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CORRECÇÃO OFICIOSA
PRESCRIÇÃO
Sumário
I - O que parece relativamente evidente é que o julgador não pode, por sua iniciativa (e sem ela) modificar o alcance ou conteúdo da anterior decisão já transitada, não permitindo a parte final da alínea b), do nº 1, do art.º 380º, do C. Processo Penal a correcção quando esta importe uma modificação essencial da decisão. III - No caso dos autos, a modificação efectuada é, sem margem para dúvida, essencial, porque pretende-se remeter para julgamento um conjunto de factos que no anterior despacho se consideraram prescritos. Estando já terminado o procedimento criminal, pretendia-se fazê-lo renascer, a pretexto da não consideração anterior de uma determinada causa de interrupção de prescrição que já então existia, e que se o julgador não levou em conta, e não houve recurso tal entendimento, consolidou-se, e não pode ser revisto a todo o tempo.
Texto Integral
Acordam em Conferência os Juízes da 3ªsecção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório:
Nos autos de Processo n.º 1195/24.3Y4LSB-L1, não conformado com o despacho de 20.02.25 que deu sem efeito despacho anterior que havia declarado prescrito o procedimento contra-ordenacional, veio a arguida ..., melhor identificada nos autos, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
Em 15 de novembro de 2024, o tribunal a quo declarou a prescrição do procedimento,mais determinando o oportuno arquivamento dos autos (Ref. 153999225).
A Arguida, ora recorrente e a Participante (...), foram notificados desta decisão pelos ofícios ref. 154253153 e 154253268, elaborados pelo citius, ambos de 19 de novembro de 2024, notificação tomada efetiva em 22 de novembro de 2024.
A decisão, de 15 de novembro de 2024, transitou em julgado em 17 de dezembro de 2024, já com o desconto dos três dias úteis de multa, sendo que o prazo de recurso é de 20 dias, nos termos do n° 4 do artigo 55° da LQCA, acima citada e mesmo que o prazo de recurso fosse o normal de 30 dias, o trânsito também se tinha verificado em 09 de janeiro de 2025, já com os três dias úteis de multa.
Em 22 de novembro de 2024, o participante (...), através de ofício enviado ao Tribunal a quo informa que não acompanha o decido em 15 de novembro de 2024, quanto à contagem do prazo e pergunta se há possibilidade de recorrer e que o prazo de recurso é de 20 dias, sendo que o MP, no seu visto de 05 de dezembro de 2024, promove imediata conclusão ao MM° Juiz, porque nesta data ainda não se tinha dado o trânsito.
O MM° Juiz a quo, porém, só profere despacho em 20 de fevereiro de 2025, dando sem efeito o de 15 de novembro de 2024, sendo deste despacho de 20 de fevereiro de 2025 que agora se recorre e que nesta data, há muito se tinha dado o trânsito da decisão de 15 de novembro de 2024, que pôs termo ao processo/procedimento.
Das decisões/despachos que põem termo ao processo, recorre-se, esgotando-se o poder jurisdicional com a prolação das mesmas.
O participante (...), conformou-se com a decisão de 15 de novembro de 2024 não reclamando e ou recorrendo da mesma, porém, o Tribunal a quo, oficiosamente, resolve alterar a decisão de 15 de novembro de 2024, dando sem efeito esta decisão que já estava transitada em julgado.
O TRC, no processo 231514/11.3YIPRT.C1, de 20 de outubro de 2015, a respeito do CASO JULGADO- ALTERAÇÃO DE SENTENÇA PELO JUIZ, diz:
"1- O transito em julgado, conforme decorre claramente do artigo 628° do CPC, ocorre quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proftrida ser substituída por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
III- Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronuncia sobre a questão decidida — efeito negativo — e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida- efeito positivo do casso julgado........
IV......., proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz, quanto à matéria em causa, ressalvando-se os casos de retificação de erros materiais...."
E ainda o Acórdão do TRL n° 3356/18.5T8BRR-C.L1-5, de 16 de março de 2021, onde se refere:
"- O trânsito em julgado da sentença torna a mesma e o respetivo processado que a
gerou firme, imutável e definitivo, insuscetível de modificação „„,"
Toda a jurisprudência vai no sentido de que após o transito em julgado da decisão está vedado ao tribunal conhecer qualquer nulidade, sanável ou insanável ou qualquer irregularidade.
É nula e inexistente a decisão de 20 fevereiro de 2025, nulidade e inexistência, que se invocam, desde já para todos os efeitos legais.
A nova decisão de 20 de fevereiro de 2025, é uma nova decisão, ilegal, nula e inexistente, não se tratando de meros erros.
***
Respondeu o MºPº, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:
Nos autos à margem referenciados, por despacho datado de 20/02/2025, o Tribunal considerou ter incorrido em manifesto lapso ao ter considerado prescrito o procedimento criminal nos presentes autos no despacho proferido em 15/11/2024.
Inconformada com tal decisão, proferida em 20/02/2025, vem a sociedade arguida recorrer da mesma, pugnando a final pela sua revogação, e que, consequentemente, se mantenha a decisão de 15/11/2024, que declarou a prescrição do procedimento criminal e arquivamento dos autos.
Emitindo resposta, como nos cumpre, e face às conclusões apresentadas, impõe-se dizer que apesar de concordarmos com o sentido material da decisão do despacho ora recorrido, proferido em 20/02/2025, que assiste razão ao recorrente quanto alega que aquando da prolação desta decisão já a proferida em 15/11/2024 tinha transitado em julgado.
Considera-se, no entanto, tal como referido no despacho recorrido, que a decisão de 15/11/2024 é susceptível de efectivamente padecer de manifesto lapso, designadamente face à determinação das normas legais aplicáveis ao caso concreto, uma vez que não fez a aplicação do disposto no 28.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Através do despacho de que ora se recorre o Tribunal veio a reconhecer esse manifesto lapso e que a questão formal aí decidida não se verifica face às normas aplicáveis, situação susceptível de consubstanciar excepção à regra do esgotamento do poder jurisdicional, face ao trânsito em julgado da decisão, e a nulidade invocada prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Neste Tribunal, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pugnando pela revogação da decisão recorrida, dizendo o seguinte:
Ressalvando melhor entendimento, cremos assistir razão à recorrente, pois que e patentemente o despacho sob recurso: - modifica o sentido de decisão final anteriormente proferida e transitada em julgado, o que desde logo seria impeditivo de recurso ao artº. 380º do CPP. - foi proferido quando, sobre a mesma questão, já estava esgotado o poder jurisdicional.
Nesta matéria, é pacífico o entendimento jurisprudencial expresso, entre outros, no recente acórdão da Relação de Lisboa de 12-6-2025 ( processo nº. 32/21.5 PJ LRS.L2-9) , cujo sumária dita: “ I. É sabido que, proferida a sentença ou despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional (art. 613.º, n.º 1 do C.P.C., aplicável ex vi art. 4.º do C.P.P.). II. Como tem sido entendido maioritariamente pela doutrina e jurisprudência, à parte dos casos em que legalmente é possível a rectificação da sentença e/ou do despacho, com a prolação da decisão o poder jurisdicional esgota-se por injuntivo legal, o que determina a inexistência da decisão subsequente que venha a ser proferida, pois que, fundadamente, o juiz carece de jurisdição e, por conseguinte, a sentença ou despacho padecem de vício essencial”. Consequentemente, e também ancorando-nos na jurisprudência citada pela recorrente, somos do parecer que deve ser julgado procedente o recurso apresentado.
Foi cumprido o disposto no artigo artº 417º nº 2 do CPP.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência.
2. Fundamentação
Cumpre assim apreciar e decidir.
A decisão recorrida é a seguinte:
Atento o requerido pela entidade administrativa a quo e promovido pelo Ministério Público e considerando o despacho proferido em 15/11/2024, cumpre dizer que, melhor compulsados os autos, constata-se que tal despacho incorre em manifesto lapso, ao considerar prescrito o presente procedimento.
Com efeito, constata-se que, além das causas de interrupção que ali foram consideradas - notificação da recorrente nos termos do disposto no artigo 50° do Regime Geral das Contra-Ordenações (em 20/03/2018) e a notificação da decisão administrativa (em 18/06/2024) - nos termos do disposto no artigo 28° do mesmo Regime ocorreu ainda uma outra causa de interrupção do prazo prescricional aplicável (de 5 anos), nomeadamente a prática de diligências probatórias, consubstanciadas na inquirição de testemunhas ocorridas no decurso do ano de 2021 e ainda uma última inquirição ocorrida em 21/03/2022.
Assim, considerando este último acto, relativamente à notificação da arguida para, em sede administrativa, apresentar defesa - 20/03/2018 - ocorreu, na sobredita data, uma nova causa de interrupção, iniciando-se a contagem de novo prazo de prescrição, pelo que, à data de entrada em juízo dos presentes autos - 19/08/2024 - a prescrição não se tinha verificado.
Por outro lado, nos termos do artigo 28°, n° 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações, "(.. ,) a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.".
Por conseguinte, atenta a data da prática das infracções - 14/09/2017 - as causas de interrupção acima mencionadas e a suspensão ocorrida por força da pandemia COVID19 e a vigência das Leis n° 1-A/2020, de 19/03, e n° 4-B/2021, de 01/02, (de um total de 160 dias), ao que acresce, ainda, a prevista na alínea c) do artigo 27°-A, n° 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, (atento o despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso, proferido a em 17/10/2024 e notificado à recorrente em 23/10/2024), constata-se que o prazo máximo de prescrição, de 7 anos e 6 meses, acrescido dos referidos períodos de suspensão, ainda não se verificou.
Face ao exposto e tendo ainda em conta o disposto no artigo 379°, n° 1, alínea c), do C. Processo Penal, dá-se sem efeito o despacho proferido em 15/11/2024.
No mais, para realização de julgamento, designa-se o próximo dia 26/05/2025, pelas 10h30.
Notifique.
Vejamos então.
No despacho acima mencionado o Tribunal considerou ter incorrido em manifesto lapso ao ter considerado prescrito o procedimento criminal nos presentes autos no despacho proferido em 15/11/2024.
Inconformada com tal decisão, proferida em 20/02/2025, vem a sociedade arguida recorrer da mesma, pugnando a final pela sua revogação, e que, consequentemente, se mantenha a decisão de 15/11/2024, que declarou a prescrição do procedimento criminal e arquivamento dos autos.
O despacho supra citado considera ter havido um lapso no anterior despacho pois não foram consideradas causas de interrupção da prescrição que deviam ter sido levadas em conta e invoca o artigo 379º, n.º1 alínea c) do CPP dado que o tribunal não se teria pronunciado sobre questões que devia ter apreciado.
Como tem sido entendido maioritariamente pela doutrina e jurisprudência, à parte dos casos em que legalmente é possível a rectificação da sentença e/ou do despacho, com a prolação da decisão o poder jurisdicional esgota-se por injuntivo legal, o que determina a inexistência da decisão subsequente que venha a ser proferida.
A questão suscitada prende-se com o facto de numa decisão proferida uns meses antes o tribunal ter considerado o processo prescrito e agora entender que afinal ali não foi levada em conta uma causa de interrupção da prescrição que se aplica no caso concreto, ordenando-se, o prosseguimento do processo para julgamento.
Citam-se a título de exemplo alguns acórdãos de tribunais superiores, donde resulta
inequívoco que o tribunal não pode considerar um processo prescrito e meses depois corrigir a decisão pois não terá atentado numa das causas de interrupção da prescrição.
Ac do STJ de 19/1/2011, processo 882/05.0TAOLH.E1.S1, in www.dgsi.pt
I - O art. 380.º do CPP permite a correcção da decisão que contenha “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, cuja eliminação não importe modificação essencial”.
II - A omissão de pronúncia não é um lapso, e o seu conhecimento pode eventualmente importar uma modificação essencial.
III - A omissão de pronúncia constitui nulidade da decisão, a ser arguida ou conhecida em recurso, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do CPP.
Ac da RC de 19/09/2012, processo 14/10.2EACBR.C1, in www.dgsi.pt
Proferida decisão em que, a solicitação da arguida, se deferiu a não transcrição no registo criminal da sentença condenatória, não pode o juiz, em segundo despacho, revogar o primeiro com base em erro de julgamento, porque a tal se opõe não só o princípio do esgotamento do poder jurisdicional como tal consubstanciaria uma modificação essencial.
Ac da RP de 29/01/2014, processo 110/04.5TALSD.P1, in www.dgsi.pt
I - Quando requerida a correção da sentença, o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se nos termos previstos pelo artigo 411.º, n.º 1, do CPP.
II - No Código de Processo Penal, a correção de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades só pode ocorrer se dela não resultar uma modificação essencial da decisão [art. 380.º, n.º 1, al. b)].
Ac da RP de 11/02/2015, CJ, Ano XL, tomo 1, pg. 214
I - Aplica-se em processo penal a norma do Código de Processo Civil que estabelece que, proferido um despacho, o poder jurisdicional fica imediatamente esgotado, pelo que o juiz apenas o pode corrigir nos casos consentidos pelo art. 3800 do Cód. Proc. Penal.
II - Assim, determinada a apensação de processos, o juiz não pode, em despacho posterior, ordenar a separação dos mesmos.
Ac da RP de 15/06/2016, processo 411/15.7PTPRT.P1, in www.dgsi.pt
I - Está vedado ao julgador o ato que importe intromissão no conteúdo do julgado, ainda que a pretexto de simples correção da decisão.
II - Assim, os erros ou omissões de julgamento estão subtraídos à disciplina da correção de vícios ou erros materiais da sentença.
Ac da RP de 20/01/2021, processo 734/10.7TXEVR-O.P1, in www.dgsi.pt
I - Estabelece o art.º 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que “O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a) (…)
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.”.
II - A presente norma é aplicável aos restantes actos decisórios previstos no art.º 97.º e, portanto, também aos despachos.
III - Os erros de escrita ou de cálculo correspondem aos mencionados no art.º 249.º, do Código Civil e pressupõem que a vontade declarada do juiz não corresponde à sua vontade real: o juiz escreveu uma coisa quando queria escrever outra.
IV - Quando a decisão suscite dúvidas aos destinatários admite a lei a sua aclaração ou esclarecimento, a qual tem lugar quando a decisão é obscura – quando não se entende o pensamento do legislador, quando não se sabe o que o juiz quis dizer – ou é ambígua – quando comporta mais do que um sentido, porventura opostos.
O que parece relativamente evidente é que o julgador não pode, por sua iniciativa (e sem ela) modificar o alcance ou conteúdo da anterior decisão já transitada, não permitindo a parte final da alínea b), do nº 1, do art.º 380º, do C. Processo Penal, a correcção quando esta importe uma modificação essencial da decisão.
No caso dos autos, a modificação efectuada é, sem margem para dúvida, essencial, porque pretende-se remeter para julgamento um conjunto de factos que no anterior despacho se consideraram prescritos. Estando já terminado o procedimento criminal, pretendia-se fazê-lo renascer, a pretexto da não consideração anterior de uma determinada causa de interrupção de prescrição, que já então existia, e que se o julgador não a levou em conta e não houve recurso tal entendimento consolidou-se e não pode ser revisto a todo o tempo.
Assim sendo, entende-se ser o recurso procedente, revogando-se o despacho proferido.
3.Decisão:
Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Notifique.
Lisboa, 8 de Outubro de 2025
Cristina Isabel Henriques
Francisco Henriques
João Bártolo