INVENTÁRIO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
Sumário

Sumário.
(Elaborado pelo relator)
I. O novo modelo do processo de inventário judicial, previsto no Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019 de 13/09, está configurado como uma verdadeira “ação”, comportando fases processuais relativamente estanques, subordinadas ao princípio de concentração dos meios de defesa, fixando para cada ato das partes um momento próprio para a sua realização, com cominações e preclusões processuais, inexistentes no regime anterior, reforçando a autorresponsabilidade das partes.
II. A reclamação à relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, mostrando-se inserido na marcha regular do processo, com regulamentação expressa e própria estabelecida no artigo 1105º do Código de Processo Civil.
III. A reclamação à relação de bens é o ato processual no qual o reclamante tem de concentrar os seus meios de defesa, nomeadamente acusando a falta de relacionação de bens e juntar os elementos de prova ou requerer a produção de diligências probatórias tendentes à prova do por si invocado; posteriormente só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição.
IV. O interessado direto num inventário que, notificado da relação de bens apresentada, onde se mostra relacionado determinado imóvel, opta por não apresentar reclamação contra a relação de bens, incumprindo o princípio da concentração da defesa no articulado próprio e permitindo a sedimentação da relação de bens, não pode, mais tarde, por efeito da preclusão de tal meio de defesa, instaurar ação autónoma, contra os mesmos sujeitos processuais, reivindicando o direito de propriedade sobre esse mesmo imóvel.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DA 6ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - Relatório.
1. AA instaurou contra as suas irmãs BB, CC e DD, todas na qualidade de herdeiras das heranças abertas por óbito de seus Pais, EE e FF, a presente ação de processo comum, na qual, reivindicando a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre “a Localização 1, parte integrante do prédio urbano sito em Calçada 2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número .... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Domingos de Benfica, concelho de Lisboa, sob o artigo n.º ...., peticiona o reconhecimento de que a autora é a legítima proprietária da Localização 1, parte integrante do referido prédio, nos termos e para os efeitos dos artigos 1287.º e 1288.º do Código Civil.
2. As rés contestaram a pretensão da autora, impugnando a aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio, invocando, em síntese e com relevo para a questão em apreciação nos autos, que o prédio identificado pela autora se encontra descrito na relação de bens apresentada na ação de inventário proposta em agosto de 2021 e que corre termos no Juiz 6 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com o nº 19247/21.0T8LSB (onde a autora é interessada e sobre o qual não apresentou reclamação), tendo em vista a partilha da herança dos seus pais, EE, falecido em 09 de abril de 1985, e FF, falecida em 01 de fevereiro de 2021.
3. O tribunal, tendo em consideração o teor das contestações e, em particular, o teor das alegações vertidas nos artigos 3.º a 6.º da contestação apresentada pela Ré CC veiculam, entendendo que, ainda que imperfeitamente, teria sido invocado o princípio da preclusão (cfr. artigo 573.º, aqui entendido por referência ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1104.º, ambos do Código de Processo Civil), que configura uma exceção dilatória inominada, convidou a autora a exercer o contraditório relativamente a tal exceção, ao mesmo tempo que convidou a ré CC a juntar aos autos certidão extraída do processo de inventário n.º 19247/21.0T8LSB, para comprovar que a autora não apresentou reclamação contra a relacionação do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial no processo de inventário.
4. A ré CC juntou a certidão do processo de inventário, onde se menciona que o prazo de 30 dias para apresentação da reclamação à relação de bens (pela ora autora) teve início em 01.09.2022 e terminou no dia 30.09.2022, tendo o tribunal, em despacho de 28/01/2025, considerado que certidão judicial junta pela Ré CC não comprova a não apresentação da reclamação contra o relacionamento do prédio, mas que, apesar disso, “posto que a Autora, no precedente requerimento, admitiu a inclusão do imóvel em causa nos autos na relação de bens apresentada no processo de inventário aí indicado e a falta de dedução de reclamação contra aquela, não cabe convidar a apresentar nova certidão ou proceder oficiosamente à sua obtenção”.
5. Foi realizada a audiência prévia as partes, tendo em vista a pronúncia das partes sobre a exceção dilatória inominada de violação do princípio da preclusão, em virtude de não ter sido deduzido, no processo de inventário, reclamação contra a relação de bens em que se suscitasse o reconhecimento da aquisição de parte de um imóvel que terá pertencido aos pais da Autora.
6. O tribunal proferiu despacho saneador, onde julgou verificada a exceção dilatória inominada da preclusão extraprocessual e, em consequência, absolveu as rés da instância, tendo fundamentado tal decisão nos seguintes termos:
«A Autora propôs acção declarativa de simples apreciação positiva, invocando, em resumo, o exercício de posse sobre a designada “Localização 1” (que é parte integrante do prédio urbano sito na Calçada 2, o qual está a ser partilhado no processo de inventário que, sob o n.º 19247/21.0T8LSB, corre os seus termos no Juízo Local Cível desta comarca) e a reunião dos requisitos de que depende o reconhecimento da aquisição originária da mesma. Peticiona, em conformidade, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a “Localização 1”.
Na respectiva contestação, a Ré GG invocou, em suma, que o imóvel foi inscrito na relação de bens apresentada no referido processo de inventário e que a Autora a tanto nada opôs.
Por se considerar que tais factos poderiam integrar a excepção dilatória inominada da preclusão extra-processual, a Autora foi convidada a responder, tendo, no requerimento apresentado sob a ref.ª 41414603 e em sede de audiência prévia, aduzido que não apresentara reclamação contra a relação de bens e que não estava adstrita a fazê-lo, podendo invocar o seu direito real em acção autónoma.
Os Réus, em sede de audiência prévia, pugnaram pela procedência da excepção dilatória em tela.
Expostos os termos da causa e as posições das partes, cumpre traçar o pertinente enquadramento jurídico.
O processo civil, enquanto sequência ordenada de actos, é, ademais, enformado pelo princípio da preclusão, mediante o qual se impõe às partes que o exercício de direitos processuais seja concretizado no modo e no tempo processualmente adequados.
Assente em exigências de lealdade e de celeridade processuais, este princípio «(…) traduz-se essencialmente na preclusão das deduções das partes (…)», encontrando acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado «(…) e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito (…) e das excepções, quanto à defesa (…)».
Interessa-nos, neste conspecto, a denominada preclusão extraprocessual, a qual postula que «(…) o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo. (…)», assim revelando uma manifestação sucessiva de uma mesma preclusão, pois «(…) primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo.
Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo. (…)».
Anote-se que a «(…) preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado. Sendo assim, pode concluir-se que a preclusão não necessita do caso julgado para produzir efeitos num outro processo. (…).».
Porém, não se pode deixar de observar que, tal como a preclusão associada ao caso julgado, a preclusão extraprocessual visa também preservar a segurança das decisões tomadas num outro processo, prosseguindo, paralelamente, o interesse da lealdade processual, pois não é cabível que alguém que tenha argumentos de facto e de direito que pode opor à pretensão contra si deduzida num processo e nele não os invoque contra o seu demandante, com vista a permitir a resolução definitiva do litígio.
A ocorrência de preclusão extraprocessual constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso cuja procedência determina a impossibilidade do conhecimento do mérito e a consequente absolvição da instância (alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º, n.os 1 e 2 do artigo 576.º, corpo do artigo 577.º e artigo 578.º, todos do Código de Processo Civil).
Retornando ao caso em apreço, é insofismável que o imóvel no qual se integrará a designada “Localização 1” faz parte de um acervo hereditário que está a ser partilhado no processo de inventário que, sob o n.º 19247/21.0T8LSB, corre os seus termos no Juízo Local Cível (Juiz 6) desta comarca e que a Autora, detendo a qualidade de interessada nessoutros autos, não apresentou qualquer reclamação contra a relacionação desse mesmo imóvel como bem dos seus pais, aí inventariados.
Como parece ser preclaro, a reclamação contra a relacionação desse concreto bem permitir-lhe-ia alcançar, além de vantagens intrinsecamente relacionadas com os termos em que a partilha será feita, a exclusão da designada “Localização 1” do âmbito dos bens a partilhar nesse processo, assim delimitando objectivamente o acervo hereditário em questão.
A respeito, precisamente, deste aspecto, deve-se assinalar que impende sobre os interessados no inventário o ónus de concentrarem, na dedução de oposição ao inventário (e, em particular, na reclamação contra a relação de bens em virtude de excesso, deficiência ou inexactidão), todos os meios de defesa que possam deduzir. Esse ónus constitui uma consequência da actual modelação desse processo especial e a sua inobservância «(…) leva à estabilização no processo dos elementos adquiridos na fase dos articulados, em consequência nomeadamente do alegado pelo cabeça de casal no que respeita à definição dos interessados (art. 1097.º, n.º 2, al. c)) e à composição do acervo patrimonial a partilhar (art. 1097.º, n.º 3, al.c)) (…)».
À luz do que acima expusemos e atenta a inerência existente entre a inobservância da conduta prescrita pelo ónus e a preclusão de um direito processual, a falta de dedução de reclamação contra a relacionação do dito imóvel no processo de inventário não pode, também nestoutra sede, deixar de ser tida em conta.
É que esse facto obsta a que, justamente por efeito da preclusão, a Autora «(…) venha ulteriormente em acção declarativa invocar a aquisição por usucapião desse mesmo imóvel que já se teria consumado à data da inventariação (…)»1. Como se assinala no texto desse aresto e com inequívoca similitude com a situação em apreço, «(…) a autora com a sua conduta no processo de inventário ao não deduzir reclamação invocando a usucapião viu precludido o seu direito, como resulta do disposto nos artigos 489º, nº 1 e 2 e 1348º, nº 1, ambos do CPC (…)».
Registe-se que, nos termos alegados nos artigos 12.º, 29.º e 55.º da petição inicial, o início do exercício da posse sobre a dita “Localização 1” remonta a 1971, pelo que, tendo o decesso da mãe das partes ocorrido a 1 de Fevereiro de 2021 e o processo de inventário sido instaurado pouco tempo depois (cfr. o que se alega no artigo 60.º do mesmo articulado), é preclaro que se verifica o circunstancialismo acima aludido.
E, em resposta à argumentação exposta pela Autora no articulado apresentado sob a ref.ª 41414603 e na audiência prévia, deve-se notar que não se trata de uma directa imposição extraível do disposto no artigo 1104.º do Código de Processo Civil mas antes de uma conclusão que tem em vista a finalidade do processo de inventário - fazer cessar a comunhão hereditária e efectivar a partilha dos bens dos inventariados (cfr. alínea a) do artigo 1082.º do mesmo diploma) - e se alcandora na consideração concreta dos interesses que subjazem ao princípio da preclusão que antes enunciámos - mormente a exigência de lealdade para com as Rés e a necessidade de concentrar num só processo a resolução de todas as questões atinentes à delimitação objectiva da herança de seus pais - e nos seus ditames.
Note-se, por sua vez, que a previsão da alínea a) do n.º 1 artigo 1092.º do Código de Processo Civil se reporta a causas prejudiciais à admissibilidade do inventário ou à definição dos direitos dos interessados, o que, considerando o contexto acima enunciado, em nada releva para a decisão.
Acresce, por seu turno, que nada impedia que a Autora invocasse, no referido processo de inventário, a aquisição originária da propriedade e a consequente exclusão da designada “Localização 1” do acervo hereditário a partilhar.
A eventual necessidade de observar as regras próprias dessoutro contexto processual não legitima que, em contravenção dos ditames do princípio da preclusão e em inobservância do referido ónus processual, a Autora possa exercitar o direito de acção que lhe assistirá na sede que mais lhe aprouver ou quando assim o entender. Deve-se, aliás, contrapor que a regra é a de que o juiz do processo de inventário deve dirimir todas as questões relacionadas com bens integrantes do acervo hereditário que sejam indispensáveis para alcançar o fim do processo, o que, naturalmente, sempre compreenderia os factos ora invocados a título de causa de pedir.
Ainda assim, sempre se obtemperaria que, caso entendesse que a complexidade das questões o justificasse, a Autora poderia, no próprio processo de inventário, requerer a remessa para os meios comuns (cfr. n.º 1 do artigo 1093.º ex vi n.º 3 do artigo 1104.º, ambos do Código de Processo Civil). Não foi, porém, esse o caminho trilhado pela Autora.
Refira-se, enfim, que a questão em apreço apenas se relaciona com o exercício do direito de acção no assinalado contexto fáctico-processual, irrelevando, pois, a consideração da natureza real do direito substantivo que lhe subjaz.
Na confluência de todas estas considerações, resta concluir pela verificação da excepção dilatória inominada a que vimos aludindo e, consequentemente, pela absolvição das Rés da instância, já que, como se antevê, a mesma é impossível de ser sanada.
Em face dos elementos dos autos e à luz das soluções de direito plausíveis, é impossível concluir no sentido de que a presente acção, caso prosseguisse os seus termos, teria um desfecho integralmente favorável às Rés, pelo que é inviável a aplicação “in casu”, do disposto no n.º 3 do artigo 278.º do Código de Processo Civil.»
7. A autora, não conformada com tal decisão, interpôs recurso da mesma, apresentando as respetivas alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
1. Veio a ora Recorrente requerer o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um imóvel que é parte integrante de prédio urbano que pertence à herança dos seus Pais, arguindo, para tal a aquisição através da usucapião, o que fez contra as suas três irmãs, aqui Recorridas e no decurso de um processo de inventário para partilha da mencionada herança.
2. Em sede de contestação, a Recorrida CC invocou que o imóvel em causa foi relacionado no mencionado processo de inventário, não tendo sido apresentada reclamação, pedindo a exclusão do bem em causa,
3. julgando, por isso, o Tribunal a quo procedente a excepção dilatória inominada da preclusão extraprocessual, absolvendo as ora Recorridas do pedido, por considerar que a Autora apenas poderia fazer valer o seu direito em sede de reclamação à relação de bens, situação que não se aceita.
4. A função do processo de inventário na sequência de óbito é a de fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha dos bens que integram a herança, sendo, atenta tal finalidade, um processo especial, de tramitação específica (por contraponto às acções comuns).
5. Entre outros aspectos, no âmbito do processo de inventário, é conferida a faculdade, aos herdeiros e quaisquer outros sujeitos processuais a quem a lei confere legitimidade, suscitar questões que possam influir no teor da Relação de Bens apresentada, alegando, por exemplo, a omissão ou integração de bens, ao contrário do que fora alegado pelo Cabeça-de-Casal, podendo tal questão ser decidida naquela sede.
6. Acontece, porém, que a própria tramitação do processo de inventário, mais concretamente a parte final do n.º 3 do artigo 1105.º, ao remeter expressamente para os artigos 1092.º e 1093.º , “abre a porta” a que, fora do processo de inventário, sejam também apreciadas questões que influem no próprio processo de inventário, nomeadamente questões relacionadas com a definição de direitos de interessados directos na partilha,
7. caso em que, pretendeu o legislador que o processo de inventário ficasse suspenso, para que fossem correctamente apreciadas quaisquer outras causas, nomeadamente as de especial complexidade, que possam influir no processo.
8. A situação dos presentes autos mais não é do que um processo que integra as situações que o legislador quis expressamente salvaguardar, já que o mesmo visa o reconhecimento, por usucapião, da aquisição da propriedade de um imóvel, por parte da ora Recorrente, também interessada no processo de inventário.
9. Assim, salvo melhor entendimento, ao Tribunal a quo apenas bastaria apreciar a situação de facto, devendo, apenas o juiz do inventário suspender o processo destinado a pôr termo à comunhão hereditária, tudo nos termos do artigo 1092.º e pelas razões invocadas no próprio preceito (conforme, aliás, a ora Recorrente assim requereu, não tendo ainda existido qualquer pronúncia no âmbito do processo 19247/21.0T8LSB).
10. Saliente-se que é o próprio legislador a admitir a existência de outros processos que podem, eles próprios, por força dos factos alegados e do objecto dos mesmos, ter repercussão no decurso do processo de inventário e, consequentemente, na partilha a realizar, o que faz ao longo de várias referências da tramitação processual, nomeadamente, (i) ao escolher a utilização do vocábulo “podem” no artigo 1104.º, não pretendendo, porém, criar qualquer obrigatoriedade de tal ter de ser feito apenas nestes autos, caso em que, seguramente, o termo da lei teria sido outro, tal como ocorre, por exemplo, no artigo 572.º, em que, em sede de regulamentação da contestação, opta pelo verbo “dever”; (ii) várias referências a causas pendentes, salientando, desta forma, que as questões com repercussão na partilha não carecem, obrigatoriamente, de ser conhecidas apenas e tão-só naqueles autos; (iii) ao referir expressamente que há questões cuja necessidade impõe que sejam apreciadas fora do processo de inventário, por se tratarem de especial complexidade.
11. No caso concreto, a ora Recorrente mais não fez do que optar, na pendência do processo de inventário dos seus Pais, por intentar uma acção destinada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre uma parte de um imóvel, ao invés de o fazer no âmbito do processo cuja finalidade, recorde-se, é pôr termo à comunhão hereditária.
12. E fê-lo para, entre outros aspectos, não estar sujeita às limitações dos próprios incidentes, cujas normas são aplicáveis às oposições, impugnações e reclamações da relação de bens, o que a mesma considerou insuficiente para apreciar a questão de facto, nomeadamente no que se refere às diligências e meios de prova admissíveis, mais ainda quando a jurisprudência já se pronunciou em sentido idêntico (em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo 202/06.6TBGDL.E1, datado de 02-02-2011, em que é Relator António Manuel Ribeiro Cardoso, disponível para consulta em www.dgsi.pt e onde expressamente se refere: “A questão da usucapião, ainda que como simples matéria de excepção, não deve ser decidida na oposição ao inventário, mas nos meios comuns e na acção própria, com as formalidades e solenidades inerentes (…)”).
13. Em suma, ao contrário do que é referido pelo Tribunal a quo, em momento algum precludiu o direito da ora Recorrente em ver apreciado e reconhecido este seu direito de propriedade, tendo, aliás, demonstrado a sua pretensão em exercê-lo no decurso do processo de inventário, onde não existe, ainda, qualquer decisão da determinação dos bens a partilhar (precludindo apenas, isso sim, o direito processual de não apresentar reclamação à Relação de Bens, no âmbito do processo de inventário, porque – repete- se – preferiu fazê-lo em acção autónoma, de acordo com as regras do processo comum, por considerar o melhor meio de garantir a boa e correcta apreciação da causa).
14. Face a todo o acima exposto, ao Tribunal a quo apenas cabia apreciar a presente acção, por ser o meio escolhido pela ora Recorrente para o efeito e por, à data que foi chamado a pronunciar-se, nada existir no processo de inventário que obstaculizasse ao conhecimento do objecto dos presentes autos (devendo o juiz daqueles autos, isso sim, prosseguir com o inventário, nomeadamente com a determinação dos bens a partilhar e respectiva partilha em conformidade com a decisão que aqui viesse a ser proferida, tudo nos termos legalmente previstos para o que a lei designa como “meios comuns”).
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença proferida pelo do Tribunal “a quo”, substituindo-a por outra que que determine o conhecimento e apreciação da matéria objeto dos autos pelo tribunal a quo.
10. As recorridas contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. As Conclusões da Recorrente fazem tábua rasa das normas que regulam o processo de inventário, bem como ignoram o princípio da economia e celeridade processual, subjacente a todo o sistema jurídico, além de constituir violação do princípio da preclusão.
2. O art. 1092.º do CPC não “abre a porta” à propositura superveniente de acções que interfiram com a partilha: resulta da alínea b) do artigo em crise que, havendo questões que possam interferir com a definição de direitos de interessados directos na partilha, as mesmas devem ser suscitadas no próprio processo de inventário, cabendo ao juiz – e não às partes – decidir se a questão deve ser remetida para os meios comuns.
3. A Recorrente não suscitou qualquer questão prejudicial no inventário, não tendo, sequer, reclamado da relação de bens, na qual foi incluída a totalidade do prédio urbano sito na Calçada 2.
4. Não procede a Conclusão da Recorrente no sentido de que podia propor a presente acção – não obstante não ter reclamado da relação de bens – porquanto entendeu que não poderia discutir a questão em causa no âmbito de um incidente: não resulta da lei que a questão seria resolvida incidentalmente! Teria de ser suscitada no processo de inventário, para que o juiz desse processo decidisse, se fosse o caso, remeter as partes para os meios comuns.
5. A conduta da Recorrente representa, ao propor a presente acção sem ter invocado nos autos de inventário o seu alegado direito de usucapião sobre parte do imóvel, uma violação dos princípios da segurança jurídica, da economia e celeridade processual, da lealdade e da preclusão processual.
6. Pretendendo a Recorrente impugnar o direito à titularidade do imóvel incluído na relação de bens, por entender que tinha um direito conflituante com o mesmo, tinha o ónus de fazer tal impugnação – ou defesa – no âmbito do processo respectivo, isto é, o processo de inventário.
7. A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo.” – MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Preclusão e Caso Julgado, Maio de 2016.
8. Impende sobre os interessados no inventário o ónus de concentrarem, na dedução de oposição ao inventário (e, em particular, na reclamação contra a relação de bens em virtude de excesso, deficiência ou inexactidão), todos os meios de defesa que possam deduzir. Esse ónus constitui uma consequência da actual modelação desse processo especial e a sua inobservância «(…) leva à estabilização no processo dos elementos adquiridos na fase dos articulados, em consequência nomeadamente do alegado pelo cabeça de casal no que respeita à definição dos interessados (art. 1097.º, n.º 2, al. c)) e à composição do acervo patrimonial a partilhar (art. 1097.º, n.º 3, al.c)) (…)».
9. Está precludido o direito da Recorrente a invocar a usucapião de parte do imóvel inventariado nos autos respectivos, e nos quais aquela não suscitou a questão relativa ao direito que agora invoca, preclusão que é extraprocessual, produzindo efeitos nestes autos.
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II - Fundamentação.
O objeto do recurso, nos termos previstos nos artigos 635º/4, 637º/2, 639º, 640º, 641º/1-b), 652º/1-a) e 663º/2 e 608º/2 do Código de Processo Civil, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s), não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas2.
Assim, analisadas as conclusões das alegações da apelação, tendo subjacente a realidade factual descrita no relatório que antecede e estando em causa uma questão de direito, cumpre apreciar e decidir se a não apresentação de reclamação à relação de bens no processo de inventário, para suscitar a exclusão da relação de bens de um prédio cujo direito de propriedade teria sido alegadamente adquirido por usucapião pela ora autora, determina a preclusão do direito de instauração de ação autónoma tendo em vista a reivindicação de tal direito de propriedade, por usucapião.
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A questão em análise determina, por um lado, a análise do regime jurídico do processo de inventário e, por outro lado, os princípios processuais civis, nomeadamente os princípios da cooperação, lealdade, boa fé processual, celeridade, da concentração da defesa e da preclusão.
O processo de inventário, subjacente à procedente exceção dilatória inominada de preclusão do direito de ação, em consonância com as funções previstas no artigo 1082º do Código de Processo Civil, visa «fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens» da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais da autora e das rés.
Tendo em vista esta finalidade, requerido o inventário por um dos interessados, identificado o autor da herança (o lugar do seu último domicílio e a data e o lugar em que haja falecido), os interessados diretos na partilha (e os respetivos cônjuges e o regime de bens do casamento, os legatários e ainda, havendo herdeiros legitimários, os donatários) e identificado e nomeado o cabeça de casal, deve o cabeça de casal apresentar a relação de bens da herança, aí se incluindo a relação dos créditos e das dívidas da herança (cfr. artigos 1097º, 1098º e 1099º do Código de Processo Civil).
Apresentada a relação de bens, dela devem ser citados/notificados os interessados diretos na partilha (cfr. artigo 1100º/2-a)), o quais passam a dispor, a contar de tal notificação/citação, do prazo de 30 dias para: a) Deduzir oposição ao inventário; b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; d) Apresentar reclamação à relação de bens; e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança (cfr. artigo 1104).
A lei diz, a este respeito, que os interessados diretos na partilha «podem» deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados, a competência do cabeça de casal e as indicações das suas declarações e os créditos e dívidas da herança e apresentar reclamação à relação de bens.
Tendo em consideração o teor da impugnação efetuada pela autora, deve dizer-se que expressão «podem» é utilizada pelo legislador nos mesmos termos em que o faz em outras disposições idênticas para efeitos de contraditório, nomeadamente nos artigos 569º/1 («O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação») e 728º/1 («O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação»), querendo com tal significar que se trata de um faculdade (um ónus), a coberto pelo princípio do dispositivo, que a parte pode exercer ou não exercer, sendo que o seu não exercício se encontra, em regra, associado a cominações (cfr., entre outros, os artigos 567º/1, 574º e 732º/3) e preclusões processuais (cfr. artigos 573º).
O não exercício da faculdade de deduzir oposição, impugnar ou reclamar não lhe confere a faculdade de, mais tarde, poder fazer valer os direitos que podia e devia ter feito valer no inventário, de forma autónoma, numa outra ação.
Na verdade, o processo de inventário, desde a alteração legislativa de 2019 (Lei n.º 117/2019, de 13/9), nas situações em que corre termos nos tribunais judiciais, voltou a ser um processo (também) da competência dos tribunais judiciais, com natureza jurisdicional, com regras e prazos especiais para todos os interessados diretos no processo, que se rege pelas normas que lhe são próprias e apenas subsidiariamente, nos termos do artigo 549º/1, pelas disposições gerais e comum e pelas disposições do processo comum. Não se trata de um processo de jurisdição voluntária, mas sim um processo (especial) de jurisdição contenciosa, que tem em vista a resolução de litígios e conflitos de interesses, nos termos especialmente regulados3.
Dispondo os interessados diretos do prazo de 30 dias para deduzir oposição, impugnar ou reclamar, os contrainteressados dispõem, também, do prazo de 30 dias para responder a tal oposição.
Neste sentido, dispõe o artigo 1105º/1 que: «se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada».
Os meios de prova, quer da oposição, impugnação ou reclamação, quer das respostas, nos termos do artigo 1105º/2, são indicados com os requerimentos e respostas.
Exercidos os direitos dos interessados diretos, com os requerimentos e as respostas e os respetivos meios de prova, nos termos do n.º 3 do artigo 1105º, efetuam-se «as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz», após o que o juiz decide as questões suscitadas, tudo isto sem prejuízo de, nos termos dos artigos 1092º e 1093º, poder suspender a instância e poder remeter os interessados para os meios comuns.
Não está em causa uma tramitação incidental no âmbito de um processo especial (cfr. artigo 1091º), mas, ao invés, a normal tramitação do processo de inventário (regulada em processo especial), cuja «fase inicial» tem em vista a identificação dos inventariados, dos interessados diretos na partilha e dos bens a partilhar, tudo nos termos legalmente previstos nos artigos 1097º a 1109º do Código de Processo Civil, não havendo, por princípio, recurso às regras dos incidentes da instância, mas sim as regras especialmente previstas para o processo de inventário4.
Tratando-se da normal tramitação do processo de inventário, o ónus de reclamar, com concentração dos meios de defesa em tal articulado, levaria a que a decisão final que viesse a recair sobre tais questões ficasse a coberto do caso julgado material, não sendo invocável o limite incidental previsto no artigo 91º/2 do Código de Processo Civil.
Por outro lado, a faculdade prevista no artigo 1104º/1 (de deduzir oposição, impugnar ou apresentar reclamação), ao invés do alegado pela recorrente, não está configurada como um poder da ora recorrente (que lhe faculte, em alternativa, a discussão nos meios comuns), mas antes como ónus, isto é, um meio de oposição facultativo que se converte num ónus quando do seu não exercício possa resultar a preclusão de direitos que podia e devia ter invocado (cfr. artigos 1104º a 1106º, 549º/1, 573º e 574º do Código de Processo Civil)5.
Na medida em que o não exercício de tal faculdade determina a manutenção do bem na relação de bens e a sua ulterior partilha no inventário (partilha que consubstancia uma aquisição derivada translativa do direito de propriedade), tal omissão, traduzindo uma violação dos princípios da cooperação processual, da lealdade e boa fé processual, da concentração da defesa e do ónus de impugnação (cfr. artigos 7º/1, 8º, 1104º a 1106º, 549º/1, 573º e 574º do Código de Processo Civil), impede-o de suscitar a questão, que devia ter sido suscitada no inventário, em ação autónoma.
A ora recorrente ao não invocar a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre um bem relacionado dentro processo (aquisição por usucapião que, nos termos alegados, já se havia verificado aquando a instauração do inventário, no ano de 2021), podendo tê-lo feito no prazo de 30 dias concedido e que decorreu entre o dia 1 e o 30 de setembro de 2022, permitindo o prosseguimento do processo tendo em vista a partilha (também) desse bem, viu precludida a possibilidade de o fazer valer em ação autónoma, nomeadamente através da presente ação, instaurada em junho de 2023 (ou seja, cerca de 9 meses depois de precludido o direito de o fazer no inventário), invocando a mesma causa de aquisição do direito de propriedade (com prazo de aquisição alegadamente já decorrido na data da instauração do inventário), nos termos em que o podia ter feito até ao termo daquele prazo.
E não se argumente, como nas conclusões do recurso, que a questão é complexa ou que poderiam ficar comprometidas as garantias de defesa e que a mesma tinha que ser decidida nos meios comuns, pois a lei não confere aos possíveis reclamantes tal faculdade, antes lhes impõe o ónus (com cominações e preclusões) de apresentar a reclamação, recaindo sobre o juiz do inventário o poder-dever de decidir a questão suscitada no inventário ou, ao invés, em face dos requerimentos e das respostas e dos respetivos meios de prova, suspender a instância e, inclusive, remeter os interessados para os meios comuns.
Neste sentido, dispõe o artigo 1092º: «1 - Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância: a) Se estiver pendente uma causa em que se aprecie uma questão com relevância para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha; b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas; c) Se houver um interessado nascituro, a partir do conhecimento do facto nos autos e até ao nascimento do interessado, exceto quanto aos atos que não colidam com os interesses do nascituro. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens. 3 - O tribunal pode, a requerimento de qualquer interessado direto, autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração em conformidade com o que vier a ser decidido: a) Quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória; b) Quando se afigure reduzida a viabilidade da causa prejudicial; c) Quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial. 4 - À partilha, realizada nos termos do número anterior, são aplicáveis as regras previstas no artigo 1124.º relativamente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem».
Dispondo o artigo 1103º, que prevê «outras questões prejudiciais» que: «1 - Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns. 2 - A suspensão da instância no caso previsto no número anterior só ocorre se, a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha».
Nos termos previstos no artigo 1105º/5, «se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens».
Daqui resulta que, notificados os interessados diretos na partilha do teor da relação de bens, a lei faculta-lhes o poder de apresentarem reclamação à relação de bens e, tendo em consideração a questão em análise nos autos, que notificada a autora do teor da relação de bens apresentada pela cabeça de casal, onde consta o prédio (e a casa) de que a mesma se reivindica proprietária nos presentes autos, arrogando-se mesma proprietária de tal prédio e pretendendo fazer valer os seus direitos, tinha o dever de, nos autos de inventário, apresentar a reclamação à relação de bens, para o que dispunha do prazo de 30 dias (prazo normal para apresentação de uma contestação num processo comum), instruindo-a com os respetivos meios de prova, pretensão que, depois de sujeita a contraditório, teria que ser apreciada pelo juiz do processo, ainda que com possível decisão de suspensão do inventário quanto a tal questão e de remessa dos interessados os meios comuns.
O que a autora não tinha era o direito de optar por não reclamar e, mais tarde (meses mais tarde, mas poderíamos estar a falar de anos mais tarde e de quantos anos mais tarde), instaurar uma ação comum, para reivindicação do seu direito de propriedade, porquanto, encontrando-se no inventário todos os interessados com legitimidade na relação material controvertida, à falta de reclamação estão associadas cominações e preclusões com relevância processual e extraprocessual.
A este respeito, ensina Carlos Lopes do Rego (in A recapitulação do inventário, Revista Julgar online, dezembro de 2019) que «Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta: I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão) – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo. (…) Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição. Assim, do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 574.º CPC) . Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal. Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC. Por outro lado, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão. (…) Em regra, todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar – tal como a definição do modo como deve ser organizada, no plano jurídico, a partilha, fixando as quotas ideais de cada um dos interessados – devem mostrar-se solucionadas na fase de saneamento do processo (precedida, quando necessário, da realização da audiência/conferência prévia prevista no art. 1109.º CPC) e não no decurso da própria conferência de interessados, nos termos do art. 1353.º, n.º 4, al. b) do anterior CPC ou (no caso do despacho determinativo da partilha) anteriormente à elaboração do mapa da partilha, como decorria dos termos do art. 1373.º do anterior CPC. Em suma: com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último»6.
Deste sentido decidiu, também, o AcRL de 24-10-2024 (rel. Des. Elsa Melo): «I - Com a entrada em vigor da Lei no 117/2019 de 13 de setembro, o processo de inventário passou a situar-se sistematicamente no âmbito do CPC, pelo que a este processo especial serão plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias. II - Com este novo modelo, o processo de inventário apresenta-se como uma verdadeira ação, e a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.(…)».
Daqui decorre que, tendo a autora visto precludido o direito de reclamar contra a relação de bens, onde figura o prédio que aqui reivindica (com fundamento na usucapião, que à data, nos termos alegados, já se verificava), aquele ato processual adquiriu estabilidade no âmbito do processo de inventário, levando à conclusão de que tal prédio integra a herança cuja partilha se pretende, de acordo com a função do inventário prevista no artigo 1082º/1-a) do Código de Processo Civil.
Tal preclusão intraprocessual, ainda que não esteja a coberto do caso julgado material, mas também independentemente do caso julgado que aí venha a ser formado, determina uma preclusão extraprocessual, impedindo a autora de fazer valer um direito de reivindicação sobre um prédio integrante da relação de bens, quando em inventário, podendo e devendo tê-lo feito, não o fez.
Na verdade, estando o processo de inventário configurado como um processo especial regulado pelo Código de Processo Civil, dispondo os interessados do prazo de 30 dias para deduzir oposição, impugnar ou reclamar, sendo tal prazo um prazo perentório preclusivo, a não dedução dos meios de defesa que eram possíveis deduzir no quadro das funções do inventário, nomeadamente a pretensão de exclusão de um determinado bem da relação de bens, por tal bem não ser um bem da herança e antes um bem pertencente ao reclamante, que adquiriu por usucapião, determina uma preclusão intraprocessual, que veda ao interessado omisso a possibilidade de mais tarde deduzir tais meios de defesa, mas que também se transforma numa preclusão extraprocessual, impedindo-o de reivindicar direitos em ação autónoma sobre um bem relacionado no inventário.
Neste sentido, como se refere na decisão recorrida e seguindo-se os ensinamentos do Professor Miguel Teixeira de Sousa, no escrito referenciado e publicado, o efeito preclusivo derivado da não concentração de todos os meios de defesa no articulado de oposição (contestação) é independente da existência da exceção de caso julgado ou mesmo da exceção de litispendência, estando ao invés configurado com um ónus imposto, como regra, para o réu de alegação e de concentração de todos os meios de defesa na contestação [ou, dizemos nós, no articulado legalmente previsto para o efeito, oposição, impugnação ou reclamação], significando que sempre que seja imposto um ónus de concentração se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração.
Na vertente intraprocessual, a preclusão obsta que, num processo pendente, um ato possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz. No entanto, a preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo. Primeiro, verifica-se a preclusão da prática do ato num processo pendente; depois, exatamente porque a prática do ato está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do ato num outro processo. Em suma, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o ato num outro processo.
Seguindo o mesmo autor, a preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado, não necessitando do caso julgado para produzir efeitos num outro processo. Por outro lado, o caso julgado, em si mesmo, não produz nenhum efeito preclusivo da invocação de um facto num outro processo: essa preclusão é anterior ao transito em julgado da decisão final proferida na ação e pode operar mesmo antes deste transito em julgado. A preclusão emancipou-se do caso julgado e estabeleceu-se como um efeito processual autónomo e próprio: podendo dizer-se que toda a preclusão é alheia ao caso julgado. A preclusão da alegacão de factos não invocados num processo não é efeito de mais nada do que da própria omissão dessa alegação.
Sustentando o nosso entendimento relativamente ao ónus de concentração da defesa no processo de inventário e aos efeitos preclusivos, vide o AcRP 10-02-2025 (rel. Des. Eugénia Cunha) e AcRE de 11-05-2023 (rel. Des. Maria Adelaide Domingues); e relativamente ao efeito preclusivo extraprocessual, não se ignorando a existência de jurisprudência em sentido diverso7, vide o citado AcSTJ de 24-04-2013 (rel. Cons. Sérgio Poças), o qual, proferido no domínio de legislação anterior, ainda assim sem os efeitos preclusivos tão evidentes como os da legislação em vigor e com prazos para exercício dos direitos bastantes mais reduzidos (10 dias), decidiu que «por efeito da preclusão dos meios de defesa, a relacionação de um prédio em inventário como integrante da herança sem que seja deduzida reclamação contra essa relacionação, obsta a que um interessado nesse inventário venha ulteriormente em acção declarativa invocar a aquisição por usucapião desse mesmo imóvel que já se teria consumado à data da inventariação»8.
Decidindo nestes termos, julgando-se precludido o direito de reivindicação do direito de propriedade sobre um imóvel em ação autónoma instaurada contra os mesmos interessados, depois de precludido o direito de reclamação contra a relação de bens apresentada no processo de inventário onde se mostrava relacionado o mesmo imóvel, improcede totalmente o recurso.
Improcedendo a apelação, deve a recorrente, atento o decaimento, ser condenado nas custas do recurso (cfr. artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil).
*
III – Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de outubro de 2025.
Carlos Miguel Santos Marques
Elsa Melo
Isabel Maria C. Teixeira
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1. Cita-se o sumário (elaborado pelo Relator) do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 156/06.9TBCNT.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt. Perante situação equiparável, v., no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2020, proferido no processo n.º 428/17.7T8FLG-A.P1.S1 e acessível em 428.17.7T8FLG.A.P1.S1 - Jurisprudência - STJ.
2. Em consonância com o preceituado nos artigos 608º e 609º, ex vi do 663º/2 do Código de Processo Civil, que veda ao juiz a possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, apreciando todas as questões suscitadas pelas partes, mas também só as questões suscitadas pelas partes – excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não transitadas em julgado.
3. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.º edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 553), AcRE de 07-03-2024 (rel. Des. Tomé de Carvalho) e AcRG de 15-06-2021 (rel. Des. Conceição Sampaio), cujo sumário dispõe: «I - Com a Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro procurou-se instituir um novo paradigma do processo de inventário, com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação. II - O novo modelo procedimental adotado parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte. III - Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, saindo reforçado o princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo, cometendo-se simultaneamente ao juiz um maior e poder/dever de direção processual. IV - O processo de inventário é hoje uma verdadeira ação, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão».
4. Cfr. AcRL de 30-04-2025 (rel. Des. Amélia Puna Loupo), que decidiu: «I - Com a reintrodução do processo de inventário no CPC pela Lei nº 117/2019 de 13/09, a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário mostrando-se inserido na marcha regular do processo, com regulamentação expressa e própria estabelecida no art.º 1105º CPC. II - Nos termos do art.º 1105º nºs 1 e 2 do CPC, tendo sido apresentada reclamação à relação de bens, quer o reclamante, quer o cabeça de casal, têm o ónus de indicar os elementos de prova no requerimento respectivo em que deduzem a reclamação ou lhe respondem. III - O novo modelo do processo de inventário assenta - como resulta das suas diferentes secções - em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização; em consequência, o novo regime comporta algumas cominações e preclusões, inexistentes no regime anterior, reforçando a auto-responsabilidade das partes. IV - A reclamação à relação de bens é o acto processual no qual o reclamante tem de concentrar a sua posição relativamente a ela, nomeadamente acusando a falta de relacionação de bens, e juntar os elementos de prova ou requerer a produção de diligências probatórias tendentes à prova do por si invocado; posteriormente só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição. V - Não só a prova deve ser toda oferecida no requerimento destinado à reclamação à relação de bens (salvo casos de superveniência), como a iniciativa da prova cabe ao reclamante. VI - O inquisitório deve orientar-se por um padrão de objectividade e de necessidade para o apuramento da verdade e justa composição do litígio, não podendo o poder-dever conferido pelo princípio do inquisitório ser exercício como forma de suprimento oficioso de indesculpável negligência das partes em violação do princípio da auto-responsabilidade das partes. VII - A actuação inquisitória do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória aferida por um padrão de objectividade assente nos elementos existentes nos autos e no zelo probatório das partes, e com respeito pelos pilares estruturantes do processo civil, com destaque para a imparcialidade e tratamento igualitário das partes. VIII - De acordo com o disposto no art.º 1093º nº 1 CPC são dois os elementos que autorizam que o juiz remeta os interessados para os meios comuns: (a) que a matéria de facto seja complexa; (b) que essa complexidade torne inconveniente a decisão no inventário, por implicar redução das garantias das partes».
5. Cfr. José Lebre de Freitas (in Um polvo chamado autoridade de caso julgado, ROA, 2019, pg. 709) e Miguel Teixeira de Sousa (in Preclusão e caso julgado, RFDUL, agosto de 2017, pgs. 149 e ss.).
6. Vide, ainda, Pedro Pinheiro Torres (in Notas breves de apresentação do processo de inventário na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro; pg. 21, do e-book do CEJ Inventário: o novo regime, maio de 2020).
7. Cfr. AcRC de 08-10-2024 (rel. Des. Hugo Meireles) e AcRG de 06-02-2020 (rel. Des. Lígia Venade), os quais, ainda assim, se centram exclusivamente na análise da exceção de caso julgado, sem abordagem dos efeitos preclusivos do incumprimento do ónus de concentração da defesa no articulado legalmente previsto para o efeito, que, como analisámos, são independentes do eventual caso julgado.
8. Cfr., ainda, Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com/; e o AcSTJ de 06-12-2016 (rel. Cons. Fonseca Ramos), que decidiu: «I. Com a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais, foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, agora desligados, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência), sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [constitui um incidente de intervenção de terceiros], tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, apreensão ou entrega de bens, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo, quem em relação a tal processo, seja terceiro. II. Sendo um meio de defesa da posse, no caso para reagir a um acto de entrega de um imóvel judicialmente ordenado, competiria ao embargante de terceiro com função preventiva, invocar todos os meios de defesa que pudesse invocar, como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando são autores devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando são réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puderem invocar. III. A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual). IV. Não faria sentido que alguém, reagindo a um acto que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse acto ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse: deverá por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio. V. O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1, do Código de Processo Civil. VI. A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro com função preventiva, ser titular de direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por sido realizadas em 2005, tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira dessa fracção, sendo que, quando interpôs os primeiros embargos as aludidas “obras e inovações” que, agora invoca a fundamentar os segundos embargos, já existiam. VII. A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado, (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado».