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MEDIDA CONCRETA DA PENA
TOXICODEPENDÊNCIA
Sumário
I - Perante as molduras penais estatuídas para os crimes cometidos pelo arguido (penas de prisão até 3 anos), o tribunal atendeu, e bem, que o arguido tem numerosos antecedentes criminais, mesmo pela prática de crimes de semelhante natureza, e as advertências judiciais parecem não surtir qualquer efeito, tendo uma das suspensões de execução de pena de prisão sido mesmo revogada, levando ao cumprimento efectivo da pena. II - Acresce que o arguido se encontra preso e ao longo dos anos não foi capaz de inverter o ciclo de consumos de estupefacientes, mesmo tendo algum apoio familiar. III - Nenhuma censura há a fazer quanto às medidas concretas da pena e a toxicodependência não é atenuante, até porque o arguido tem tido apoio de diversas entidades públicas para que leve a cabo o definitivo abandono desses consumos.
Texto Integral
Acordam em Conferência os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório:
Nos autos de Processo n.º549/23.7PARGR.L1 foi proferida sentença na qual foi decidido condenar o arguido AA pela prática em autoria material na forma consumada: a) de 1 crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão; b) de 1 crime de abuso de cartão ou garantia de pagamento, p. e p. pelo art.º 225º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 1(um) ano e 5 (cinco) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva – cf. art.º 77º do Código Penal. Não conformado com tal sentença, veio o arguido acima melhor identificado, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
O presente recurso é interposto da sentença que condenou o arguido na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de furto simples e de um crime de abuso de cartão de garantia ou pagamento.
2. A sentença reconhece expressamente várias circunstâncias atenuantes relevantes: a. O baixo grau de ilicitude dos factos; b. A confissão integral, livre e sem reservas do arguido; c. O valor reduzido dos bens subtraídos (€133,90); d. A recuperação de parte significativa desses bens.
3. Apesar disso, o tribunal fixou penas parcelares e cumulativas em medida muito acima do mínimo, ignorando o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.
4. A determinação da pena deve atender, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção, valorizando todas as circunstâncias que não integrem o tipo legal, mas que relevem para a justa aplicação da sanção penal.
5. O tribunal recorrido deu prevalência excessiva a fatores negativos como os antecedentes criminais do arguido, desconsiderando a sua evolução pessoal, o contexto social e clínico (toxicodependência crónica desde a adolescência), e o contributo para a descoberta da verdade material.
6. A confissão prestada em audiência, livre e espontânea, revelou colaboração efetiva com a justiça e permitiu simplificar o julgamento, devendo ser valorada de forma significativa na medida concreta da pena.
7. A pena aplicada não respeita o princípio da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal), na medida em que ultrapassa claramente a gravidade da conduta e a responsabilidade pessoal do arguido.
8. Acresce que, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, o tribunal deveria ter tido em consideração o contexto de marginalização, desemprego, desestruturação social e toxicodependência crónica do arguido, como fatores atenuantes suscetíveis de reduzir a medida da pena.
9. A jurisprudência do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reconhecer que, em casos de pequena criminalidade associada à toxicodependência, a pena deve ser fixada em níveis mínimos ou intermédios, promovendo soluções alternativas à prisão, com vista à reinserção social.
10. A opção do tribunal pela prisão efetiva, sem ponderar de forma adequada a possibilidade de suspensão da execução da pena, mostra-se insuficientemente fundamentada, violando os artigos 50.º e 53.º do Código Penal, e a jurisprudência que defende que a reincidência não exclui automaticamente essa possibilidade (cfr. Ac. STJ, 21.01.2015, proc. n.º 12/09.9GDODM.S1).
11. A suspensão da execução da pena, acompanhada de regime de prova e injunções orientadas para o tratamento da toxicodependência e inserção social, seria mais eficaz do ponto de vista preventivo, mais proporcional e mais conforme com os fins da pena consagrados no artigo 40.º do Código Penal.
12. A prisão efetiva aplicada ao arguido, nas circunstâncias concretas, falha na missão de reinserção social, agrava o risco de reincidência e compromete a utilidade da sanção penal, convertendo-a num instrumento de exclusão e não de reabilitação.
13. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com: a. A redução das penas parcelares para níveis mínimos ou próximos do mínimo legal; b. A suspensão da execução da pena de prisão, eventualmente com regime de prova e injunções adequadas, nos termos dos artigos 50.º e 53.º do Código Penal”.
*** Respondeu o MºPº, pugnando pela manutenção da decisão, concluindo nos seguintes termos:
1. A Mma. Juiz a quo aplicou escrupulosamente os critérios legais, previstos nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, na determinação das concretas penas de prisão (parcelares e única), as quais se mostram, dentro das respetivas molduras abstratas, doseadas de forma adequada, justa e criteriosa, dando expressão acertada às exigências de prevenção, especial e geral, que no caso se faziam sentir, pelo que nenhuma censura nos merecem.
2. A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, falhando manifestamente os pressupostos para a sua aplicação previstos no artigo 50.º do Código Penal.
3. A simples censura do facto e a ameaça da prisão não bastarão para afastar o arguido da prática de novos crimes, sendo que a aplicação de uma qualquer pena de substituição revelar-se-ia inadequada.
4. Apenas cumprindo intramuros a pena de prisão que lhe foi irrogada se poderá garantir a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição e da execução da pena de prisão.
5. Não se mostram violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente os referidos pelo recorrente. Face ao exposto, e ao abrigo das disposições legais supracitadas, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão judicial recorrida. Neste Tribunal a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º2 do CPP.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência.
2. Fundamentação:
Cumpre assim apreciar e decidir. É a seguinte a decisão recorrida (na parte relativa a decisão de facto, medida da pena e decisão de não suspensão da sua execução) : Após ter sido discutida toda a matéria de facto e produzida a prova em julgamento, restaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir: 1. No dia ... de ... de 2023, em hora que não foi possível precisar, no interior do Estabelecimento ..., sito na ..., desta cidade, o arguido AA apoderou-se de uma carteira da marca ..., no valor de €100 (cem euros), pertencente à ofendida BB, funcionária nesse estabelecimento. 2. No interior da referida carteira, encontravam-se: 2.1. Cartão de débito do banco ... em nome da ofendida, com o número ...; 2.2. Cartão de débito do banco ... em nome de CC, com o número ...; 2.3. Cartão Revolut em nome da ofendida; 2.4. Carta de Condução, em nome da ofendida e 2.5. Cartão de Residência. 3. A PSP logrou recuperar na posse do arguido AA o cartão de débito do banco ... em nome da ofendida, com o número ..., e o cartão de débito do banco ... em nome de CC, com o número .... 4. Ao atuar da forma descrita, o arguido sabia que o referido dinheiro, cartões e documentos, não lhe pertencia, bem sabendo que atuava contra a vontade do legitimo dono. 5. Já na posse dos referidos cartões, nesse mesmo dia dirigiu-se ao ..., sito a ..., desta Cidade, onde com esses cartões, efetuou três compras, de tabaco e combustível, no valor total de €33,90 (trinta e três euros e noventa cêntimos). 6. Com a sua atuação, o arguido causou à ofendida o prejuízo no montante de €133,90 (cento e trinta e três euros e noventa cêntimos.). 7. O arguido agiu com intenção de fazer seu aquele cartão multibanco, sabendo que o fazia contra a vontade do seu legítimo proprietário. 8. Tinha perfeito conhecimento de que ao colocar o cartão na maquina de pagamentos, introduzia nesse sistema dados que lhe permitiam desencadear o acesso à conta bancária a que aquele cartão estava adstrito, o que lhe possibilitava o débito na mesma dos pagamentos que realizou, tendo perfeita consciência que tal lhe estava vedado sem a autorização da titular do cartão de débito. 9. Agiu com o propósito concretizado de obter para si benefícios económicos que não lhe eram devidos, bem sabendo que ao fazê-lo causavam um prejuízo no mesmo valor ao seu legítimo titular. 10. Agiu como se de legítimo titular do cartão se tratasse, o que logrou fazer. 11. Sabia também que as suas condutas lhe estavam vedadas e eram criminalmente punidas Mais se provou que: 12. O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos 1 a 11, indicados supra. 13. O arguido encontra-se detido em Estabelecimento Prisional. 14. AA, à data da alegada prática dos factos, encontrava-se a residir com a companheira DD (auxiliar de saúde na ...), em comunhão de leito, mesa e habitação, desde ... de 2021, num anexo à habitação, propriedade da progenitora, que foi descrito como dispondo de boas condições de habitabilidade. 15. Esta situação manteve-se até ... de 2024, data em que a companheira saiu de casa devido à recaída do arguido, no consumo de estupefacientes. 16. Para além do referido anexo, o quintal integra, ainda, outros dois anexos, onde habitam duas irmãs do arguido, com os respetivos agregados constituídos. 17. A dinâmica relacional do casal, não obstante a problemática aditiva (substâncias psicoativas) do arguido e frequentes recaídas, foi descrita como positiva e emocionalmente gratificante. Ambos verbalizam a intenção de contraírem matrimónio, após libertação do ..., onde se encontra a cumprir pena de prisão à ordem do processo n.º 2138/22.4... Contudo DD refere que, para tal facto acontecer, é necessário que o arguido mantenha abstinência dos consumos de estupefacientes. 18. Importa ainda referir que AA, com 31 anos de idade, é o terceiro de uma fratria de cinco elementos (sendo os três primeiros germanos e os restantes uterinos), nascido no seio de um agregado familiar de modesta condição socioeconómica e cultural. 19. Os pais do arguido separaram-se quando este tinha seis meses de vida, pelo que não manteve contacto com o progenitor (era condutor de autocarros), uma vez que considera que este abandonou o lar. 20. Segundo informações que constam no dossier do arguido, este terá conhecido o progenitor apenas com 18 anos de idade, através de um contacto pontual. 21. Após a rutura conjugal, a progenitora encetou nova relação afetiva, sendo esta a figura que AA reconhece como figura paterna. 22. Entretanto, quando o arguido contava apenas 13 anos de idade, o padrasto faleceu, situação que aparentemente terá tido forte impacto no seu comportamento, manifestando este, deste então, em crescendo de gravidade, comportamentos de rebeldia, que culminou na sua institucionalização, verificando-se, por parte da progenitora, dificuldades em exercer um papel contentor do comportamento do arguido. 23. No que concerne ao percurso escolar, integrou o sistema de ensino em idade própria, contudo, na sequência do desajusto comportamental foi intervencionado no âmbito da justiça juvenil. 24. AA reintegrou, aos 18 anos de idade, o núcleo familiar de origem, composto na altura pela progenitora e por três irmãos. 25. Com a constituição de uma relação afetiva, em ... AA emigrou com a então companheira, EE, para os ..., onde trabalhou na área da ... Não se adaptando àquele país, e na sequência do fim da relação estabelecida com a companheira, regressou a ..., em .... 26. À data da alegada prática dos factos (...), AA encontrava-se desempregado há cerca de um mês. 27. O arguido regista, igualmente, experiências no setor da ..., da ..., da ... e do ... 28. À data da entrada no ..., o arguido encontrava-se a trabalhar há cerca de um mês, na ..., como .... 29. Ao nível económico, a satisfação das necessidades básicas do arguido, em liberdade, era assegurada pelos rendimentos auferidos pelo próprio e pela companheira. 30. AA iniciou o consumo de canabinóides com 12 anos de idade, em contexto escolar, consumos estes que evoluíram para o de heroína fumada e cocaína, alternando fases de abstinência, com períodos de consumo. 31. Pelo que foi apurado no Dossier Individual do arguido, em ... integrou programa de tratamento, com antagonista, na ..., contudo, a ocorrência de novos consumos de substâncias psicoativas, inviabilizou a continuação do tratamento. 32. Em meados de ... de 2020, reiniciou o tratamento da problemática aditiva, igualmente com antagonista, na ..., tratamento a que deu seguimento em contexto prisional. 33. Durante o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (Processo nº 129/20.9...), o arguido foi acompanhado pela ..., tendo beneficiado de consultas de psicologia e realização de testes de despiste toxicológicos, os quais apresentaram resultados positivos a THC. 34. Apesar do arguido referir que se manteve abstinente durante um período que não soube especificar, apurou-se que, no final de 2023, recorreu à ..., por ter recaído nos consumos de produtos estupefacientes. 35. Da análise da informação que foi possível recolher, o arguido revela défices ao nível da resolução de problemas, ao nível do controlo dos impulsos e pensamento consequencial, não conseguindo identificar as consequências do seu comportamento sobre si e sobre terceiros. 36. A nível comunitário, o arguido é referenciado pela sua ligação ao universo da toxicodependência e pela adoção de comportamentos inadequados. 37. Em meio prisional o arguido não regista sanções disciplinares, não integra programas terapêuticos, nem foi submetido a testes de despiste. Ao nível da ocupação laboral/formativa este encontra-se inativo. No ..., AA recebe visitas regulares da progenitora, da irmã FF e de DD. 38. Perante a atual situação jurídico-penal, AA adota um discurso de alguma autovitimização, nomeadamente no que decorre do facto de ter sido constituído arguido, no afastamento da companheira, bem como na suspensão da vida profissional. 39. Apresenta dificuldade ao nível da autocrítica, desvalorizando as ligações que tem vindo a manter com justiça, bem como todo o estilo de vida que preserva desde os 12 anos. 40. O arguido foi condenado nas seguintes penas: 40.1. Por decisão de 2.5.2018, transitada em julgado a 22.6.2018, foi o arguido condenado no âmbito do processo abreviado n.º 97/18.7PTPDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5€. 40.2. Por decisão de ........2018, transitada em julgado a ........2018, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 157/18.4..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5€. 40.3. Por decisão de ........2018, transitada em julgado a 22.6.2018, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 80/18.2..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano 40.4 Por decisão de ........2018, transitada em julgado a ........2018, foi o arguido condenado no âmbito do processo abreviado n.º 136/18.1..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses. 40.5. Por decisão cumulatória de ........2018, transitada em julgado a ........2019, foi aplicada ao arguido uma pena única de 7 meses e 15 dias de prisão, suspensa por 1 ano, a par de uma pena única de 115 dias de multa, à taxa diária de 5€, pelas penas parcelares aplicadas nos processos n.º 97/18.7PTPDL, 80/18.2..., 157/18.4... e 136/18.1... 40.6. Por decisão de ........2020, transitada em julgado a ........2020, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 71/20.3..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2020 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação. 40.7. Por decisão de ........2020, transitada em julgado a ........2020, foi o arguido condenado no âmbito do processo comum n.º 487/18.5..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2018 de um crime de furto qualificado, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano e sujeita à obrigação de pagar ao assistente o valor de 70.00€ nesse período e bem assim a regime de prova, o qual deve incluir necessariamente a obrigação de encetar, manter e cumprir tratamento ao consumo/dependência de substâncias psicotrópicas/estupefacientes (drogas) com vista à cura/abstinência acompanhado da realização de testes de despiste, conjuntamente com consultas de psicologia frequentes por forma a combater a dependência mas também a incrementar e desenvolver as competências sociais e relacionais do arguido, a obrigação de procura ativa de emprego ou atividades de formação profissional e ou procura ativa de outras atividades de ocupação diária, tais como voluntariado, nos termos do disposto no art.º 50.º n.ºs 1, 2 e 5, e 53.º, todos do código penal, cuja fiscalização cumprirá à direção geral de reinserção social, ficando desde já o arguido obrigado a responder a qualquer convocatória que lhe seja dirigida pelo tribunal ou por aquela entidade. Por decisão de ........2021, transitada em julgado a ........2021, foi determinada a revogação da pena de prisão suspensa aplicada ao arguido e consequente cumprimento efetivo da pena de 3 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica. 40.8 Por decisão de ........2021, transitada em julgado a ........2021, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 771/21.0..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2022 de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 2 meses de prisão efetiva. 40.9. Por decisão de ........2021, transitada em julgado a ........2021, foi o arguido condenado no âmbito do processo comum n.º 129/20.9..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2020 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, assente em plano de reinserção social que preveja o afastamento do arguido do consumo de substâncias aditivas e com a condição de, nesse período, o arguido diligenciar por obter a carta de condução. 40.10. Por sentença cumulatória de ........2022, transitada em julgado a ........2022, foi ao arguido aplicada uma pena única de 12 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, resultante das penas parcelares aplicadas nos processos n.º 71/20.3... e 129/20.9... 40.11. Por decisão de ........2023, transitada em julgado a ........2023, foi o arguido condenado no âmbito do processo comum n.º 1235/21.8..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2021 de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de 6€. 40.12. Por decisão de ........2023, transitada em julgado a ........2023, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumaríssimo n.º 263/20.5..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2020 de um crime de incêndio, explosões e outras condutas perigosas por negligência e um crime de incêndio/fogo posto em edifício, construção ou meio de transporte, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período. 40.13. Por decisão de ........2024, transitada em julgado a ........2024, foi o arguido condenado no âmbito do processo comum n.º 2138/22.4..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, pela prática a ........2021 de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efetiva. Por decisão de ........2024, transitada em julgado a ........2024, foi perdoado 1 ano de prisão à pena aplicada ao arguido, nos termos da Lei n.º 38-A/2023. * II.2. Factos não provados: Discutida a causa, não ficaram por provar factos com relevância para os autos. (…) O princípio da proporcionalidade do art.º 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstrato (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. Dir-se-á, então, que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, para escolha da pena concreta a aplicar, não pode deixar de se prender com o disposto no art.º 40º do Código Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. E, em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. A nosso ver, com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. Ao julgador não compete retribuir a culpa o que não impede o legislador de agravar um ilícito típico põe força de circunstâncias inerentes à culpa. Quanto aos fins utilitários da pena, importa referir que, se o art.º 40º do Código Penal optou por cumular a defesa dos bens jurídicos com a reintegração do agente na sociedade, não podemos deixar de ver, nesta última, uma finalidade especial preventiva, em versão positiva, e, na dita defesa de bens jurídicos, um fim último que se há de socorrer do instrumento da prevenção geral. Para efeitos de determinação da moldura da pena, apenas é possível ao Tribunal atender às finalidades da punição gerais e preventivas, ficando arredada da sua análise o âmbito da culpa do agente, a qual apenas poderá ser tomada em consideração em sede de determinação da medida concreta da pena [FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime, §§497 – 498]. Os crimes em presença são punidos da seguinte forma: ) o crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão de 1 mês até 3 anos (art.º 41º, n.º 1 do Código Penal), ou com pena de multa de 10 até 360 dias (art.º 47º, n.º 1 do Código Penal); que estamos perante um crime que admite, ab initio, pena alternativa que deve ser ponderada pelo julgador (art.º 70º do Código Penal). b) o crime de abuso de cartão ou garantia de pagamento, p. e p. pelo art.º 225º, n.º 1, al. b) do Código Penal é púnico com pena de prisão de 1 mês até 3 anos (art.º 41º, n.º 1 do Código Penal), ou com pena de multa de 10 até 360 dias (art.º 47º, n.º 1 do Código Penal); que estamos perante um crime que admite, ab initio, pena alternativa que deve ser ponderada pelo julgador (art.º 70º do Código Penal). * IV.2. DA ESCOLHA DA MODALIDADE DA PENA Nos termos do art.º 70º do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Essa determinação, nos termos do art.º 40º, n.º 1 do Código Penal, passa pela consideração do bem jurídico tutelado que foi violado pelo arguido, assim como as finalidades de prevenção geral e especial. Ora, no caso concreto, estão em causa uma situação de furto simples e uma situação de abuso de cartão ou garantia de pagamento. Em termos de prevenção geral positiva, ou de integração, são unânimes nas necessidades agravadas de proteção de ambos os bens jurídicos aqui violados atenta a proliferação da prática deste tipo de condutas criminosas na nossa sociedade e a leveza com que vem sendo encarada a possibilidade de subtração de bens a terceiros. A frequência assaz elevada com que são perpetrados no seio da comunidade atual, seja por questões de elevadas taxas de desemprego, seja por simples problemas de vandalismo e falta de ordenação social pela ordem jurídica, exigem da parte do Estado a posição de sanções de maior gravidade. Ademais, o Tribunal não ignora que, em particular nesta comarca, as exigências de prevenção geral positiva fazem-se sentir ainda de forma particularmente mais intensa, dada a prática reiterada com que se assiste à concretização de furtos e, em particular, a sua especial ligação à prática de outros ilícitos como o tráfico de estupefacientes. Em termos de prevenção especial positiva, podemos constatar serem elevadíssimas as suas exigências. É verdade que o arguido revelara autocensura relativamente aos factos praticados e à consciência da sua ilicitude, confessando integralmente os factos. Todavia, o arguido tem inúmeros antecedentes, encontrando-se atualmente detido em Estabelecimento Prisional e, por conseguinte, pese embora referir ter reatado a sua união conjugal, ou ter perspetivas de trabalho assim que regressar à liberdade, a verdade é que, atualmente, não se encontra integrado a nível profissional e social ou familiar. Considerando a globalidade destes elementos, tendemos a considerar que a pena que melhor se enquadra ao caso concreto ainda implica a privação da liberdade, i.e., que a pena principal a ser aplicada ao arguido, por ser mais adequada às finalidades de prevenção geral e especial, respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade nos seus três sentidos de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, é a pena de prisão para qualquer um dos crimes analisados. * IV.3. DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA Uma vez determinada a moldura abstrata de que deve partir o tribunal, cabe apreciar em que moldes deve ser determinada a medida concreta da pena, o que deve ser prosseguido segundo os termos previstos no art.º 40º e 71º do Código Penal. Dita o n.º 1 do art.º 71º do Código Penal, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo este ser dissociado daquele art.º 40º acima analisado. Ora, no caso concreto, estamos perante a violação de um bem jurídico ligado à tutela da propriedade. Em termos de prevenção geral positiva, e de prevenção especial, remete-se para aquilo que acima já foi considerado e analisado. Destaca-se apenas, nesta sede, o facto de o arguido já ter antecedentes criminais por ilícitos de semelhante natureza (vide crime de introdução em lugar vedado ao público, nos processos n.º 771/21.0... e 1235/21.8...), como também pela prática de crimes de idêntica natureza, no qual foi condenado em pena de prisão. Pena de prisão que não só lhe serviu de lição, porque veio a ser revogada, por incumprimento do próprio, como lhe foi indiferente, já que reincidiu na prática criminosa do mesmo ilícito, apenas dois anos volvidos É, sobretudo, o histórico criminal do arguido, que o apresentam como uma pessoa manifestamente à censura jurídica que lhe tem vindo a ser aplicada, ao longo de seis anos (entre 2018 e 2024), que impõem ao Tribunal não aplicar pena de prisão no primeiro terço da moldura penal o qual deverá ser sempre reservado para circunstâncias em que não só as exigências de prevenção especial, mas também a ilicitude da conduta do arguido são diminutas. Não é claramente o caso dos presentes autos. A aplicação, ao longo de vários anos, de penas de prisão relativamente curtas, constantemente suspensas na sua execução, tem demonstrado de forma mais do que evidente a sua insuficiência para alterar o comportamento criminoso do arguido, que reitera, a elas indiferente. A valorização da confissão do arguido, bem como do diminuto grau de ilicitude da conduta, deverão ser ponderadas no quadro do segundo terço da moldura penal disponível ao Tribunal e não antes, por manifesta incompatibilidade com as exigências não só de prevenção geral, mas também de prevenção especial. O comportamento do arguido revela uma intensidade dolosa elevada, em termos de dolo direto. Já o grau de ilicitude do comportamento do agente é reduzido, considerando a quantidade e valor diminuto dos bens apreendidos e, também, que parte deles foram integralmente devolvidos ao seu proprietário. Atenta a globalidade dos elementos que, acima ponderados, depõem a favor e contra o arguido, entende o tribunal que: a) relativamente ao crime de furto simples, deverá ser aplicada uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; b) relativamente ao crime de abuso de cartão e garantia de pagamento, deverá ser aplicada uma pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão. * IV.4. DO CÚMULO DE PENAS Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do Código Penal, que rege a concretização do cúmulo, que "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” São pressupostos de aplicação do regime do cúmulo, assim: (i) a existência de uma pluralidade de crimes em concurso real e (ii) que todos eles tenham sido praticados antes do trânsito em julgado de qualquer um deles. Veja-se que “A pluralidade de crimes não é uma circunstância agravante da pena única; esta só deve ser especialmente agravada, em função da pluralidade de crimes, se se concluir pela tendência ou carreira criminosa do agente” [COSTA, Artur Rodrigues da – O cúmulo jurídico na doutrina e na jurisprudência do STJ. In Revista do CEJ. 1.º trimestre, 2016. N.º1. 1, p. 65-104 (73)]. Sempre que for necessário aplicar uma pena única, os critérios utilizados para a apreciação da dosimetria da pena do concurso encontrar-se-ão no art.º 77.º, n.º 1, 2ª parte, do Código Penal, o qual estatui que na medida da pena são considerados a globalidade dos factos e a personalidade do agente. As regras eleitas pelo legislador fixam-se, então, no “comportamento global” do agente criminoso, na ponderação dos factos concorrentes perpetrados e, por fim, na “personalidade do agente” que tenha de alguma forma sido revelada na conduta criminosa. Estas regras não têm por referência os crimes que estão no concurso, tão-pouco a soma de todos eles como uma unidade autónoma de sentido, mas sim aos factos que concorreram para a apreciação da pena atribuída a cada um dos crimes. Sem prejuízo deste binómio factualidade / personalidade, tem-se ainda feito menção à necessidade de ponderar os critérios gerais enunciados no art.º 71º, n.º 1 a par dos critérios especiais do art.º 77º, n.º 1 na fixação desta pena única, que restem prejudicados os princípios da proibição da dupla valoração. A análise do “pedaço de vida “a que faz alusão o Acórdão do STJ “(...) não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade” [Ac. do STJ de 14.9.2016, proc. n.º 3/12.2GAAMT-D.S1 (Rel. MANUEL AUGUSTO MATOS), disponível em www.dgsi.pt]. Em suma, para uma completa análise dos fatores a considerar, importa atender (i) aos factos em relação uns com os outros; (ii) a possível conexão e de que tipo existe entre eles, (iii) à totalidade da atuação do arguido, de um ponto de vista de unidade de sentido, (iv) à avaliação global da ilicitude e da culpa. Como assevera FIGUEIREDO DIAS, “a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização” [apud ob cit, pág. 71]. Por último, importa não esquecer que, na análise da globalidade dos factos e da personalidade do agente, a fixação de pena conjunta única sempre se balizará também pelo princípio da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso. A decisão que resulte do cúmulo tem que demonstrar um equilíbrio proporcional entre a pena conjunta e a análise global dos factos e da personalidade do agente. Concretizando para o caso dos presentes autos, e fazendo jus ao disposto no art.º 77º, n.º 2 do Código Penal, dir-se-á que a moldura do cúmulo terá como limite máximo a soma das penas parcelares acima aplicadas (1A e 6M + 1A e 5M = 2A e 11M) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (1A e 6M). Considerando os juízos de reflexão já acima ponderados, resta acrescentar que nos parece que a interconexão entre todos os factos dados como provados aponta o agente como um sujeito que não se consegue ordenar em conformidade com o Direito há já vários anos, que desvaloriza o impacto que o sistema penal tem na sua vida, os crimes em presença foram praticados na sequência um do outro e, por isso, praticamente mesma ocasião, estando interligados. Releva-se, ainda, em contrapeso, a circunstância de o arguido ter assumido a prática dos ilícitos em questão confessando-os, mas sem que se tenha em algum momento disponibilizado de forma livre e espontânea para ressarcir a ofendida nos prejuízos causados. Por tudo isto, considera-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão. * IV.4. – DO DESCONTO Consigno que o arguido não sofreu nenhum dia de detenção à ordem destes autos que importe descontar nesta pena única – cf. art.º 80º, n.º 1 do Código Penal. * IV.6. DA PENA DE SUBSTITUIÇÃO Uma vez que é a própria lei que prevê o poder-dever do juiz ponderar a hipótese de substituição da pena de prisão (i) superior a 1 ano e inferior a 5 anos por uma pena suspensa (art.º 50º do Código Penal), (ii) sempre que a pena de prisão não seja superior a 2 anos a prestação de trabalho em favor da comunidade (art.º 58º e 59º do Código Penal) ou a prisão em regime de permanência em habitação (art.º 43º e 44º do Código Penal), (iii) sempre que a pena de prisão for inferior a um ano, a sua substituição por pena de multa (art.º 45º do Código Penal) sempre que o Tribunal entender que nenhuma destas penas substitutivas colhem aplicação ao caso concreto, deverá fundamentá-lo de forma adequada, uma vez que o próprio art.º 70º do Código Penal estabelece uma preferência clara sobre estas situações em detrimento de penas privativas de liberdade. Inexistindo qualquer tipo de hierarquia entre as várias penas de substituição potencialmente aplicáveis, o Tribunal pode optar por aquela entre as demais que melhor acautele as finalidades da punição e as exigências de prevenção especial ou de socialização que se façam sentir no caso concreto. Pode o tribunal suspender a execução da pena de prisão por uma outra medida por período inferior a esses 5 anos se, tendo em conta os elementos fixados no art.º 50º, n.º 1 do Código Penal (e art.º 492-495º do Código de Processo Penal) o tribunal entender que a mera ameaça de prisão é suficiente para assegurar as finalidades da punição. Ora, relevam na apreciação pelo tribunal para conhecer da possibilidade de suspensão da execução os seguintes fatores: (i) personalidade do agente, (ii) condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e (iii) as circunstâncias em que este se desenrolou. Está aqui em causa a possibilidade de o Tribunal concluir que existe um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido quanto ao cumprimento do ordenamento penal e à capacidade deste em se orientar de novo pelo Direito. Trata-se de apreciar a existência de um real prognóstico favorável ao arguido, que vai ao encontro da finalidade de socialização em liberdade, de integração, de impedir que o delinquente, no futuro, decida orientar-se à prática de novos crimes, uma vez que “a suspensão da execução da pena tem sido entendida como uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido" [Ac. do TRC, 24.01.2018, proc. n.º 50/17.8GBTCS.C1 (Rel. HELENA BOLIEIRO), disponível em www.dgsi.pt]. A convicção de que a suspensão serve os propósitos do ordenamento é assumida não sem a ausência de risco; é necessário que o agente aceite e sobretudo interiorize que a suspensão da pena como uma oportunidade que lhe é dada de regressar à sociedade ileso, desgarrando-se da vida que anteriormente levou e pautando a sua futura conduta de forma fiel ao Direito [Ac. do STJ de 21.1.2015, proc. n.º 12/09.9GDODM.Sl (Rel. PAULO BORGES), disponível em www.dgsi.pt]. Ora, dos factos dados como provados no presente processo, e em face da factualidade demonstrada no relatório social acerca das condições em que vive o arguido, pouco resulta para que se possa concluir pela possibilidade de suspensão. Entende-se que a aplicação de um regime suspensão da pena de prisão, mesmo que sujeito a regime de prova e à aplicação de injunções que se direcionem à consciencialização do agente do bem jurídico violado, das consequências práticas da reiteração da sua conduta e do desvalor jurídicocriminal dos seus atos, acabará, também aqui, por se revelar insuficiente. Senão vejamos: - O arguido foi já condenado na prática de 12 crimes ao longo de um curto hiato temporal de 6 anos; - Já praticou seis crimes de condução de veículo sem habilitação legal, uma das quais em prisão efetiva a cumprir em regime de permanência na habitação; - Tem antecedentes criminais pela prática de crime de idêntica natureza (n.º 487/18.5...), nos termos do qual veio a ser condenado em pena de prisão suspensa na sua execução. Pena que acabou por ser revogada, por incumprimento do arguido, e determinado o cumprimento efetivo, em regime de permanência na habitação, da pena de 3 meses de prisão. - O arguido já praticou crimes da mais diversificada natureza (segurança rodoviária, privacidade e vida privada, património, dano e integridade da justiça), revelando ser indiferente a uma série generalizada de bens jurídicos de natureza diversificada. - Os factos criminosos aqui praticados estão intimamente ligados ao consumo de estupefacientes pelo arguido, para os quais este já tem vindo a receber diversos tipos de tratamento, sempre de forma claramente insuficiente e inconsequente. - O arguido já foi condenado em 9 ameaças de pena de prisão, sendo que em três destas o arguido ficou efetivamente privado da sua liberdade (processos n.º 71/20.3..., 771/21.0... e 2138/22.4...) e uma delas acabou por ser revogada, com o consequente cumprimento pelo arguido de pena de prisão efetiva (processo n.º 487/18.5...). - Do ponto de vista de integração social, destaca-se que o arguido já regista problemas de socialização ordeira desde muito jovem e que culminaram na sua institucionalização aos 13 anos. Tem vindo a desempenhar atividades profissionais temporárias e precárias, com episódios esporádicos de desemprego e imigração mal sucedida. - O arguido é consumidor de canabinóides desde os 12 anos, tendo rapidamente evoluído para o consumo de heroína e cocaína, que alternou com fases de abstinência. Já integrou acompanhamentos e programas de tratamento, mas sempre regressando à reincidência nos consumos; inclusivamente quando se encontrava em cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação no processo nº 129/20.9... - A nível pessoal, o arguido revela défices ao nível da resolução de problemas, ao nível do controlo dos impulsos e pensamento consequencial, não conseguindo identificar as consequências do seu comportamento sobre si e sobre terceiros. - A nível comunitário, o arguido é referenciado pela sua ligação ao universo da toxicodependência e pela adoção de comportamentos inadequados. Da factualidade trazida a este processo ressaltam inúmeros elementos como a idade do arguido, a indiferença que tem vindo a manifestar ao longo dos anos para com o Direito e as penas que lhe são aplicadas, alheio à reprimenda jurídica e sanção penal que lhe é feita para que corrija o seu comportamento sob pena de ser condenado em pena de prisão, a incapacidade de se consciencializar que não pode reincidir na prática criminosa deste ou de qualquer outro ilícito em particular que apontam para a crescente dificuldade do Tribunal conseguir optar por medidas menos gravosas que não uma efetiva privação da liberdade do arguido. Face ao exposto, determina-se que esta pena não seja suspensa na sua execução.
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Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objeto à apreciação de uma única questão, a saber:
A. A medida da pena, medida do cúmulo jurídico e suspensão da execução da pena;
Vejamos então.
O crime de furto simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa e o crime de abuso de cartão de garantia, ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento é também punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
O arguido foi condenado, respectivamente, nas penas de um ano e seis meses de prisão – crime de furto – e um ano e cinco meses de prisão - crime de abuso de cartão de garantia, ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento.
Em cúmulo jurídico na pena de dois anos e quatro meses de prisão.
Ora, a medida da pena fixada pelo Tribunal recorrido e os poderes deste Tribunal de Recurso para a apreciar, têm que ser compreendidos dentro de alguns limites consubstanciados no princípio da mínima intervenção.
Significa isto que, sendo a determinação e fixação de uma pena apreciada dentro dos limites da moldura penal estatuída pela norma violada, a sua graduação concreta envolve para o juiz, uma certa margem de liberdade individual , não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente, aplicação do direito , devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP.
Na verdade, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá ter em atenção as funções de prevenção geral e especial das penas sem, contudo, perder de vista a culpa do agente (artigo 71º, nº 1 do Código Penal).
A medida da pena deverá constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, nº 2 do Código Penal).
Com efeito, hoje em dia, predominam as teorias relativas, as quais perspetivam as penas não como um fim em si mesmo (de retribuição ao agente do mal do crime – teorias absolutas), mas como um meio de prevenção criminal – prevenção geral positiva (de tutela da confiança na validade das normas, ligada à proteção de bens jurídicos, visando a restauração da paz jurídica) e de prevenção especial positiva de inserção ou reinserção social do agente, (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 49 a 57).
São as considerações de prevenção geral que justificam que se fale de uma moldura da pena, cujo limite máximo corresponderá ao ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, a pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.
O limite mínimo da moldura corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de proteção da comunidade. A culpa funcionará como pressuposto e limite máximo inultrapassável da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 25º da Constituição).
Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).
Retomando o caso dos autos, podemos verificar, face à fundamentação da escolha e fixação das penas concretas aplicadas ao recorrente por parte do Tribunal recorrido, e que acima já transcrevemos, que foram devidamente ponderados os princípios que deverão presidir a essa decisão.
Na verdade, revela a fundamentação da sentença dado a recurso, que foram ponderadas as necessidades elevadas de prevenção geral e elevadíssimas de prevenção especial.
Escreveu-se na sentença: A frequência assaz elevada com que são perpetrados no seio da comunidade atual, seja por questões de elevadas taxas de desemprego, seja por simples problemas de vandalismo e falta de ordenação social pela ordem jurídica, exigem da parte do Estado a posição de sanções de maior gravidade. Ademais, o Tribunal não ignora que, em particular nesta comarca, as exigências de prevenção geral positiva fazem-se sentir ainda de forma particularmente mais intensa, dada a prática reiterada com que se assiste à concretização de furtos e, em particular, a sua especial ligação à prática de outros ilícitos como o tráfico de estupefacientes. Em termos de prevenção especial positiva, podemos constatar serem elevadíssimas as suas exigências. É verdade que o arguido revelara autocensura relativamente aos factos praticados e à consciência da sua ilicitude, confessando integralmente os factos. Todavia, o arguido tem inúmeros antecedentes, encontrando-se atualmente detido em Estabelecimento Prisional e, por conseguinte, pese embora referir ter reatado a sua união conjugal, ou ter perspetivas de trabalho assim que regressar à liberdade, a verdade é que, atualmente, não se encontra integrado a nível profissional e social ou familiar. Considerando a globalidade destes elementos, tendemos a considerar que a pena que melhor se enquadra ao caso concreto ainda implica a privação da liberdade, i.e., que a pena principal a ser aplicada ao arguido, por ser mais adequada às finalidades de prevenção geral e especial, respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade nos seus três sentidos de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, é a pena de prisão para qualquer um dos crimes analisados.
Perante as molduras penais estatuídas para os crimes cometidos pelo arguido (penas de prisão até 3 anos), o tribunal atendeu, e bem, que o arguido tem numerosos antecedentes criminais, mesmo pela prática de crimes de semelhante natureza, e as advertências judiciais parecem não surtir qualquer efeito, tendo uma das suspensões de execução de pena de prisão sido mesmo revogada, levando ao cumprimento efectivo da pena.
Acresce que o arguido se encontra preso e ao longo dos anos não foi capaz de inverter o ciclo de consumos de estupefacientes, mesmo tendo algum apoio familiar.
Nenhuma censura há a fazer quanto as medidas concretas da pena e a toxicodependência não é atenuante, até porque o arguido tem tido apoio de diversas entidades públicas para que leve a cabo o definitivo abandono desses consumos.
Quanto ao cúmulo jurídico das duas penas, encontrou o Tribunal a quo a pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
Dispõe o artigo 77º, n.º2 que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. E o n.º3 do mesmo artigo que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Face ao disposto nos mencionados preceitos a pena a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 1 ano e 6 meses de prisão e como limite máximo 2 anos e 11 meses de prisão.
Estatui o artigo 77º, n.º1 que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Os factos falam por si e a personalidade do agente é aquela que ficou explanada nos factos provados e que se mostram acima descritos, revelando que o arguido não é capaz de conformar o seu comportamento com o direito e vem praticando ao longo dos últimos anos vários crimes, não obstante, confessou os factos.
A pena encontrada de 2 anos e 4 meses é perfeitamente justa e equilibrada.
Insurge-se o recorrente quanto à decisão de não lhe ser suspensa a execução da pena, entendendo que o Tribunal teria elementos para formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro.
Vejamos então.
O artigo 50º do Código Penal atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
Ora, a questão essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena, e que importa ponderar e dar uma resposta positiva, é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como fator pedagógico de contestação e autorresponsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir.
Assim sendo, desde já adiantamos que, no caso dos autos, nada nos permite fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
De facto, nem as circunstâncias do facto, nem as condições de vida do arguido, nem a conduta anterior e posterior ao facto, legítima a formulação daquele juízo.
Desde logo, estamos perante crimes que geram na comunidade alarme social e intranquilidade, devendo o arguido ser punido com certa severidade.
Depois porque dos autos não decorrem elementos de facto com capacidade bastante para que o tribunal possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção do crime. O arguido praticou diversos crimes ao longo dos últimos anos, revelando que não interiorizou, de forma alguma, as finalidades das penas.
Acresce que o arguido está recluso e, portanto, neste momento, não tem trabalho, e não se mostra inserido na sociedade.
Tudo conjugado, temos por evidente que o arguido não se mostra merecedor de um juízo de prognose favorável em ordem a que se acredite bastarem a censura do facto e a ameaça da pena para o afastar da criminalidade.
Sendo estas as únicas questões suscitadas, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
3. Decisão:
Assim, e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 4 UCS, sem prejuízo da isenção de que beneficie.
Notifique.
Lisboa, 8 de Outubro de 2025
Cristina Isabel Henriques
Cristina Almeida e Sousa
Mário Pedro Seixas Meireles