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ARRESTO
TRIBUNAL COMPETENTE
COMÉRCIO
DIREITOS SOCIAIS
Sumário
SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil): I. A competência material do Tribunal deve ser aferida em função do quadro legal aplicável, bem como do pedido e causa de pedir decorrentes da petição inicial e, pois, conforme a relação jurídica controvertida configurada pelo A. II. O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito que se pretende acautelar e, quando deduzido antes de proposta a ação, o procedimento deve ser instaurado no Juízo materialmente competente para a ação. III. Nos termos do artigo 128.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ «[c]ompete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais». IV. Estão ali em causa litígios referentes a situações jurídicas que reclamam a específica aplicação de direito societário, não tão-só reportados a direitos dos sócios de sociedades comerciais. V. Os Juízos de Comércio são os competentes para apreciar e decidir um arresto instaurado como preliminar de uma ação indemnizatória proposta por administrador fundada em destituição sem justa causa.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO.
Neste procedimento cautelar de arresto, a Requerente AA demanda a Requerida BB - COMPRA DE IMÓVEIS PARA REVENDA, SA. , pedindo que:
a) Seja decretado o arresto dos ativos da Requerida até ao montante mínimo de €1.912.000,00 (um milhão, novecentos e doze mil euros);
b) Seja ordenada a imediata apreensão judicial do prédio urbano sito na Avenida 1, concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ...., da freguesia de Cascais, inscrito na matriz sob o artigo .....º da União das Freguesias de Cascais e Estoril.
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que em 13.11.2018 foi nomeada como presidente do Conselho Administrativo da Requerida e que a Assembleia Geral desta de 23.06.2025 deliberou destitui-la daquele cargo, alegando justa causa, o que não tem qualquer fundamento, sendo que não lhe foi assegurado o direito de audição ou de contraditório relativamente aos fundamentos invocados.
Mencionou igualmente que tal deliberação causou danos patrimoniais e não patrimoniais à Requerente que computa no montante de €1.912.000,00, sendo que a fragilidade patrimonial da Requerida, a alienação iminente de ativos da mesma, a ausência de intenção de honrar compromissos assumidos com a Requerente e a destituição orquestrada desta consubstanciam um justo receio de perda da garantia patrimonial.
A Requerente aludiu ainda que:
«(…) pretende intentar (…) ação declarativa de condenação contra a Requerida, na qual reclamará os seguintes créditos:
- Indemnização por destituição sem justa causa, nos termos do artigo 403.º, n.º 5, do CSC, incluindo a perda da remuneração mensal e dos honorários adicionais (success fee) acordados e a que tem direito;
- Indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes da destituição ilícita e da invocação infundada de justa causa, com prejuízo direto para a honra, dignidade e reputação profissional da Requerente».
A Requerente juntou diversos documentos e arrolou testemunhas.
A petição de arresto deu entrada no Juízo Central Cível de Lisboa e, por decisão de 28.07.2025, foi remetido para o Juízo Central Cível de Almada, o qual, cumprido o contraditório, em 12.08.2025 julgou aquele Juízo materialmente incompetente, por sê-lo o Juízo de Comércio, e indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a Requerente, a qual apresentou as seguintes conclusões:
«A) Em 23 de julho de 2025, a Recorrente intentou procedimento cautelar de arresto que corre termos no Juiz 3 do Juízo Central Cível de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
B) Por meio deste procedimento cautelar, a Recorrente visa garantir o crédito que advier de pedido indemnizatório fundado na sua destituição, sem justa causa, do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Recorrida, BB - COMPRA DE IMÓVEIS PARA REVENDA, SA. , nos termos do artigo 403.º, n.º 4, do CSC.
C) A Recorrente não é sócia da Recorrida, exerceu apenas funções de Presidente do Conselho de Administração e prestou serviços de assessoria jurídica ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
D) A Requerente pretende intentar ação declarativa de condenação contra a Requerida, na qual reclamará, designadamente, (i) indemnização por destituição sem justa causa, ao abrigo do artigo 403.º, n.º 5, do CSC, e (ii) indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes da destituição ilícita e da invocação infundada de justa causa, com prejuízo direto para a sua honra, dignidade e reputação profissional.
E) Nos termos do artigo 403.º, n.º 5, do CSC, o administrador destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos, nos termos estipulados no respetivo contrato ou, na sua ausência, nos termos gerais de direito, não podendo tal indemnização exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao termo do seu mandato.
F) No caso vertente, não tendo sido estipulado contratualmente qualquer valor indemnizatório, a Recorrente pretende reclamar a sua fixação com base nos prejuízos efetivamente sofridos.
G) A existência ou não de justa causa não afeta a validade da deliberação, mas determina a responsabilidade indemnizatória da sociedade.
H) Acresce que, para além dos danos patrimoniais, assiste à Recorrente o direito a ser compensada pelos danos não patrimoniais sofridos, nos termos dos artigos 494.º e 496.º, n.º 3, do Código Civil.
I) Por despacho de 30 de julho de 2025, foi determinada a notificação da Recorrente para se pronunciar quanto à eventual exceção de incompetência material do Juízo Central Cível de Almada para apreciação da providência cautelar requerida.
J) A Recorrente exerceu o contraditório por requerimento de 8 de agosto de 2025, concluindo pelo reconhecimento da competência do Juízo Central Cível de Almada, ao abrigo dos artigos 78.º, n.º 1, alínea a), e 81.º do CPC, bem como do artigo 117.º, n.º 1, alíneas a) e c), da LOSJ e subsidiariamente, requereu a remessa dos autos ao Juízo de Comércio do Barreiro, nos termos do artigo 99.º, n.º 2, do CPC.
K) Por despacho de 12 de agosto de 2025, o Tribunal recorrido julgou o Juízo Central Cível de Almada materialmente incompetente e, em consequência, indeferiu liminarmente o requerimento inicial da Recorrente, fundamentando a decisão nos artigos 64.º do CPC e 40.º, n.º 1, e 128.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ, concluindo que o caso em apreço respeitaria ao “exercício de direitos sociais”, matéria da competência dos Juízos de Comércio, condenando ainda a Recorrente no pagamento das custas do incidente.
L) Nos termos do artigo 40.º, n.º 1, da LOSJ, “[o]s tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
M) O n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que “[a] presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada”.
N) Ou seja, na ausência de disposição legal que atribua determinada matéria a um juízo especializado, a competência cabe ao tribunal de competência genérica.
O) De acordo com o artigo 65.º do CPC, “[a]s leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
P) O artigo 128.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ, prevê a competência dos juízos de comércio para preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais.
Q) A lei, contudo, não define o conceito de “direitos sociais”, cabendo à jurisprudência e à doutrina a respetiva densificação.
R) Resulta claro do referido preceito legal que a competência atribuída aos juízos de comércio é definida restritivamente, abrangendo apenas as ações taxativamente aí enunciadas.
S) Assim, não lhes cabe julgar todos os litígios em que intervenha uma sociedade comercial, mas apenas aqueles cujo conhecimento o legislador entendeu que exige preparação técnica específica em matéria societária.
T) Por conseguinte, a referência legal a ações relativas ao exercício de direitos sociais não deve ser interpretada como uma cláusula geral de atribuição de competência material para todo e qualquer litígio relacionado com sociedades comerciais.
U) A doutrina é clara neste sentido: Luís Brito Correia considera que direitos sociais são “os direitos que os sócios têm como sócios da sociedade e que tendem à protecção dos seus interesses sociais”. Também António Pereira de Almeida defende que “[o]s direitos dos sócios correspondem a posições jurídicas activas da situação jurídica do sócio (status) […]. Os direitos sociais estão ligados à qualidade de sócio, pelo que também são designados por direitos individuais dos sócios […]”.
V) A jurisprudência dos tribunais superiores acompanha este entendimento, ao considerar que os direitos sociais visam a proteção dos sócios.
W) Foi igualmente este o fundamento seguido pelo tribunal a quo, que atribuiu a competência ao juízo de comércio, com o qual a Recorrente não pode concordar, porque o caso em apreço não se enquadra no elenco do artigo 128.º da LOSJ.
X) A Recorrente não é acionista, mas apenas presidente do conselho de administração, e, nessa qualidade, não pode exercer qualquer direito social.
Y) Tal resulta, aliás, da sua falta de legitimidade para intentar uma ação de anulação de deliberação social (cfr. artigo 59.º do CSC).
Z) Assim, o único direito que a Recorrente invoca é o previsto no artigo 403.º, n.º 5, do CSC, relativo à indemnização devida ao administrador destituído sem justa causa, tratando-se de uma pretensão indemnizatória apreciável nos termos gerais do direito civil.
AA) É entendimento pacífico que a competência em razão da matéria dos tribunais judiciais se determina em função da causa de pedir e do pedido, formulados pelo demandante, pois são estes os elementos que definem qual a temática da ação.
BB) No caso, a qualidade da Recorrente – administradora e não sócia – e o pedido formulado – arbitramento de indemnização por destituição sem justa causa – afastam a competência dos juízos de comércio.
CC) No caso presente, a Recorrente pretende, na ação declarativa de condenação a interpor, que seja declarada a ilicitude da sua destituição do cargo de presidente do conselho de administração e, em consequência, que a Recorrida seja condenada ao pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais daí resultantes.
DD) O direito invocado pela Recorrente não decorre da sua qualidade de sócia, que nunca teve, mas da sua qualidade de administradora destituída sem justa causa e prestadora de serviços.
EE) O pedido de arbitramento de indemnização fundado na destituição da Recorrente do cargo de presidente do conselho de administração não configura o exercício de um direito social, na medida em que não decorre da sua qualidade de sócia, mas de uma relação de administração e de prestação de serviços, da qual emerge um direito de crédito.
FF) Pelo que, a decisão recorrida assenta, na premissa incorreta, de que estão em causa direitos sociais “inerentes à qualidade de sócio de determinada sociedade, decorrentes do contrato de sociedade e tendentes à proteção do sócio no âmbito dos seus interesses sociais”.
GG) Nem o pedido da Recorrente exige “[…] especial preparação técnica e sensibilidade que só o Juízo de Comércio está habilitado para solucionar, importando analisar a atuação societária à luz de critérios de racionalidade empresarial”, ao contrário do que afirma o tribunal a quo.
HH) O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.09.2015 (Proc. n.º 5542/13.5TBLRA.C1), invocado pelo tribunal recorrido, não é aplicável ao caso, uma vez que aí estava em causa um sócio-gerente, o que não sucede nos presentes autos, desde logo porque a Recorrente não é acionista da Recorrida.
II) Ao invés, aplica-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 0726237, em 19/12/2007, com identidade factual com o presente caso, em que se decidiu que “[a] acção em que é formulado pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, decorrentes da destituição das funções de gerente de sociedade sem justa causa, constitui uma típica acção de responsabilidade civil, não se traduzindo no exercício de direitos sociais; é, por isso, da competência do tribunal de comarca e não do tribunal do comércio”.
JJ) Mais refere que: “Restam as suas alíneas c) e d): as acções relativas ao exercício de direitos sociais e as acções de suspensão e anulação de deliberações sociais. Mas nem umas, nem outras têm aqui aplicação, pois o que vem formulado pelo autor na acção é um pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si alegadamente sofridos e decorrentes da destituição de que foi alvo das funções de gerente da sociedade, a seu ver, sem justa causa. E isso é uma típica acção de responsabilidade civil e não se traduz no exercício de direitos sociais (não sendo o autor sequer sócio), tal como vêm estabelecidos nos artigos 1479.º a 1501.º do Código de Processo Civil: inquérito judicial à sociedade; nomeação e destituição de titulares de órgãos sociais; convocação de assembleia de sócios; redução do capital social; oposição à fusão e cisão de sociedades e ao contrato de subordinação; averbamento, conversão e depósito de acções e obrigações; regularização de sociedades unipessoais; liquidação de participações sociais e investidura em cargos sociais. Ou consubstancia sequer um qualquer exercício de direitos sociais, como vêm previstos por exemplo nos artigos 67.º, 72.º, 75.º, 77.º, 78.º ou 79.º do Código das Sociedades Comerciais (vidé o acórdão desta Relação de 23 de Janeiro de 2003, com a referência n.º 0231188 e publicado pelo ITIJ, onde se escreveu a tal propósito no seu sumário: “Não existem razões para circunscrever a competência do Tribunal de Comércio às acções relativas ao exercício de direitos sociais previstas no Código de Processo Civil”)”.
KK) No mesmo sentido, Diogo Lemos e Cunha: “no caso de destituição do administrador sem justa causa, ela faz incorrer a sociedade em responsabilidade, sendo os tribunais cíveis os competentes para dirimir o litígio submetido à sua apreciação, pois não está aqui em causa a deliberação social da destituição propriamente dita, mas antes ajuizar os efeitos decorrentes de tal destituição ad nutum e, consequentemente, a determinação do quantum indemnizatório a pagar ao administrador (art. 403.º, n.º 5)”.
LL) Pelo que, a competência para apreciar a providência cautelar em apreço pertence ao tribunal de competência genérica, neste caso, ao Juízo Central Cível de Almada, nos termos dos artigos 78.º, n.º 1, al. a), e 81.º do CPC, bem como do artigo 117.º, n.º 1, alíneas a) e c), da LOSJ.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação ser admitido, com efeito suspensivo, e julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por douto acórdão que ordene a declaração de que a competência para a apreciação da presente providência cautelar cabe ao Juízo Central Cível de Almada, tribunal de competência genérica, nos termos dos artigos 78.º, n.º 1, alínea a), e 81.º do CPC, bem como do artigo 117.º, n.º 1, alíneas a) e c), da LOSJ.
Como é de JUSTIÇA!».
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir. II. OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso, está em causa tão-só apreciar e decidir da competência material para a apreciar o presente procedimento cautelar.
Vejamos. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzida. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Como se referiu, está em causa saber do Juízo materialmente competente para o arresto.
1. A competência material do Tribunal deve ser aferida em função do quadro legal aplicável, bem como do pedido e causa de pedir decorrentes da petição inicial/requerimento inicial e, pois, conforme a relação jurídica controvertida configurada pelo autor.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 130, em anotação ao artigo 96.º, «[a] competência absoluta do tribunal, máxime a competência em razão da matéria, é aferida através do confronto entre as normas que a definem e o teor da petição inicial, com destaque para o pedido e a causa de pedir (…)»
No mesmo sentido, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.2023, processo n.º 28193/20.3T8LSB-A.L1.S1, «Doutrina e Jurisprudência aceitam, pacificamente, que a competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional, sendo que para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, impõe-se atentar à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante».
2. Os presentes autos constituem um procedimento cautelar de arresto.
Um procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito que se pretende acautelar e, quando deduzido antes de proposta a ação, o procedimento deve ser instaurado no Juízo materialmente competente para a ação, conforme designadamente artigos 364.º do CPCivil, bem como 117.º, n.º 1, alínea c), e 128.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013, de 26.08, Lei da Organização do Sistema Judiciário.
3. No que aqui releva, o artigo 128.º, n.º 1, alínea c), daquele Lei dispõe que «[c]ompete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais».
Em causa estão litígios referentes a situações jurídicas que reclamam a específica aplicação de direito societário, não tão-só reportados aos direitos dos sócios de sociedades comerciais.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2022, processo n.º 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1, «[a] criação dos juízos do comércio foi orientada pelo objetivo de melhorar a administração da justiça quando os conflitos emergem de aspetos específicos do direito comercial, incluindo o direito das sociedades comerciais, não existindo quaisquer razões que justifiquem que apenas os direitos dos sócios e não quaisquer outros que emergem da aplicação de normas que regem especificamente as sociedades comerciais possam beneficiar de uma apreciação e tratamento tecnicamente especializado».
«Daí que, pese embora a noção jurídica societária de direitos sociais surja, por vezes, no direito substantivo, reportada aos direitos dos sócios (…), essa expressão utilizada pelo legislador na alínea c), do n.º 1, do artigo 128.º, da LOSJ, não deva ser equiparada, para efeito de determinação da competência dos tribunais de comércio, a direitos dos sócios, mas sim a direitos específicos do regime do direito das sociedades, competindo àqueles tribunais decidir os litígios emergentes de relações jurídicas conformadas pela legislação que especificamente rege as sociedades comerciais, designadamente o Código das Sociedades Comerciais (…)».
«Relativamente à aplicação do direito societário, não é compreensível atribuir aos tribunais especializados para apreciar as questões comerciais, competência para julgar exclusivamente as ações onde estivesse em discussão direitos dos sócios, excluindo os demais litígios tendo por tema o regime das sociedades comerciais, não se vislumbrando qualquer razão que justifique essa distinção. Tal posição restritiva traça, arbitrariamente, uma linha de fronteira artificial no interior de uma matéria com um espaço próprio, não havendo razões para imputar o desenho dessa linha ao legislador (…)».
No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2022, processo n.º 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1, «(…) a expressão “direitos sociais” (constante da alínea c) do art. 128.º/1 da LOSJ) não equivale ou corresponde a “direitos dos sócios”, devendo entender-se que, quando em tal alínea se fala em “ações relativas ao exercício de direitos sociais”, se está a pensar e a referir às ações que emergem do regime jurídico das sociedades comerciais, se está a pensar e a referir às ações em que estão em causa e são invocados os direitos sociais emergentes de tal regime jurídico, sendo que podem ser titulares de tais direitos sociais quer os sócios, quer a sociedade, quer os credores sociais quer mesmo terceiros».
4. Na situação vertente.
O arresto em apreço foi instaurado como preliminar de uma ação declarativa na qual a aqui Requerente pedirá a condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização por destituição sem justa causa daquela da administração desta.
Ora a apreciação de tal matéria reclama a interpretação e aplicação de direito societário, designadamente dos artigos 403.º e 64.º do Código das Sociedades Comerciais.
A especificidade de um tal regime justifica que o litígio seja dirimido por jurisdição para tal particularmente competente, o Juízo de Comércio, tendo sido com esse escopo que se procedeu à criação do mesmo.
Com o devido respeito, na esteira dos referidos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2022, não se subscreve a doutrina e jurisprudência citada pela Recorrente, pois a mesma não considera os objetivos que presidiram à criação dos Juízos de Comércio: melhorar a administração da Justiça em matérias que reclamem a aplicação específica do direito comercial, nelas incluindo designadamente o direito das sociedades comerciais, conferindo a tais matérias um tratamento técnico especializado.
Regressando ao referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2022, processo n.º 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1, «a aplicação do disposto no art. 403.º/1 do CSC – ou seja, o exercício do direito indemnizatório (de administrador destituído sem justa causa) invocado pelo A. [aqui Requerente] – acabará por se traduzir na discussão sobre a existência ou não de justa causa, a qual está definida no art. 403.º/4 do CSC como “a violação grave dos deveres de administrador”, sendo que os deveres de administrador (quer os deveres legais gerais constantes do art. 64.º do CSC, quer os deveres legais específicos constantes de disposições esparsas do CSC) constitui matéria própria/exclusiva do regime jurídico societário1 – o mesmo é dizer, é no campo das regras jurídicas próprias do CSC que o pedido/direito indemnizatório do A. [aqui Requerente] se baseia e é também no campo próprio das regras jurídicas do CSC que tal pedido/direito pode ser afastado – pelo que a atribuição de competência aos tribunais de comércio (para conhecer dum tal pedido indemnizatório) é chamá-los a apreciar e decidir questões para que têm a tal “especial preparação técnica e sensibilidade” que esteve na base do supra referido pensamento legislativo».
Nestes termos e em conformidade com o disposto nos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.ºs 1 e 2, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, n.º 1, alínea a), por verificada no caso a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal recorrido, importa indeferir liminarmente o requerimento inicial, conforme decisão recorrida que, assim, cumpre manter nos seus precisos termos.
Improcede, pois, o recurso.
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Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente, termos em que esta deve suportar as custas do recurso.
V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 09 de outubro de 2025
Paulo Fernandes da Silva
Higina Castelo
Arlindo Crua