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OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
REPRESENTAÇÃO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO LOCADO
Sumário
SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC): I. Por força do disposto no art. 1097º, n.º1, do CC, à recorrente, senhoria, assiste o direito de obstar à renovação do contrato de arrendamento celebrado com o requerido, remetendo-lhe comunicação nesse sentido, mesmo que representada por terceiro, nos termos do art. 258º do CC. II. O destinatário da conduta tem o direito, por força do disposto no art. 260º, n.º1, do CC, de exigir que, dentro de um prazo razoável, o representante faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos, sendo que, se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante (cf. número 2 do mesmo artigo). III. Se se tratar de uma exigência abusiva, contrária à boa-fé, a declaração do representante não deverá ter-se por ineficaz. IV. Decorre do disposto no art. 864º, n.º2, al. a), do CPC, aplicável por força do disposto no art. 15º-M, n.º1, do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 56/2023, de 06-10, que o diferimento da desocupação do locado para habitação por razões de carência de meios económicos está restringido aos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por resolução decorrente da falta de pagamento de rendas, não tendo aplicação às situações, como a em apreço nos autos, em que a cessação do contrato de arrendamento derive de oposição à renovação pelo senhorio.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I.
Por requerimento remetido electronicamente a 20-03-2025, AA intentou procedimento especial de despejo contra BB e CC, pedindo a emissão de título para desocupação do locado, que identifica como situado na Rua 1, nº X, r/c direito, Lisboa.
Em síntese, alegou que:
- comunicou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com o primeiro demandado, pelo que o mesmo teve o seu termo a 31-10-2024;
- apesar do termo do contrato, o arrendatário, cônjuge e filhos continuaram a ocupar abusivamente o locado, pelo que devem pagar uma indemnização por ocupação ilegal de valor igual ao da última renda praticada e as sucessivas mensalidades que se continuem a vencer por ocupação efectiva do locado até concretização do despejo.
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Os requeridos foram notificados pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), tendo, a 22-04-2025, deduzido oposição com os seguintes fundamentos, além do mais que não releva para a economia da presente decisão.
- a comunicação da oposição de renovação do contrato de arrendamento, efectuada a 02-02-2024 por carta registada, é-lhes ineficaz, pois a procuradora da senhoria, a Associação Lisbonense de Proprietários, que a realizou, não apresentou qualquer prova dos seus poderes, o que invocou por carta registada, com aviso de recepção, dirigida à senhoria e ao seu pretenso procurador;
- em face da aludida ineficácia, ocorreu a renovação automática do contrato de arrendamento, que se mantém em vigor;
- nunca ocuparam de forma ilícita o locado arrendando, uma vez que, mesmo depois do mês de Outubro de 2024, continuaram a pagar mensalmente as rendas e a negociar com a senhoria a celebração de um novo contrato de arrendamento, que não chegou a ser assinado pela senhoria, por um facto que não poderá ser-lhes imputado uma vez que foi a própria senhoria que não cumpriu com a sua palavra e com a proposta negocial que ela própria havia apresentado, tendo abortado sem qualquer informação prévia as negociações que estavam em curso e decidido dar entrada à presente acção judicial;
- fica, assim, demonstrado que sempre agiram de boa fé e que o novo contrato de arrendamento não foi celebrado por recusa injustificada da autor que, de um momento para o outro, decidiu abortar as negociações que estavam em curso para a prorrogação e
celebração de um novo contrato de arrendamento:
- nos termos do art. 15º-N, n.º1 e 2, al. a), e 15º-O, n.º 3 e 4, da Lei n.º 31/2012, de 14-08, têm direito ao diferimento da desocupação do imóvel arrendado para a habitação por razões económicas, uma vez que estão a receber o rendimento social de inserção no montante de € 605,57, que suporta todo o agregado familiar, composto pelos próprios e por três filhos menores, que frequentam o ensino primário e secundário, conforme se prova pela declaração de rendimentos;
- não dispõem de outra habitação imediatamente, recebem RSI e a esposa encontra-se desempregada;
- o pedido de diferimento de desocupação do locado deve ser atendido, por período não inferior a cinco meses, a contar do trânsito em julgado da decisão nesse sentido, sendo o Fundo de Socorro Social do IGF da Segurança Social a pagar à senhoria as rendas correspondentes ao período de diferimento.
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Após remessa do procedimento ao Tribunal da Comarca de Lisboa / Juízo Local Cível de Lisboa, onde foi distribuído, a 12-05-2025, foi proferido despacho que, com fundamento no art. 15º-H, n.º 3, do NRAU, determinou a notificação da requerente para, querendo, se pronunciar sobre a oposição.
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A 26-05-2025, a requerente respondeu à oposição nos seguintes termos, no que respeita aos fundamentos acima mencionados:
- há vários anos que entregou a gestão dos seus imóveis à Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), nos termos da procuração que junta, outorgada em 25-07-2000, que inclui o imóvel onde o locado se situa;
- é do perfeito conhecimento dos requeridos a existência e poderes de representação referida, designadamente, na assinatura do contrato de arrendamento e no seu aditamento, sendo que todos os assuntos relativos ao locado foram e são tratados pela ALP, como emissão de recibos, contratos, aditamentos, troca de correspondência, pagamento de obras, no uso da procuração emitida por si para o efeito;
- a oposição à renovação do contrato efectuada em seu nome pela ALP, no uso dos poderes que lhe conferiu, foi perfeita e eficaz, tendo produzido os seus efeitos legais;
- a ALP sempre referiu aos requeridos que o contrato de arrendamento em referência nos autos terminaria a 31-10-2024 e que a ocupação do locado após tal data não teria legitimidade, pelo que não iriam ser recebidas mais rendas nem emitidos recibos e que não iria ser assinado mais nenhum contrato de arrendamento;
- não obstante o requerido marido ter tentado acordar consigo um novo contrato de arrendamento, tal não ocorreu por falta de acordo entre as partes;
- não se opõe ao diferimento da desocupação do locado até ao termo do Ano Escolar das filhas dos requeridos nem à comunicação à CML nos termos do art. 861º, n.º6, do CPC.
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A 23-06-2025, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição apresentada e absolveu os requeridos do pedido de despejo contra si formulado.
Na mesma decisão fixou-se o valor da causa em € 13 787,30.
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Inconformada, a 14-07-2025, a requerente interpôs recurso que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
a. A presente Apelação interposta da douta sentença Ref.ª 445 784 634, restrita aos pontos acima designados;
b. A ora apelante veio a juízo requerer o despejo de um fogo de um imóvel de sua propriedade, nos termos acima designados;
c. Em sede de oposição, vieram os apelados, neste particular, alegar o acima designado;
d. Na resposta à oposição referiu a Apelante o acima designado;
e. A douta sentença, ora posta em crise, nos pontos acima designados;
f. Com o requerimento Ref.ª 429 407 60, devida e regularmente notificado ao Ilustre Mandatário dos R.R., ora apelados, foi junta procuração outorgada em 25-07-2000 pela A. à A.L.P. (art. 427º do CPC);
g. Nem no prazo legal, nem posteriormente, os R.R. ora apelados se pronunciaram quanto ao documento, nem quanto à tempestividade, nem quanto ao conteúdo;
h. Deve ser acrescentada à matéria relevante a procuração referida em f), julgado que a A.L.P. tinha os poderes necessários e suficientes para emitir as declarações ora postas em crise, não só nos termos da procuração, como nos do artigo 13º do NRAU;
i. A invocação do regime da representação sem poderes na douta sentença recorrida não é de aplicar ao caso dos autos;
j. A A., ora apelante, fez prova de tais poderes, mediante a junção aos autos de procuração que os conferia à A.L.P.;
k. Os normativos dos artigos 260º e 268º do CC tratam de situações distintas e de consequências diversas;
l. As declarações de oposição à renovação do contrato de arrendamento dos autos constituem declarações unilaterais recipiendas, que integram o conceito de poder potestativo da proprietária, ora apelante, sujeitas ao exercício atempado, sob pena de caducidade (artigos 298º, n.º2, e 331º, n.º1, do CC);
m. Como “declaração unilateral recipienda”, como declaração de vontade que, para produzir efeitos, precisa de ser comunicada ao destinatário e só é eficaz quando chega ao conhecimento da(s) pessoa(s) a que é (são) dirigida(s) (artigo 224º, n.º1, do CPC),
n. A(s) via(s) usada(s), cartas registadas com A/R, foram adequadas e legalmente exigidas para o efeito.
o. Resulta do transcrito que os R.R. ora apelados não invocaram exatamente o referido na douta sentença, mas sim, a ineficácia de oposição à renovação do contrato por parte da senhoria, por o procurador da senhoria, ALP, não ter poderes de representação e que a oposição de renovação “foi assinada pelo pretenso procurador da senhoria, que não fez igualmente prova dos poderes de representação da senhoria, A. e ora apelante;
p. A A. também não referiu, exatamente, que a eficácia da oposição comunicada derivava não só do facto de ter outorgado a favor da A.L.P. procuração, mas também o constante acima em 1, 2, 4, 5, 6 e 7, designadamente, que a A.L.P. “está mandatada pela A. para a gestão deste fogo, sendo do perfeito conhecimento dos RR. A existência e poderes desta representação.”;
q. A A., ao alegar que os R.R. tinham e têm perfeito conhecimento da existência e poderes desta representação, incluindo o Ilustre Mandatário dos R.R., estava a contrariar o por estes alegado, no sentido de que lhes tinha demonstrado tais poderes, o que, na realidade aconteceu;
r. Perante o alegado, não podia a douta sentença recorrida ter julgado que essa demonstração não tinha sido feita;
s. A A. não tinha então, ainda, aquando da resposta, os documentos na sua posse, por a A.L.P. não lhos ter na altura fornecido, mas dos quais ora requer a junção, tanto mais que a sua junção apenas se tornou necessária face ao conteúdo do doutamente decidido (artigos 423º, n.º2 e 3, 425º e 411º do CC;
t. O doc. 1: carta registada com A/R da A.L.P. para o Ilustre Mandatário dos apelados, datada de 20-04-2024, em resposta a comunicação desta, recebida em 19-04-2024 pela A.L.P., já constante dos autos;
u. O Doc. 2: comunicação eletrónica emitida pelo Dr. DD, do Departamento de Gestão de Imóveis da A.L.P. dirigida ao R. marido e e CC ao seu Ilustre Mandatário, datada de 14-06-2024, na qual se dá nota ao R. que a “A.L.P. já enviou carta de resposta ao seu representante legal, Dr. EE (em CC no presente email)”;
v. Estas missivas estão ambas assinadas pela testemunha da A. arrolada nos autos que iria depor em julgamento, Dr. DD;
w. Foi no âmbito dos poderes de representação da Autora ora apelante que a ALP veio deduzir oposição à renovação do contrato junto dos R.R.;
x. Resulta da procuração que a ALP tem poderes para, além do mais, “(…) prorrogar, renovar, rescindir e alterar, no todo ou em parte, as condições dos referidos contratos”;
y. Tais poderes não estão limitados aos contratos de arrendamento celebrados pela ALP, mas também quanto a todos os contratos relativos a quaisquer prédios cuja administração civil seja entregue à mesma – conforme decorre do introito da procuração.
z. Todas as comunicações juntas ao requerimento de despejo não foram endereçadas aos Réus pela requerente do procedimento de despejo, mas sim pela ALP, bem como as restantes comunicações feitas no passado entre as partes;
aa. A ALP encontra-se assim munida de total legitimidade para representar a Autora na oposição à renovação deduzida junto dos Réus, opondo-se à renovação do respetivo contrato para o ermo do prazo, respeitando os pressupostos e prazos legais para o efeito;
bb. A Procuração de um Associado é um documento particular que contém informações pessoais do proprietário, mas que, em situações de premência, se encontra totalmente disponível para ser consultada nas suas instalações;
cc. No caso, apesar de não ter sido instada a fazer prova da representação da Autora, a ALP enviou por correio cópia da Procuração ao representante do Réu;
dd. A representação “traduz-se na realização de negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera se produzem diretamente os respetivos efeitos” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 240.
ee. A declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pelo procurador é emitida ao abrigo de poderes que lhe foram, em momento prévio, voluntariamente concedidos pelo senhorio/representado.
ff. O art. 9º do NRAU não proíbe a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento feita pelo representante dos senhorios, de acordo com a regra geral de representação contida no art. 258º do CC;
gg. O art. 11º, n.º1, do NRAU permite sustentar, sem margem para qualquer dúvida, que o senhorio pode constituir representante para proceder à comunicação de oposição à renovação do arrendamento, pois ali se faz expressamente constar que:
hh. Havendo pluralidades de senhorios, as comunicações devem, sob pena ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente (…)”;
ii. A A.L.P. teve legitimidade para atuar na qualidade de Procuradora da Autora, tendo sido esta representação comprovadamente reconhecida pelos R.R. ao longo dos anos;
jj. Ainda que se não considere como preclusivo o facto processual da junção sob contraditório (mas sem oposição subsequente e apropriada da R) da procuração com poderes de representação para o ato potestativo de descontinuação do arrendamento, praticado pela A.L.P., está em aberto, de processo civil, a prova em julgamento de que os R.R.., ora apelados tinham conhecimento contemporâneo da representação dela A., com poderes para o ato em questão, ato que se não apresenta ex lege como ato documental holístico, mas em se e por si como ato jurídico comunicacional (em ordem a transmitir uma posição do senhorio);
kk. Assim, teria e terá se improceder a oposição do inquilino, a qual, por demais, terá de ser confrontada em Audiência com uma estimativa de toda a prova oferecida pela recorrente;
ll. Apelante que chama à atenção, com a devida vénia, para a sociologia da representação judiciária dos senhorios, no quadro legal, aliás, do art. 13º do RAU pela ALP, instituição centenária e veneranda que nesta causa sem ser pôde defender-se;
mm. Caso não seja julgada suficiente a prova dos poderes operada pela junção aos autos, sem oposição, da procuração.
Apresentou os dois documentos referidos nas conclusões t) e u).
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Não foi apresentada resposta.
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A 05-08-2025, o recurso foi admitido, com subida nos autos e com efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
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A 05-09-2025, foi proferido despacho que determinou a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre o conhecimento do pedido de diferimento da desocupação do locado, formulado pelos requeridos em sede de oposição junta a 22-04-2025, para o caso de o recurso ser julgado procedente, nos termos e para os efeitos do art. 665º, n.º3, do CPC.
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A autora, a 08-09-2025, pronunciou-se no sentido de o diferimento da desocupação do locado até 31-12-2025, data que corresponde ao termo das Férias do Primeiro Período Escolar.
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final,ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões:
1. Saber se ocorre erro de direito na sentença recorrida ao assumir que as comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento em referência nos autos remetidas aos requeridos e invocadas no requerimento inicial de despejo são ineficazes em relação aos mesmos e, com tal fundamento, reconhecer a manutenção da vigência de tal contrato e declarar a improcedência da acção, e quais as consequências em caso de resposta positiva.
2. Em caso de resposta positiva à primeira questão, saber se ocorre fundamento para o diferimento da desocupação do locado
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2.
Antes da apreciação da questão acima enunciada, existe uma questão prévia de que cumpre conhecer, respeitante à admissibilidade da junção aos autos dos dois documentos que a recorrente apresenta com o requerimento de interposição de recurso.
Importa, assim, ter presente que o art. 651º, n.º1, do CPC, dispõe que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º do mesmo código ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.
Da articulação entre os dois preceitos referidos – art. 425º e art. 651º, n.º1, ambos do CPC – resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado de uma de duas situações:
i. a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso;
ii. ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
A primeira situação está relacionada com a superveniência do documento, referida ao momento do julgamento ou decisão final em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, ou seja, que apenas foi produzido ou veio ao conhecimento da parte depois do momento referido.
Como se afere das alegações e conclusões do recurso, a recorrente não convoca a superveniência dos documentos, designadamente, subjectiva, para legitimar o pedido da sua junção aos autos, limitando-se a referir que, no momento em que deduziu a resposta à oposição nos autos, não os tinha em seu poder o que, claramente, não integra o conceito de superveniência mencionado.
A segunda – que é a única que assume relevo para a situação decidenda (cf. conclusão s) do recurso – pressupõe a novidade ou a imprevisibilidade da decisão recorrida relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo (cf. acórdão do STJ de 30-04-2019, processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, acessível em dgsi.pt).
Sobre esta hipótese deve, no entanto, colocar-se uma ressalva para a qual chamam a atenção Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra: Almedina, 2018, p. 786): para a junção às alegações de recurso de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não pode servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado. Explicam os autores que a junção de documentos às alegações de recurso só pode ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas.
É justamente esta a situação com que nos confrontamos: os documentos apresentados relacionam-se, face ao alegado pela recorrente, com factos que já antes da decisão da 1.ª instância a recorrente invocara, referentes ao conhecimento, pelos requeridos, da existência de procuração que conferia poderes de representação da sua pessoa por parte da Associação Lisbonense de Proprietários, sendo certo que o pedido de junção de tais documentos não se formula para evidência de outra factualidade que não a referida, designadamente atinente a eventual resposta, por parte de tal instituição, à comunicação dos requeridos mencionada no ponto 9 do acervo factual provado constante da sentença recorrida (onde se invoca a ineficácia da comunicação que os mesmos haviam recebido, remetida pela aludida instituição em representação da apelante), a qual nem se mostra alegada no processo e, em consequência, não pode ser conhecida (art. 5º, n.º1, 2 e 3, do CPC).
Não faz sentido que a recorrente apresente agora os aludidos documentos com o argumento de que a necessidade da sua junção decorre do fundamento da decisão da 1.ª instância, que não atendeu à sua posição baseada, precisamente, naqueles factos.
Deve, por conseguinte, rejeitar-se a junção dos documentos fundada na surpresa quanto ao teor da decisão da 1.ª instância.
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3.
A factualidade dada como provada na decisão impugnada é a seguinte:
1. A requerente e o requerido BB celebraram em 01-12-2014 contrato de arrendamento com, entre outros, os seguintes termos:
1ª – O contrato de arrendamento é com prazo certo nos termos do art. 1095º do Código Civil, pelo prazo efectivo de cinco anos, com início em 1 de Novembro de 2014 e término a 31 de Outubro de 2019.
2ª – No fim do prazo convencionado, o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado pelo Senhorio ou pelo Inquilino;
3ª – O Senhorio pode impedir a renovação automática do contrato de arrendamento mediante comunicação do Inquilino, feita com 120 (cento e vinte) dias de antecedência sobre o fim do prazo do contrato ou da renovação em curso, através de carta registada com aviso de recepção;
6ª a) A renda mensal é de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), vence-se no primeiro dia útil do mês a que disser respeito e será paga em casa do Senhorio ou no local e a quem este indicar para o efeito.
b) No acto de assinatura do contrato de arrendamento o inquilino liquida o valor de € 300,00 (trezentos euros) respeitante ao seguinte:
b1) € 150,00 (cento e cinquenta euros), a título de caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do presente contrato, após vistoria ao locado e apurado o bom estado de conservação do mesmo bem como últimas despesas de água, electricidade, gás e telefone que se encontrem em dívida no termo do contrato;
b2) € 150,00 (cento e cinquenta euros), correspondente à renda referente ao mês de Novembro de 2014 (conforme redução do valor da renda estabelecido na alínea c) infra);
c) Durante os primeiros sessenta meses de duração do contrato de arrendamento (01/10/2014 a 31-10-2019), o inquilino beneficiará de uma redução da renda do valor € 100,00 (cem euros), efectuando o pagamento mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) como contrapartida pelo valor por ele despendido nas obras de reabilitação do locado descritas na Cláusula 11ª, alínea b), do presente contrato. Tais obras ficarão a fazer parte integrante do locado sem que por elas possa ser pedida qualquer indemnização ou alegar retenção.
11ª – a) O Inquilino não poderá fazer quaisquer obras de alteração no local arrendado sem autorização prévia e por escrito do Senhorio, nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas, ainda que autorizadamente, nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção.
b) O Inquilino obriga-se a proceder, a expensas suas, a todas as limpezas, pinturas, reparações no interior do locado, nomeadamente as seguintes:
- Pintura de paredes, tectos, portas e janelas;
- Reparação de portas e janelas;
- Execução de nova canalização para cozinha e wc;
- Colocação de ladrilho e loiças sanitárias da wc e cozinha;
- Colocação de cozinha nova;
- Afagamento do apartamento e envernizamento dos pavimentos;
- Outras reparações que se considerem necessárias ao uso da habitação (cfr. documento “contrato de arrendamento” junto com a ref.ª 445 267 872).
2. No mencionado contrato, as partes são identificadas nos seguintes termos:
3. Em 02-02-2024, foi remetida ao requerido, para a morada do locado, uma comunicação por carta registada com aviso de recepção, com, entre outro, o seguinte teor:
(cfr. documento “comunicação de iniciativa do senhorio” n.º 3 junto a ref.ª 445267872).
4. O requerido recebeu a dita comunicação em 07-02-2024 (cfr. documento “comunicação de iniciativa do senhorio” n.º 3 junto a ref.ª 445267872).
5. Em 02.02.2024, foi remetida, para a morada do locado, uma comunicação por carta registada com aviso de receção endereçada a “senhor cônjuge de BB” com, entre outro, o seguinte teor:
(cfr. documento “comunicação de iniciativa do senhorio” n.º 1 junto a ref.ª 445267872).
6. A dita comunicação foi recebida em 07-02-2024 (cfr. documento “comunicação de iniciativa do senhorio” n.º 1 junto a ref.ª 445267872).
7. Em 04-03-2024, foi remetida, para a morada do locado, uma comunicação por carta registada com aviso de receção endereçada a “senhor cônjuge de BB” com, entre outro, o seguinte teor:
(cfr. documento “comunicação de iniciativa do senhorio” n.º 2 junto a ref.ª 445267872).
8. A dita comunicação foi recebida em 07.03.2024 (cfr. documento “comunicação de iniciativa do senhorio” n.º 2 junto a ref.ª 445267872).
9. Em 19.04.2024 foi remetida à Associação Lisbonense de Proprietários e à requerente uma comunicação com, entre outro, o seguinte teor:
(cfr. fls. 15 a 19 do documento “outros” n.º2 junto a ref.ª 445 267 882).
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Importa, ainda, atentar na seguinte matéria de facto, que se tem por demonstrada pelos documentos juntos com o requerimento inicial, não impugnados pelos requeridos, que se enunciarão a seu propósito:
a. O acordo referido no ponto 1, supra, respeita à habitação situada no rés-do-chão direito (Casa da Porteira), do prédio urbano situado na Rua 1, nº X, r/c direito, Lisboa.
b. Por documento escrito datado de 2019, a autora, AA, representada pela Associação Lisbonense de Proprietários, e o requerido BB, além de outros, outorgado pelos dois últimos referidos, foi declarado que:
1. Se reportam ao contrato de arrendamento celebrado em 01-11-2014, que teve por objecto o rés-do-chão direito do prédio sito na Rua 1, nº X, r/c direito, Lisboa, em que outorgaram, como AA e como BB;
2. É do interesse de todas as partes manter o arrendamento do locado acima melhor identificado nas mesmas condições presentemente em vigor;
3. Acordam em aumentar o valor da renda para € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a partir da renda que se vencer em Outubro de 2019 referente ao mês de Novembro de 2019;
4. Acordam em aumentar o valor da renda para € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), a partir da renda que se vencer em Outubro de 2020 referente ao mês de Novembro de 2020.
c. A autora, AA, assinou documento escrito, intitulado “Procuração”, no qual consta que a mesma constitui seu bastante procurador a Associação Lisbonense de Proprietários, a quem concede os mais amplos poderes de administração civil para administrar quaisquer prédios que possua ou venha a possuir, ou de que seja usufrutuária, conferindo-lhe igualmente poderes para, em relação a esses prédios, praticar quaisquer actos nele discriminados: celebrar contrato de arrendamento, fixando as respectivas rendas, prazos e demais cláusulas desses contratos, outorgando ou assinando os competentes títulos, bem como prorrogar, renovar, rescindir e alterar, no todo ou em parte, as condições dos referidos contratos; usar ou desistir do direito de preferência em qualquer contrato; emitir e receber rendas rendas assinando os recibos, proceder ao levantamento das rendas depositadas ou a depositar na Caixa Geral de Depósitos, declarando não impugnar o depósito - cfr. documento anexo à resposta à oposição, apresentada a 26-05-2025.
d. As comunicações referidas em 3, 5 e 7 foram subscritas pela Associação Lisbonense de Proprietários.
e. O requerido reside no locado com a sua esposa e três filhos menores – matéria alegada no art. 28º da oposição, não impugnada em sede de resposta;
f. O requerido aufere Rendimento Social de Inserção no montante mensal de € 605,57, único rendimento de que dispõe para fazer face às despesas do agregado – matéria alegada no art. 28º da oposição, não impugnada em sede de resposta;
g. A esposa do requerido encontra-se desempregada – matéria alegada no art. 31º da oposição, não impugnada em sede de resposta;
h. Os três filhos do requerido frequentam o ensino primário e secundário – matéria alegada no art. 29º da oposição, não impugnada em sede de resposta;
i. O requerido não dispõe de outra habitação imediatamente – matéria alegada no art. 31º da oposição, não impugnada em sede de resposta.
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4.
Da matéria de facto acima elencada resulta que, em 01-12-2014, entre a autora, AA, na qualidade de senhoria, representada pelo Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), e o requerido, BB, na qualidade de inquilino, foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação, tendo por objecto o rés-do-chão direito (Casa da Porteira) do prédio urbano situado na Rua 1, nº X, r/c direito, Lisboa. Trata-se de matéria pacífica nos autos, sendo requerente e requerida unânimes na identificação da natureza jurídica do acordo em referência, tendo a sentença recorrida assumido tal identificação.
Importa, ainda, precisar que tal contrato foi objecto da alteração, igualmente acordada entre a senhoria, representada pela ALP, e o inquilino, a que respeita a alínea b) da matéria de facto acima elencada.
Na decisão recorrida, assume-se, e bem, que o pedido de despejo se funda na caducidade do contrato de arrendamento mencionado, operada pela comunicação de oposição à renovação a que respeitam os pontos 3 a 8 do acervo factual acima elencado.
Na mesma decisão, refere-se que a comunicação mencionada foi formulada por terceiro na lide, ALP, actuando em representação da apelante, senhoria, e que, em resposta à mesma, o requerido, inquilino e seu destinatário, exerceu legitimamente a faculdade consagrada no aludido art. 260º, n.º1, do CC, e conclui-se, face à ausência de alegação e, consequentemente, de demonstração, de que a entidade representante ou a representada, senhoria, tenham feito prova, perante o requerido, da existência dos poderes de representação invocados, que a aludida comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento era ineficaz e, por via disso, que tal contrato se mantinha em vigor, assim ficando comprometido o pedido de despejo.
O afirmado afere-se do segmento da decisão impugnada que se passa a transcrever:
“Invocam os requeridos a ineficácia da oposição à renovação remetida pela requerente, por não ter sido subscrita pela requerente, mas sim por representante sem junção da necessária procuração. Alega a requerente, por sua vez, a eficácia da oposição comunicada, por ter outorgado a favor da Associação Lisbonense de Proprietários procuração conferindo-lhe poderes para a gestão dos seus imóveis. Considerando a matéria adquirida nos autos e acima elencada, constata-se que, efetivamente, tanto o contrato de arrendamento como as comunicações de oposição à renovação não foram remetidas pessoalmente pela requerente, mas pela Associação Lisbonense de Proprietários, em sua representação (cfr. n.os 1, 2, 3, 5 e 7). Está também demonstrado que o requerido, representado pelo seu mandatário, em resposta às comunicações para oposição à renovação, invocou a ineficácia, por falta de poderes (cfr. n.º 9). Ora, não alegou a requerente – e, portanto, não demonstrou, como lhe cabia (n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil) – que em resposta à invocação da ineficácia por falta de poderes tenha demonstrado ao requerido os poderes conferidos à associação ou ratificado as comunicações. O regime da representação encontra-se regulado no Código Civil, não sendo afastado pelas regras contidas no NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro). Aliás, a este respeito diga-se que a norma contida no artigo 13.º do NRAU respeita à legitimidade conferida a associações para a defesa judicial dos associados, não se referindo, assim, aos poderes de representação para efeitos de comunicações no âmbito da execução e cessação dos contratos de arrendamento. Tal matéria é regulada nos termos gerais estabelecido nos artigos 258.º a 269.º do Código Civil e, no que aqui releva, no artigo 260.º. Estabelece então o n.º 1 do artigo 260.º do Código Civil que “Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos”. Quanto à falta de poderes, estabelece o n.º 1 do artigo 268.º que “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”, estando a ratificação “sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro” (n.º 2) e considerando-se “negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito” (n.º 3). Daqui decorre que o declaratário tem o ónus de averiguar os poderes do alegado representante e que, uma vez exercido esse ónus, é ao procurador que cabe a demonstração dos poderes ou ao representado a ratificação do ato. No caso vertente, como já notado, ficou demonstrado que o requerido invocou a ineficácia por falta de poderes (cfr. n.º 9), ao passo que a requerente não alegou que em resposta tenha demonstrado a outorga de poderes ou ratificado as comunicações. Em especial, salienta-se que não é alegado (nem, portanto, demonstrado) que a procuração junta pela requerente com a resposta às exceções (ref.ª 42940760) tenha sido apresentada ao requerido em momento anterior. É certo que o requerido, ao invocar a ineficácia da oposição à renovação por falta de poderes não confere ao procurador e à representada qualquer prazo para a comprovação de poderes ou ratificação. No entanto, não tendo sido alegado que a comprovação ou a ratificação aconteceram, irreleva saber se o foram atempadamente: a partir do momento em que o declaratário exerce o ónus de averiguar dos poderes de representação, passa a recair sobre o representante e o representado a demonstração desses poderes. Não o tendo feito, a comunicação é, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 60.º e no n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Civil, ineficaz [a indicação dos preceitos contém, certamente, lapso de escrita, pretendendo-se mencionar os arts. 260º e 268º, n.º1, do CC]. Assim, conclui-se que as comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento remetidas aos requeridos são ineficazes, com a consequente manutenção do contrato de arrendamento celebrado, que assim, se renovou no termo do prazo da renovação que estava então em vigor.”
Tem-se por seguro que, por força do disposto no art. 1097º, n.º1, do CC, à recorrente, senhoria, assiste o direito de obstar à renovação do contrato de arrendamento celebrado com o requerido, remetendo-lhe comunicação nesse sentido, mesmo que representada por terceiro, nos termos do art. 258º do CC (cf., no mesmo sentido, acórdão do TRL de 26-10-2023, processo n.º 614/22.8T8LRS.L2-8, acessível em dgsi.pt).
Cumpre referir que a representação se caracteriza pela produção de efeitos na esfera jurídica de uma pessoa distinta da que manifesta a vontade negocial (cf. art. 258º do CC), na medida em que o representante actua expressando uma vontade que se irá repercutir, directa e imediatamente, na esfera jurídica de outrem, agindo o representante, de modo expresso e assumido, em nome do representado, dando a conhecer aos interessados o facto de representação.
Tendo ocorrido uma actuação como a mencionada, o destinatário da conduta tem o direito, por força do disposto no art. 260º, n.º1, do CC, de exigir que, dentro de um prazo razoável, o representante faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos, sendo que, se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante (cf. número 2 do mesmo artigo).
Assim, o terceiro perante quem o procurador actua invocando poderes de representação tem o ónus material de averiguar se o representante possui ou não os poderes alegados, sendo que o risco da falta de poderes correrá pelo terceiro – cf. neste sentido, Pedro de Albuquerque, Código Civil Comentado – I – Parte Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP, 2020, p. 763-764.
O pedido de o representante fazer prova dos seus poderes deve ser realizado na sequência da declaração negocial do representante.
Como referido, caso o representante (ou representado) não faça prova dos seus poderes num prazo razoável, a declaração negocial pelo mesmo comunicada é ineficaz em relação ao declaratário.
Importa, porém, reter, como referido por Raúl Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro (Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2ª edição, Outubro de 2023, UCP Editora, p. 774, nota IV), a propósito da exigência da prova dos poderes de representação prevista no art. 260º, n.º1, do CC, que “excepcionalmente, se se tratar de uma exigência abusiva, impertinente ou reiterada, se ao terceiro foi “comunicada” pelo representado a concessão de poderes, ou se ele continuadamente admitiu a atuação do representante em negócios do mesmo género sem jamais lhe ter sido exibida a procuração, tal solicitação considerar-se-á abusiva (contrária à boa-fé), não se tendo a declaração do representante por ineficaz.”
Como acima se mencionou, em sede de oposição deduzida no presente procedimento, os requeridos alegaram que a comunicação da oposição de renovação do contrato de arrendamento, efectuada a 02-02-2024 por carta registada, é ineficaz, pois a pretensa procuradora (representante) da senhoria, a ALP, que a realizou, não apresentou qualquer prova dos seus poderes, o que invocou por carta registada, com aviso de recepção, dirigida à senhoria e à sua pretensa procuradora.
Também se aludiu acima a que, em resposta, a requerente e apelante, invocou, para refutar a alegação de ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, que há vários anos que entregou a gestão dos seus imóveis à ALP, nos termos da procuração que junta, outorgada em 25-07-2000, que inclui o imóvel onde o locado se situa, e que é do perfeito conhecimento dos requeridos a existência de poderes de representação dela derivada, evidenciado, designadamente, na assinatura do contrato de arrendamento e no seu aditamento, sendo que todos os assuntos relativos ao locado foram e são tratados pela ALP, como emissão de recibos, contratos, aditamentos, troca de correspondência, pagamento de obras, no uso da procuração emitida por si para o efeito (cf. arts. 4º a 14º do articulado de resposta à oposição, junto ao processo a 26-05-2025).
Dos factos provados vertidos nos pontos 1 e 2 e alínea b), resulta que o requerido inquilino tinha conhecimento de que a ALP estava dotada de poderes de representação da requerente, senhoria (por força do documento, intitulado de “Procuração”, a que se alude na alínea c) dos factos provados), posto que celebrou o contrato de arrendamento em referência nos autos, bem como um acordo de alteração com a mesma, na qualidade de representante desta última.
Da referida factualidade é legítimo afirmar que o requerido inquilino sabia que a ALP dispunha de poderes para, em nome da senhoria, se opor à renovação do contrato de arrendamento em referência nos autos.
Pelo referido, entende-se que a actuação do requerido, no sentido de exigir a demonstração dos poderes de representação da senhoria por parte da ALP, quando notificado da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, ou, pelo menos, questionar a existência de tais poderes, se mostra abusiva, contrária à boa-fé e, por isso, que tal actuação não compromete a eficácia de tal comunicação.
Nessa perspectiva, na ausência da alegação de qualquer outra patologia da comunicação, a oposição à renovação do contrato de arrendamento realizada pela requerente, senhoria, representada pela ALP, operou os seus efeitos, havendo que considerar o contrato de arrendamento findo no dia 31-10-2024, considerando o prazo de duração nele fixado e a sua renovação por uma vez, atento o disposto no art. 1097º, n.º1, al. b), do CC, ao invés do assumido na decisão recorrida.
Importa referir que a alegação formulada, em sede de oposição ao despejo, da ocorrência de negociações entre senhoria e inquilino para a celebração de novo contrato de arrendamento respeitante ao mesmo locado, que se goraram, não obsta à eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento acima reconhecida.
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5.
Passando ao conhecimento da segunda questão acima enunciada, importa reter que, por força do decidido na sentença recorrida, no sentido de se julgar o pedido de despejo improcedente, ficou prejudicado o conhecimento do pedido de diferimento da desocupação do locado, formulado pelos requeridos em sede de oposição junta a 22-04-2025.
Cumpre conhecer da pretensão referida, ao abrigo do art. 665º, n.º2, do CPC, sendo certo que nada obsta a tal e que as partes pronunciaram-se sobre a mesma nos respectivos articulados.
Os requeridos fundam o pedido em referência na carência de meios económicos.
Considerando a data em que o presente procedimento foi intentado (20-03-2025), mostram-se aplicáveis as normas contidas no art. 864º, n.º1 e 2, do CPC, por força do disposto no art. 15º-M, n.º1, do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 56/2023, de 06-10 (cf. art. 53º, al. c), deste último diploma), posto que então vigentes (cf., ainda, arts. 53º, al. c), 54º, n.º1, al. b), e 55º da Lei n.º 56/2023, de 06-10), ao invés do defendido pelos requeridos, no sentido da aplicação do art. 15º-N, n.º1 e 2, al. a), do NRAU, revogado pelo art. 53º, al. c), da Lei n.º 56/2023, de 06-10). Está-se, porém, diante de sucessão de normas de idêntico teor.
Ora, entende-se que decorre do disposto no art. 864º, n.º2, al. a), do CPC, aplicável, como se disse, por força do disposto no art. 15º-M, n.º1, do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 56/2023, de 06-10 (à semelhança do que ocorria durante a vigência do art. 15º-N, n.º1 e 2, al. a), do NRAU), que o diferimento da desocupação do locado para habitação por razões de carência de meios económicos está restringido aos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por resolução decorrente da falta de pagamento de rendas, não tendo aplicação às situações, como a em apreço nos autos, em que a cessação do contrato de arrendamento derive de oposição à renovação pelo senhorio, caso em que a sua comunicação é feita com a antecedência legal estabelecida em função da duração do contrato (cf., no mesmo sentido, acórdãos do TRP de 08-04-2024, processo n.º 22142/23.4T8PRT.P1, e do TRC de 11-12-2024, processo n.º 3188/24.1T8LRA.C1, ambos acessíveis em dgsi.pt).
Face ao referido, conclui-se pela improcedência do pedido de diferimento da desocupação do locado e pela resposta negativa à segunda questão acima enunciada.
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O recurso mostra-se, face ao exposto, procedente, impondo-se revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que julgue a oposição improcedente e condene os requeridos a proceder à entrega do locado no prazo de 30 dias, valendo esta decisão como autorização de entrada imediata no domicílio, sem prejuízo de as partes acordarem prazo distinto para a entrega do locado (art. 15º-I, n.º 11 e 12 do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 56/2023, de 06-10.
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6.
Os recorridos deverão suportar as custas do recurso, atento o seu decaimento (art. 527º, n.º1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso procedente e, em consequência:
a. Revogam a decisão recorrida, proferida a 23-06-2025;
b. Julgam a oposição improcedente e, em consequência, condenam os requeridos a proceder à entrega do locado no prazo de 30 dias, valendo esta decisão como autorização de entrada imediata no domicílio, sem prejuízo de as partes acordarem prazo distinto para a entrega do locado.
Custas do recurso pelos recorridos, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Notifique.
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Lisboa, 09 de Outubro de 2025.
Os Juízes Desembargadores, Fernando Caetano Besteiro Inês Moura Pedro Martins