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RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REJEIÇÃO
Sumário
I-A reclamação contra uma decisão sumária prevista no artigo 417º nº8 do Código de Processo Penal destina-se a submeter à conferência uma decisão do relator. II-Este procedimento não constitui uma nova instância de recurso, porquanto a reclamação para a conferência não é um recurso da decisão sumária, mas apenas um pedido de apreciação colegial desta assente em critérios da sua legalidade e adequação jurídica.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1-RELATÓRIO:
Nesta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa e nos autos supra indicados foi em 28 de julho de 2025 proferida Decisão Sumária, ao que nos interessa, com o seguinte decisório: Nestes termos e, em face do exposto, rejeita-se o recurso do arguido AA por ser manifesta a sua improcedência.
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Não se conformando com o teor da Decisão Sumária veio AA da mesma reclamar para a Conferência nos seguintes termos:
1.Consabidamente, o objeto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada, i.e., por discordar do teor da decisão sumária o reclamante reivindica que o mesmo seja apreciado pelo órgão coletivo competente para apreciar o recurso.
2.Na decisão sumária, afirma-se categoricamente que "o arguido e ora recorrente nada indicou em concreto que não seja próprio de um processo declarado como de excecional complexidade."
3.Esta asserção, com o devido respeito, é desmentida de forma cabal pelo teor do recurso apresentado pelo ora recorrente, que, de forma exaustiva e pormenorizada, demonstrou a excecionalidade da complexidade do processo, não apenas em termos abstratos, mas através de factos e números irrefutáveis.
4.Conforme detalhadamente articulado no recurso do arguido, a complexidade do presente processo é intrínseca e decorre de elementos concretos e quantificáveis, tais como a volumetria dos autos; a multiplicidade de sujeitos processuais; a extensão e gravidade da acusação.
5.A mera enunciação destes elementos, que foram minuciosamente apresentados no recurso original, desmistifica a alegação de falta de concretização. O recorrente não se limitou a invocar a complexidade de forma genérica; pelo contrário, quantificou-a e qualificou-a com dados objetivos que demonstram a sua excecionalidade.
6.A exigência de um prazo alargado não é um capricho, mas uma imperiosa necessidade para que a defesa possa exercer o seu mandato com a profundidade e o rigor que a dimensão do processo impõe.
7.A decisão sumária prossegue, afirmando que "inexiste qualquer invocação de uma concreta dificuldade acrescida e a que o arguido e ora recorrente seja alheio que justifique o alargamento do prazo nos termos requeridos por tal colocar em causa o exercício efetivo do seu direito de defesa."
8.Esta afirmação, com o devido respeito, revela uma desconsideração, da realidade e das dificuldades inerentes à preparação de uma defesa em processos desta envergadura.
9.É de notar, com alguma perplexidade, a forma como a Meritíssima Juiz Relatora parece, a cada passo, alinhar-se com a posição da Meritíssima JIC.
10.A "curiosidade" manifestada pela JIC, e agora replicada na decisão sumária, sobre o facto de "só agora os arguidos entenderem que a especial complexidade é de tal ordem que justifica um alargamento do prazo de abertura de instrução superior ao normal alargamento previsto para processos de especial complexidade" é, no mínimo, despropositada e, no máximo, reveladora de uma visão distorcida da dinâmica processual.
11.O recurso é cristalino ao demonstrar que a defesa não "partiu da estaca zero" no que concerne à complexidade do processo. Pelo contrário, o arguido e ora recorrente sempre pautou a sua conduta pela lealdade processual e pela diligência.
12.A declaração de excecional complexidade, proferida quatro meses após a detenção do arguido, não pode ser interpretada como um reconhecimento tardio da complexidade por parte da defesa, mas sim como uma constatação da realidade processual que se foi adensando e complexificando ao longo do tempo.
13.A defesa não pode ser penalizada pela evolução e aprofundamento da investigação, que resultou numa acusação de proporções e complexidade muito superiores ao que era expectável inicialmente.
14.O direito a um processo equitativo e a uma efetiva garantia de defesa impõem que o arguido tenha tempo e meios para "sindicar o vasto acervo recolhido em toda a sua escala e complexidade."
15.A defesa não limita-se a uma mera "compulsa" de autos; exige uma análise crítica, um escrutínio dos elementos probatórios, a verificação de eventuais irregularidades e nulidades, e a aferição da legalidade da recolha da prova. Reduzir a função da defesa a um mero cotejo da acusação é desvirtuar o seu papel essencial num Estado de Direito Democrático e comprometer a busca pela verdade material.
16.A decisão sumária alega que "o recorrente não invoca, por exemplo, que a acusação e os factos na mesma descritos consubstanciam para si uma surpresa, que nunca antes teve acesso aos autos, que desde a dedução da acusação esteve impossibilitado de aceder aos mesmos, que os elementos que lhe foram facultados não estão completos ou que ainda não lhe foram disponibilizados elementos cuja entrega requereu..."
17.Esta afirmação é, mais uma vez, desmentida de forma inequívoca pelo teor do recurso original, que, embora não utilize as palavras exatas sugeridas pela Juiz Relatora, aborda todas as questões subjacentes.
18.Embora o recurso não utilize expressamente a palavra "surpresa", a sua argumentação subentende claramente a dificuldade e a novidade que a acusação, na sua extensão e complexidade, representa para a defesa.
19.A referência à acusação ter ido "mais além do que aquilo que constava da promoção inicial" é uma forma de expressar que o conteúdo final da acusação superou as expectativas e o conhecimento prévio que o arguido poderia ter tido no início do processo.
20.Não se trata de uma "surpresa" no sentido de desconhecimento total, mas sim de uma "dificuldade acrescida" decorrente da magnitude e da especificidade dos factos imputados, que exigem um tempo de assimilação e resposta que os prazos ordinários não permitem.
21.Adicionalmente, o recurso do ora recorrente, ao invocar a necessidade de "sindicar o vasto acervo recolhido em toda a sua escala e complexidade", implicitamente aponta para a dificuldade de acesso e de análise de todos os elementos.
22.A defesa não se limita a pedir acesso, mas sim a ter tempo para efetivamente analisar e confrontar a prova. A sugestão de que o arguido se remeteu à "total inércia no inquérito" é uma deturpação da realidade, pois a defesa tem o direito e o dever de atuar no momento processual oportuno, que é, precisamente, após a dedução da acusação, quando a totalidade da prova e dos factos imputados se tomam conhecidos em toda a sua extensão.
23.O recurso original, ao detalhar a volumetria dos autos, a quantidade de arguidos e testemunhas, e a extensão da acusação, demonstra de forma cabal que a defesa não poderia ter tido acesso e analisado exaustivamente todos estes elementos antes da dedução da acusação.
24.A própria natureza do processo, com a sua excecional complexidade, implica que a disponibilização e a análise dos elementos probatórios são um processo contínuo e moroso, que não se esgota num único momento.
25.Em face do exposto, é manifesta a necessidade de revogar a douta decisão sumária, porquanto a mesma desconsidera os fundamentos sólidos e concretos apresentados pelo recorrente.
26.A complexidade do processo, a volumetria dos autos, a multiplicidade de crimes e arguidos, e a necessidade de uma efetiva garantia de defesa impõem o alargamento do prazo para a abertura da fase de instrução. *
Notificado o Ministério Público para querendo se pronunciar nada foi aduzido.
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Colhidos os vistos legais foram os autos à Conferência.
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A Decisão Sumária tem, ao que nos interessa, o seguinte teor:
«Recurso próprio, tempestivo, legitimamente interposto, com regime e efeito de subida corretamente fixados.
Nada obsta ao seu conhecimento.
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Nos termos do artigo 417º nº6 al. b) e 420º nº1 al. a) nº2 e 3 ambos do Código de Processo Penal, passa a proferir se:
DECISÃO SUMÁRIA
1-RELATÓRIO:
Nos autos com o nº873/23.9JAPDL o que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores- Juízo de Competência Genérica da Praia da Vitória foi proferido despacho que indeferiu o alargamento excecional do prazo de abertura de instrução mantendo o mesmo nos 50 dias resultantes do disposto nos arts. 287.º, n.º 1, e 107.º, n.º 6, do CPP.
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Inconformado dele recorreu o arguido AA extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: 1.O presente recurso vem interposto do despacho constante de fls. (V/Referência 59121745), por via do qual, o tribunal se decidiu no sentido de indeferir o requerimento de prorrogação de prazo para abertura da fase de instrução, nos termos do artigo 107.° n.°6 (in fine) e 287.° n.°1 do CPP. Porém e pelas razões que adiante melhor passaremos a explicitar, com o mesmo e com toda argumentação que o fundamenta, não pode a defesa do arguido, de todo concordar. 2.O arguido AA foi notificado em 21 de Março de 2025, do despacho de acusação contra si proferido pelo titular da ação penal, por via do qual e ao longo de 596 páginas lhe é imputada a prática, em concurso efetivo e autoria material de 1 crime de associação criminosa, em coautoria e na forma consumada de 2.199 crimes de especulação (em concurso aparente com 2.199 contraordenações), em coautoria e na forma consumada de 2.417 crimes de falsificação de documentos, em concurso efetivo de 1 crime de burla qualificada e de 1 crime de branqueamento de capitais, também este em coautoria e na forma consumada. Emerge por rectas contas que o despacho de acusação é o ponto culminar de um processo de inquérito que se iniciou em 2023, e que em concreto se materializou em 30 volumes principais (mais apensos), envolvendo um universo de 24 arguidos e 60 testemunhas, diversas condutas criminosas imputadas ao arguido, sendo que, na generalidade, várias delas desdobram-se numa multiplicidade de situações bastante pormenorizadas e onde a prova que os sustenta é assaz complexa e extensa, sobremaneira num quadro de coautoria e que cumpre analisar. 3.Até porque o que está efetivamente em causa, no quadro de uma eventual abertura da fase instrução, em ordem a apurar do acerto da decisão de acusar, impõe à defesa que se escrutine os elementos probatórios que sustentam a acusação na sua miríade de factos e crimes imputados ao arguido, outrossim, da verificação de eventuais irregularidades/nulidades de inquérito que nesta sede se poderá invocar sob pena da se terem por sanadas. Daí que o prazo legal (ordinário) de vinte dias para compulsar toda a (imensa) prova em que se sustenta a suficiência do juízo acusatório, mesmo tendo em conta que, sendo o procedimento de excecional complexidade em sentido normativo, importa, por força do disposto no art. 107.° n.°6 do CPP, o aumento em trinta dias, do prazo a que alude o artigo 287.° n. 1, do mesmo Código. Ainda assim e salvo melhor opinião, os cinquenta dias que ope legis, aritmeticamente daí decorrem, se afiguram de banda do arguido insuficientes para compulsar toda a prova recolhida pela investigação para sustentar a acusação. Razão pela qual veio a defesa requerer por ajustado, porquanto necessário, adequado e proporcional aos interesses em causa (um processo equitativo em nome das garantias de defesa do arguido), um aumento equivalente ao dobro daquele legalmente definido (20+30+30), qual seja um prazo de 80 (oitenta) dias. 4.Sobre tal requerimento incidiu um despacho judicial que, em suma, indeferindo a pretensão da defesa, se apoia nos seguintes fundamentos: Que a declaração de especial complexidade nos presentes autos fundou-se essencialmente no número de arguidos então constituídos, extensão e volume dos factos a investigar e desconhecimento do panorama global da atuação dos arguidos, pelo que inequivocamente toma o processo especialmente complexo, todavia não toma complexíssimo ao ponto de ser determinado uma alargamento excecional do prazo de abertura de instrução, até porque uma coisa é a complexidade de quem investiga uma atividade como a que está em investigação nos autos (sem saber o que aconteceu e quem o fez), outra coisa é quem tem de analisar a sua defesa perante factos concretos balizados no tempo (muitos dos quais admitiram em 1.° interrogatório), relativamente à sua pessoa e com prova circunscrita pela acusação; Que a instrução não sendo um pré-julgamento onde os arguidos a seu bel-prazer e após se terem remetido à total inércia no inquérito, pretendem a produção de todo e qualquer tipo de prova que já podiam e deviam ter carreado; Que em abono da verdade, todos os arguidos tem conhecimento da atividade imputada desde que foram submetidos a 1.° interrogatório em Março de 2024, atividade essa que, na sua essencialidade redundou nos factos e crimes porque foram acusados; Que o elevado número de arguidos, de factos e crimes e da prova relativa a todos, não pode ser visto acriticamente posto que, em termos de análise de eventual abertura de instrução cada arguido apenas terá que se debruçar sobre si (e não sobre os demais), sendo que a sistematização da acusação, com recurso a quadros, gera uma condensação que permite a perceção global dos factos, reduzindo de forma significativa, a dimensão da acusação; Mais, que apesar do número elevado de crimes e factos, a matéria em apreciação nos autos é relativa a modus operandi homogéneo, já conhecido dos arguidos ( e em larga medida assumida por estes em 1.° interrogatório), o que toma o processo trabalhoso e até complexo, mas nunca complexíssimo ao ponto de justificar o alargamento pretendido, em jeito de megaprocesso (que não é); E que sendo a elevação do prazo de prisão preventiva, por força da abertura de instrução de apenas 4 meses, permitir o alargamento para 80 dias, levaria a que a instrução com prolação da decisão instrutória tivesse de decorrer em 40 dias, para que uma das prisões preventivas não excedesse, i.e., seria maior o prazo para abertura de instrução do que o que haveria para a sua duração, sendo que a abertura é individualizada e o seu decurso poderá respeitar a todos os arguidos; Como última nota, salientar a curiosidade do facto de só agora os arguidos entenderem que a especial complexidade é de tal ordem que justifica um alargamento do prazo de abertura de instrução superior ao normal alargamento previsto para processos de especial complexidade. No fica assinalado, vão recenseados alguns pontos. 5.Começando pelo final, manifesta a meritíssima JIC, à guisa de conclusão, a sua curiosidade do facto de só agora os arguidos entenderem que a especial complexidade é de tal ordem que justifica um alargamento do prazo de abertura de instrução superior ao normal alargamento previsto para processos de especial complexidade. Sim... tem toda a razão... posto que a diferença assaz relevante é que não o faz a defesa a titulo de curiosidade outrossim de honestidade (intelectual) e sem qualquer arrimo de ironia (ou sarcasmo), posto que volvido um ano de investigação (e de muitas horas de trabalho de banda dos OPC), diga-se a titulo de merecida justiça, foi deduzido um despacho de acusação extenso, mas bem burilado (sem prejuízo da nossa discordância de facto e de direito), complexo atento o tipo de criminalidade em causa, no entanto minucioso em matéria probatória (mormente documental e pericial de análise financeira e contabilística) e ainda assim em tempo recorde, comparativamente com outros processos (análogos) na .... Daí que... sim, agora ao final das contas, atento o enorme acervo probatório recolhido, a complexidade dos factos e seu recorte normativo, o apuramento de valores no quadro de uma atividade alegadamente criminosa, a defesa do arguido AA, não tem qualquer pejo nem pudor em reconhecer a extraordinária complexidade do procedimento e da necessidade de alongamento do prazo para se concluir a investigação, dado que esta foi mais além do que aquilo que constava da promoção inicial aquando da apresentação do arguido a primeiro interrogatório judicial. E daí o nosso merecido reconhecimento. E daí a nossa necessidade de prazo acrescido para sindicar o vasto acervo recolhido em toda a sua escala e complexidade, em nome de uma efetiva (e não meramente formal) garantia de defesa. 6.E daí que também não se alcance a coerência do presente despacho que começa por esclarecer que... a declaração de especial complexidade nos presentes autos fundou-se essencialmente no número de arguidos então constituídos, extensão e volume dos factos a investigar e desconhecimento do panorama global da atuação dos arguidos, pelo que inequivocamente toma o processo especialmente complexo, todavia não toma complexíssimo ao ponto de ser determinado um alargamento excecional do prazo de abertura de instrução. Cumpre dizê-lo, salvo o devido respeito, que mal andou a meritíssima JIC neste particular, posto que emerge por cristalino que se o procedimento (atentos os vectores indicados) era de antever (à partida) de excecional complexidade, no final das contas considerando a geometria acusatória e sua arquitetura probatória, óbvio se toma a conclusão da acrescida complexidade dos presentes autos. 7.No entanto, pasme-se, para a meritíssima JIC... uma coisa é a complexidade de quem investiga uma atividade como a que está em investigação nos autos (sem saber o que aconteceu e quem o fez), outra coisa é quem tem de analisar a sua defesa perante factos concretos balizados no tempo (muitos dos quais admitiram em 1.° interrogatório), relativamente à sua pessoa e com prova circunscrita pela acusação. Ou seja, no entender da meritíssima JIC, por força das evidências, apenas se verifica a excecional complexidade para quem investiga, dado que, tem que apurar o que aconteceu e quem o fez, olvidando todavia que, antes da declaração de excecional complexidade se verificar nos autos, já previamente existia uma investigação que levou à detenção dos arguidos e que a mesma apenas foi proferida volvidos quatro meses sobre a detenção e prisão do arguido AA... pelo que o prazo alargado para a investigação não partiu da estaca zero como parece fazer crer a meritíssima JIC. 8.Acresce o facto de, também laborar em equívoco a meritíssima JIC, relativamente aquilo que é o Ethos da função da defesa ante uma acusação, como a que aqui está em causa. E dizemo-lo na medida exata de que não se trata apenas de cotejar a prova da acusação (já de si extensa e complexa), como também aferir do modo como processualmente a mesma foi adquirida e integrada no processo, no quadro da legalidade processual que rege a atividade de recolha probatória. Daí que tal entendimento, salvo melhor opinião, traduz uma visão redutora da função da defesa perante um libelo acusatório, e concomitantemente, consubstancia uma interpretação meramente formal das garantias de defesa e do direito a um processo justo e equitativo. 9.Mas tal visão de banda da meritíssima JIC, mau grado o nosso infortúnio, não se esgota aqui... posto que é também sustentado no presente despacho que... a instrução não sendo um pré-julgamento onde os arguidos a seu bel-prazer e após se terem remetido à total inércia no inquérito, pretendem a produção de todo e qualquer tipo de prova que já podiam e deviam ter carreado. Tosando as palavras, se a fase de instrução visa o controlo jurisdicional sobre a acusação do Ministério Público, logo, as diligências probatórias que nesta fase poder-se-ão (ou não) realizar - independentemente de serem ou não requeridas pelo arguido - são determinadas de acordo com a livre resolução do Juiz de Instrução e de modo irrecorrível, cabendo outrossim sublinhar... que a cada sujeito processual assiste uma estratégia (e a sua iniciativa), em função da factualidade indiciária e da prova que lhe oferece guarida, e da qual apenas tem pleno conhecimento o arguido com a prolação da decisão de acusar, pelo que, neste conspecto, a definição da estratégia da defesa, apenas à defesa (mal ou bem) cumpre definir. Menos ainda ser o arguido por tal opção penalizado. 10.Ademais, a concessão de uma efetiva possibilidade de intervenção da defesa no inquérito, pressupõe naturalmente o acesso à informação necessária, ou seja, aos elementos do processo, atendendo a que, de acordo com as regras da experiência, ninguém se pode defender do que desconhece. Assim e por rectas contas, estando o acesso ao processo vedado em nome do segredo de justiça, de que forma poderia o arguido (às cegas) nele intervir. Daí que, os ecos da nossa discordância tem respaldo numa necessidade efetiva e concreta de - somente agora e não antes - de aceder ao manancial de informação (probatório) e aos elementos do processo em ordem a poder, por um lado, verificar de eventuais vícios processuais praticados em inquérito, e por outro, infirmar o sentido que da prova recolhida é nos oferecido pela acusação, pelo que de tal sorte cremos ter por justificado, sem mais justificações, o valor acrescentado (fundamentado) para a requerida prorrogação de prazo de banda da defesa, em função da dimensão (material) e da complexidade do processo. E que não se diga que... em abono da verdade, os arguidos tiveram conhecimento da atividade imputada desde que foram submetidos a 1.° interrogatório em Março de 2024, dado que o que pretende sindicar a defesa, não é atividade do arguido, mas sim, a atividade imputada ao arguido pelo detentor da ação penal no quadro de um despacho de acusação e dos tipos incriminadores neles constantes. 11.Outrossim, se não afirme como verdade inquestionável que... o elevado número de arguidos, de factos e crimes e da prova relativa a todos, não pode ser visto acriticamente posto que, em termos de análise de eventual abertura de instrução cada arguido apenas terá que se debruçar sobre si (e não sobre os demais), sendo que a sistematização da acusação, com recurso a quadros, gera uma condensação que permite a perceção global dos factos, reduzindo de forma significativa, a dimensão da acusação - sublinhado nosso. Na pureza dos princípios, uma linha de argumentação que assim considera, é em si mesma, uma linha de argumentação desvaliosa e redutora do papel fundamental na defesa dos direitos dos acusados e na garantia de um sistema de justiça com o mínimo de equidade, outrossim daquilo que é a finalidade e o impacto da prolação de uma acusação na pessoa de um cidadão arguido (tal qual em tempos idos se deduziam acusações que replicavam os autos de apreensão, em nome de uma mais fácil perceção global dos factos e que não deixam saudades), e dizemo-lo sem pejo nem pudor, porquanto e por linhas rectas, a verdadeira dimensão de uma acusação na perspectiva do arguido, afere-se pelo acervo probatório que a sustenta - em extensão e complexidade - e não pelos seus quadros facilitadores da uma perceção global dos factos (até porque estes não são susceptíveis de fazer prova contra o arguido). 12.Daí que como facilmente se representa, recusamo-nos a aceitar esta interpretação da defesa do arguido num ângulo meramente formal, em que a defesa apenas se poderá fazer apenas e tão só por compasso à narrativa acusatória vertida pelo detentor da ação penal, secundarizando o substrato material das garantias constitucionais do arguido, isto é, de sindicar a acusação por escrutínio adequado daquilo que a sustenta (os meios de prova e o modo como foram obtidos em inquérito), e que consubstancia por esta via uma cabal redução das pretensões dos arguidos, das finalidades processuais e, em última análise, dos próprios fins do Estado de Direito Democrático. A questão nuclear neste ponto - a de considerar que em sede de RAI cada arguido apenas terá que se debruçar sobre si (e não sobre os demais)- tal entendimento é desconsiderar que nos crimes imputados ao arguido AA, os mesmos são imputados em coautoria, pelo que a sua análise implicará sempre e por referência os demais arguidos neles envolvidos. 13.Breve, perante uma linha de argumentação desta índole, emerge por cristalino a desvalorização do papel da fase de instrução para o arguido, em que o suscitado controlo jurisdicional da acusação de banda do arguido apenas mais não é do que uma reação do mesmo assente em mera folha timbrada do seu defensor... E que na razão direta acaba por sonegar-lhe uma efectiva igualdade de armas entre os sujeitos no processo, no quadro de uma relação já de si materialmente desigual entre a acusação (com respaldo no poder institucional do Estado) e a defesa, e que se manifesta por via da criação de obstáculos que dificultam ou prejudicam o exercício das garantias de defesa do arguido, tal qual dois pesos e duas medidas no quadro de um direito constitucional que se quer (e deseja) por aplicado, à luz do respeito pelo processo equitativo, ou due process oflaw. Cumpre dizer que a defesa tem bem presente, que existem correntes de pensamento que defendem a crónica de uma morte anunciado da Fase Instrução... no entanto, enquanto tal óbito não for declarado que não se desliguem as máquinas, como se o arguido já estivesse em coma induzido e na linha final... Porque não... não é por existir uma acusação elaborada por quadros que se reduz a dimensão da acusação, tampouco tal facto se traduz numa salvaguarda (ou sequer garantia) dos direitos constitucionalmente consagrados ao arguido para se defender; salvo o devido respeito, trata-se de uma visão tão temerária quanto assustadora de parte do Juiz das Liberdades. 14.Também neste sentido, não acompanhamos o entendimento plasmado na afirmação de que... apesar do número elevado de crimes e factos, a matéria em apreciação nos autos é relativa a um modus operandi homogéneo, já conhecido dos arguidos (e em larga medida assumida por estes em 1.° interrogatório), o que toma o processo trabalhoso eaté complexo, mas nunca complexíssimo ao ponto de justificar o alargamento pretendido, em jeito de megaprocesso (que não é)... A defesa desconhece o conceito legal de “megaprocesso”, ainda assim, a mais das vezes tal conceito apenas acarreta consigo aquilo que são acusações com centenas de páginas, com um universo factual de enorme dimensão e complexidade, extensa prova documental, inúmeras testemunhas, elevado número de arguidos, densa prova pericial e são geralmente associados à criminalidade organizada e económico-financeira (crimes de fraude fiscal, branqueamento, corrupção, burla qualificada etc.). 15.Ora, pese embora a meritíssima JIC, identifique neste processo algumas das características atinentes aos ditos “megaprocessos”, todavia não o reconhece como tal. Mas em bom rigor, tal “desqualificação” apenas opera para o arguido, dado que apenas ao arguido é oponível, posto que tais idiossincrasias, desta banda apenas tomam o processo trabalhoso ainda que complexo... mas nunca complexíssimo ao ponto de justificar o alargamento pretendido. E porquê? Porque a meritíssima JIC acompanha o entendimento do Ministério Público de que os factos estão divididos por grupos de arguidos, não tendo os requerentes que se debruçar para efeitos de defesa sobre toda a factualidade por que foi deduzida acusação, sendo que... a sistematização da acusação com recurso a quadros, reduz por via de uma mais fácil perceção global dos factos, a dimensão da acusação. Deve sublinhar-se, uma vez mais e neste particular, que os crimes imputados ao arguido AA (com excepção do crime de associação criminosa) estão todos umbilicalmente ligados em coautoria com os demais arguidos. Além de que, toda a investigação teve por epicentro o arguido AA e a empresa BB, o que por rectas contas afasta desde logo por défice de razoabilidade tal linha de pensamento. 16.Até porque a complexidade não diminuiu com o avançar da investigação, ela aumentou e condensou-se com a prolação da decisão de acusar... com mais crimes, mais factos e mais provas para escrutinar em ordem a poder concluir pela abertura (ou não) da fase de instrução. Na verdade, o que cura de preocupar a meritíssima JIC não é a instrução, mas sim a prisão preventiva do arguido AA. 17.E aqui chegamos à ultima das questões, a saber, a de que... sendo a elevação do prazo de prisão preventiva, por força da abertura de instrução de apenas 4 meses, permitir o alargamento para 80 dias, levaria a que a instrução com prolação da decisão instrutória tivesse de decorrer em 40 dias, para que uma das prisões preventivas não excedesse, i.e., seria maior o prazo para abertura de instrução do que o que haveria para a sua duração, sendo que a abertura é individualizada e o seu decurso poderá respeitar a todosos arguidos. Cumpre esclarecer que, não obstante o prazo requerido pelo arguido AA, à meritíssima JIC assistia-lhe o poder de deferir o requerido, deferir por prazo mais curto do que o requerido, ou indeferir. Mas também aqui uma vez mais se optou por indeferir por não se reconhecer validade ao pedido efetuado pela defesa do arguido AA. 18.Mas de forma muito sucinta, ainda assim se dirá que este processo embora tenha o seu epicentro na pessoa do arguido AA, todavia não se esgota nele, pelo que tampouco se deve recusar o alargamento dos prazos de defesa aos demais arguidos, em função do prazo de prisão preventiva de um deles. Daí que se imponha a questão: devem os demais arguidos serem penalizados no direito (devidamente e com tempo adequado), a poder compulsar os autos em toda a sua dimensão e complexidade em ordem a verem escrutinada uma acusação que os pretende submeter a julgamento, por via da pressa em cumprir a fase de instrução à luz do prazo de prisão preventiva de um deles? Cumpre assumir que neste caso em concreto, se não se trata de um megaprocesso e dos embaraços que ao nível da opinião pública os mesmos acarretam... então proceda-se à separação de processos, posto que a única coisa que os demais arguidos pretendem é defender-se da presente acusação, com prazo que a tal lhe confira essa real e efetiva oportunidade. E ainda se ouvem vozes que bradam que o nosso processo penal é excessivamente garantistico. 19.Razão pela qual, salvo melhor opinião e saber, sustenta a defesa do arguido AA, que o despacho e os seus fundamentos para indeferimento do requerimento de prorrogação de prazo para apresentação do RAI, consubstanciam uma efetiva limitação ao exercício das garantias de defesa plasmadas no artigo 20.° n.° 4 e 32.° da CRP e do princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo” enunciado no artigo 6.°, § Io, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também no artigo 14.° do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos. 20.Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo V. Exas. revogar a decisão recorrida e, consequentemente, deferir o prazo de 80 dias para apresentação do RAI de banda do arguido AA, ou caso assim não se entenda, deferir prazo mais curto, embora superior aos 50 dias legalmente estipulados, em função do carater de excecional complexidade.
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Admitido o recurso no tribunal recorrido o Ministério Público apresentou resposta extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem: 1ªVeio o arguido AA recorrer da decisão que indeferiu o alargamento do prazo para requerer abertura de instrução (referência 59121745, de 03/04/2025). 2ªAtentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, resulta que a questão que é colocada à apreciação do Tribunal ad quem é a de saber se o prazo de 50 dias (20 + 30 dias) é adequado para que seja requerida abertura de instrução ou, ao invés, impunha-se um alargamento desse mesmo prazo para 80 dias no total. 3ª Por despacho proferido a 20/06/2024, os autos foram declarados de especial complexidade; então já estava em causa (investigava-se) a multiplicidade criminosa por que o arguido recorrente (e demais elementos do grupo que liderou) foi acusado, bem como a multiplicidade criminosa por que um outro grupo de arguidos foi acusado, e ainda a factualidade em relação à qual os autos foram arquivados; não obstante, o arguido recorrenteopôs-se à declaração de especial complexidade, interpondo recurso da decisão que a declarou (o qual não mereceu provimento), vindo agora flectir a posição em 180 graus e invocar essa mesma especial complexidade, para sustentar a sua pretensão!... 4ªTendo sido declarada a especial complexidade dos autos, o prazo para que seja requerida abertura de instrução é de 50 dias. A tal prazo pretende o arguido recorrente um prazo suplementar de 30 dias, no total de 80 dias. 5ªOra, o prazo legalmente previsto para que seja requerida abertura de instrução, ou seja, 50 dias (20 + 30 dias) afigura-se perfeitamente razoável e adequado ao exercício do direito de defesa, tendo em conta a matéria por que foi deduzida acusação, bem como a forma como esta foi estruturada. 6ªCom efeito, o prazo legal indicado é já uma vez e meio superior ao prazo “normal” e resulta cristalinamente da acusação que a mesma engloba a actuaçãode dois conjuntos de arguidos, sendo que os arguidos de um dos grupos não têm de exercer qualquer direito de defesa sobre a matéria referente ao outro grupo, por lhe ser absolutamente alheia, reflectindo a estrutura da acusação essa clara divisão, quer no que se refere à descrição factual, quer no que concerne à imputação das incriminações, quer ainda no que respeita à indicação da prova e do que deverá ser declarado perdido a favor do Estado, para além de que a acusação mostra-se detalhada em todos os referidos aspectos e com parte da descrição condensada em anexos, o que, obviamente, reduz de sobremaneira a complexidade dos autos no que se refere ao exercício do direito de defesa por parte de cada um dos arguidos, facilitando essa mesma defesa. 7ª De onde se conclui que embora especialmente complexos, os autos não assumem, agora, uma complexidade tal que, mormente para efeito requerimento de abertura de instrução, não permita o pleno exercício do direito de defesa por cada um dos arguidos, incluindo pelo arguido recorrente, no prazo legalmente previsto de 50 dias (20 + 30 dias). 8ªAssim, outro caminho não restava ao Tribunal a quo que não indeferir a pretensão do arguido recorrente. 9ª A isto acresce o realçado na decisão recorrida, no sentido de que os factos por que o arguido recorrente foi acusado reconduzem-se, no seu cerne, àqueles que, na sequência de interrogatório judicial, foi sujeito a prisão preventiva e de que admitiu aquando as declarações que prestou em tal interrogatório. 10ª Saliente-se ainda que o arguido recorrente foi interrogado por duas vezes, a primeira em Março de 2024, em interrogatório judicial, e a outra a 06/12/2024, em interrogatório complementar, sendo que em ambas as ocasiões foram-lhe comunicados os factos e crimes que lhe eram imputados, e prova em que aquelesse sustentavam e, apesar de lhe assistir o direito de consultar os elementos de prova determinantes da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva a que foi sujeito, não o requereu, facto que apenas ao próprio é imputável. 11ª De onde resulta que há muito o arguido recorrente tem conhecimento da generalidade dos factos que lhe são imputados - os quais, em sede de primeiro interrogatório judicial, admitiu, dando conta que as viagens em causa ascendiam a milhares, mais dando conta do procedimento observado na venda de viagens reembolsáveis, incluindo no que se refere à facturação, pela arguida BB, bem como dos procedimentos para os arguidos obterem os pagamentos do subsídio social de mobilidade e forma de fazerem chegar as quantias assim obtidas àquela arguida -, bem como de grande parte dos elementos de prova colhidos, à qual podia ter acedido para preparação da respectiva defesa, não correspondendo à verdade que só com a acusação teve conhecimento da concreta conduta que lhe é imputada, prova em que se sustenta tal imputação, bem como possibilidade de aceder a tal prova. 12ªE se o acima exposto não fosse suficiente para indeferir a pretensão do arguido recorrente - o que só hipoteticamente se concebe sempre um outro argumento se poderia adicionar, argumento esse que se prende com a necessidade de harmonizar direitos com assento constitucional, no caso o direito dos arguidos ao exercício do direito de defesa, e direito (da comunidade em geral) à realização da justiça, incluindo da justiça preventiva (ou seja, aquela inerente à aplicação de medidas de coacção mais gravosas que o termo de identidade e residência). 13ªE não se pode olvidar - e certamente não o olvida o arguido recorrente - que, havendo lugar à instrução, o prazo máximo da medida de coacção de prisão preventiva a que está sujeito é de 1 ano e 4 meses, atingindo seu termo 21/07/2025, de onde decorre que a concessão do prazo requerido pelo arguido recorrente implicaria uma substancial redução do prazo para que toda a fase de instrução tivesse lugar sem fazer precludir o prazo máximo daquela medida de coacção, convertendo-o num prazo manifestamente incompatível com a complexidade dos autos, e, portanto, manifestamente insuficiente para a realização da justiça. 14ªPelo exposto, entendemos que não merece provimento o recurso interposto da decisão que não alargou o prazo para que seja requerida abertura de instrução.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer em, que com maior relevo, refere o que a seguir se transcreve: Subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância, atenta a pertinência, completude, correção jurídica e clareza da sua fundamentação, que realça, com total acerto e proficiência, os fundamentos de facto e de direito determinantes do entendimento de que o recurso deve ser improcedente nos termos assertivamente sublinhados. Em seu reforço, ancoramo-nos ainda na jurisprudência expressa no acórdão da Relação de Lisboa de 9-3-2023 (processo 244/11.0TELSB-P.L1-9) que, em situação similar, conclui nos termos assim sumariados: IV. Tratando-se de um processo de especial complexidade faz todo o sentido que o Sr. Juiz de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 107º nº 6 do Código Processo Penal, proceda ao alargamento do prazo ali previsto, aumentando-o em mais 30 dias. V. Não há diminuição das garantias de defesa pelo não alargamento desse prazo por período superior uma vez que, no caso, o Mmº Juiz de Instrução determinou que o prazo dos 50 dias só começa a contar a partir do momento em que aos Arguidos e o Assistente tenham sido entregues os suportes informáticos com as cópias do processo que se mostram requeridas. VI. Tendo uma acusação por trás de si uma investigação de 11 anos, não pode considerar-se que o arguido necessitaria de um prazo semelhante para a defesa. VII. Os prazos de inquérito (para todos os processos e não só os de especial complexidade) previstos na lei são muito superiores ao prazo da defesa. Percebe-se que assim seja. O inquérito percorre, pesquisando, vários caminhos possíveis até convergir, se for o caso, numa acusação. A defesa tem o caminho que lhe foi traçado pela acusação. Em consonância com todo o exposto e com os fundamentos apresentados na resposta a recurso elaborada pelo Ministério Público em 1ª. Instância, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal veio o recorrente aduzir o que a seguir se transcreve: 1.No seu parecer o Exmo. Sr.° Procurador-Geral Adjunto, acompanha, nos precisos termos em que vem formulada, a resposta do Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância à motivação de recurso interposto pelo arguido AA. 2.Uma vez mais, com o sentido de tal parecer, não pode a defesa do arguido AA de todo concordar. 3.E dizemo-lo porquanto, o Ministério Público parece ignorar a questão central e nevrálgica que subjaz ao recurso: a dimensão material e a complexidade efetiva da acusação e do acervo probatório que a sustenta. 4.Não estamos perante uma mera contagem aritmética de prazos, mas sim perante a necessidade de assegurar ao arguido o tempo e os meios necessários para a preparação da sua defesa, conforme impõe o artigo 6.°, n.°3, alínea b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). 5.A alegação de que o prazo de 50 dias é "razoável e adequado" constitui uma petição de princípio. 6.A razoabilidade de um prazo não é um conceito abstrato; afere-se em concreto, em função da complexidade da causa. 7.Achar que 50 dias são suficientes para uma análise séria e rigorosa de tal manancial acusatório e probatório é, com o devido respeito, fechar os olhos à realidade. 8.É falacioso o argumento de que o arguido já conhecia os factos desde o primeiro interrogatório. 9.Como se explicitou no recurso, a investigação aprofundou-se significativamente após esse momento, culminando numa acusação cuja dimensão e detalhe extravasam em muito o que foi inicialmente comunicado. 10.A defesa efetiva só pode ser exercida perante uma acusação consolidada e não perante suspeitas genéricas. O direito de defesa, na sua plenitude, nasce com a notificação da acusação, que fixa o objeto do processo. 11.A ideia de que a "sistematização da acusação, com recurso a quadros" reduz a sua dimensão é, em si mesma, uma linha de argumentação perigosa e redutora. 12.Como se referiu no recurso, a verdadeira dimensão de uma acusação afere-se pelo acervo probatório que a sustenta, e não por quadros-resumo que, embora úteis, não substituem a análise crítica e pormenorizada de cada elemento de prova. 13.Aceitar tal argumento seria permitir que a forma se sobrepusesse à substância, secundarizando o direito a um escrutínio adequado da prova. 14.O argumento mais preocupante, contudo, é o que contrapõe o direito de defesa do arguido ao "direito à realização da justiça", invocando os prazos da prisão preventiva. 15.Esta linha de pensamento cria uma falsa dicotomia e revela uma hierarquização de direitos que não tem amparo constitucional. 16.O direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, e as garantias de defesa, consagradas no artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, não são um obstáculo à justiça; são, isso sim, a sua condição de possibilidade. 17.A justiça que se faz à custa da compressão das garantias de defesa não é justiça, é arbítrio. 18.Se a situação de prisão preventiva de um arguido colide com o tempo necessário para a defesa dos demais, a solução não pode ser a de penalizar os outros arguidos, cerceando-lhes o direito a um prazo adequado para preparar a sua defesa. 19.O direito de defesa não pode ser visto como um favor ou uma concessão, mas como um pilar fundamental do Estado de Direito Democrático. 20.A sua limitação, em nome de uma celeridade processual que atropela a possibilidade de uma defesa efetiva, consubstancia uma violação do princípio do processo equitativo. 21.Face ao exposto, e reiterando integralmente os fundamentos aduzidos nas motivações de recurso, a concessão de um prazo de 80 dias assegura ao ora arguido o exercício de forma real e efetiva do seu direito de defesa perante uma acusação de excecional e inegável complexidade.
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Efetuado exame preliminar por se considerar existir fundamento para a rejeição do recurso por manifesta improcedência a sua apreciação e decisão ocorrerá em decisão sumária ao abrigo do disposto nos artigos 417º nº6 al. b) e 420º nº1 al. a), nº2 e nº3 todos do Código de Processo Penal.
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2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3: “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim, à luz das conclusões da motivação do recurso interposto a questão a dirimir é se no caso vertente se justificava o alargamento por mais 30 dias do prazo para o recorrente requerer a abertura de instrução.
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2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara despacho recorrido o que a seguir se transcreve: Vêm os arguidos AA, ..., CC e DD, requerer o alargamento do prazo para que seja requerida abertura de instrução, nos termos do art. 107.º, n.º 6, do CPP, para um total de 80 dias, sustentando as suas pretensões na especial complexidade dos autos, devido ao número de arguidos, volume do processo, número de condutas e de testemunhas, em termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Pronunciou-se a Digna Magistrada do Ministério Público no sentido de ser indeferido o pretendido, sustentando, em síntese, que, não obstante a especial complexidade declarada, a acusação versa sobre vários arguidos tendo, cada um, de se debruçar apenas da sua parte, a acusação está explícita, pormenorizada e bem estruturada, facilitando o direito de defesa, tendo, ainda, o direito de defesa de ser compatibilizado com os demais interesses processuais. Isto posto, não estando em causa, de facto, instrução já aberta, e sobretudo, atento ao disposto no art. 35.º, n.º 3, do CPP, cumpre decidir. Conforme resulta do disposto no art. 215.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, “Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime” e “A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.” Ora, é inequívoco que, nos presentes autos, foi declarada a especial complexidade, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Nos termos do art. 287.º, n.º1, do CPP, o prazo para a abertura de instrução é de 20 dias, sendo que, por força da mencionada declaração de especial complexidade, nos termos do art. 107.º, n.º 6, do CPP, tal prazo é aumentado, automaticamente, em 30 dias. Não obstante, a questão que aqui se coloca é a de saber se, nos termos de tal preceito legal, a especial complexidade dos autos é tal que justifique, ainda, o excepcional alargamento do prazo em causa para mais 30 dias. Resulta da parte final do mencionado art. 107.º, n.º 6, do CPP, que “(…) quando a excepcional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior.” A declaração de especial complexidade nos presentes autos, fundou-se,essencialmente, no número de arguidos então constituídos, extensão e volume dos factos a investigar e desconhecimento do panorama global da actuação dos arguidos. Tal realidade, é inequívoco que torna o processo especialmente complexo. Não o torna, contudo, conforme pretendido pelos arguidos, complexíssimo, ao ponto de ser determinado um alargamento excepcional do prazo de abertura de instrução. É que uma coisa é a complexidade de quem investiga uma actividade como a que está em investigação nos autos sem saber o que aconteceu, quando aconteceu, como aconteceu e quem o fez, e outra coisa é quem tem de analisar a sua defesa perante factos concretos balizados no tempo (muitos dos quais admitiram em primeiro interrogatório e, por isso, deles fizeram parte), relativamente à sua pessoa e com prova circunscrita pela acusação. Não há dúvida o elevado número de arguidos, o actual volume do processo, o número de condutas imputadas e de testemunhas arroladas. Não obstante, não podemos esquecer que o que está aqui em causa é a abertura de instrução e o alargamento do seu prazo. Tal fase, é balizada processualmente quanto à sua função (não podendo ser utilizada para repetições, para realizar de novo, o que já podia ter sido realizado, ou para ensaiar defesa de antecipação de julgamento – cfr., neste sentido, EE, Com o sol e a peneira: um olhar destapado sobre o conceito da inadmissibilidade legal da instrução, in Revista Julgar n.º 19, 2013, pp. 100-127), não sendo um pré-julgamento onde os arguidos, a seu bel-prazer e após se terem remetido à total inércia no inquérito, pretendem a produção de todo e qualquer tipo de prova que já podiam e deviam ter carreado. Sempre se diga, em abono da verdade que os arguidos têm conhecimento da actividade imputada desde que foram submetidos a primeiro interrogatório em Março de 2024, actividade essa que, na sua essencialidade, redundou nos factos e crimes por que foram acusados. Por outro lado, o elevado número de arguidos não pode ser visto e invocado de forma acrítica, pois cada um, em termos de analise de eventual abertura de instrução, apenas se debruçará sobre si e não sobre os demais, o que circunscreve, sobremaneira, para cada um, a extensão da matéria. O mesmo se passando quanto ao elevado número de condutas/factos e de crimes, pois se é certa a extensão da acuação, não é menos certa que a mesma é segmentada e dividida por condutas dos vários arguidos, tendo, apenas, cada um, de se debruçar dos factos e crimes que lhe estão imputados. Tal como refere a Digna Magistrada do MP, os factos estão divididos por grupos de arguidos, não tendo, cada um dos requerentes, nem os demais arguidos, que se debruçar (para efeitos de defesa) sobre toda a factualidade por que foi deduzida acusação, sendo que a sistematização da acusação, com recurso a quadros, gera uma condensação, que permite a percepção global dos factos, reduzindo, de forma significativa, a dimensão da acusação. Mais. Apesar do número elevado de crimes e de factos, a matéria em apreciação nos autos é relativa a modus operandi homogéneo, já conhecido dos arguidos (e em larga medida assumido por estes em primeiro interrogatório), o que torna o processo trabalhoso e até complexo, mas nunca complexíssimo ao ponto de justificar o alargamento pretendido. E, a factualidade por que foi deduzida acusação, foi descrita de forma detalhada, permitindo, a cada um dos arguidos, o conhecimento pormenorizado da actuação criminosa que se lhes imputa, facilitando, pela delimitação dos factos, o exercício do direito de defesa. Também assim se diga no que tange ao volume global dos autos e número de testemunhas, os quais, não obstante serem volumosos, contêm prova relativa a todos os arguidos, tendo, cada um, apenas, de se debruçar sobre a sua parte. Acompanhamos, pois, a Digna Magistrada do MP, quando refere que, para efeito do exercício do direito de defesa, nenhum dos arguidos terá que proceder à análise de toda a prova, dado que parte dela se reporta à actuação de terceiros. São, assim, de facto, os autos, complexos, mas não, nesta fase, em jeito de megaprocesso (que não é), e para o efeito pretendido, de molde a justificar um alargamento excepcional do prazo de abertura de instrução, para além do já legalmente consagrado no art. 107.º, n.º 6, do CPP, sendo 50 dias perfeitamente razoáveis e adequados ao exercício do direito de defesa dos arguidos. Sendo a elevação de prazo da prisão preventiva, por força da abertura de instrução, de apenas 4 meses, nos termos do art. 215.º, n.º 3, do CPP, permitir-se o alargamento total do prazo de defesa dos arguidos para 80 dias, levaria a que a instrução com prolação de decisão instrutória tivesse de decorrer em 40 dias, para que uma das prisões preventivas em curso não excedesse. Isto é, seria maior o prazo para a abertura de instrução do que o que haveria para a sua duração, sendo que a abertura é individualizada e o seu decurso poderá respeitar a todos os arguidos. Aliás, deixamos, aqui, apenas, uma última nota para salientar a curiosidade do facto de só agora os arguidos entenderem que a especial complexidade é de tal ordem que justifica um alargamento do prazo de abertura de instrução superior ao normal alargamento previsto para processos de especial complexidade. Em face do exposto, nos termos do art. 107.º, n.º 6, do CPP, indeferem-se os requeridos alargamentos excepcionais do prazo de abertura de instrução, mantendo-se, assim, este, nos 50 dias, resultantes do disposto nos arts. 287.º, n.º 1, e 107.º, n.º 6, do CPP. Notifique. Devolva ao MP.
O referido despacho refere-se, ao que nos interessa, ao requerimento formulado nos autos pelo ora recorrente em que o mesmo invoca o que a seguir se transcreve:
1.Foi ora requerente notificado em 21 de Março de 2025, da acusação contra si proferida pelo Ministério Público e por via da qual, o arguido tomou conhecimento de que lhe é imputada a prática em concurso efetivo e como autor material, de 1 crime de associação criminosa, de 2.199 crimes de especulação, de 2.417 crimes de falsificação de documentos, de 1 crime de burla qualificada e de 1 crime de branqueamento de capitais; 2.Ora, o presente despacho de acusação é o ponto culminar de um processo de inquérito que se iniciou em 2023, e que em concreto se materializa em 30 volumes (de autos principais e apensos), envolvendo um universo de 24 arguidos e 60 testemunhas; 3.E que, por rectas contas, estão em causa diversas condutas criminosas imputadas ao arguido, sendo que, na generalidade, várias delas desdobram-se numa multiplicidade (milhares) de situações; 4. Ora, considerando que se trata de uma acusação bastante pormenorizada e extensa (596 páginas) onde os factos descritos são complexos e que cumpre analisar; 5.Considerando que para uma efetiva abertura de instrução, em ordem a apurar do acerto (ou da falta dele) da decisão de acusar, se impõe à defesa o prazo legal (ordinário) de vinte dias para compulsar toda a (imensa) prova em que se sustenta a suficiência do juízo acusatório; 6.Considerando que, sendo o procedimento de excecional complexidade em sentido normativo, importa, por força do disposto no art. 107.° n.°6 do CPP, o aumento em trinta dias, do prazo a que alude o artigo 287.° n.°1, do mesmo Código. 7.Considerando ainda que para o efeito, "quando a excecional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior" (superior, portanto, aos tais trinta dias já decorrentes da Lei). 8.Assim considerando, no caso dos autos, atentos os fundamentos acima aduzidos, quais sejam a extensão dos autos (30 volumes) e, em concreto, da prova (pericial e documental) nela indicada, a que acresce o número de arguidos (24) e testemunhas (60); 9.Num tal quadro, afigura-se-nos ajustado, por que necessário, adequado e proporcional aos interesses em causa (um processo equitativo em nome das garantias de defesa do arguido), um aumento equivalente ao dobro daquele legalmente definido (20+30+30), qual seja um prazo de 80 (oitenta) dias. 10.Destarte, atentos os considerandos acima expostos, vem a defesa muito respeitosamente requerer junto de V. Exa. ao abrigo do disposto no artigo 107.° n.°6 do CPP, que lhe seja deferido a prorrogação do prazo para requerer a abertura da fase de instrução, por um período global de 80 (oitenta) dias e que será extensível a todos os arguidos, ao abrigo das suas garantias de defesa constitucionalmente consagradas e do direito a um processo justo e equitativo.
Aqui chegados cumpre proceder à concreta apreciação da questão suscitada neste recurso pelo arguido e recorrente AA.
Insurge-se o mesmo relativamente ao despacho que lhe indeferiu o alargamento por mais 30 dias do prazo de 50 dias para requerer a abertura de instrução.
Como já afirmámos em Acórdão proferido neste Tribunal da Relação4: Os prazos processuais regulam, disciplinam e asseguram a marcha processual viabilizando a intervenção dos sujeitos processuais e garantindo os direitos processuais destes.
O prazo para requerer a abertura da instrução é um prazo perentório que, por regra, é de 20 dias como decorre do artigo 287º nº1 do Código de Processo Penal posto que o seu decurso extingue o direito a ser praticado o ato processual a que se reporta, ou seja, requerer a abertura de instrução.
Enquanto prazo perentório o mesmo é, por regra, improrrogável estando legalmente previstas as exceções, mormente, ao que nos interessa a previsão contida no artigo 107º nº6 do Código de Processo Penal em que se consigna: «Quando o procedimento se revelar de excecional complexidade nos termos da parte final do nº3 do artigo 25º os prazos previstos no artigo 78º, nº nº1 do artigo 284º, no nº1 do artigo 287º, no nº1 do artigo 311º-B, nos nºs 1 e 3 do artigo 411º e nº1 do artigo 413º são aumentados em 30 dias sendo que, quando a excecional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior.
Prevê-se, assim, uma automaticidade de prazo alargado quando estiver em causa excecional complexidade sendo tal automaticidade por reporte a mais 30 dias para além dos 20 dias estipulados como regra no artigo 287º nº1 do Código de Processo Penal. Para além disso prevê-se ainda a possibilidade de tal prazo ser ainda superior quando se justifique sendo o limite fixado por juiz e a requerimento dos sujeitos processuais.
No caso vertente foi declarada a excecional complexidade dos autos pelo que o prazo para requerer a abertura de instrução é automaticamente de 50 dias (20+30) e o recorrente pretende que tal prazo seja, ainda, alargado por 30 dias sendo que de acordo com a lei processual penal tal alargamento apenas ocorre quando se justifique.
E para tanto invocou, em síntese, que lhe é imputada a prática em concurso efetivo e como autor material, de 1 crime de associação criminosa, de 2.199 crimes de especulação, de 2.417 crimes de falsificação de documentos, de 1 crime de burla qualificada e de 1 crime de branqueamento de capitais, que o inquérito se iniciou em 2023 e que em concreto se materializa em 30 volumes (de autos principais e apensos), envolvendo um universo de 24 arguidos e 60 testemunhas e que se trata de uma acusação bastante pormenorizada e extensa (596 páginas) onde os factos descritos são complexos e que cumpre analisar.
Ora, o arguido e ora recorrente nada indicou em concreto que não seja próprio de um processo declarado como de excecional complexidade.
Com efeito, inexiste qualquer invocação de uma concreta dificuldade acrescida e a que o arguido e ora recorrente seja alheio que justifique o alargamento do prazo nos termos requeridos por tal colocar em causa o exercício efetivo do seu direito de defesa.
O recorrente não invoca, por exemplo, que a acusação e os factos na mesma descritos consubstanciam para si uma surpresa, que nunca antes teve acesso aos autos, que desde a dedução da acusação esteve impossibilitado de aceder aos mesmos, que os elementos que lhe foram facultados não estão completos ou que ainda não lhe foram disponibilizados elementos cuja entrega requereu…
O que o requerente invoca de um modo absolutamente genérico é a volumetria dos autos e curiosamente apenas agora se insurge relativamente à mesma posto que anteriormente recorreu perante este Tribunal da Relação do despacho que declarou a excecional complexidade como decorre da consulta no citius do apenso C em que foi proferida decisão sumária em 14 de agosto de 2024 rejeitando a pretensão recursória do ora recorrente e mantendo o despacho que declarou a excecional complexidade dos autos.
Em suma, o recorrente impugnou preteritamente a declaração de excecional complexidade, mas pretende agora usufruir das vantagens que a mesma proporciona em sede de alargamento do prazo para requerer a abertura de instrução. Todavia, para tanto era indispensável que o recorrente invocasse concretas circunstâncias que justificassem tal alargamento o que manifestamente não se verifica.
O despacho recorrido não merece qualquer censura tendo feita uma correta interpretação das normas legais aplicáveis e das concretas circunstâncias do caso concreto não se justificando efetivamente qualquer alargamento do prazo para além do já concedido por lei.
Destarte o recurso é manifestamente improcedente impondo-se a sua rejeição.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, rejeita-se o recurso do arguido AA por ser manifesta a sua improcedência.
Custas a cargo do recorrente fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida – artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal e tabela III do Regulamento das Custas Processuais a que acresce a condenação na importância de 3 UC por força do disposto no nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal.
Notifique.»
2- FUNDAMENTAÇÃO:
No caso vertente veio o recorrente reclamar para a conferência da decisão sumária proferida.
A reclamação contra uma decisão sumária prevista no artigo 417º nº8 do Código de Processo Penal destina-se a submeter à conferência uma decisão do relator.
Este procedimento não constitui uma nova instância de recurso, porquanto a reclamação para a conferência não é um recurso da decisão sumária, mas apenas um pedido de apreciação colegial desta assente em critérios da sua legalidade e adequação jurídica.
Como se afirmou no Acórdão de 15-01-2020 do Tribunal da Relação de Coimbra5, «a figura jurídica de reclamação prevista no n.º 8 do art.º 417 do CPP, como em qualquer ramo do direito, constitui uma prerrogativa legal, procedimental de controlo, de impugnação de algum dos actos decisórios enunciados nos nºs 6 e 7 do citado art. 417º, posta à disposição do destinatário da decisão que por ela se considere prejudicado, com vista à sua revogação, modificação ou substituição com base em violação da lei. A reclamação para a conferência não constitui instrumento de manifestação da mera discordância do recorrente em relação à decisão reclamada. Ou até de mera renovação dos fundamentos do recurso. Exige uma motivação, autónoma, de rebatimento jurídico das razões ou dos fundamentos da decisão de que se reclama, no sentido de demonstrar a sua ilegalidade.».
De facto e em face do teor do supra aludido preceito em que se consigna que “cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos ns.º6 e 7”, dúvidas não restam de que o objeto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada.
No caso vertente, o reclamante não aponta à decisão sumária e ora reclamada vícios de aplicação de direito ou qualquer omissão ou vício juridicamente relevante apenas insistindo no mérito da argumentação que expendeu no seu recurso quanto à necessidade de alargamento do prazo para requerer a abertura de instrução e revelando a sua discordância relativamente ao facto da decisão sumária ter confirmado o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª Instância.
Assim, o que o reclamante faz é insistir na argumentação anteriormente apresentada nos termos sobreditos não apontando à decisão sumária e ora reclamada qualquer vício de fundamentação ou erro de aplicação de direito, qualquer violação da lei, mas apenas e tão somente a sua discordância.
Destarte, impõe-se indeferir a reclamação.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam as Juízas Desembargadoras desta 3ª Secção em indeferir na íntegra a reclamação apresentada por AA.
Custas da responsabilidade do reclamante fixando-se em 4 UC a taxa de justiça – artigo 513º do Código de Processo Penal e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
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Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelas signatárias e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 8 de outubro de 2025
Ana Rita Loja
Hermengarda do Valle-Frias
Cristina de Almeida e Sousa
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Proferido em 2024-09-25 no Processo nº 702/23.3KRLSB.L1 e cujo sumário se encontra publicado no site deste Tribunal
5. Proferido no processo 685/13.8PBVIS.C1 acedido em in www.dgsi.pt.