SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
MOTIVO JUSTIFICADO
ACÇÃO EXECUTIVA
Sumário

I – Para que ocorra suspensão judicial da instância, prevista na 1ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, por pendência de causa prejudicial, é mister que se comprove uma real e concreta relação de dependência, em que a decisão a proferir na causa prejudicial afecte o julgamento da causa dependente, ou seja, que a apreciação do litígio nesta seja condicionado pelo que venha a decidir-se naquela ;
II – na acção executiva é inaplicável a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial, o que é justificado pelo facto da acção executiva não ser propriamente uma causa a decidir, antes contendo, em regra, um direito já declarado, constituído ou reconhecido, inexistindo, por isso, e em princípio, um qualquer nexo ou razão de prejudicialidade ;
III - é entendimento maioritário que a causa judicial de suspensão da instância, prevista na 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil – ocorrência de outro motivo justificado -, deve, prima facie, ter por motivo fundante um outro, que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, isto é, o motivo invocado não deve ter a ver com a pendência de qualquer outra acção, pois, de outro modo, estaria a funcionar como verdadeira causa prejudicial ;
IV – ou seja, o recurso a esta causa de suspensão, por ocorrência de outro motivo justificado, enunciada na 2ª parte, do mesmo nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, deve reportar-se a um motivo diferente do enunciado na primeira parte do normativo, ou seja, diferente de pendência de causa prejudicial ;
V – a concatenação de um quadro factual impressivo, específico e devidamente justificado, pode consubstanciar ou traduzir motivo devidamente justificado, a enquadrar na mesma 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, conducente à suspensão da instância executiva, ainda que, indirectamente, tenha por atinente ou pressuposta a pendência de acção declarativa.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1:

I – RELATÓRIO
1 – BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., Sociedade Aberta, instaurou, em 12/01/2023, execução sumária para pagamento de quantia certa, contra:
- AA, residente na Rua 1 21, 2º Direito, Queluz, e
- BB, falecida em 03/04/2021, alegando o seguinte:
“1.º: Por documento particular autenticado do qual faz parte integrante o documento complementar a ele anexo, a executada mutuária BB celebrou com o Exequente um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos dos quais este lhe entregou, a título de empréstimo a quantia de 35.000,00€ - Cfr. doc. n.º 1.
2.º: Estipularam Exequente e executada mutuária que, pela utilização do capital mutuado, esta pagaria juros sobre o capital em dívida, de acordo com a taxa de juro fixadas no documento complementar, aos quais acresceria, em caso de mora, uma sobretaxa de 4%.
3.º: Ficou, ainda, expressamente convencionado que o empréstimo seria pago pela executada mutuária nas condições constantes do documento particular autenticado e respetivo documento complementar.
4.º: Para garantia do pagamento do capital mutuado, dos juros compensatórios e moratórios devidos pelo seu reembolso e das despesas judiciais e extrajudiciais, constituiu a Executada mutuária, a favor do Exequente, uma hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra “F”, de que é dona e legítima possuidora, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º ...- Cfr. doc. n.º 2.
5.º: A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente pela AP. 3977 de 2017/06/29- Cfr. doc nº 1 e 2.
6.º: A mutuária BB faleceu em 03/04/2021, sendo que lhe sucedeu, a filha AA. Nesta conformidade, é esta responsável pelo pagamento do valor em dívida- cfr. certidão que se junta como doc. n.º 3 e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
7.º: A executada mutuária não pagou ao Exequente, nem na data do respetivo vencimento, nem posteriormente, as prestações vencidas em 01/06/2022, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as restantes prestações acordadas.
7.º: Está, por isso, a executada mutuária a dever ao Exequente a quantia de 27.640,17€, correspondentes às prestações vencidas e não pagas nos termos do contrato de mútuo em apreço, acrescidas dos juros de mora contados, dia a dia, à taxa contratual em vigor à data do incumprimento e de uma sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal, calculados desde a data do incumprimento até efetivo e integral pagamento.
8.º: O documento particular autenticado de mútuo com hipoteca constitui o título executivo que serve de base à presente execução, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 703.º do Cód. Proc. Civil.
(….)
1.º: Sobre o montante de capital em dívida de 27.640,17€ acrescem juros de mora, contados dia a dia, à taxa de 2,602%, acrescida de uma sobretaxa de 3%, calculados desde 01/06/2022 até efetivo e integral pagamento.
2.º: Tais juros, nesta data, importam na quantia de 958,74€.
3.º: Consequentemente, o débito total da Executada para com o Exequente, proveniente da falta de pagamento pontual das quantias mutuadas e respetivos juros importa, atualmente, na quantia de 28.598,91€”.
2 – Em 20/09/2023, Exequente e Executada apresentaram nos autos, em conjunto, o seguinte requerimento:
“BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. – Sociedade Aberta e AA, Exequente e Executada nos autos à margem identificados, vêm expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1. Exequente e Executada encontram-se em negociações com vista a pôr termo ao litígio que os opõe, nos presentes autos.
2. Por forma a permitir a conclusão das negociações tendentes à realização de um acordo, Exequente e Executada requerem a V. Ex.ª, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 272.º do Cód. Proc. Civil, se digne ordenar a suspensão dos presentes autos, pelo período de 90 dias.
Pedem deferimento”.
3 – Em 28/06/2024, as mesmas Exequente e Executada, apresentaram nos autos, novo requerimento, com o seguinte teor:
““BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. – Sociedade Aberta” e AA, Exequente e Executada nos autos à margem identificados, vêm expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1. Em 13/09/2023, a Executada instaurou contra o aqui Exequente e contra a seguradora “Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.” a ação declarativa que corre termos no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 7, sob o processo n.º 15532/23.4T8PRT.
2. No âmbito da referida ação, a Executada requereu, essencialmente, que fosse decretado o reconhecimento de que estão reunidas as condições para ser acionado o seguro de vida contratado pela mutuária falecida BB e, consequentemente, seja a seguradora Ocidental condenada a liquidar ao aqui Exequente o valor em dívida no âmbito do contrato de mútuo MLS n.º 1641292393, peticionado na presente ação executiva.
3. Ora, a ser julgado procedente o pedido formulado na referida ação declarativa, com a condenação da seguradora a pagar ao Banco Exequente o valor devido no âmbito do contrato de mútuo MLS n.º 1641292393, deixará a presente ação executiva de ter qualquer utilidade futura.
4. Nesta conformidade, encontrando-se o processo n.º 15532/23.4T8PRT a aguardar que seja agendada a Audiência Prévia e considerando-se a hipótese da decisão a proferir naquela ação poder vir a repercutir-se significativamente nos presentes autos, o Exequente e a Executada requerem a V. Ex.ª, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 272.º do Cód. Proc. Civil, se digne ordenar a suspensão dos presentes autos até que seja proferida decisão no âmbito do processo n.º 15532/23.4T8PRT que permita às partes, com segurança, tomar uma posição nos presentes autos, seja no sentido do seu prosseguimento ou da sua extinção.
Pedem deferimento.
Requerem a junção deste aos autos”.
4 – Em 03/07/2024, foi prolatado o seguinte DESPACHO:
“Através de requerimento conjunto que dirigiram aos presentes autos, vieram o exequente e a executada pedir a suspensão da instância executiva, por causa prejudicial, ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para tanto, invocando, em síntese, que a executada intentou ação declarativa contra o aqui exequente e contra a seguradora Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., em que pediu seja esta condenada a liquidar ao exequente o valor em dívida no âmbito do contrato de mútuo MLS n.º 1641292393, peticionado na presente ação executiva, por estarem reunidas as condições para ser acionado o seguro de vida contratado pela falecida mutuária BB, pedido que, a ser julgado procedente, importará a inutilidade da execução, estando a ação declarativa a aguardar pela marcação da audiência prévia.
Cumpre apreciar e decidir quanto à requerida suspensão da instância executiva.
Dispõe o art. 272.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”.
Segundo Alberto dos Reis, in «Comentário ao Código de Processo Civil», 3.º, págs. 267 e segs., verifica-se a relação ou nexo de dependência ou prejudicialidade, justificativa da suspensão da instância, quando a decisão ou julgamento duma ação – a dependente – é atacada ou afetada pela decisão ou julgamento emitido noutra – a prejudicial.
Assim, a relação de dependência entre uma ação e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, na segunda ação, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira – Acórdão do STJ, de 30.06.1998, in BMJ, 378.º, pág. 703 - “de tal modo que a decisão dessa acção possa ser afectada pelo julgamento proferido na outra” – Ac. TRP, de 17.12.1992, in CJ, 1992, tomo V, pág. 242.
Relativamente ao processo executivo, conforme se refere no Acórdão TRG, de 06.11.2012, Proc. 1109/11.0TBEPS-A.G1, in www.dgsi.pt, é conhecida a divergência jurisprudencial e doutrinal sobre a admissibilidade ou não da suspensão por causa prejudicial, sendo maioritária a corrente que defende que o disposto no n.º 1, 1.ª parte do atual art. 272.º do Código de Processo Civil não é aplicável à ação executiva, já que nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efetivar já estar declarado, não se verificando, por isso, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta – por todos, veja-se José Lebre de Freitas, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 2.ª edição, pág. 545, Ac. RC de 26.04.2005 e Acs. do STJ, de 14.10.2004, de 31.05.2007 e de 27.01.2010, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Mantém assim inteira acuidade a jurisprudência do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.1960 onde se decidiu que “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º do Código de Processo Civil”.
Neste Assento ponderou-se que embora a execução possa caber no conceito lato de causa, tal circunstância não pode preencher as exigências do preceito e isto porque “ele não pressupõe apenas duas causas, pressupõe também que nenhuma delas esteja decidida. É o que claramente flui das locuções «decisão da causa» e «julgamento da causa». Ora a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão, quando não provém de título com força executiva; decorre de um direito já declarado. Logo não pode ser suspensa ao abrigo do disposto na primeira parte do artº 284º citado”.
E a jurisprudência do STJ tem vindo a entender que a doutrina fixada por este Assento continua em vigor, como se colhe dos Acórdãos do STJ, de 04.06.1980 e de 27.01.2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, vejam-se ainda os acórdãos do TRP de 18.12.2018, Proc. 6090/15.4T8LOU-A.P1, disponível in jurisprudência.pt, do TRC de 19.05.2020, Proc. 1075/09.2TBCTB-E.C1, do TRG de 25.02.2021, Proc. 4079/17.8T8VNF-A.G1, e do TRC de 14.06.2022, Proc. 806/18.T8GRD-D.C1, estes disponíveis in www.dgsi.pt.
Termos em que, se indefere o pedido de suspensão da instância executiva.
Notifique”.
5 – Inconformada com o decidido, a Executada apresentou recurso de apelação, no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES:
1. “O despacho recorrido foi proferido com base em pressupostos que não se confirmam.
2. Com efeito, as partes não invocaram a existência de “causa prejudicial” e não afirmaram que a procedência de uma acção declarativa que está pendente importará a “inutilidade” da execução destes autos.
3. O despacho recorrido resolveu uma questão não colocada e deixou por resolver a questão colocada.
4. O pedido de suspensão da instância executiva, formulado conjuntamente por ambas as partes, assentou numa situação concreta, perfeitamente relatada e delimitada, que deve ter-se como “motivo justificado”, para os efeitos do disposto na parte final do nº 1 do art. 272º do CPC.
5. Caso não seja decretada a suspensão da execução, a Executada, ora Recorrente, fica exposta a consequências muito gravosas e irreversíveis, decorrentes da venda executiva do imóvel que constitui a sua casa de habitação.
6. O prosseguimento da execução colocará em sério risco o efeito útil – efeito prático, que não jurídico – da procedência da acção declarativa que a ora Recorrente propôs contra o BCP e a Ocidental, nos termos acima relatados.
7. Também para o BCP, Exequente nestes autos, o prosseguimento da execução potencia a sua sujeição a consequências desfavoráveis, na hipótese de procedência da mencionada acção declarativa.
8. Estando ambas as partes de acordo em obter despacho judicial que decrete a suspensão da instância até à decisão daquela acção declarativa, conclui-se que tal suspensão vai de encontro aos interesses das duas partes.
9. Tais interesses das partes são fundados e são legítimos.
10. Em contrapartida, não se descortinam razões que obstem ao reconhecimento de “motivo justificado” para a suspensão da execução por determinação judicial.
11. No caso vertente, visto os seus específicos contornos, não se vislumbram interesses outros que se sobreponham aos interesses de ambas as partes, nomeadamente da Agente de Execução, do Estado português e do Tribunal.
12. Mostra-se violado o disposto na parte final do nº 1 do art. 272º do CPC, justificando-se a revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por decisão que determine a suspensão da instância executiva, nos termos requeridos, isto é, até à decisão a proferir na identificada acção declarativa”.
6 – Não foram apresentadas nos autos quaisquer contra-alegações.
7 – O recurso foi admitido por despacho de 05/11/2024, como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
8 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil 2, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina aferir acerca:
• Da eventual existência de outro motivo justificado, nos termos legalmente enunciados na 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, justificativo da requerida suspensão da instância executiva.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a ponderar é a que resulta do iter processual supra descrito, à qual se adita, nos termos dos nºs. 3 e 4, do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, a seguinte (fundada no teor da prova documental junta aos autos pela Recorrente/Executada, juntamente com as alegações recursórias):
1. A ora Executada/Recorrente AA, interpôs, em 13/09/2023, acção declarativa comum contra Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, e Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., que figura sob o nº. 15532/23.4T8PRT, na qual deduziu o seguinte petitório:
i) o reconhecimento de que estão reunidas condições para ser accionado o seguro de vida objecto dos autos, condenando-se a Ré Ocidental a liquidar perante o Réu BCP o valor em dívida no empréstimo ajuizado, por referência ao dia 3/4/2021, data do falecimento da mãe da Autora;
ii) a condenação solidária do Réu BCP e da Ré Ocidental a pagarem à Autora a quantia de 679,80 €, em conformidade com o exposto em 54 a 57, com juros à taxa legal, contados desde a citação;
iii) a condenação solidária do Réu BCP e da Ré Ocidental a pagarem à Autora a quantia que vier a liquidar-se posteriormente, em conformidade com o exposto em 49 a 51, com juros à taxa legal, contados desde a citação;
iv) a condenação solidária do Réu BCP e da Ré Ocidental a pagarem à Autora a quantia de 5.000 €, em conformidade com o exposto em 58 a 61, com juros à taxa legal, contados desde a citação” ;
2. Consta da petição inicial de tais autos que, no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a falecida mãe da Autora, BB, e o demandado Banco Comercial Português, aquela, em 20/06/2017, “subscreveu «Proposta de Adesão» relativa a «Seguro de Vida – Crédito Habitação Vida Risco», que lhe foi apresentada para o efeito por funcionários do Réu BCP” ;
3. E que “a entidade seguradora era a aqui Ré Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida (doravante, Ocidental)” ;
4. Encontrando-se, á data do falecimento da mãe da Autora – 03/04/2021 -, “em vigor o contrato de mútuo com hipoteca (…), assim como estava em vigor o contrato de seguro de vida acabado de mencionar” ;
5. Constando, ainda, que accionado o seguro competente, a seguradora Ocidental vem protelando o cumprimento da sua obrigação contratual, impondo-lhe “sucessivas solicitações documentais”, enquanto o BCP mantém a exigência de reembolso do empréstimo, apesar de saber que a “Autora não dispõe de fundamentos que possa opor com sucesso à acção executiva”, nem “dispor de meios que lhe permitam assegurar o pagamento da quantia exequenda” ;
6. Ocorrendo, ainda, “indiferença do Réu BCP, que bem sabe da existência do contrato de seguro e bem sabe que, em sendo accionado tal seguro, ficaria satisfeito no seu crédito, assim se evitando a execução” ;
7. Nesta mesma acção, por despacho datado de 10/07/2024, foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido saneador stricto sensu e fixados o objecto do processo e temas da prova.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da suspensão da instância por determinação judicial
Estatuem os nºs. 1 e 2, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, prevendo acerca da suspensão da instância por determinação do juiz, que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 – Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens” (sublinhado nosso).
Referencia Ary Elias da Costa e outros – Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º Volume, Almedina, 1974, pág. 476 a 478 – contemplar o presente normativo os casos de suspensão judicial. Assim, enquanto “que nos casos de suspensão legal o tribunal tem o dever de ordenar a suspensão, esta é obrigatória, nos casos de suspensão judicial o tribunal pode ou não fazê-lo, conforme entenda”.
Concatenando-se com o disposto na alínea c), do nº. 1, do artº. 269º, do mesmo diploma, num primeiro segmento do normativo, a suspensão pode ser ordenada quando a decisão em causa esteja dependente de outra já proposta.
Ora, afirma-se “que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira possa fazer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da segunda”, conforme se extrai do nº. 2, do artº. 276º, ainda do Cód. de Processo Civil.
Por outro lado, resulta da legal estatuição que “a causa prejudicial há-de estar já proposta no momento em que a suspensão é ordenada”, não bastando, assim, “invocar que vai ser proposta uma causa prejudicial”, sendo, todavia, bastante “que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão ; nada importa que o não tivesse ainda na data em que se intentou a causa dependente. A frase «já proposta» refere-se manifestamente ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, visto estar em correlação com esta outra: «o tribunal pode ordenar a suspensão»”.
No que concerne à segunda parte do nº. 2, do transcrito normativo, referenciam os mesmos Autores prevenir “a hipótese da causa dependente se encontrar em fase adiantada, como por exemplo, estra prestes a ser discutida e julgada, no momento em que se requereu a sua suspensão com o fundamento de se encontrar pendente uma causa prejudicial. O tribunal deve indeferir o requerimento, porque o seu deferimento causaria prejuízo superior à vantagem da suspensão” – ob. cit., pág. 481 e 482.
Aduz Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida – Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 534 a 536 – que “o termo verbal «pode» logo sugere tratar-se de um poder não vinculado, mas em todo o caso de um poder-dever ao qual devem subjazer preocupações de economia e celeridade processuais e de eficácia das decisões”.
Assim, “a lei dá ao juiz a faculdade, mas lhe não impõe a obrigação, de suspender a instância quando haja pendência de causa prejudicial. Poder esse balizado pelo condicionalismo imposto no preceito: a existência de causa prejudicial (quando não se verifique o caso do nº. 2) ou a ocorrência de motivo justificativo. A suspensão pode, em tais circunstâncias, ser ordenada ex-officio (logo que o juiz se aperceba do facto gerador da suspensão) ou a requerimento das partes.
(…)
Vem, a este propósito, assinalar que os nºs. 1 e 2 do art. 272º se reportam a toda e qualquer questão prejudicial, enquanto que o art. 92º se refere apenas à dependência da decisão da causa subordinada relativamente a uma decisão da competência do foro criminal ou administrativo.
O critério aferidor decisivo dessa relação ou «nexo de dependência» reside em vir controvertida na causa prejudicial uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica relevante para a decisão de outro pleito” (sublinhado nosso).
Assim, no caso do artº. 92º trata-se de “uma questão, e não de uma outra causa, de cuja decisão depende o conhecimento da acção e para a qual o juiz da causa não é normalmente competente”.
Relativamente à noção ou caracterização de questão ou causa prejudicial (já supra definimos a noção daquela), afirma-se que “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”.
Acrescenta Alberto dos Reis - Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, 1946, Coimbra Editora, pág. 268 e 269 - que “segundo o Prof. Andrade, verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Estamos de acordo.
Há efectivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada ; há outros em que pode discutir-se nesta, mas somente a título incidental. Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte, na segunda, mais frouxo ; na primeira há uma dependência necessária, na segunda, uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência”.
Por sua vez, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina, pág. 550 e 551 – referenciam ocorrer legal admissibilidade de suspensão da instância quando penda causa prejudicial, entendendo-se esta como a que tem “por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada” (sublinhado nosso).
Assim, exemplificam que “a ação de nulidade dum contrato é, por exemplo, prejudicial relativamente à ação de cumprimento das obrigações dele emergentes”, sendo que a “suspensão só pode ser ordenada se, no momento do despacho, a ação prejudicial estiver efetivamente proposta”, cessando quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial (cf., o artº. 276º, nº. 1, alín. c), do CPC).
Por fim, consignam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, pág. 314 e 315 – dever “comprovar-se uma efetiva relação de dependência, de tal modo que a apreciação do litígio esteja efetivamente condicionada pelo que venha a decidir-se na ação prejudicial, a qual constitui, pois, um pressuposto de outra decisão (v.g. ação para cumprimento de um contrato e ação em que se invoque a nulidade desse contrato)”.
Acrescentam que “o nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra ; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos (…)”.
Todavia, ressalvam, “ainda que esses dois requisitos se verifiquem, o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando se demonstrar que a ação foi intentada precisamente para se obter a suspensão da outra ou, independentemente disso, quando o estado da causa tornar gravemente inconveniente a suspensão. É que não pode ignorar-se que a suspensão obsta a que a instância prossiga naturalmente, o que pode revelar-se gravoso para os interesses que o autor procurou acautelar. Daí que, nessas situações, cumpra apreciar na ação todas as questões que tenham sido suscitadas” (sublinhado nosso).
O despacho apelado equacionou o requerimento apresentado nos autos, em conjunto, pelas Exequente e Executada, como reportando-se a suspensão da instância executiva fundada na existência de causa prejudicial ou prejudicialidade, entre os presentes autos executivos e a intentada acção declarativa contra a entidade bancária (ora Exequente) e seguradora (identificada na factualidade provada aditada).
E, apelando ao maioritário entendimento doutrinário e jurisprudencial, entendeu que o disposto na 1ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, não é aplicável á acção executiva, “já que nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efetivar já estar declarado, não se verificando, por isso, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta”.
Donde, indeferiu a requerida suspensão da instância executiva.
No excurso recursório apresentado, a Recorrente Executada alega que tal despacho foi proferido com base em pressupostos que não se confirmam, pois as partes Requerentes não “invocaram a existência de “causa prejudicial” e não afirmaram que a procedência de uma acção declarativa que está pendente importará a “inutilidade” da execução destes autos”.
Com efeito, aduz, o pedido de suspensão da instância executiva, apresentado em conjunto, assenta “numa situação concreta, perfeitamente relatada e delimitada, que deve ter-se como “motivo justificado”, para os efeitos do disposto na parte final do nº 1 do art. 272º do CPC”, pois, caso não seja decretada a suspensão da execução, fica a ora Recorrente Executada “exposta a consequências muito gravosas e irreversíveis, decorrentes da venda executiva do imóvel que constitui a sua casa de habitação”.
Para além de que, acrescenta, o prosseguimento da presente execução coloca em causa o efeito útil pretendido com a procedência da acção declarativa proposta contra o BCP e seguradora Ocidental, para além de potenciar a sujeição do ora Exequente às consequências desfavoráveis advenientes da eventual procedência daquela acção.
Assim estando ambas as partes de acordo com o requerido pedido de suspensão, tal suspensão corresponde aos interesses, legítimos e fundados, de ambas, inexistindo outros que se sobreponham.
Donde, inexistem razões que obstem ao reconhecimento de “motivo justificado” para a solicitada suspensão da execução por determinação judicial, nos termos da parte final, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil.
Apreciemos.
Relativamente á suspensão da instância fundada em outro motivo justificado, referencia Alberto dos Reis – ob. cit., pág. 279 – tratar-se de “motivo diferente da pendência de causa prejudicial e que, em seu juízo, justifique a suspensão”, para a qual não basta o mero acordo das partes.
Aduzem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – ob. cit., pág. 315 – inexistir qualquer obstáculo formal “a que a suspensão da execução seja decretada pelo juiz por motivos (quaisquer motivos) que considere suficientemente justificados”, ou seja, a ponderação da suspensão da instância “pode encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do juiz, o qual, neste campo, goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efetivamente se justifica tal medida. Nestes casos, o juiz deve sempre fixar o prazo de suspensão, o que, no entanto, não obsta a que o mesmo seja renovado se acaso as circunstâncias continuarem a revelar a necessidade da suspensão”.
Por fim, reconhecendo ser inaplicável na acção executiva a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial, aduzem que esta restrição “apenas vale para a atividade tendente á execução coerciva da obrigação exequenda, não sendo de aplicar aos embargos de executado ou a outros procedimentos declarativos enxertados na ação executiva, cujos objectivos são diferenciados”.
Ary Elias da Costa e outros – ob. cit., pág. 482 a 485 –, a propósito da aplicação de tal preceito á acção executiva, com fundamento na pendência de causa prejudicial, afastam tal aplicabilidade, acrescentando não ser legalmente admissível, nessa situação, a possibilidade de suspensão com fundamento em outro motivo justificado.
Ou seja, o recurso a esta causa de suspensão, por ocorrência de outro motivo justificado, deve reportar-se a um motivo diferente do enunciado na primeira parte do normativo, ou seja, diferente de pendência de causa prejudicial.
Assim, a pendência de outras acções “não é outro motivo, mas o mesmo: pendência de causa prejudicial”, ainda que seja pacífico, mesmo no âmbito da acção executiva, “que a instância pode ser suspensa pela ocorrência de motivo justificado diferente da pendência de causa prejudicial”.
Em idêntico sentido, fazendo alusão a doutrina e jurisprudência, defendem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – ob. cit., pág. 553 – ser “pacífico que a ação executiva pode ser suspensa com fundamento na 2ª parte do nº. 1 (…). Mas a 2ª parte do nº. 1 tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (….), não podendo nela fundar-se a suspensão da ação executiva por pendência de ação autónoma (….)” (sublinhado nosso).
Tal impossibilidade, se bem o percepcionamos, não era totalmente reconhecida por Alberto dos Reis.
Assim, igualmente não admitindo a possibilidade de suspensão da acção executiva, fundada em causa prejudicial (1ª parte do então artº. 284º, e ora 1ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do CPC), mas admitindo-a fundada na existência de outro motivo justificado, parece admitir que este outro motivo, mesmo na acção executiva, também se traduza na pendência de acção autónoma.
É o que decorre quando referencia que “suponhamos agora que o título executivo é diverso de sentença. Então compreende-se que o devedor, antes de promovida a execução, proponha acção tendente a anular a força executiva do título. Se isto acontecer e o credor requerer, depois disso, a execução, o executado não poderá embargar a acção executiva, alegando, nos embargos, o fundamento que serve de base à acção, aliás sujeitar-se-á a que os embargos caiam em consequência da excepção de litispendência.
Só fica, pois, aberto um caminho ao executado: requerer a suspensão da execução com fundamento, não na primeira parte do artigo 284º, mas na segunda, isto é, com o fundamento de que há motivo justificado para a suspensão.
Aplaudimos, por isso, a jurisprudência dos dois acórdãos citados anteriormente. A Relação e o Supremo suspenderam a execução, não por estar pendente causa prejudicial da acção executiva, mas por ocorrer motivo justificado para a suspensão. Também assim decidiríamos” – cf., ob. cit., pág. 275 e 276.
Estas diferenciadas posições tiveram eco jurisprudencial.
Assim, no douto Acórdão do STJ de 10/04/2003 – Relator: Moitinho de Almeida, Processo nº. 724/2003, in www.dgsi.pt – referenciou-se que “embora se reconheça que a suspensão da instância, prevista no artigo 279° n°1, 1ªparte, do Código de Processo Civil (quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta), é inaplicável ao processo executivo, como este Tribunal tem entendido e resulta do Assento de 24 de Maio de 1960, no caso dos autos ocorre motivo justificado para a suspensão (2ª parte da mesma disposição).
Tal motivo consiste na possibilidade de julgados contraditórios, o que, por razões de segurança jurídica e de prestígio da administração da justiça, importa, dentro do possível evitar (no sentido de que, neste caso, pode ser invocada a 2ª parte do n°1 do artigo 279°, o acórdão deste Tribunal, de 8 de Fevereiro de 2001, agravo n°3485/00-6)”.
Em sentido divergente, defendeu-se no douto aresto da RC de 07/07/2004 – Relator: Isaías Pádua, Processo nº. 2000/04, in www.dgsi.pt – constituir entendimento, doutrinário e jurisprudencial, praticamente pacífico, que a “primeira parte do nº 1 do citado artº 279 não é aplicável às acções executivas, ou seja, que não é possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente. Para o efeito aduze-se, essencialmente, como fundamento o facto de uma acção executiva não ser propriamente uma causa a decidir mas antes, e como regra, conter em si um direito já efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade. Entendimento esse que, aliás, começou por se tornar obrigatório com o Assento do STJ de 24/5/1960 (publicado no BMJ nº 97 – 173), referindo-se então ao artº 284, que professou tal doutrina, a qual hoje se vem ainda considerando manter-se actualizada, já que o citado artº 279, nº 1, da actual reforma do CPC, manteve praticamente a mesma redacção do antigo artº 284, e portanto ser de seguir, não já como jurisprudência obrigatória mas como entendimento jurisprudencial (vidé, além de muitos outros, o prof. Alb. dos Reis in “Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, págs. 271/276”; Rev. dos Tribunais, nº 78, 183/185; Rev. O Direito nº 93, nº 2, págs. 139/145; o prof. Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 1ª, Coimbra Editora, pág. 502” ; Ac. RC de 14/7/1992 in “BMJ nº 419 – 834”; Ac. RC de 4/3/1992 in “BMJ nº 410 – 740” ; Ac. do STJ de 14/1/93, in “CJ; Acs. do STJ, Ano I, T1 – 59”; Ac. do STJ de 18/6/96, in CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T2 – 149”; Ac. do STJ de 18/6/2002, in “Rev. nº 1304/02 –1ª sec., Sumários, 6/2002”; Ac. RE. de 29/10/98 in “BMJ nº 480 – 569” e Ac. RC de 1/6/99 in “BMJ nº 488 – 416”).
Ora, seguindo tal entendimento, a srª juíza do tribunal a quo, naquele seu despacho recorrido, começou precisamente por afastar a aplicação ao caso da 1ª parte do nº 1 citado artº 279 do CPC, ou seja, defendendo não ser legalmente possível ordenar a suspensão da instância, à luz daquela 1ª parte de tal normativo, com base na prejudicialidade da sobredita acção de preferência nº 247/2001.
Porém, perfilhando o entendimento de ser já legalmente possível suspender uma execução à luz da 2ª parte do nº 1 citado artº 279 do CPC, ou seja, de que tal suspensão pode ter lugar nas execuções quando ocorrer “outro motivo justificado”, acabou, à luz da referida 2ª parte desse normativo, por ordenar a suspensão da execução nº 781-B/98, à qual se encontram apensos os presentes autos de embargos. Como motivo justificante invocou os factos e /ou argumentos que já acima deixámos transcritos.
Na realidade, vem a nossa doutrina e jurisprudência evoluindo, cada vez em maior número, num entendimento que hoje é também praticamente pacífico, no sentido de que efectivamente não sendo, legalmente, possível suspender uma acção executiva com o fundamento na pendência de uma causa prejudicial, já o será com base na existência de “outro motivo justificado” e de que fala a referida 2ª parte daquele normativo legal (vidé, a propósito, entre outros, o prof. Lebre de Freitas in “ob. cit. pág. 503”; o Cons. Lopes do Rego in “Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 226”; Elias da Costa – Silva Costa – Figueiredo de Sousa in “Código de Processo Civil, vol. III, pág. 484”; Ac. RC de 13/6/95 in “BMJ nº 448 – 450” e Ac. RC de 14/7/92 in “BMJ nº41 – 834”).
Entendimento esse do qual perfilhamos, já que a doutrina e jurisprudência que acima citámos, e pelas razões aí então aduzidas, apenas negam a aplicação às execuções da 1ª parte do nº 1 do citado artº 279º, ou seja, a suspensão de execuções com o fundamento na pendência de uma acção prejudicial.
O legislador não definiu, todavia, o conceito de “outro motivo justificado”, pelo que será perante cada caso concreto que se terá se indagar se ocorre ou não motivo que justifique a suspensão da execução, sendo certo que a suspensão da execução com base em tal fundamento não pode, a nosso ver, cair num total poder descricionário do juíz, desprovido de qualquer controle ou sindicância (vidé, a propósito, Ac. RLx de 9/5/85 in “BMJ 354 – 609” e Ac. do STJ de 18/2/2002, in “Agravo nº 14/02 – 2ª sec., Sumários, 4/2002”.)
Todavia, e como escreve o prof. Lebre de Freitas (in “ob. cit. pág. 503”) “a 2ª parte do nº 1 (do citado artº 279) tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma”. Ou seja, para que se ordene a suspensão de uma acção executiva com base na 2ª parte do nº 1 do citado artº 271 do CPC – ocorrência de motivo justificado – necessário se torna que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, ou melhor, o motivo invocado não pode ter nada a ver com a pendência de qualquer outra acção, já que se não lá estaria a mesma a funcionar, no fundo, como verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite (e daí falar “em outro motivo”); sendo certo que, a não se entender assim, estaria a deixar-se entrar pela “janela” aquilo que a lei não permite que entre pela “porta” (vidé neste sentido, ainda, Ac. RLx de 25/10/90 in “BMJ nº 993 – 661”)” (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido, no douto Acórdão da mesma RC de 15/03/2011 – Relator: Jorge Arcanjo, Processo nº. 538-E/1999.C1, in www.dgsi.pt -, citando-se o antecedente Acórdão e a exposta posição de Lebre de Freitas, consignou-se que “muito embora a norma do art.279 do CPC seja de carácter geral, não distinguindo entre acções declarativas e acções executivas, a verdade é que a suspensão com fundamento em causa prejudicial não se aplica à execução, pois nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado”.
Todavia, acrescenta, admitir-se, “no entanto, a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.279 do CPC (“por outro motivo justificado”), desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.
Porém, como adverte LEBRE DE FREITAS (Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, pág.503) “a 2ª parte do nº1 (do citado art.279) tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma”.
Daqui resulta que a suspensão de uma acção executiva com base na 2ª parte do nº 1 ao art.279 (ocorrência de outro motivo justificado) exige que o motivo invocado seja diferente, não podendo reconduzir-se à pendência de qualquer outra acção, já que de contrário estaria a mesma a funcionar como verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite, como, aliás, decorre da verificação de “outro motivo“” (sublinhado nosso).
De retorno ao caso concreto, analisemos.
A decisão apelada apreciou o requerimento conjunto de suspensão da instância executiva, na consideração de que a aludida acção declarativa entretanto interposta pela ora Executada (na qual figura também como demandada a ora Exequente) configurar-se-ia como causa prejudicial.
E, na adopção do entendimento praticamente pacífico (quer doutrinário, quer jurisprudencial) de que a suspensão da instância, com fundamento em causa prejudicial, não se aplica á execução, indeferiu tal pedido de suspensão.
A ora Apelante não questiona a bondade de tal entendimento jurídico, com o qual concorda.
Todavia, considera que o formulado pedido de suspensão da instância executiva não se fundou na existência de causa prejudicial, mas antes em situação concreta que deve ter-se como motivo justificado, a enquadrar na 2ª parte do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, e não na primeira parte do mesmo normativo.
Ora, como vimos, é entendimento maioritário que esta causa judicial de suspensão da instância, prevista na 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil – ocorrência de outro motivo justificado -, deva ter por motivo fundante um outro, que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, isto é, o motivo invocado não deve ter a ver com a pendência de qualquer outra acção, pois, de outro modo, estaria a funcionar como verdadeira causa prejudicial.
Donde, assim sendo, e prima facie, mostrar-se-ia inviabilizada a pretensão recursória, pois, ainda que de forma indirecta ou implícita, o juízo de suspensão da instância executiva fundar-se-ia na pendência da acção declarativa identificada nos factos provados aditados.
O que conduziria, ainda que com diferenciada fundamentação, à confirmação da decisão sob sindicância.
Todavia, afigura-se-nos que, in casu, existem várias particularidades a impor um diferenciado juízo, sendo de valorar, nomeadamente, o seguinte:
- a circunstância da pretensão da suspensão da instância executiva ser igualmente sufragada pela própria Exequente ;
- o facto de, não sendo atendida a requerida suspensão, e atenta a natureza hipotecária do crédito exequendo, poder estar em causa ou risco a manutenção do imóvel na titularidade da Executada, o qual, segundo alegação factual, constituirá a sua casa de habitação ;
- pelo que, mesmo que venha a obter ganho na acção declarativa pendente, intentada contra a mutuante e seguradora, tal não obliterá as nefastas consequências duma potencial alienação executiva, nomeadamente a incapacidade de recuperar tal imóvel ;
- situação que, presentemente, se reveste ainda de maior gravidade ou acuidade, atenta a situação do mercado habitacional, carente de oferta, e a determinar a prática de preços incomportáveis, quer na aquisição, quer no arrendamento, para o cidadão comum ;
- solução que, a efectivar-se, não deixaria de ser penalizadora para a ora Executada Recorrente, e mesmo afectadora do seu legítimo direito constitucional à habitação ;
- ademais, inexiste qualquer notícia que tal solução suspensiva afecte quaisquer direitos de terceiros interessados, nomeadamente de eventuais credores reclamantes, cuja existência não decorre dos autos ;
- ora, julgamos que a concatenação de tal quadro factual traduz motivo devidamente justificado, a enquadrar na 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, ao deferimento da requerida suspensão da instância executiva, ainda que, indirectamente, tenha por atinente ou pressuposta a pendência da identificada acção declarativa ;
- impondo, por consequência, no acolhimento das conclusões recursórias, juízo de revogação do despacho recorrido/apelado, o qual se substitui por decisão que, nos quadros da 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, determina a suspensão da instância executiva pelo período de 6 (seis) meses, renovável, caso se mantenham as mesmas circunstâncias, justificativas da necessidade de suspensão.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, não se podendo concluir por decaimento por parte da Exequente, na adopção do critério do proveito, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Executada.
***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a. Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Executada/Recorrente/Apelante AA ;
b. Em consequência, revoga-se o despacho recorrido/apelado ;
c. O qual se substitui por decisão que, nos quadros da 2ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, determina a suspensão da instância executiva pelo período de 6 (seis) meses, renovável, caso se mantenham as mesmas circunstâncias, justificativas da necessidade de suspensão ;
d. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, não se podendo concluir por decaimento por parte da Exequente, na adopção do critério do proveito, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Executada.
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Lisboa, 09 de Outubro de 2025
Arlindo Crua
Higina Castelo
Rute Sobral
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1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
2. Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.