PEDIDO GENÉRICO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário

Sumário:
I – A formulação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente, assinalada no despacho de convite ao seu suprimento e no despacho recorrido, constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta dos arts. 556.º, n.º 1 a contrario, 577.º e 578.º do CPC, impondo-se a absolvição da Ré da instância quanto aos mesmos, por força dos arts. 278.º, n.º 1, al. e) e 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC

Texto Integral

Acordam as Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
AA e BB, intentaram acção de processo comum contra Prioridade Certa, Lda peticionando a condenação da R., Prioridade Certa, Lda, a pagar-lhes “a quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção
Subsidiariamente.
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente ser declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado identificado no articulado e a ré condenada a pagar quantia do imóvel na presente data ou aquela que se verificar dever ser o valor do imóvel na presente data a conhecer em liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou, actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.
Subsidiariamente.
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente ser a ré condenada a reparar o imóvel e a colocá-lo no estado de absoluta conformidade com o fim do contrato, em estado novo e ainda a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.”.
Para tal alegaram, em suma, que :
Em síntese, os AA. invocam que:
- A R., no exercício da sua actividade comercial, construiu e vendeu um bem imóvel;
- O imóvel quer no momento da transmissão da propriedade, quer no momento presente e naquele que decorreu entre ambos apresentou e apresenta defeitos de construção vários, uma vez que não surge apto ao fim habitacional a que se destina, antes apresenta vícios que excluem ou pelo menos reduzem com enorme grandeza o seu valor e o tornam inepto para o uso ordinário, previsto e decorrente do contrato.
- O A. verificou os defeitos, conforme peritagem mandada realizar, e que descreve nos artigos 24.º a 116.º da petição;
- Segundo o A. os vícios alegados são de natureza construtiva, uma vez que se encontram relacionadas com os projectos ou com a sua execução dos mesmos;
- São uma consequência directa ou indirecta das prescrições dos projectistas (arquitectos, engenheiros e outros técnicos) ou da errada ou má execução por parte dos empreiteiros das mesmas prescrições.
- E são defeitos que impedem o uso do imóvel para o fim previsto no contrato de compra e venda, reduzem o seu valor, apresentam perigo elevado e colocam em risco pessoas e bens.
- No hiato que decorreu da celebração do contrato até à presente data a sociedade R. foi continuamento tentando sem qualquer sucesso eliminar alguns dos defeitos referidos;
- A R., convidada várias vezes a reparar os danos e a cumprir a sua obrigação nada fez de útil e assertivo, mesmo quando foi notificada formalmente para o efeito;
- Os AA. solicitaram vários orçamentos a várias entidades para se apurar o valor do defeitos encontrados e elencados e, bem assim, para tomarem conhecimento das várias soluções correctivas e verificaram que precisam de gastar mais de € 100.000,00;
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Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho a convidar os AA. a suprirem as deficiências relativas aos pedidos formulados e à insuficiência da descrição da matéria de facto.
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No seguimento desse despacho pelos AA. foi junta petição inicial em que formularam o seguinte pedido:
“Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente a ré Prioridade Certa, Lda condenada a pagar aos autores a título de redução de preço e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais um valor nunca inferior a 100.000,00 Euros e ainda naquela quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção;”.
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A R. pronunciou-se, no sentido de os pedidos serem julgados inadmissíveis e, em consequência, pela sua absolvição da instância.
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Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
« Os AA. na resposta ao convite de aperfeiçoamento, reformularam o pedido inicial, deixando cair os pedidos subsidiários.
Ou seja, os AA. desistiram materialmente do pedido de resolução do contrato de compra e venda e pagamento do valor do imóvel atualizado, bem como do pedido da reparação respetiva em conformidade com o fim do contrato.
Em rigor, os AA. aditaram ao pedido originário de condenação no pagamento de “quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.”, dois outros pedidos de redução do preço e de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais em valor não inferior a € 100.000,00.
Ora, o aditamento pretendido pelos AA. extravasa o convite ao aperfeiçoamento formulado pelo tribunal, pelo que é inadmissível.
Não podem os AA. em resposta ao convite de aperfeiçoamento, cumular um pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que computam em valor global não inferior a €. 100.000,00 (inicialmente formulado a título subsidiário) com o originário (pagamento de “quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção”).
Por outro lado, sendo inadmissível a cumulação pretendida, o pedido mantem-se genérico, sem fundamento e sem base legal.
No caso dos autos, o pedido formulado corresponde, em sentido lato, a um pedido genérico.
A lei não nos diz o que é um pedido genérico. Limita-se a admitir a sua formulação nos casos taxativamente referidos no n.º 1 do artigo 556.º do Código do Processo Civil. Trata-se, todavia, de um conceito que não suscita quaisquer dúvidas, pois aqui genérico corresponde a ilíquido.
Ora, tendo presente os termos do pedido formulado pelos AA., é evidente que o mesmo nada tem de líquido, uma vez que nele não individualiza a quantia pretendida.
A petição obedece a uma determinada estrutura que tem de ser respeitada e o pedido constitui uma das partes dessa estrutura que não pode confundir-se com as demais. O pedido constitui uma parte da petição absolutamente distinta da sua parte narrativa e há-se ser formulado em separado e de forma inequívoca. E compreende-se que assim seja, uma vez que a exposição das razões de facto e de direito não podem ser confundidas com o pedido. Com efeito, nada obsta a que o autor na parte narrativa da petição afirme ter direito a determinada importância e depois acabe por formular um pedido de quantia inferior àquela. O Tribunal não pode integrar o pedido formulado na conclusão da petição inicial com o que havia sido alegado na parte narrativa da petição, mas isso implicaria que o juiz procedesse a uma interpretação da vontade do autor, o que a estrutura formal da petição não consente, uma vez que dessa interpretação poderia resultar um pedido diferente daquele que o autor realmente quis, o que constituiria uma violação do princípio dispositivo.
Assim sendo, no caso dos autos estamos perante a formulação de um pedido genérico sem que se verifique nenhuma das situações em que a formulação de tal espécie de pedido é legalmente admitida, o que constitui uma excepção dilatória atípica com a consequente absolvição da R. da instância.
Pelo exposto, julgo verificada a exceção dilatória atípica supra identificada e, em consequência:
a) absolvo a R. da instância,
b) condeno os AA. nas custas da ação.
Valor: € 100.000,00.
Registe e notifique.
Lisboa, 05.05.2025»
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Os AA., não se conformando com a decisão, interpuseram recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo convidou os autores a aperfeiçoar ou redigir de forma mais clara os pedidos constantes da petição inicial.
II. Todavia, importa referir que os pedidos originais não são substancialmente incompatíveis uma vez que apenas pode ocorrer cumulação de pedidos ou causas de pedir substancialmente incompatíveis e geradora de ineptidão da petição no caso de cumulação simultânea de pedidos ou causas de pedir e não no caso de cumulação subsidiária.
III. Na versão originária, os pedidos eram formulados subsidariamente e abarcavam diversas causas de indemnização decorrentes de defeitos na construção da moradia e da defesa dos direitos do consumidor, situação sempre possível face os direitos à reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato, amparados sobretudo pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, pela Lei n.º 24/96 e pelo Código Civil, sem hierarquização.
IV. Em resposta ao convite do tribunal, os autores reformularam o pedido, concentrando-o agora exclusivamente na “redução de preço e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais” (indicando um montante mínimo de 100.000,00  € acrescido de uma quantificação que seria apurada em fase de liquidação).
V. A nova redação não representa um aditamento que cumula novos fundamentos, mas sim uma redacção que, ao restringir e especificar a natureza dos danos já implícitas no pedido originário, preserva todo o sentido da pretensão inicial e a reduz de modo processualmente permitido.
VI. Pelo que os autores responderam correctamente ao convite do Tribunal e procederam a uma nova redacção permita da sua pretensão, que assim deverá ser aceite pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
VII. Acontece ainda que se a alteração do pedido não for aceita, o pedido original formulado na petição inicial deve subsistir e a ação deve continuar, uma vez que a petição não é inepta por falta de causa de pedir ou insuficiência da descrição da matéria de facto. O próprio tribunal a quo considera que a causa de pedir e o pedido estão minimamente identificados, apesar das deficiências; sendo que, como se alegou, os pedidos subsidiários não são incompatíveis entre si.
VIII. In casu, a formulação de um pedido genérico decorre da impossibilidade de quantificar na petição o montante exato dos danos que se alega ter havido e é plenamente admissível ao abrigo do ordenamento jurídico, nomeadamente do Artigo 569 do Código Civil e do Artigo 556.º do Código de Processo Civil.
IX. A norma substantiva reconhece que, para fins indemnizatórios, não é necessário indicar de imediato o quantitativo exato dos danos e permite que, durante o decorrer da ação, o valor seja revisto caso se revelem prejuízos superiores aos inicialmente previstos.
X. E, a norma adjectiva permite, de forma explícita, a formulação de pedidos genéricos nos casos em que o autor queira usar do direito previsto na norma substitutiva para a qual remete, nomeadamente quando não seja possível determinar de forma definitiva as consequências de um facto ilícito ou quando o levantamento do quantitativo dependa de atos que se praticarão posteriormente (como a realização de uma perícia).
XI. Assim, a redação dos autores – ao especificar “a título de redução de preço e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais” – não inova no mérito, mas simplesmente explicita a natureza dos danos que já estavam, de forma implícita, incluídos no pedido original e é perfeitamente permitida pelo direito substantivo e pelo direito adjectivo convocados; o pedido genérico formulado pelos autores (sendo que no mesmo se inclui ainda uma parte já liquidada) é permitida qualquer que seja a análise que se realize.
XII. Em suma, a nova redação do pedido não deve ser interpretada como um aditamento, mas sim como uma redução na sequência do aperfeiçoamento ordenado por despacho do Tribunal a quo.
XIII. A redacção adotada pelo autores está em sintonia com os princípios e dispositivos legais (Artigo 569 do CC e Artigo 556 do CPC) e encontra respaldo em precedentes relevantes dos tribunais portugueses, particularmente no que toca à admissibilidade da formulação de pedidos genéricos em situações de litígios complexos e de difícil quantificação imediata dos danos.
XIV. A julgar-se de outro modo foi realizada um errada interpretação das seguintes normas jurídicas: Artigo 569 do CC e Artigos 265 e 556 do CPC e nas demais normas jurídicas que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa com o seu douto suprimento queira indicar.
Termos em que, e nos demais de direito que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa com o seu douto suprimento queira indicar, deve o despacho de 5 de Maio de 2025 ser revogado e substituído por acórdão que ordene o prosseguimento dos autos para os demais termos do processo (…).
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A Recorrida contra alegou, apresentando a seguintes conclusões:
i. DAS DEFICIÊNCIAS DA PETIÇÃO INICIAL
I. Ao encontro do juízo global quanto ao facto de “Os pedidos deduzidos não primarem pela absoluta ou total clareza”, o Tribunal a quo esclareceu que “(…) relação ao pedido principal (…) o mesmo foi apresentado de forma genérica, sem a necessária concretização, em obediência ao comando legal acima citado .” e, o que se refere aos pedidos subsidiários, que “a quantia referida no primeiro não é indicada de forma clara e precisa e em relação ao segundo pedido subsidiário não é concretizado que reparação que os AA. pretendem.”,
II. para além do que “Os AA. (…) não justificam a relação de subsidiariedade entre os pedidos, ou seja, por que razão formulam aqueles pedidos pela ordem que o fazem e quais os critérios a obedecer na sua apreciação final.”.
III. Com efeito, da redação do petitório originário resulta expressa “a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, em consequência do que o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.” – vide Ac. do STJ de 29-06-2017.
IV. Com efeito, os RECORRENTES deduziram três pedidos subsidiários entre si, cuja ordem de precedência é (i.) pagamento de indemnização, (ii.) declaração de resolução e pagamento do valor do imóvel considerado à data da propositura da acção, e (iii.) reparação do imóvel e colocação no estado de absoluta conformidade com o fim do contrato, em estado novo, acrescido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais,
V. perfeitamente discrepantes com a causa de pedir (vide, v.g., arts. 131., 132., 201., 207. e 208. Da petição inicial).
VI. Para além disso, afirmam estarem em causa dois pedidos alternativos (redução / indemnização) e um subsidiário (resolução do contrato),
VII. alegando que a reparação pela RECORRIDA não era possível, por não ter esta capacidade – por si ou através e terceiros – para sanar as alegadas desconformidades.
VIII. Não há, pois, como descortinar a fundamentação fática constitutiva da causa de pedir do pedido, em concreto, do deduzido em terceiro lugar,
IX. sendo manifesta a incompatibilidade formal entre os pedidos e a causa de pedir, reveladora de absoluta falta de nexo lógico, negando-se mutuamente.
Acresce que,
X. os RECORRENTES, no segundo pedido subsidiário, reclamavam a condenação da RECORRIDA na “(…) quantia do imóvel na presente data ou aquela que se verificar dever ser o valor do imóvel na presente data a conhecer em liquidação ou em execução de sentença”, sem que fosse possível alcançar o sentido deste pedido (“quantia do imóvel”? calculada à data da propositura da acção ou à data da propositura da acção a liquidar em incidente de liquidação e em execução de sentença?).
XI. Tais circunstâncias sempre determinariam a ineptidão da petição inicial e absolvição da RECORRIDA da instância, não havendo como convidar os RECORRENTES a corrigi-la.
Por outro lado,
XII. os RECORRENTES peticionam, nos primeiro e terceiro pedidos, em regime de subsidiariedade, a condenação da RECORRIDA no pagamento da “quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, (…) e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os Acórdãos: do TRP de 23/02/2006, Deolinda Varão; do TRC de 18/10/2016, Manuel Capelo; e do TRL: de 02/11/2010, Dina Monteiro; de 24/01/2019, de 16/05/2019, e de 07/11/2019, todos de Manuel Rodrigues; de 06/02/2020, Carlos Castelo Branco; e de 22-06-2023 disponíveis em www.dgsi.pt índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção”, e na reparação do “imóvel e a colocação no estado de absoluta conformidade com o fim do contrato, em estado novo e ainda a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a ser calculada no competente incidente.”,
XIII. não indicando se seriam por conta de danos patrimoniais e/ou morais (no primeiro pedido), o valor (mesmo que indicativo) dos mesmos, e sequer discriminando os alegados defeitos que imporiam alegada reparação.
XIV. Deduziram pedidos genéricos, sem que se encontrassem reunidos os pressupostos respetivos: o objeto dos presentes autos não corresponde a uma universalidade de facto ou de direito – art. 206.º/1 e 2 do Cód. Civil, a contrario –; quanto às indemnizações reclamadas, a situação alegada estava determinada, de modo definitivo, tendo-se fixado no momento da propositura da ação os danos existentes até esse momento, e, quanto ao direito à reparação, a denúncia, em tempo, era pressuposto essencial e tinha “(…) de ser feita de forma inequívoca e concreta, tendo de se denunciar a factualidade concreta em que se consubstanciam os desvios à qualidade devida, pois são estes que integram os defeitos.”.
XV. A determinação do objeto do pedido (no sentido de quais os concretos defeitos a que consideram os RECORRENTES ter a RECORRIDA de reparar) era requisito inultrapassável e não se verificava.
XVI. Quanto à “faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil”, seria sempre necessária a indicação da importância aproximada, mesmo que indicativa, sem prejuízo, “(…) no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.”.
XVII. Donde não decorre que os RECORRENTES pudessem reclamar indemnização por conta de danos não peticionados – “(…) daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados” – exceto se reunidos os fundamentos para dedução de articulado superveniente.
XVIII. Em resumo: deveriam os RECORRENTES ter formulado um pedido líquido, quantificando cada uma das verbas, já que não se verifica qualquer das situações que permitem a formulação de pedido genérico, taxativamente elencadas no art. 556.º do C.P.C..
XIX. “(…) a consequência para a formulação de um pedido genérico, em infracção da previsão legal, é a absolvição da instância, por se tratar de um pressuposto processual inominado e ser da natureza destes implicar a absolvição da instância e impedir a apreciação do mérito da causa, nos termos dos artºs 288º, 493º nº2 e 494º nº1 CPCiv.”.
ii. DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
XX. O Tribunal recorrido entendeu que o articulado evidenciava “deficiências, já que os pedidos não obedeciam às normas legais (…), impunha-se que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele articulado”.
XXI. Invitados os RECORRENTES a concretizar o pedido principal e os pedidos subsidiários e, quanto ao último destes, substantificar o âmbito da reparação pretendida, de forma a suprir a declarada insuficiência da descrição da matéria de facto,
iii. DOS TERMOS DO APERFEIÇOAMENTO
XXII. os RECORRENTES fizeram-no «unicamente no que importa à formulação do pedido (…), nos seguintes termos:
“(…) a ré Prioridade Certa, Lda., condenada a pagar (…) a título de redução de preço e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais um valor nunca inferior a 100.000,00 Euros e ainda naquela quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequencia dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.”» – sublinhado nosso.
XXIII. Decidiram, pois, manter a assinalada insuficiência da descrição da matéria de facto.
XXIV. Acresce que, da alegada reformulação operada pelos RECORRENTES, resultou (a.) a desistência material dos originários 2.º e 3.º pedidos, i.e., (i.) do pedido de resolução do contrato de compra e venda e pagamento do valor do imóvel atualizado, bem como (ii.) da reparação respetiva em conformidade com o fim do contrato, e (b.) o inadmissível aditamento de dois novos pedidos,
XXV. para além da manutenção do pedido genérico legalmente inadmissível.
– DA DESISTÊNCIA DE PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS
XXVI. Na reformulação do pedido que levaram a efeito, o pedido (originariamente) principal foi mantido quase na íntegra (com exceção de “e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados”),
XXVII. tendo os RECORRENTES prescindido de qualquer referência aos pedidos subsidiários.
XXVIII. Em função da substituição do petitório que concretizaram, os RECORRENTES desistiram materialmente dos pedidos subsidiários, de forma válida e eficaz, subtraindo-os à apreciação do Tribunal a quo.
XXIX. Os próprios RECORRENTES concluem que restringiram a natureza dos danos e o sentido da pretensão de modo processualmente permitido – pontos V.e XII das Conclusões.
– DO ADITAMENTO DE NOVOS PEDIDOS
XXX. Por outro lado, o facto de terem formulado dois pedidos subsidiários face ao principal, vincula os RECORRENTES, que não podem pretender que o convite ao aperfeiçoamento abarque a faculdade de convolação de pedidos subsidiários em cumulativos.
XXXI. E, tendo por referência os pedidos subsidiários originários, não há como sustentar que a “redação dos Autores não inova no mérito”.
XXXII. No pedido substituto, apenas a última pretensão foi inicialmente reclamada quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequencia dos factos alegados na petição (…), acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.
XXXIII. No que se refere aos demais pedidos (subsidiários) originários, não há identidade com os pedidos (re)formulados [resolução do “contrato de compra e venda (…) e pagamento da quantia do imóvel na presente data ou reparação do “imóvel e à colocação no estado de absoluta conformidade com o fim do contrato, em estado novo e ainda a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais vs. redução de preço].
XXXIV. E, no que se refere ao aditado pedido de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, num valor nunca inferior a 100.000,00 Euros, só num hercúleo e inexigível esforço de interpretação poderia entender-se ser idêntico ao formulado originariamente em último lugar.
XXXV. De todo o modo, esse pedido subsidiário tinha por pressuposto a efetiva reparação do imóvel dos autos, pelo que os danos estariam circunscritos aos que subsistissem / não fossem suscetíveis de ressarcimento, apesar da reparação em que viesse a RECORRIDA condenada.
XXXVI. Caso assim não se entendesse, este pedido sempre se afiguraria meramente redundante – o que não é razoável inferir (art. 236.º e seguintes do Cód. Civil).
XXXVII. Fosse admissível convolar pedidos subsidiários em pedido cumulativos.
XXXVIII. “(…) não pode naturalmente pretender-se que o despacho de aperfeiçoamento (leia-se: “a faculdade conferida pelo despacho de aperfeiçoamento”) seja usado fora dos limites que a lei para ele traça, estando manifestamente fora do seu âmbito providenciar pela formulação de pedido que constitua uma pretensão diversa ou ampliada da deduzida pelo autor na petição inicial. O aperfeiçoamento permitido pelo art. 590º é, como vimos, panaceia para irregularidades de natureza formal que afetem os articulados ou para insuficiência ou falta de concretização na alegação dos factos, realidades absolutamente distintas de pretensões que as partes hajam formulado (…).”
XXXIX. O aditamento pretendido pelos RECORRENTES, extravasa o âmbito do aperfeiçoamento legalmente admitido, ao encontro do que decidiu, e bem, o Tribunal recorrido.
– DO PEDIDO GENÉRICO ILEGAL
XL. Perante a inadmissibilidade da cumulação pretendida, subsistiu apenas o pedido principal originário, em que é reclamada “uma quantia na sequência dos factos alegados na petição”,
XLI. sem que tenham procedido à respetiva liquidação como se lhe impunha
XLII. e muito menos esclarecido o título de imputação respetivo, redundando num petitório absolutamente indecifrável.
XLIII. Ao encontro do que – e bem – decidiu o Tribunal a quo “O tribunal não pode integrar o pedido formulado na conclusão da petição inicial com o que havia sido alegado na parte narrativa da petição (…), isso implicaria que o juiz procedesse a uma interpretação da vontade do autor (…), o que constituiria uma violação do princípio do dispositivo.”.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito – sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências –, deve o Recurso ser julgado improcedente, por não provado e em consequência, ser a sentença recorrido mantida nos seus precisos termos, com o que farão, Vossas Excelências, acostumada Justiça.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. Quaestio iudicio:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar:
-da verificação da excepção inominada de dedução de pedidos genéricos
III - Fundamentação
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os supra elencados e bem assim que
- pelo Tribunal a quo foi proferido a 20.11.2024 despacho de convite a aperfeiçoamento em que o Tribunal a quo afasta a ineptidão da petição inicial e considera que « (…) O pedido consiste na providência concreta ou efeito jurídico requerido ao Tribunal pelo A. - citado artigo 581.º, n.º 3. (…)
A indicação do pedido é ininteligível se a petição inicial não der a conhecer suficientemente qual o efeito que o A. pretende obter, qual a providência jurisdicional concreta que visa alcançar do Tribunal. (…) No caso dos autos, importará dizer que os pedidos deduzidos não primam pela absoluta ou total clareza, nomeadamente e em relação ao pedido principal, não se entende como o mesmo foi apresentado de forma genérica, sem a necessária concretização, em obediência ao comando legal acima citado. (…)
Em relação aos pedidos subsidiários, verifica-se que a quantia referida no primeiro não é indicada de forma clara e precisa e em relação ao segundo pedido subsidiário não é concretizado que reparação que os AA. pretendem.
Os AA. também não justificam a relação de subsidiariedade entre os pedidos, ou seja, porque razão formulam aqueles pedidos pela ordem que o fazem e quais os critérios a obedecer na sua apreciação final.
Assim sendo, importa concluir que não verifica a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e que a insuficiência da descrição da matéria de facto é suprível por via do aperfeiçoamento. (…)
Pelo exposto, convida-se os AA. a suprirem as deficiências supra referidas.»
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IV. O Direito
No presente recurso pretendem os apelantes que seja revogada a decisão que, conhecendo da excepção dilatória inominada de formulação de pedidos genéricos absolveu a apelada da instância e, consequentemente, que seja ordenado o prosseguimento da instância.
Da excepção dilatória inominada de formulação de pedidos genéricos
Os Autores intentaram a presente acção formulando os seguintes pedidos:
-condenação da R., Prioridade Certa, Lda, a pagar-lhes “a quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção
Subsidiariamente.
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente ser declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado identificado no articulado e a ré condenada a pagar quantia do imóvel na presente data ou aquela que se verificar dever ser o valor do imóvel na presente data a conhecer em liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou, actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.
Subsidiariamente.
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente ser a ré condenada a reparar o imóvel e a colocá-lo no estado de absoluta conformidade com o fim do contrato, em estado novo e ainda a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequência dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção.”.
Em suma, os Recorrentes deduziram três pedidos subsidiários entre si, com seguinte ordem de precedência é (i.) pagamento de indemnização (não indicando se seriam por conta de danos patrimoniais e/ou morais), (ii.) declaração de resolução e pagamento do valor do imóvel considerado à data da propositura da acção, e (iii.) reparação do imóvel e colocação no estado de absoluta conformidade com o fim do contrato, em estado novo, acrescido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, e sem nunca invocar qualquer valor, ainda que indicativo.
E, após a reformulação do pedido pelos RECORRENTES, foi apresentado o seguinte pedido:
“Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente a ré Prioridade Certa, Lda condenada a pagar aos autores a título de redução de preço e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais um valor nunca inferior a 100.000,00 Euros e ainda naquela quantia que vier a ser calculada no competente incidente de liquidação ou em execução de sentença, na sequencia dos factos alegados na presente petição e daqueles outros que venham a ser oportunamente aditados, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação ou actualizada de acordo com a taxa da inflação ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de propositura da acção;”.
Ou seja, com a apresentação da petição aperfeiçoada resultou
a. a desistência material dos originários 2.º e 3.º pedidos, isto é, (i.) do pedido de resolução do contrato de compra e venda e pagamento do valor do imóvel atualizado, bem como (ii.) da reparação respetiva em conformidade com o fim do contrato, e
b. o aditamento de novo pedido, a título de redução de preço e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais um valor nunca inferior a 100.000,00 Euros
c. para além da manutenção do pedido genérico
Ora, no despacho de convite ao aperfeiçoamento é afirmado, que foram deduzidos pedidos genéricos, numa situação em que a lei o não permite, visto que não se enquadra no disposto no artigo 556.º do CPC, razão pela qual ditou que « No caso dos autos, importará dizer que os pedidos deduzidos não primam pela absoluta ou total clareza, nomeadamente e em relação ao pedido principal, não se entende como o mesmo foi apresentado de forma genérica, sem a necessária concretização, em obediência ao comando legal acima citado. (…)
Em relação aos pedidos subsidiários, verifica-se que a quantia referida no primeiro não é indicada de forma clara e precisa e em relação ao segundo pedido subsidiário não é concretizado que reparação que os AA. pretendem.
Os AA. também não justificam a relação de subsidiariedade entre os pedidos, ou seja, porque razão formulam aqueles pedidos pela ordem que o fazem e quais os critérios a obedecer na sua apreciação final.».
Assim, todos os pedidos deveriam ser quantificados e concretizados pelos Autores no aperfeiçoamento da petição inicial, o que não se verificou.
Nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, compete ao autor formular o pedido, que deve, em princípio ser certo e determinado no seu quantitativo ou conteúdo, admitindo-se nas situações taxativamente elencadas no artigo 556.º do mesmo diploma legal a formulação de pedido genérico.
A noção de pedido encontra-se consagrada no art.º 581.º, n.º 3, do CPC e corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se, em concreto, na providência que aquele solicita ao Tribunal.
Constitui um elemento fundamental que emerge da circunstância de se ter colocado na disposição dos interessados o accionamento dos mecanismos jurisdicionais e a escolha das providências que os invocados direitos garantem.
Daí resulta, a necessidade de indicação precisa do pedido, tendo em vista que o Réu tenha conhecimento do pedido contra ele formulado e respectivo fundamento e, consequentemente, esteja em condições de se defender capazmente (cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 220).
Na apreciação do presente recurso releva essencialmente, a consideração do pedido no seu significado de pretensão processual, isto é, meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (neste sentido cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 245; Miguel Teixeira de Sousa no seu livro Introdução ao Processo Civil, pág. 23).
Como ensina Anselmo de Castro (ob. supra citada) mais importante que a qualificação jurídica, deve atender-se ao efeito prático que se pretende alcançar, o que releva para determinar o conteúdo da decisão final. A formulação do pedido – dentro do qual se vai desenvolver toda a lide e que circunscreve de forma impositiva o âmbito da decisão final – é uma necessidade que resulta da consagração do princípio do dispositivo.
O art.º 3.º do CPC concretiza um dos pressupostos de intervenção jurisdicional na resolução de litígios de direito provado, e que depois é desenvolvido ao longo do CPC culminando com os arts. 5.º e 609.º do CPC, atinentes aos limites da actividade jurisdicional no plano da sentença.
O princípio do dispositivo assume especial importância ao nível do direito que se pretende titular.
E o Tribunal é alheio a essa escolha/estratégia do autor, a qual depende única e exclusivamente da vontade do interessado, dentro dos diversos meios de actuação que o sistema pode legitimar.
Mas a lei não se basta com a formulação do pedido. A lei processual impõe que o pedido seja formulado de modo claro e inteligível e que seja preciso e determinado – art.º 186.º do CPC (neste sentido cfr Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. 1, pág. 107). E compreende-se que assim seja, por forma a assegurar à contraparte o exercício do direito de defesa na sua plenitude.
Assim e na senda do referido por Abrantes Geraldes (ob. citada, pág. 108), sem prejuízo de outras características, podemos afirmar genericamente que o pedido deve reunir os seguintes requisitos:
a) Ser expressamente referido na petição inicial (existência);
b) Ser apresentado de forma clara e inteligível (inteligibilidade);
c) Ter um conteúdo determinado e determinável em fase de liquidação ou execução de sentença (determinação);
d) Ser coerente relativamente à causa de pedir ou pedidos cumulados (compatibilidade)
e) Ser lícito, isto é, representar uma forma de tutela de direitos ou interesses protegidos e admitidos pela ordem jurídica (licitude);
f) Ser viável, correspondendo ao corolário lógico dos factos alegados e correspondentes normas jurídicas (viabilidade);
g) Representar uma forma de actuação do autor caracterizada pela boa fé e cumprimento de deveres de probidade (probidade);
h) Representar uma forma de tutela de um direito ou de um interesse juridicamente relevante (juridicidade) (cfr. Ac. TRL de 20.02.2025 in www.dgsi.pt) .
Dispõe o art.º 556.º n.º 1 al. b) e n.º 2 CPC que «É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes: (…) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil;».
Mais estatuindo o n.º 2 que «Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º, salvo, no caso da alínea a), quando o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 7 do artigo 716.º.».
Por sua vez, prevê o art.º 569.º CC que «Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.».
Considerando o caso concreto, vêm os AA. peticionar a condenação da R. no pagamento de uma indemnização em valor não inferior a 100.000,00 € a titulo de redução de preço e danos patrimoniais e não patrimoniais.
Ora, se é certo que podem os AA., como vimos, deduzir pedido genérico, nomeadamente por não conseguirem desde já precisar o valor dos danos a reparar pela R. , também é certo que não podem os AA. deduzir pedido vago e impreciso, sem que do mesmo se consiga descortinar sequer a quantificação da indemnização peticionada a titulo de danos patrimoniais, não patrimoniais e redução de preço, pois que não é legalmente admissível que a indemnização de todos esses danos seja pedida em conjunto, sem concretização do que é pedido e a que titulo, ainda que a liquidar em execução de sentença, pois que a liquidação em execução de sentença do valor a pagar pela R. não significa que os AA não especifiquem a origem do peticionado de forma clara e precisa.
Ao não o fazer os AA. impedem que o Tribunal e a parte contrária apreendam de forma clara e certa o alcance da pretensão, por forma a possibilitar verdadeiramente o exercício do contraditório, permitindo a definição dos contornos do direito no caso concreto e a prolação de uma decisão que seja definidora do conflito de interesses subjacente ao mesmo.
A decisão judicial a proferir não poderá, em caso algum, ser imprecisa ou indeterminada, antes sendo necessário saber com exactidão o que o tribunal decidiu, para que os autores e os réus, e qualquer pessoa, possam saber sem dúvidas o que foi decidido e o que deve ser cumprido pelos réus no futuro, não cabendo ao tribunal interpretar a vontade dos AA. mas sim determinar a final se a pretensão dos AA é procedente ou improcedente, em conformidade com o peticionado concretamente pelos AA, com indicação nomeadamente em que medida peticionam danos não patrimoniais, e qual o valor que peticionam a titulo de danos não patrimoniais, e não numa amalgama indefinida (não se confundindo esta exigência com a possibilidade de liquidação em execução de sentença, pois que tal liquidação se fará dentro dos pedidos individualizados e de acordo com a factualidade alegada e provada nos autos). Assim, deveriam os AA. no seguimento do despacho de aperfeiçoamento ter apresentado pedido de condenação da R. no pagamento de quantia a liquidar em execução de sentença, não inferior a X €, para indemnização de danos patrimoniais; e o montante de Y € para os ressarcir pelos danos não patrimoniais sofridos por causa dos defeitos da obra; valor, também a liquidar posteriormente, destinado à reparação dos defeitos que ainda se venham a manifestar na obra já realizada, porém não o fizeram.
Os pedidos em causa, da forma como se apresentam formulados, não permitem uma condenação precisa e determinada (não cabendo ao Tribunal escolher nomeadamente que montante da quantia peticionada de 100.000,00€ destinar a danos patrimoniais e que montante destinar a danos não patrimoniais, sem que o tenha sido devidamente solicitado pelos AA. ), nem mesmo são susceptíveis de ser concretizados por liquidação, nos termos em que o art.º 556.º do CPC permite a dedução de pedidos genéricos.
Destafeita, não se reconduz o pedido de condenação da Ré peticionado na petição inicial apresentada a nenhuma das hipóteses enunciadas no citado art. 556.º do CPC, e tendo sido concedida aos AA. a possibilidade de corrigir a petição inicial com vista ao suprimento da excepção dilatória inominada em apreço, conforme previsto nos arts. 6.º, n.º 2, 278.º, n.ºs 2 e 3 e 590.º, n.º 2, al. a) do CPC, os mesmos não o fizeram.
Pelo exposto, persistindo a formulação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente, assinalada no despacho de convite ao seu suprimento e no despacho recorrido, estamos perante uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta dos arts. 556.º, n.º 1 a contrario, 577.º e 578.º do CPC, impondo-se a absolvição da Ré da instância quanto aos mesmos, por força dos arts. 278.º, n.º 1, al. e) e 576.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal.
Com efeito, conforme refere Abrantes Geraldes [ Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2.ª edição, p. 642.], “[a] dedução de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada. Tratando-se de vício suscetível de sanação, o efeito de absolvição da instância (art. 278.º, n.º 1, al. e)) deve ficar reservado para os casos em que o autor não proceda à reformulação do pedido, na sequência de convite para tal (arts. 6.º, n.º 2, 278.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, al. a)).”, conforme sucedeu in casu, visto que a reformulação do pedido se reconduziu, conforme supra analisado, na apresentação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente (art.º 556.º CPC).
Atento o supra exposto, importa confirmar a decisão recorrida, improcedendo a apelação.
*
V. Decisão
Pelo exposto, as Juízes deste Colectivo da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 09.10. 2025
Elsa Melo
Cláudia Barata
Isabel Maria C. Teixeira