CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
DATA
ERRO
Sumário

Sumário
I – A nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC apenas ocorre quando exista incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou quando a ambiguidade ou obscuridade tornem a decisão ininteligível; não se confunde com erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos ou à norma jurídica aplicável.
II – A nulidade por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC) exige a ausência absoluta de motivação, não bastando fundamentação deficiente ou sucinta; igualmente, a nulidade por omissão de pronúncia (al. d) só ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questões – e não argumentos – que lhe incumbia decidir.
III – Resultando provado que o senhorio comunicou por carta registada, com antecedência legal, a oposição à renovação do contrato de arrendamento, a eventual indicação incorreta da data de cessação não afeta a eficácia da declaração, desde que a vontade de não renovar seja clara e atempadamente comunicada.

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
CC instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra AA, pedindo seja decretada a caducidade do contrato de arrendamento por oposição à renovação, com efeitos reportados a 28/02/2024, e, consequentemente, condenando-se os RR. a entregar ao A. a fração locada, livre e desocupada de pessoas e bens; mais pede a condenação dos RR. a pagar ao A. as indemnizações pela mora na entrega do arrendado, previstas no artigo 1045º do Código Civil, vencidas desde 01/03/2024 até à restituição do arrendado, sendo que as já vencidas até à presente data importam em 800,00 (valor corrigido por requerimento de 14/11/2024), a que acrescerão as vincendas.
Para tanto, alegou que é dono e legítimo possuidor do imóvel objeto do contrato de arrendamento celebrado entre um anterior proprietário e os Réus em 15/02/2003, contrato este que foi celebrado pelo prazo de cinco anos, renovável automaticamente nos termos legais (ou seja, inicialmente por dois períodos de 3 anos e posteriormente por quatro períodos de 2 anos). Por cartas registadas com aviso de receção, o Autor opôs-se à renovação do contrato por referência à data de 28/02/2023, oposição que os Réus não aceitaram. Correu termos o Processo n.º 2183/23.2T8OER, no Juízo Local Cível de Oeiras - Juiz 2, onde o Tribunal considerou que a data apresentada para a cessação por caducidade, mediante oposição à renovação, não era válida para esse propósito, devido à errada contagem dos prazos de renovação automática por parte do Autor; sendo que a data a atender seria 29/02/2024. Contudo, mesmo após as comunicações e aludida ação, os Réus não procederam à entrega do imóvel.
Os RR. contestaram, defendendo a improcedência da ação e o reconhecimento da renovação do contrato de arrendamento por, pelo menos, mais dois anos (até 28/02/2026). Alegando que a comunicação do Autor de oposição à renovação do contrato referia a data de 23/02/2023 e foi por referência a essa data que o Autor colocou a primeira ação judicial (Processo n.º 2183/23.2T8OER). Uma vez que nessa ação judicial, o Autor não peticionou a correção da data, o contrato renovou-se em 28/02/2024, por falta de comunicação válida da dedução de oposição à renovação pelo Senhorio por referência a essa data. Mais invocam continuaram a pagar as rendas do locado ao Autor referentes aos meses posteriores a fevereiro de 2024, sem devolução das mesmas, que o Réu tem 78 anos (i.e., mais de 65 anos) e os arrendatários residem no locado há mais de 15 anos, o que impede a oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação, a menos que exista uma necessidade fundamentada de habitação do próprio Autor ou dos seus descendentes, a qual não é invocada.
Depois de considerar que os autos reuniam os elementos necessários à prolação imediata da decisão de mérito, o que não mereceu oposição das partes, a Mmª juíza do tribunal a quo proferiu saneador-sentença, tendo a final decidido nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julga-se a presente ação totalmente procedente e, em consequência, decide-se:
- Declarar válida a cessação por caducidade do contrato de arrendamento datado de 15/02/2003, operada mediante oposição à renovação comunicada em 01/08/2022 por parte do Autor, com efeitos reportados à data de 29/02/2024;
- Condenar os Réus a entregar o locado supra identificado ao Autor, livre de pessoas e bens;
- Condenar os Réus no pagamento de uma indemnização correspondente a uma renda mensal de €400,00, nos termos do art.º1045.º, n.º 1, do CC, desde julho de 2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão, descontando os valores mensais que os Réus já pagaram ao Autor a título de renda durante este período;
- Condenar os Réus no pagamento de uma indeminização mensal correspondente ao dobro da renda mensal, ou seja, de €800,00, nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do CC, desde o trânsito em julgado da presente decisão até à restituição do locado livre de pessoas e bens;
- Absolver o Autor do pedido de condenação de litigância de má fé;
- Condenar os Réus no pagamento das custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.”
*
Não se conformando com a decisão, dela vieram os réus recorrer, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«I. Conforme melhor se aferirá infra, a sentença ora recorrida padece do vício de nulidade: Por falta de fundamentação, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC,
II. Salvo melhor opinião, os fundamentos aludidos na decisão recorrida, expendidos e invocados pela Mma. Juiz a quo, conduziriam, se tivesse sido realizado o devido e adequado juízo lógico-dedutivo, a um resultado oposto ao que foi expresso na decisão, uma vez que os mesmos apontam para decisão oposta à que foi prolatada. Ademais, não há que confundir as questões colocadas pelas partes e os argumentos ou razões que estas esgrimem, com o teor decisório, seja este em que sentido for.
III. Por ausência total de fundamentação de facto ou de direito prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. A decisão ora recorrida omite por completo o facto essencial para o desfecho que atribuiu aos autos.
IV. Dos factos provados não consta que se deu como provado que o Autor remeteu, em tempo, ou seja, com a antecedência prévia legalmente exigida e com data concreta, a exigida comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, como se impunha.
V. Mais grave ainda, a decisão ora recorrida, no ponto 8. da matéria dada como provada fazendo referência a outro processo anterior, entre as mesmas partes, no qual, ao Autor não foi reconhecida a resolução contratual, exactamente pelo mesmo motivo que se invocou nestes autos.
VI. Ou seja, não se pronunciou sobre questões/argumentos invocados pela Recorrente, como se demonstrará infra, quer quanto aos fundamentos, bem como quanto à indevida utilização, para prova, de documentos impugnados e sobre os quais não se julgou improcedente a referida impugnação.
VII. Ora, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre os argumentos invocados pela parte, tal omissão constitui nulidade da decisão por falta de pronúncia. Ou seja, in casu, atropelando todas as regras processuais, o Tribunal a quo deu como provada a resolução contratual, sem que tenha suportado tal conclusão em nenhum facto válido e eficaz.
VIII. A nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente. O que acontece no caso concreto, e que se invoca para os devidos efeitos legais. E consequentemente deverá ser a sentença declarada nula por falta de fundamentação.
IX. Sem prejuízo, a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 659º, nº 2 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, o que no caso concreto não aconteceu e que se invoca para os devidos efeitos legais.
III. DO OBJECTO DO RECURSO
X. Vem o presente recurso interposto da decisão de facto e de direito proferida a 18 de Fevereiro de 2025 e constante de fls. (...) dos autos:
XI.Com o devido respeito por opinião diversa, a sentença proferida pelo tribunal a quo, ora recorrida, decidiu em errada interpretação e fixação da matéria de facto e direito dada como provada.
Senão vejamos,
IV. DA MATÉRIA DE FACTO
XII. No âmbito da decisão recorrida, 4ª página da mesma, consta:
XIII.A decisão ora recorrida, deu como provados os factos constantes dos pontos 1 a 10 (dos FACTOS PROVADOS), cf. páginas 4 e 5 da sentença ora recorrida.
No entanto, e salvo melhor opinião, foram erradamente interpretados os factos dados como PROVADOS,
XIV. Uma vez que, analisados todos eles, em momento algum resultou provado que o Autor cumpriu as formalidades legais que se impunham para que operasse uma oposição à renovação do contrato de arrendamento, bastando-se com a menção: “8. O processo de despejo n.º 2183/23.2T8OER, correu termos no Juízo Local Cível de Oeiras – J2 e por sentença de 14/02/2024, decidiu-se ser inválida a oposição à renovação feita pelo Autor por referência a 28/02/2023, indicando que a data de termo da renovação contratual ocorreria em 29/02/2024.”
XV. No entanto, salvo melhor opinião, tal menção em nada acrescenta ou resolve para o que importa dirimir nos autos – se operou ou não a oposição à renovação ou se o contrato se renovou até 28.02.2026.
Isto é,
XVI. No que se refere à Motivação, e conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo formou a sua convicção numa interpretação claramente errónea da sentença proferida em sede do processo anterior (2183/23.2T8OER).
XVII. Conforme resultará da análise dos concretos factos que julgamos incorreta e infundadamente provados, e que de seguida passaremos a analisar mais em detalhe, sempre se dirá que não se concorda com a apreciação realizada pelo Tribunal a quo.
XVIII. A fls. 12 da Motivação da decisão recorrida vem o tribunal a quo concluir:
XIX. Ora, com o devido respeito, não logrou o Recorrido provar:
iv) Que o contrato de arrendamento que une as partes cessou em 28 de Fevereiro de 2024,
v) Que deduziu oposição à renovação do contrato;
vi) Que na comunicação de dedução de tal oposição foi por mero lapso indicada com efeitos a 28 de Fevereiro de 2023;
XX. Não foi por mero lapso a aposição na comunicação a data de 23 de Fevereiro de 2023, pois na verdade o Recorrido tinha como a data de cessação do contrato que une as partes, data de 23/02/2023. Por isso, apresentou em juízo uma ação de despejo, na qual alegou que o contrato terminou a 23/02/2023, - cfr. doc. 3 junto com a contestação.
XXI. Isto quando é certo que ao longo de todo esse processo judicial já findo, o Recorrido não peticionou a correção da data, nem tampouco o fez em sede de audiência de partes. O que demonstra de forma bem clara a falsidade com que o Recorrido litigou nos presentes autos, mas que que o tribunal a quo “teima em não ver”
XXII. Conforme confessado pelo Recorrido, o contrato de arrendamento renovou-se por dois anos, sendo que teria o seu termo em 28/02/2024, caso tivesse existido dedução à oposição à renovação, o que não aconteceu, E que o tribunal a quo insiste em ignorar, atropelando as regras legais impostas para o efeito,
XXIII. Socorrendo-se de um raciocínio, no mínimo perigoso, de que quando o Recorrido apôs 2023, quer colocar 2024. Aceitar-se tal fundamento como válido é o mesmo que aceitar que sempre que um senhorio redija cartas com datas erradas, a outra parte deve assumir a data que seria correcta, sem mais, num total atropelo das regras legais impostas para o efeito.
XXIV. De certa forma, mais parece que o tribunal a quo está a tentar resolver um problema que o Recorrido não acautelou, ficcionando fundamentos que inexistem.
Ressalva-se ainda que,
XXV.O Recorrido promoveu a alegada dedução de oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, com efeitos a 28/02/2023. Ora, tratando-se de uma comunicação que indica uma data como a produção de efeitos, que não corresponde à verdade, a mesma tem-se como não realizada,
XXVI. E o contrato de arrendamento em 28/02/2024 renovou-se por mais dois anos, por falta de dedução de oposição à renovação.
Pois,
XXVII.A possibilidade de o senhorio impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário, com observância da antecedência mínima prevista o artigo 1097º do Código Civil constitui norma imperativa, nos termos do artigo art.º 1080º do referido diploma legal, visando estabelecer um prazo mínimo de protecção ao inquilino face à cessação do contrato.
XXVIII. Mais, a oposição à renovação é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue.
XXIX. Todavia, a vontade do senhorio e a sua manifestação formal devem ser certas, inequívocas e seguras, sobremaneira no que diz respeito ao momento visado para a produção de efeitos, a fim de que o inquilino fique vinculado ao efeito desejado e para que lhe seja exigível o seu acatamento, com a consequente entrega do locado, ver neste sentido o acórdão da Relação de Lisboa, Processo 7855/20.0T8LSR.L1-7, de 24/02/2022, com juiz relator Micaela Sousa,
XXX. Ora, tal declaração do senhorio, tem de ser efetuada por ele, e não por terceiros, não podendo a sentença proferida no processo indicado pelo Recorrido, valer como comunicação válida e com a produção de defeitos que o mesmo pretende fazer valer, devendo ser revogada a decisão recorrida nos exactos termos acima expostos e substituída por outra que declare totalmente improcedente o alegado pelo Recorrido e absolvendo os Recorrentes do pedido, o que se requer.
- DA CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE CUSTAS
XXXI. Foram os Recorrentes condenados no pagamento das custas, na proporção do seu decaimento.
XXXII. Ora, sendo revogada a decisão recorrida, nos moldes supra explanados, deverá ser, consequentemente, anulada a decisão em matéria de custas,
XXXIII. Absolvendo-se os Recorrente de tal pagamento, tudo nos termos e com as respetivas consequências legais.»
O apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
II – Questões a decidir:
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do Código de Processo Civil), são as seguintes as questões a tratar:
i. Nulidade da sentença por contradição, ambiguidade ou obscuridade;
ii. Nulidade da sentença por falta de fundamentação/omissão de pronúncia;
iii. Alteração da matéria de facto;
iv. Decisão sobre a caducidade do contrato e data em que operou;
v. Responsabilidade pelas custas.
i. Nulidade da sentença por contradição, ambiguidade ou obscuridade:
Sobre esta questão, dizem os recorrentes que: «(…) a sentença ora recorrida padece do vício de nulidade: - Por falta de fundamentação, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Salvo melhor opinião, os fundamentos aludidos na decisão recorrida, expendidos e invocados pela Mma. Juiz a quo, conduziriam, se tivesse sido realizado o devido e adequado juízo lógico-dedutivo, a um resultado oposto ao que foi expresso na decisão,
Uma vez que os mesmos apontam para decisão oposta à que foi prolatada.
Ademais, não há que confundir as questões colocadas pelas partes e os argumentos ou razões que estas esgrimem, com o teor decisório, seja este em que sentido for.
Por ausência total de fundamentação de facto ou de direito prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. A decisão ora recorrida omite por completo o facto essencial para o desfecho que atribuiu aos autos.
Dos factos provados não consta que se deu como provado que o Autor remeteu, em tempo, ou seja, com a antecedência prévia legalmente exigida e com data concreta, a exigida comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, como se impunha.»
De acordo com a al. c) do nº 1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando: Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
A apontada nulidade apenas ocorre, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa1, “quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.
Da própria fundamentação aventada pelos recorrentes decorre a inexistência da apontada nulidade.
Em ponto algum estes identificam um qualquer fundamento constante da sentença que esteja em contradição com outro ou com as conclusões tiradas.
O que alegam é quando muito conducente ao definido erro de julgamento, pois defendem precisamente que os factos apurados e a lei aplicável deveriam justificar uma solução diferente.
Mas tal não configura, como é jurisprudência pacífica, nulidade da sentença. Neste sentido se pronunciaram, de entre muitos outros, os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2025 (Processo nº 6130/22.0T8FNC.L1.S1), de 07-05-2024 (proc. 311/18.9T8PVZ.P1.S1), de 20-05-2021 (proc. 69/11.2TBPPS.C1.S1), desta Relação de 26-06-2025 (proc. 19177/22.8T8LSB.L1-2) e da Relação do Porto de 29-04-2025 (proc. 2707/24.8T8STS.P1).
ii. Nulidade da sentença por falta de fundamentação/falta de pronúncia:
Preceitua o art. 615º, nº 1, al. b) que é nula a sentença que Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
O apontado vício apenas ocorre quando seja completa a falta de fundamentação, e já não quando esta seja exígua ou deficiente, sendo certo que na apreciação das questões que são postas para decisão não tem de se esgotar todos os argumentos em sustentação do decidido ou apreciar toda a argumentação das partes, pois naquela decidem-se questões e não razões.
Trata-se um vício formal da sentença que determina a sua nulidade, apenas quando há falta absoluta de motivação, sendo insusceptível de ser integrado tal vício pela errada ou insuficiente fundamentação, que não afecta o valor legal da sentença2. O que o julgador deve é concretizar os factos provados em que se baseia a sentença e a razão ou as razões jurídicas que apoiam a solução por si adoptada.
Vendo o teor da sentença recorrida, temos que pelo mesmo se afirmam os factos considerados provados, as razões porque assim foram decididos e as normas legais aplicáveis, pelo que não se verifica a apontada nulidade.
Apesar de não autonomizar este fundamento, os recorrentes também afirmam que o tribunal a quo não se pronunciou «sobre questões/argumentos invocados pela Recorrente, como se demonstrará infra, quer quanto aos fundamentos, bem como quanto à indevida utilização, para prova, de documentos impugnados e sobre os quais não se julgou improcedente a referida impugnação.»
A al. d) do mesmo normativo determina que é também nula a sentença quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
O contrário do que propõem os recorrentes, o tribunal não tem que se pronunciar sobre os argumentos apresentados pelas partes.
O tribunal só tem que se pronunciar sobre as questões que a lei – o art. 608º do Código de Processo Civil – lhe impõe, e não sobre os argumentos que as partes suscitam.
A nulidade da sentença por falta de fundamentação ocorre quando a decisão judicial não se tenha pronunciado sobre questões efetivamente colocadas pelo sujeito processual (questões sobre as quais o tribunal tenha sido chamado a decidir), e não quando não se tenha pronunciado sobre todos os argumentos, razões ou motivos de que as partes se socorram para sustentar as suas posições processuais ou substantivas – vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2014 (Processo nº 555/2002.E2.S1).
iii. Alteração da matéria de facto;
A matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo foi a seguinte:
1. O Autor é desde 06/07/2022, o único dono e legitimo possuidor da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao r/c esquerdo do prédio urbano sito na Rua 1, freguesia de Algés, concelho de Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º .../........ e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Algés, Linda a Velha e Cruz Quebrada sob o artigo .... (doravante “Fração”).
2. Em 15/02/2003, DD, anterior proprietário da Fração identificada no ponto anterior, celebrou com o 1.º Réu, já casado com a 2.ª Ré, um acordo escrito intitulado “Contrato de Arrendamento de Duração Limitada” (doravante “Contrato”), o qual teve por objeto a utilização dessa Fração autónoma identificada no ponto anterior pelo 1.º Réu e o seu agregado familiar.
3. O referido acordo foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01/03/2003 e termo em 29/02/2008, sem qualquer estipulação relativa à sua renovação.
4. A renda fixada no Contrato foi de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros), tendo posteriormente passado a ser de 400,00€ (quatrocentos euros).
5. Por cartas registadas, datadas de 25/07/2022, e remetidas pelo Autor aos Réus em 28/07/2022 para a morada do imóvel em apreço, o Autor comunicou que se opunha à renovação do aludido acordo e que estes lhe deveriam entregar o imóvel objeto do acordo no dia 28/02/2023, livre e desocupado de pessoas e bens.
6. Os Réus, por carta de 08/08/2022, manifestaram a recusa em aceitar a oposição à renovação promovida pelo Autor bem como em libertar o locado a 28/02/2023, alegando que a comunicação do Autor não tinha sido remetida aos Réus com a antecedência mínima prevista na lei.
7. Subsequentemente, o Autor intentou uma ação de despejo contra os Réus (processo n.º 2183/23.2T8OER).
8. O processo de despejo n.º 2183/23.2T8OER, correu termos no Juízo Local Cível de Oeiras – J2 e por sentença de 14/02/2024, decidiu-se ser inválida a oposição à renovação feita pelo Autor por referência a 28/02/2023, indicando que a data de termo da renovação contratual ocorreria em 29/02/2024.
9. Os Réus procederam ao pagamento mensal de 400,00€ (quatrocentos euros), para a conta bancária com o ..., titulada por EE, relativos ao uso da Fração, respeitantes aos meses de março a junho de 2024, conforme vinham fazendo pelo menos desde janeiro de 2023.
10. O 1.º Réu nasceu no dia …/…/1946.
A este propósito, dizem os recorrentes:
«No entanto, e salvo melhor opinião, foram erradamente interpretados os factos dados como PROVADOS,
Uma vez que, analisados todos eles, em momento algum resultou provado que o Autor cumpriu as formalidades legais que se impunham para que operasse uma oposição à renovação do contrato de arrendamento,
Bastando-se com a menção: “8. O processo de despejo n.º 2183/23.2T8OER, correu termos no Juízo Local Cível de Oeiras – J2 e por sentença de 14/02/2024, decidiu-se ser inválida a oposição à renovação feita pelo Autor por referência a 28/02/2023, indicando que a data de termo da renovação contratual ocorreria em 29/02/2024.”
No entanto, salvo melhor opinião, tal menção em nada acrescenta ou resolve para o que importa dirimir nos autos – se operou ou não a oposição à renovação ou se o contrato se renovou até 28.02.2026.»
Afigura-se que os recorrentes confundem a impugnação da decisão sobre a matéria de facto com a discordância sobre as conclusões que o tribunal a quo sobre elas retirou.
E tanto assim é que não cumprem integralmente o ónus que o art. 640º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Os factos são acontecimentos ou situações concretas. A matéria de facto incluída na sentença “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”3, pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas. Embora o CPC vigente não contenha norma correspondente à do art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior Código de Processo Civil, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os factos que julga provados.
O tribunal de primeira instância nunca poderia considerar não provado (ou provado) um facto como pretendem os recorrentes «…que o Autor cumpriu as formalidades legais que se impunham para que operasse uma oposição à renovação do contrato de arrendamento».
Saber se a comunicação do autor cumpriu ou não as formalidades legais não é um facto, é precisamente a conclusão que o tribunal tem que tirar após a análise: primeiro, do teor e forma da comunicação; segundo, das formalidades previstas na lei.
A primeira questão é de facto; a segunda, de direito.
Em conclusão, a matéria de facto apenas tinha que considerar o teor e a forma da comunicação.
Assim, quando o tribunal a quo deu como provado que: «5) Por cartas registadas, datadas de 25/07/2022, e remetidas pelo Autor aos Réus em 28/07/2022 para a morada do imóvel em apreço, o Autor comunicou que se opunha à renovação do aludido acordo e que estes lhe deveriam entregar o imóvel objeto do acordo no dia 28/02/2023, livre e desocupado de pessoas e bens.
6) Os Réus, por carta de 08/08/2022, manifestaram a recusa em aceitar a oposição à renovação promovida pelo Autor bem como em libertar o locado a 28/02/2023, alegando que a comunicação do Autor não tinha sido remetida aos Réus com a antecedência mínima prevista na lei.
7) Subsequentemente, o Autor intentou uma ação de despejo contra os Réus (processo n.º 2183/23.2T8OER).
8) O processo de despejo n.º 2183/23.2T8OER, correu termos no Juízo Local Cível de Oeiras – J2 e por sentença de 14/02/2024, decidiu-se ser inválida a oposição à renovação feita pelo Autor por referência a 28/02/2023, indicando que a data de termo da renovação contratual ocorreria em 29/02/2024.», considerou precisamente o teor, datas e forma das comunicações que o autor dirigiu aos réus sobre este assunto.
Nada mais se lhe impunha.
O remanescente das considerações dos recorrentes prende-se apenas com a sua discordância sobre a interpretação que o tribunal fez daqueles factos, e sobre a aplicação das normas jurídicas aos mesmos, não com uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois os recorrentes não aventam sequer qualquer versão, ou facto (no sentido próprio, de acontecimento real) alternativo, que devesse ser dado como provado. Não dizem que a comunicação foi outra, com outro teor, com outra data. Dizem apenas que as comunicações foram mal interpretadas.
Por todo o exposto, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com o que se mantém inalterada a factualidade fixada em 1.ª instância, improcedendo a apelação nesta parte.
*
III – Fundamentação:
Factos provados
Os assim considerados pela 1ª instância, já acima reproduzidos.
Análise dos factos e aplicação da lei
Não suscita divergências a qualificação, levada a cabo pelo tribunal a quo, do contrato em causa nos autos, como sendo de arrendamento habitacional.
Resulta inequívoco dos factos provados que o referido contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01/03/2003 e termo em 29/02/2008, sem qualquer estipulação relativa à sua renovação.
À data da celebração do contrato (01/03/2003) estava ainda em vigor o RAU - Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2001, de 11/05).
De acordo com o art. 100º desse diploma, os contratos de duração limitada renovavam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estivesse especialmente previsto, quando não denunciados por qualquer das partes.
A denúncia era feita pelo senhorio mediante notificação judicial avulsa do inquilino, requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação.
O NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, manteve a possibilidade da celebração de contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, com a duração mínima de cinco anos (art.º 1095.º n.º 2 do Código Civil), automaticamente renovável pelo prazo supletivo de três anos (art.º 1096.º n.º 1), mediante declaração de oposição à renovação que, no caso do senhorio, deveria ter a antecedência mínima de um ano antes do termo do contrato ou da renovação (art.º 1097.º) – tudo à luz da versão inicial do NRAU.
O art. 26.º n.º 3 do NRAU estabelecia um regime específico para a caducidade dos contratos celebrados na vigência do RAU, que se manteve, embora com novos prazos, com a redacção que lhe conferiu a Lei n.º 31/2012, de 14.8 e a Lei 79/2014 de 19/12.
Todavia, tal quadro normativo foi significativamente alterado pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, publicadas em 12 de fevereiro de 2019 e entradas em vigor no dia seguinte.
No que ao caso interessa, a Lei n.º 13/2019, de 12/02 alterou diversas disposições sobre arrendamentos para habitação, nomeadamente os artigos 1095.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º, 1101.º, 1103.º e 1104.º do Código Civil, alterações essas que se aplicam não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, em consonância com o preceituado no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.
Não faz parte do objecto deste recurso, e está abrangido pela força de caso julgado, por via da sentença de 14/02/2024, proferida na acção despejo n.º 2183/23.2T8OER, correu termos no Juízo Local Cível de Oeiras – J2, a que se refere o ponto 8º da factualidade provada, que por via das sucessivas alterações legislativas e renovações automáticas, a data de termo da renovação contratual ocorreria em 29/02/2024.
O cerne da questão prende-se com a eficácia da comunicação, levada a cabo pelo recorrido, senhorio, opondo-se à renovação do mesmo.
Convoca-se da factualidade provada que:
5) Por cartas registadas, datadas de 25/07/2022, e remetidas pelo Autor aos Réus em 28/07/2022 para a morada do imóvel em apreço, o Autor comunicou que se opunha à renovação do aludido acordo e que estes lhe deveriam entregar o imóvel objeto do acordo no dia 28/02/2023, livre e desocupado de pessoas e bens.
6) Os Réus, por carta de 08/08/2022, manifestaram a recusa em aceitar a oposição à renovação promovida pelo Autor bem como em libertar o locado a 28/02/2023, alegando que a comunicação do Autor não tinha sido remetida aos Réus com a antecedência mínima prevista na lei.
7) Subsequentemente, o Autor intentou uma ação de despejo contra os Réus (processo n.º 2183/23.2T8OER).
8) O processo de despejo n.º 2183/23.2T8OER, correu termos no Juízo Local Cível de Oeiras – J2 e por sentença de 14/02/2024, decidiu-se ser inválida a oposição à renovação feita pelo Autor por referência a 28/02/2023, indicando que a data de termo da renovação contratual ocorreria em 29/02/2024.
9) Os Réus procederam ao pagamento mensal de 400,00€ (quatrocentos euros), para a conta bancária com o ..., titulada por EE, relativos ao uso da Fração, respeitantes aos meses de março a junho de 2024, conforme vinham fazendo pelo menos desde janeiro de 2023.
10) O 1.º Réu nasceu no dia …/…/1946.
Recordemos também que o pedido que o autor/recorrido fez consistia em que seja decretada a caducidade do contrato de arrendamento por oposição à renovação, com efeitos reportados a 28/02/2024.
Resulta assim inequívoco que a primeira comunicação do senhorio, dando conta da sua intenção de não renovação do contrato, foi levada a cabo no dia 25/07/2022, em plena vigência da Lei n.º 13/2019, de 12/02.
Os requisitos da comunicação da oposição à renovação do contrato, prevista no art. 1097º do Código Civil são os previstos no art. 9º do NRAU, quanto à forma, ou seja, carta registada com aviso de recepção.
Relativamente ao conteúdo, a lei (art. 1097º) apenas exige a comunicação clara da intenção de não renovação do contrato.
Exige, também, que a carta seja enviada com a antecedência mínima prevista naquele normativo.
Os art.s 236º e 238º do Código Civil estabelecem as balizas da interpretação das declarações negociais.
A primeira é a de que a declaração deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, na posição do real, assumiria.
No caso dos autos, a comunicação do senhorio, datada de 25/07/2022 e a que se refere o ponto 5) da factualidade provada é singela e dela se retira com clareza a oposição à renovação do contrato e a vontade que o locado seja entregue ao recorrido.
Sendo perceptível para qualquer declaratário normal, colocado na posição do arrendatário, a comunicação de que o senhorio pretende pôr fim ao contrato na data em que este se renovaria, desde que seja respeitado o período de pré-aviso legal, o eventual erro, engano ou controvérsia relativamente à data do termo do prazo em curso releva apenas para a concretização da produção de efeitos da cessação, pelo que a indicação incorrecta dessa data não é suficiente para afastar tais efeitos.
Considerando inclusivamente a sucessão de alterações legislativas a este propósito e a divergência, doutrinal e jurisprudencial que as mesmas suscitam4, nomeadamente os prazos aplicáveis e a sua natureza supletiva ou imperativa à luz da nova redacção dos artigos 1096º e 1097º do Código Civil, não se afigura curial exigir a um senhorio, que não tem que ser um técnico do direito, que navegue infalivelmente pelos diversos entendimentos e comunique, sem margem para erro, a data do termo do contrato.
No mesmo sentido, cremos que maioritário, se vem pronunciando a jurisprudência, como ocorre com os acórdãos5 desta Relação de 10-09-2020 (25874/18.5T8LSB.L1-2), outro, desta mesma secção, datado de 09-01-2025 (802/24.2YLPRT.L1-6), o datado de 08-02-2022 (966/21.7YLPRT.L1-7). Também do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/10/2023 (2280/22.1T8BCL.G1) e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2023 (3445/18.6T8VFR.P1. S1) e de 12/12/2024, tirado no processo nº 138/20.8T8MDL.G1.S1, este num caso muito semelhante ao dos autos, e cujos argumentos seguimos de perto.
Como se lê neste último, «Posto isto, concluímos, que traduzindo a oposição à renovação do contrato de arrendamento um direito potestativo que depende apenas da vontade do senhorio que emite a declaração, dispensado de fundamento e que visa operar para futuro, a declaração do senhorio eficaz a enviar ao arrendatário, deverá apenas respeitar o período legal de antecedência legal, ou aquele que as partes convencionaram.
Noutra perspectiva - a protecção do inquilino com vista a ter tempo de procurar outra casa e entregar o locado – não sai atingida, na circunstância de a data referida pelo senhorio na comunicação de oposição se situar para além do termo da renovação em curso, desde que respeitada a antecedência legal perante a data de extinção, considerando-se assim oportuna e eficaz.
Mais, a aceitação de rendas e a continuação da ocupação do locado pelo arrendatário, porque a lei não o prevê, não implica outras e novas renovações do contrato, pois a cessação por oposição resulta adquirida da declaração do propósito do senhorio nesse sentido.
A comunicação de oposição à renovação do contrato enviada aos Réus observou o prazo previsto no artigo 1097º, nº 1, al. b), do Código Civil (o contrato de arrendamento tem o prazo de 5 anos) -120 dias que antecedem a data de 31.12.2019, e respeitou ainda o prazo da primeira renovação (nº3 daquele normativo).
Parece assim que temos de concluir, que a Autora comunicou regularmente aos Réus que a compreenderam - a intenção de não renovar o contrato vigente, conquanto não coincidente/ errada a data indicada para a cessação - termo da renovação em curso que se completaria em data ulterior e, por conseguinte, apta ao efeito pretendido.».
Os recorrentes sustentam que não existiu uma comunicação válida, afirmando que a sentença não substitui a declaração de oposição à renovação por parte do senhorio.
Todavia, a comunicação, cuja validade formal não vem posta em causa, foi levada a cabo em 25/07/2022. Simplesmente se referia à data de 28/02/2023 quando a data afinal seria 29/02/2024.
Não há dúvidas, no entanto, que a vontade do senhorio em pôr fim ao contrato foi claramente comunicada e o foi com a antecedência necessária, aliás com antecedência muito maior que a necessária, pelo que os inquilinos em nada ficaram prejudicados pelo erro do senhorio.
A sentença mais não fez do que rectificar a data do termo do contrato, dando ainda mais segurança e tempo ao inquilino. A sentença corrigiu a comunicação do senhorio, não a substituiu, nem a invalidou.
E tanto assim é que a sentença de 14/02/2024 diz expressamente, na sua fundamentação: “a declaração de oposição à renovação deduzida pelo Autor não pode considerar-se eficaz para efeitos de fazer caducar o contrato de arrendamento na data pretendida (i.e., em 28/02/2023). Sem prejuízo do exposto, afigura-se que a oposição à renovação do contrato já é válida e eficaz se reportada ao termo da renovação contratual subsequente (i.e., se reportada ao dia 29/02/2024) (), o que tem como consequência que, à data da instauração da ação, o contrato de arrendamento de que são partes o Autor eol.0 Réu permanecia (e permanece) em vigor (…).”
Perante esta posição, é mais do que legítimo que o senhorio confie precisamente que « a oposição à renovação do contrato já é válida e eficaz se reportada ao termo da renovação contratual subsequente (i.e., se reportada ao dia 29/02/2024)»
Apesar de não fazer estritamente parte do caso julgado, por não constar da decisão, afigura-se que as partes têm o direito de ter confiança e de reger as suas opções pelas decisões judiciais anteriores que, entre elas, se debruçaram sobre uma determinada questão.
Ora, neste caso e perante esta sentença, o senhorio podia com razoabilidade ter a confiança de que seria legalmente admissível e válida a sua declaração reportada ao termo da renovação, enquanto que os inquilinos não podiam de forma alguma concluir da mesma que seria obrigatório que o senhorio levasse a cabo nova comunicação.
Acresce que atenta a data da sentença, já não seria tempestiva a comunicação, face à data de 29/02/2024, quinze dias depois da sentença.
Não existiu assim qualquer período razoável de tempo em que os inquilinos pudessem pensar que o senhorio teria mudado de ideias e poderia já não desejar pôr fim ao contrato, pois quando a data “correcta” de 29/02/2024 chegou, a sentença de 14/02/2024 ainda nem sequer tinha transitado em julgado.
Não houve, assim, qualquer comportamento do senhorio que contrariasse a anterior declaração.
Assim que o prazo se completou, diligenciou novamente pela cessação do contrato. Intentou esta acção em consonância com o anteriormente comunicado e decidido.
E como já referido, não é o facto de ter recebido rendas entretanto que contraria ou invalida a sua comunicação.
Até ao termo do contrato, as rendas são devidas. Após esse termo, enquanto os recorrentes ocuparem o locado, o mesmo montante é devido, embora agora a título de indemnização e já não de contrapartida pela cedência do gozo do imóvel, como aliás se ajuizou na sentença sob recurso.
Em conclusão, a comunicação ocorrida em 25/07/2022 foi válida, pelo que não ocorreu a renovação do contrato em 28/02/2024.
O que tudo leva à improcedência do recurso e consequentemente à confirmação da sentença recorrida.
A responsabilidade pelas custas cabe aos recorrentes, por terem ficado vencidos (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
IV – Dispositivo:
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Notifique.
*
Lisboa, 09 de outubro de 2025
Isabel Maria C. Teixeira
Eduardo Petersen Silva (vencido)
Jorge Almeida Esteves

Declaração de Voto Vencido
Voto vencido porquanto:
1 – Não subscrevo a jurisprudência citada no acórdão e na sentença, rejeitando o seu argumento basilar de que a complexidade da sucessão de regimes no arrendamento possa justificar a ignorância do senhorio quanto à data em que o contrato se renova;
2 – Apesar de assim resultar literalmente, por omissão, da letra da lei, não aceito que se defenda que o senhorio não precisa invocar a data para a qual quer operar, por oposição à renovação, a caducidade do contrato; Aliás, a determinação legal para observância dos prazos de pré-aviso necessários sugere precisamente o contrário.
3 – Tal entendimento viola os princípios basilares da declaração de vontade negocial – a expressão de uma vontade livre e esclarecida, que exige concretização dos seus contornos – ofendendo a liberdade volitiva do senhorio, do mesmo passo que exactamente viola o princípio da boa fé contratual, ao deixar o inquilino inseguro quanto à data em que a oposição à renovação do contrato vai operar.
4 – Não é possível, jurídica nem judicialmente, optar por uma interpretação que defende a desculpabilidade do erro do senhorio quanto à data em que a oposição à renovação vai operar, e ao mesmo tempo exige ao inquilino que conheça a mesma data.
5 – No caso dos autos, especificamente, não há qualquer caso julgado formado sobre a data em que a oposição à renovação do contrato poderia licitamente operar, porquanto tal questão não foi submetida ao tribunal na acção anterior - processo de despejo n.º 2183/23.2T8OER - e sobretudo porque o dispositivo da sentença recorrida em lugar algum refere que a oposição à renovação é valida para a data de 29/02/2024.
6 – Não é assim possível defender que o inquilino tinha a obrigação de saber que a oposição à renovação que o senhorio lhe havia comunicado para 28/02/2023 operava a 29/02/2024 e que consequentemente tinha o dever de voluntariamente entregar o locado nesta data.
7 – Mais, tendo a vontade de oposição à renovação, por parte do senhorio, sido canalizada e intensificada, portanto, pela via do recurso à primeira acção de despejo, só pode entender-se que a vontade que o senhorio expressou na carta que enviou ao inquilino se refere à data de 28/02/2023 e não a data posterior, não sendo correcto sincopar a declaração de vontade em dois segmentos, operando uma presunção de que qualquer senhorio quer sempre e em qualquer circunstância opor-se à renovação dos contratos de arrendamento.
8 – A declaração de vontade operada pela carta enviada foi julgada – aqui sim com trânsito em julgado – inválida. A posição maioritária ofende o caso julgado.
9 – Com tal julgamento, o contrato persistiu e ao senhorio foi devolvida a liberdade volitiva de voltar a opor-se para a data de 29/02/2024 ou de não se opor e permitir a renovação do contrato nessa data.
10 – Entender que, e é esta de resto a particular especificidade do caso concreto que repudia radicalmente a tese vencedora, o facto do senhorio não ter feito absolutamente mais nada depois de ter perdido a acção 2183/23.2T8OER, senão esperar pela data de 29/02/2024, é irrelevante, pois vale a anterior declaração, onera o inquilino com o dever de saber que a data de 29/02/2024 era a data correcta – sendo certo que o inquilino não tinha possibilidade de recorrer na referida acção, porque havia, em termos práticos, saído vencedor – violando o princípio da igualdade, não encontrando nenhuma justificação económica ou social que o legislador do arrendamento possa ter resolvido satisfazer.
11 – Mais do que isso, ao desequilibrar as posições das partes no contrato de arrendamento, viola o princípio da proporcionalidade.
12 – E, seguramente, viola de modo ostensivo o princípio da boa-fé contratual, o caso em que o senhorio que perdeu a acção pela qual procurava, com base na oposição à renovação do contrato, obter o despejo do inquilino para uma determinada data – conforme lhe havia comunicado – se limita a esperar pela data que seria, em mera tese, correcta, sem comunicar novamente ao inquilino a sua pretensão de que a oposição à renovação do contrato operasse nessa segunda data, constituindo aliás este descrito comportamento do senhorio, um caso de manifesto abuso do direito.
13 – A posição maioritária defendida no acórdão ofende os valores da segurança e da certeza jurídicas.
Lisboa, 09.10.2025
Eduardo Petersen Silva
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1. In Código de Processo Civil - 2ª ed. - Coimbra: Almedina, 2020, Vol. 1 p.763.
2. Cfr. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, - Coimbra: Almedina, 2001 vol. III, pág. 194 e Antunes Varela, José Miguel Bezerra, Sampaio E Nora, in “Manual de Processo Civil”, - Coimbra: Coimbra Editora, 2006 pág. 687.
3. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, Lex, 1997, p. 312.
4. Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/07/2025, no processo nº 1482/24.0YLPRT.L1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/1482%2F24.0YLPRT.L1.S1/16hmAKvrrJO-Wb1lkBLuGSSS_dQ?search=58e92ql9_Cmgx0CbeVM
5. Os arestos citados sem outra referência encontram-se em https://www.dgsi.pt/.