termos em que e nos melhores de direito requer-se a V. Exa. a aclaração do despacho de 30-03-2025 com a referência eletrónica n.º 470390849, devendo ser esclarecidas todas as questões suscitadas, para que a aqui requerente possa dar devido e pleno cumprimento ao mesmo.”
Despacho proferido: “Ref. Citius 42245364: Resulta da exposição do requerente, Banco 1... CRL, que não se conforma com o despacho e que pretende interpor recurso referindo, no entanto, pretender que seja aclarado a fim de dar cumprimento ao mesmo. Ou seja, a argumentação é contraditória nos termos em que se mostra exposta. Com efeito, se pretende interpor recurso é porque não se conforma com o despacho e se não se conforma deverá interpor o respectivo recurso. Além disso, resulta da exposição apresentada que compreendeu completamente o teor do despacho proferido. No entanto, sempre se dirá que, conforme bem refere o requerente, o despacho em crise conclui determinando o cumprimento do despacho de 26-02-2025, o que se deve a lapso evidente e de escrita, uma vez que o que se pretendia referir era o despacho de 27-01-2025 com a referência eletrónica 468080683. Assim sendo, retifica-se o referido despacho no segmento em causa, indeferindo-se o demais solicitado, sendo certo que caso não seja interposto recurso, serão devidamente definidos os termos em que o requerente deverá cumprir o determinado atento o estado atual dos autos e após prévia observância do contraditório. Notifique.”
**
RECURSO
Não se conformando com o despacho de 30.03.2025 veio a Banco 1... interpor recurso.
Após alegações, apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
**
Houve contra-alegações por parte da Massa Insolvente, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, são as seguintes questões a tratar: - se o despacho de 27.01.2025 transitou em julgado e se o mesmo devia ter sido antecedido do cumprimento do contraditório relativamente à ora recorrente Banco 1...
-inutilidade superveniente do despacho proferido a 27.01.2025.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. OS FACTOS
Os que constam supra do relatório.
B. O DIREITO
A primeira questão deste recurso prende-se com o trânsito em julgado do despacho de 27.01.2025. O que é o trânsito em julgado?
O trânsito em julgado é o momento em que uma decisão judicial se torna definitiva, não sendo mais possível recorrer dela. Isso ocorre quando todos os prazos para a interposição de recursos foram esgotados ou quando as partes simplesmente não os apresentaram. Após o trânsito em julgado, a decisão adquire a chamada coisa julgada, tornando-a imutável, indiscutível e obrigatória para as partes.
O despacho de 27.01.2025 não é um despacho de mero expediente – é um despacho de fundo com interferência nos direitos e interesses daquela entidade bancária.
Como bem diz a recorrida “Entende-se por «despachos de mero expediente», para este efeito, os destinados «a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes» (art.º 152.º, n.º 4, I parte, do CPC), isto é, não são «susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros», por se tratar de «despachos banais, que não põem em causa interesses das partes, dignos de protecção» (José Alberto dos Reis, Código Processo Civil, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, págs. 249 e 250).” O que faz a ora recorrente após a notificação do despacho de 27.01.2025?
Reclama, invocando a sua discordância relativamente ao despacho proferido, mas não invoca nenhuma nulidade, designadamente a falta de cumprimento do contraditório, que vem questionar somente após a prolacção do despacho ora recorrido.
Desta feita, ao decidir da reclamação apresentada, o Tribunal recorrido considerou que estava esgotado o seu poder jurisdicional quanto ao primeiro despacho, estando por isso legalmente impedido de o alterar, sob pena de violar o princípio da estabilidade das decisões dos tribunais.
Devia, pois, o tribunal recorrido ter indeferido pura e simplesmente a reclamação.
Porém, e pensámos nós, para que a ora recorrente ficasse mais convencida da sua falta de razão, a Sr. Juiz confirma o despacho já transitado e expõe de modo mais claro os motivos pelos quais o fez.
Este “plus” deste despacho serviu de alavanca para que o recorrente entendesse que podia interpor recurso, não do indeferimento da reclamação, mas da questão de fundo que levou à prolação do despacho de 27.01.2025.
Além disso, partindo do princípio, ainda que subsidiariamente, da existência de caso julgado, questiona a inutilidade do despacho proferido em virtude do tempo que entretanto decorreu.
Condensando, podemos dizer que o despacho de 27.01.2025 transitou em julgado, uma vez que dele não foi interposto recurso no prazo legal.
A decisão proferida foi entendida pelo ora recorrente, que não questionou a existência de qualquer nulidade.
Esclareça-se que não houve qualquer violação do princípio do contraditório uma vez que a ora recorrente, que, por coincidência é credora no processo, foi notificada na qualidade de entidade bancária.
Não obstante a questão decidida no despacho de 27.01.2025 estar definitivamente decidida, cumpre a este tribunal apreciar da invocada inutilidade da mesma. Tal pressupõe uma breve explanação do que levou à prolação do despacho.
Sabemos que a Banco 1... era garante de duas garantias “on first demand”.
Trata-se de um tipo de garantia irrevogável, autónoma e incondicional, onde o garante (o banco) se compromete a pagar ao beneficiário assim que este solicitar, sem necessidade de comprovar inadimplemento do devedor principal. Funciona desta forma:
• O beneficiário acciona a garantia (por exemplo, por inadimplemento do devedor). • O banco garante paga o valor imediatamente, com seus próprios recursos.
• Não há necessidade de processo judicial nem de provar a inadimplência do devedor.
Se um banco é garante de uma garantia "on first demand" (ou "à primeira demanda") e é solicitado o pagamento, o dinheiro sai do banco, não diretamente da conta do devedor. Depois do pagamento, o banco tem o direito de regresso contra o devedor principal (quem solicitou a emissão da garantia). O banco vai cobrar esse valor depois, debitando de uma conta vinculada, se houver, executando garantias adicionais (ex: cauções), intentando uma acção judicial, se necessário.
Se o devedor está insolvente, o banco garante faz o pagamento ao beneficiário da garantia on first demand, passando a ser credor do devedor e deve reclamar o seu crédito no processo de insolvência
Se o banco, tal como aconteceu nos presentes autos, procede ao pagamento das garantias on firts demand com dinheiro existente na conta do devedor insolvente, está a violar o princípio da “par conditio creditorum”, ou seja, igualdade entre os credores.
Se o banco usa diretamente o saldo da conta do devedor insolvente, sem autorização do administrador da insolvência (ou sem uma garantia legalmente constituída antes da insolvência), ele pode estar a favorecer-se indevidamente em relação aos demais credores, praticando um acto de autocompensação não autorizado, vedado no processo de insolvência;
Além de outras consequências quer ao nível civil, quer criminal, essa actuação do banco garante implica a invalidade do débito, podendo o AI exigir a reposição do montante.
Foi exactamente o que aconteceu no caso dos autos. A Sr. AI exigiu a devolução do montante que entendia corresponder ao valor que o banco retirou indevidamente da conta da insolvente (não vamos analisar a questão do valor em concreto pois não foi objecto deste recurso) e em face do silêncio do Banco, requereu a intervenção judicial que corresponde ao despacho de 27.01.2025.
Note-se que, em tese, era possível o banco utilizar directamente o dinheiro do devedor se tivesse uma garantia válida constituída antes da declaração da insolvência, se tivesse um direito de compensação contratualmente previsto, se tivesse autorização judicial ou do administrador da insolvência.
Nada disto aconteceu, nem sequer o banco o invoca.
Diz o recorrente que “o pagamento das garantias bancárias mais não se tratou do que um ato de gestão corrente da conta da insolvente, como outros resultaram como se antolha do extrato junto pela Sr.ª Administradora de Insolvência (..) não se concebe como podem ser admitidas as operações bancárias que supra se evidenciarem refletidas no extrato de conta corrente da sociedade e repudiar-se o pagamento das garantias (…) mantendo-se a atividade da Insolvente e por tal que a mesma continue a assumir e cumprir obrigações, tal cumprimento tem de ser geral.”
Esta postura do recorrente ignora por completo o regime específico do funcionamento das garantias on first demand.
Depois de concluirmos pelo acerto do despacho em causa (que não era objecto de recurso, atento o referido trânsito), analisemos a bondade da afirmação do recorrente relativa à inutilidade superveniente do mesmo.
Diz o recorrente a tal propósito: “De forma que, a dar-se cumprimento ao despacho – devolvendo-se à conta da insolvente o valor que na ótica da M. Juiz a quo a conta devia ter, sem o pagamento das garantias bancárias, deixa de ter qualquer base ou fundamento. Neste momento não existem, nem podem existir as razões que motivaram a prolação do despacho de 27-01-2025 - necessidade de acorrer a satisfação das despesas diárias da insolvente para pagamento das despesas com a manutenção da sua atividade e muito menos relativamente a pagamento de impostos, pois como se viu, tal incumprimento nunca existiu. Pelo que, ainda que se entenda que é de manter o despacho no sentido de a aqui recorrente proceder à devolução dos montantes utilizados para pagamento das garantias bancárias, com o devido respeito, tal manutenção sempre teria de vir acompanhado de uma alteração quanto ao modo de restituição desse valor . Pois, cremos que atento o momento em que o despacho de manutenção é proferido, a ordem sempre deveria ser de restituir à Massa Insolvente tal valor e não para a conta da Insolvente, por não se vislumbrar qualquer utilidade nessa reposição. Desde logo não se vislumbra um dos motivos para o pedido ser formulado pela Senhora Administradora de Insolvência – a suposta necessidade de proceder ao pagamento de impostos, quando resulta do relatório da AI a inexistência de dívidas à AT.”
Como se pode ler no despacho recorrido a razão da ordem de devolução do dinheiro não tem como fundamento a necessidade, ou não, de pagar impostos à AT, mas sim, a própria característica das garantias on first demand.
Ali se escreveu: “Como é consabido a garantia autónoma on first demand cria uma situação jurídica por força da qual o garante tem de pagar a quantia garantida, logo que o benificiário o solicite. Ora, acionamento da garantia consiste, precisamente, na verificação dessa condição. Portanto, dúvidas não há de que, de facto, a Banco 1... C.R.L estava obrigada a pagar às duas credoras que acionaram a garantia, todavia, não podia pagar-se a si mesma, porque não podia ter beneficiado de uma garantia constituída a favor de outras duas pessoas coletivas. Veja-se a este respeito o que se escreveu no acórdão do TRL de 26.11.2024, processo n.º 392/13.1TYLSB-BC.L1-1, disponível em www.dgsi.pt: “acionada a garantia, deve a mesma ser transposta para o processo de insolvência, acompanhando os créditos que visa garantir e sem os quais aquela não existiria, não servindo a mesma para beneficiar todos os credores da insolvente, mas sim e apenas aqueles em benefício dos quais aquela garantia foi prestada, a favor de quem deve reverter o aludido valor.” (grifos nossos). Acrescenta-se, ainda, que de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 128.º do CIRE “devem os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem (…) as condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas.” Compulsados os autos, constata-se que não só a entidade bancária reclamou o seu crédito, como tal crédito foi, provisoriamente, reconhecido pela Senhora Administradora da Insolvência, (consta quadro anexo ao relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE) pelo que, terá de ser pago – tal como todos os outros créditos – no processo de insolvência. Conclui-se, assim, dizendo que a Banco 1... C.R.L não poderia, de maneira nenhuma, ter retirado os montantes da conta da insolvente para se “pagar a si própria”. O crédito foi reclamado, pelo que, será pago no processo e, além disso, o poder jurisdicional relativamente à questão suscitada encontrava-se já esgotado. “
O recorrente ignora que a circunstância de, mesmo havendo a autorização para a devedora manter a administração, tal não elimina os limites impostos aos credores individuais. Logo, o recorrente não podia, sem prévia autorização, utilizar o saldo da devedora para proceder ao pagamento das garantias das quais era garante.
Concluindo, não existe qualquer inutilidade superveniente do despacho proferido a 27.01.2025 dado que os motivos da reposição do dinheiro se mantêm. Mas em que conta deve o banco repor o dinheiro? A quantia em causa é depositada na conta da insolvente ou na conta da massa insolvente?
Diz o recorrente que o despacho “teria de vir acompanhado de uma alteração quanto ao modo de restituição desse valor. Pois, cremos que atento o momento em que o despacho de manutenção é proferido, a ordem sempre deveria ser de restituir à Massa Insolvente tal valor e não para a conta da Insolvente, por não se vislumbrar qualquer utilidade nessa reposição.”
O banco deve depositar o valor na conta da massa insolvente, e não na conta bancária comum da devedora, pois após a declaração da insolvência todos os bens e direitos do devedor integram a massa insolvente – artigo 46º do CIRE.
Note-se que normalmente o AI opta por abrir uma nova conta bancária em nome da massa insolvente, mas pode continuar com a conta anterior, sendo a mesma usada exclusivamente pela massa.
A massa insolvente é uma universalidade jurídica autónoma, com fins próprios: a satisfação dos credores, sob direção e controlo do administrador da insolvência. Mesmo que a devedora mantenha a administração (nos termos do art. 224.º CIRE), a titularidade e afectação dos bens (inclusive saldos bancários) são da massa, e não da devedora "civil".
Tal conclusão não implica qualquer rectificação ou alteração do despacho. A ordem de reposição mantém-se. Se o Banco tinha dúvidas relativamente à conta onde devia proceder a essa mesma reposição podia desfazê-las junto do administrador de insolvência.
IV. DECISAO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida
Custas pelo recorrente.
DN
Porto, 30 de Setembro de 2025
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia de Lima
Maria da Luz Seabra
Alberto Taveira