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OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ANULAÇÃO DA VENDA
PENHORABILIDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário
Sumário: (elaborado pela relatora) I. Os vícios a que se reporta o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – omissão e excesso de pronúncia – encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”. II. Inexiste omissão de pronuncia quando o Tribunal a quo, apreciando o pedido de anulação do acto da venda, entende (i) ser intempestiva a arguição de nulidade nele invocada como fundamento e (ii) não conhecer do mérito dos restantes fundamentos invocados por considerar que os mesmos eram fundamento de oposição à penhora e/ou embargos de executado e que, ainda que se entendessem (como oposição à penhora ou à execução) sempre seriam manifestamente extemporâneos. III. Não há que conhecer da penhorabilidade do bem vendido nem do abuso do direito da decisão de vender aquele concreto bem, porque não é o pedido de anulação da venda, nos termos do art. 839.º do CPC o meio adequado e idóneo para o efeito. IV. As causas de anulação de venda são as previstas nos arts. 838.º (para o comprador) e 839.º do CPC (para o executado, terceiro proprietário e partes), não se encontrando entre estas causas o abuso do direito nem a impenhorabilidade do bem vendido, nunca antes suscitadas nos autos
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório:
BB e CC intentaram, em 2 de Maio de 2005, execução contra DD, AA, EE e FF apresentando como título executivo uma sentença judicial proferida 21-02-2005, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, na qual estes executados (ali Réus) haviam sido condenados a cumprir o contrato promessa e a pagar aos Autores as seguintes quantias:
-€ 42 277,99;
- € 5 000,00 por cada mês que decorreu e venha a decorrer desde 5 de Dezembro de 2002 até à data do efectivo pagamento do capital de € 29 929,97;
- juros contados sobre o capital de € 29 929,97, desde 5 de Novembro de 2002 até à data do efectivo pagamento, à taxa de 4% ao ano.
No decorrer da execução foi penhorado a 08-02-2013, entre outros, e para o que aqui interessa:
- o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Oeiras sob o n.º ...., da freguesia de Barcarena, inscrito na matriz sob o artigo .... da mesma freguesia.
Por comunicação de 04-05-2021 a Sra. Agente de Execução comunicou aos autos que a executada AA, notificada na qualidade de fiel depositária do bem imóvel sito …, Leceia – Barcarena para a diligência de constatação do estado do imóvel, a efectuar no âmbito das diligências de venda do mesmo, não compareceu.
Por decisão de 19-05-2021 a Sra. Agente de Execução determinou a venda do imóvel supra identificado na modalidade de leilão electrónico, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 837.º do CPC, decisão essa notificada ao Dr. GG na mesma data.
A 21-05-2021 a Sra. Agente de execução decidiu:
“1. Em 19/05/2021 tomou Decisão de Venda, cfr DOC. 1 que junta para melhor identificação, quanto ao bem imóvel constante do auto de penhora de 08/02/2013, com vista a actualização do valor de venda, atento o imposto pelo artigo 812º do CPC, de forma a que fiquem assegurados todos os interesses, sejam os processuais, sejam os das partes.
2. A venda do bem em causa encontra-se já na fase de negociação particular, uma vez que as anteriores tentativas se frustraram, pelos motivos constantes dos autos. 3. Não podendo assim a modalidade de venda ser a de “Venda em leilão electrónico, nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 837º do CPC”, como consta da referida Decisão identificada no ponto 1. Da presente. 4. Mas sim “Venda por negociação particular prevista e estatuída no nº. 2 do art. 822º do CPC.”
5. Quanto muito, o que pode ser lançado é a publicitação no portal www.e-leiloes.pt do anúncio da venda, caso cumpra os requisitos obrigatórios da plataforma,
6. Entre eles, fotografias do interior que assegurem a interessados o estado de conservação do bem; o regime de visitas fixado; e os contactos do fiel depositário, e bem assim o local e hora em que o bem pode ser visto, cfr. dispõem as alíneas j) e k) do n.º 2, do artigo 6.º do Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015 (publicado em Diário da República, 2.ª série - n.º 219 - 9 de novembro de 2015).
7. Caso não cumpra, será a publicitação da venda efectuada nos termos das alíneas a) e b) do nº. 1 do artigo 817º do CPC. Assim, em face do supra exposto DECIDE, nesta data, dar ser efeito a Decisão de Venda tomada no passado dia 19/05/2021 e as respectivas notificações efectuadas aos intervenientes processuais e proferir nova Decisão de Venda em conformidade com o constante no ponto 4. que irá, também nesta data, ser notificada a todos os intervenientes processuais.”
Tal decisão foi notificada ao Dr. GG.
Na mesma data foi proferida a seguinte decisão quanto à venda da fracção supra identificada:
“(…)
MODALIDADE DE VENDA
Venda em negociação particular nos termos do disposto no art.º 822.º n.º 2 do CPC, ficando desde já designado para abertura de propostas, o dia 08 de Junho de 2021 pelas 10:00 horas, no escritório da Agente de Execução, sito na Rua … Lisboa, sendo aceites propostas apresentadas até ao dia e hora supra mencionados.
A venda será publicitada nos termos das alíneas a) e b) do nº. 1 do artigo 817º do CPC, designadamente com a publicação de anúncio através do sistema informático SISAE/GPESE e que poderão ser consultados na página www.solicitador.org/vendas, bem como, pela afixação na porta do imóvel de edital de venda, por falta de cumprimento dos requisitos obrigatórios da plataforma E-Leilões, definidos por Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015 de 9 de novembro de 2015.
VALOR DE VENDA
Serão aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base de 150.209,85 €, correspondente ao valor patrimonial tributário determinado em 2018, à luz do CIMI, como consta da caderneta predial que se anexa, por ser o maior dos valores, por imposição do n.º3 do artigo 812.º do CPC
Assim, serão aceites propostas iguais ou superiores a 85 % do valor de venda a que corresponde o montante de 127.648,37 €. (…)”
Decisão essa que na mesma data foi notificada ao Dr. GG, assim como à executada AA, na qualidade de fiel depositária.
A 01-06-2021 veio a executada AA constituir nova mandatária nos autos, juntando a respectiva procuração.
A 08-06-2021 foi junta aos autos pela Sra. Agente de Execução “Auto de Abertura de venda por negociação particular”, na qual foram apresentadas três propostas sendo a de maior valor apresentada por HH Investments Unipessoal Lda.
Por notificação de 08-06-2021 foi o proponente HH Investments Unipessoal Lda. notificada para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento do valor de € 159 000,00, correspondente ao preço da venda.
Do resultado da diligência de venda por negociação particular foi a executada notificada em 08-06-2021.
A 25-06-2021 foi junta aos autos a respectiva escritura de compra e venda do imóvel correspondente ao prédio urbano sito em Leceia, …, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oeiras sob o n.º ...., da freguesia de Barcarena.
Em 25-06-2021 foi a Executada notificada, na pessoa da sua mandatária, da cópia da escritura de compra e venda celebrada no dia 23-06-2021.
Por requerimento de 29-06-2021 veio a Executada requerer a manutenção da suspensão de qualquer acto com vista à entrega do imóvel objecto de venda, tendo sobre tal requerimento recaído o despacho de 02-07-2021 que determinou “ Estão suspensos os actos a realizar em sede de processo executivo com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família- , não distinguindo o legislador se se trata de morada de família dos executados ou de terceiros- nº7, al.b)6ºE- lei 13-B/2021.
Notifique.”.
Por requerimento de 07-06-2024 veio a executada AA requerer se declare sem efeito a venda realizada nos autos do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ...., de freguesia de Barcarena, inscrito na matriz sob o art.º .... da mesma freguesia, sito na … em Leceia – Barcarena, formalizada no dia 23 de Junho de 2021, nos termos do disposto no art. 839.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC.
Alegou para tanto que:
“1. Nos presentes autos, mediante despacho datado de 07/11/2017 sob a ref.ª 109567197, este Douto Tribunal determinou, por referência ao citado prédio urbano (DOC 01):
“Ref.ª 9313384 – Queira o Sr. SE diligenciar pela venda do prédio dos autos atento o disposto no art.º 819.º do Código Civil, desta feita mediante leilão electrónico por ser a modalidade preferencial e ter demonstrado grande adesão.”
2. Ao abrigo deste mesmo despacho, que juntou, a AE notificou a Executada através do seu Mandatário a 01/02/2018, sob a ref.ª 11182539 para proceder à competente visita ao imóvel (DOC 02).
3. Contudo, após o decurso do incidente de habilitação de herdeiros por morte do Executado EE em 22/01/2018 (cfr comunicação do mandatário à AE de 21/12/2018 sob a ref.ª 11769171), finda a correspondente suspensão dos autos executivos, determinada em 22/02/2018 (sob a ref.ª 11780091), foi retomada a questão relativa à venda do citado imóvel.
4. Mediante decisão datada de 19/05/2021, sob a ref.ª 18846190, a Sr.ª Agente de Execução determinou a venda na modalidade fixada nos termos do despacho supra, datado de 07/11/2017, ou seja, mediante leilão electrónico.
5. Dois dias depois, deu sem efeito a referida decisão, substituindo-a pela decisão sob a ref.ª 18866367, de 21/05/2021 (DOC 03), cuja fundamentação carece de suporte legal, atento o referido despacho porquanto, após o mesmo, não se verificou nenhuma das circunstâncias previstas no art.º 832.º do CPC.
6. Consequentemente, a venda não poderia ter sido efectuada nos moldes em que o foi, por ilegal.
7. De outra sorte, nenhuma destas decisões foi notificada à Executada habilitada, uma vez que em 16/04/2021 revogou o Mandato que havia conferido ao Exmo. Sr. Dr. GG, revogação que foi dada a conhecer a este mediante notificação elaborada com data de 19/04/2024 (DOCs 04 e 05).
8. Consequentemente, considerando-se o Ilustre Causídico notificado no terceiro dia após a elaboração da notificação (art.º 248.º, n.º 1 do CPC), ou seja, no dia 22/04/2021, desde esta data que, nos termos da leitura conjugada dos arts.º 47.º, n.º2 e 58.º, n.º 1 do CPC, a Executada não se encontrava representada por Mandatário.
9. Em face do exposto, impunha-se ao Tribunal a interrupção dos autos até à nomeação de Patrono conforme requerimento de apoio judiciário junto pela própria aos mesmos em 13/04/2021, o que não aconteceu em violação do disposto pelo art.º 58.º, n.1 do CPC já referido, conjugado com o vertido no art.º 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, alterada pela L. 47/2007, de 28/08 (DOC 06),
10. Pelo que os actos praticados após 22/04/2021 são anuláveis nos termos do art.º 195.º do CPC, anulação que se requer, uma vez tendo ficado prejudicado o exercício por parte da Executada do seu direito ao contraditório.
11. Em particular, quer quanto à modalidade da venda, que como ficou dito, foi fixada de forma ilegal,
12. Quer quanto ao valor fixado ao bem imóvel porquanto, nos termos do art.º 812.º do CPC, a determinação do valor do bem corresponde ao maior dos valores entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado.
13. Valor de mercado este que a Executada já havia suscitado em 05/12/2014 ser de, pelo menos, € 250.000, 00 (DOC. 07) e que a Sr.ª Agente de Execução não cuidou de apurar, como era seu dever, designadamente, nos termos dos arts.º 162.º, n.º 3 e 168.º da Lei n.º 154/2015, de 14/09.
14. Questão (quanto ao valor do imóvel) que a Executada não deixaria novamente de suscitar, caso tivesse sido efectivamente notificada para o efeito, o que, não tendo Mandatário constituído, não ocorreu, conforme ficou exposto.
Acresce ainda que,
15. O bem imóvel penhorado e vendido nos presentes autos foi adquirido pelo Executado Falecido DD e a sua esposa, ora Executada Habilitada, em 30/09/1977, sendo então casados no regime da comunhão geral de bens, conforme ap. 70 de 1977/09/30 (DOC 08).
16. Consequentemente, metade do mesmo pertencia a cada um deles.
17. Assim, o bem penhorado e levado à venda, não o podia ter sido pela sua totalidade mas, no limite, até ao valor correspondente ao valor da herança recebida pela Executada Habilitada por morte do seu marido, Executado original.
18. Por conseguinte, apenas metade deste bem poderia ter sido penhorado, nos termos do disposto pelo art.º 744.º, n.º1 do CPC.
19. Neste sentido versa o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/02/2023, no proc. 449/21.5T8CHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:
“I - Ainda que condenado, na ação declarativa, como sucessor do falecido devedor originário, o herdeiro só responde pelas dívidas do “de cujus” na medida do valor dos bens herdados (arts. 2068º e 2071º do Cód. Civil).
II - Na execução movida contra o herdeiro por dívidas da herança só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança (art. 744º, n.º 1 do CPC).
III - Em execução movida contra herdeiro, recaindo a penhora em bens por ele não recebidos do autor da herança, pode ele requerer o seu levantamento, indicando, simultaneamente, os bens que tenha em seu poder (n.º 2 do art. 744º do CPC).
IV - Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, e tendo a herança sido aceite pura e simplesmente (e não a benefício de inventário), o executado só pode obtê-lo desde que prove, cumulativamente, que os bens penhorados não provieram da herança e que não recebeu da herança outros bens além dos que indicou (n.º 3 do art. 744º do CPC).
V - Não logrando provar este último requisito (ou seja, que não recebeu da herança outros bens além dos indicados ou, se tendo recebido mais, que os outros foram todos aplicados em solver encargos dela, à luz do disposto no art. 2071º, nº 2, do CC), improcede a sua pretensão de levantamento da penhora.”
20. Ainda que assim não se entendesse, nos termos do disposto pelos arts.º 2068.º e 2071.º do Cód. Civil, o imóvel ora penhorado, para além da meação do falecido, ou seja, incidindo sobre a meação da ora Executada habilitada, teria de respeitar como limite o valor que recebeu de herança além daquele.
21. Uma vez que não recebeu outros bens do seu marido além daquela meação e do quinhão hereditário do mesmo na herança de II ainda indivisa, a penhora sobre a sua meação do imóvel não podia exceder o valor deste quinhão.
22. A este propósito, releva considerar o despacho datado de 24/05/2013, sob a ref.ª 12266726 (apenso B):
“(…)Resulta da análise do processado dos autos, nomeadamente da sentença que é título executivo, que o prédio urbano sito na …, em contrato de promessa de partilha, foi objecto de adjudicação aos executados EE e DD, este último entretanto substituído por AA, na sequência de incidente de habilitação.
A sentença dada à execução não procede à partilha, limitando-se a condenar os Réus a cumprir o contrato de promessa e a pagar a quantia aí estabelecida a título de tornas.
À data em que foi instaurada a execução, 02.05.2005, a partilha de bens imóveis, sendo realizada extrajudicialmente, carecia de escritura pública, sob pena de nulidade (cfr. artºs. 2102.º, 220.º e 286.º, do Código Civil e 80.º, n.º 1, do Código do Notariado).
(…)
Na falta de partilha, o imóvel em causa integra ainda bem da herança aberta por óbito de II.
Dado que a herança não é sujeito da execução e que nos termos do art.º 826.º, n.º1, do CPC, não é legalmente admissível a penhora de bens compreendidos em património comum, é inadmissível a penhora realizada, bem assim como o procedimento adoptado pela Sr.ª Agente de Execução no sentido de, através do recurso indevido à disposição do art.º 119.º, n.º 2, do CRPredial, obstar à falta de partilha do bem. (…)”
23. Consequentemente, tendo por referência o valor patrimonial tributário dos bens que constituem o quinhão hereditário, conforme cadernetas prediais (DOCs. 09 e 10):
a. Artigo matricial ... (F. Barcarena, C. Oeiras) - €9.792,77;
b. Artigo matricial .... (F. Barcarena, C. Oeiras) - €48.813,50;
€58.606,27
24. Temos que o quinhão do Executado falecido era de €14.651,56 (€ 58.606,27 : 4).
25. Logo, apenas podia ser efectuada penhora sobre o imóvel até ao valor global de €89.756,49, o que corresponde a 59,7% do seu valor patrimonial tributário, determinado em 2018, conforme decisão da Sr.ª Agente de Execução, datada de 21/05/2021.
26. Ou seja, a meação da Executada Habilitada só poderia ser penhorada, no limite, em 9,7% e nunca na sua totalidade.
27. Sem prejuízo do que se alegou quanto ao valor do imóvel vendido, que deveria ter tido por referência o valor de mercado de molde a não prejudicar a executada, a utilização do VPT nos cálculos que antecedem tem como finalidade o apuramento de uma correlação aritmética, na mesma ordem de grandeza, entre os valores dos imóveis, face à inexistência de uma avaliação pericial de qualquer um dos mesmos.
Sucede ainda que,
28. À data em que foi decidido prosseguir para a venda do imóvel ora em causa, em 27/04/2021, sob a ref.ª 18693612 e desde a data do falecimento do Co-Executado EE, encontrava-se já recuperado o montante global de € 26.805,57.
29. Acresce que ainda que nunca tenha sido comunicado pelos Exequentes para contabilização, os Executados haviam efectuado o pagamento a título de tornas no valor de €13.317,34, no âmbito do processo de Inventário com o número 423/00, que correu termos no 5.º juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, conforme resulta da sentença datada de 20-05-2005 e mapa de partilha anexo, junto sob DOC. 11.
30. Diga-se a este propósito que a sentença que serve de base à presente execução, pese embora se tenha consolidado como caso julgado, se baseia num contrato de promessa monstruoso cujo objecto - a partilha – veio a realizar-se por homologação de mapa de partilhas acordado em sede judicial entre as mesmas partes aqui litigantes e onde foi fixado, pago e efectivamente entregue aos Exequente o valor das tornas conforme certidão que consta dos presentes autos, datada de 22/06/2022 sob a ref.ª 138342971 e que anexa para maior facilidade de consulta (DOC 12).
31. Pelo que, a presente execução de uma clausula penal estipulada por conta de uma obrigação inexistente, quer contratual, quer legalmente, constitui uma aberração jurídica que ofende os mais basilares Princípios da Ordem Jurídica Constitucional, onde se inclui o direito à tutela jurisdicional efectiva e o direito a uma decisão equitativa (art.º 20.º, n.º 4 CRP),
32. Tendo os Exequentes litigado sempre de má-fé, contra o Direito, consubstanciando os valores arrecadados ao abrigo da presente execução, enriquecimento sem causa, como se apurará em sede própria.
33. Resulta assim demonstrada a evidente desproporção entre o benefício que na presente execução os Exequentes obtiveram e o prejuízo causado à Executada com a venda do imóvel que constitui a sua casa de morada de família há mais de 40 anos.
34. Cita-se a este propósito o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16/06/2023, no proc. n.º 147/06.0TCSNT-B.L1-6, disponível www.dgsi.pt:
“I – A figura do abuso de direito tem subjacente a intenção de assegurar que na aplicação do Direito, das normas positivas, se encontre uma ideia de justiça, que deve observar-se sempre em função das concretas circunstâncias de cada caso, observadas as especificidades da vida, sem que porém se entre numa ideia de discricionariedade; a aplicação da figura do abuso de Direito deve orientar-se por um critério objectivo, pela aplicação dos princípios gerais de direito, em especial o princípio geral da boa-fé, para que o resultado ou solução a que se chega possa servir melhor esse ideal de justiça.
II – O desequilíbrio no exercício do direito caracteriza-se pela desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem, sem que se ponha em causa o direito do titular.
III - A questão é saber se o exercício desse direito se revela, no caso concreto, desproporcionado; desequilibrado, em termos que ofendam outros princípios e valores validamente vigentes no nosso ordenamento jurídico, observada a situação material subjacente, ponderação que se tem de fazer através da análise das concretas circunstâncias de cada caso.
IV – Observadas estas; tal como o valor inicial da execução, o valor já recuperado, o valor remanescente, o facto da quantia exequenda continuar a vencer juros; que está em curso a penhora do vencimento da fiadora a que acresce a quantia de 100€ mensais voluntariamente entregues por esta; que o imóvel penhorado é a sua habitação própria permanente; que o crédito reclamado tem vindo a ser pontualmente cumprido pela Executada; que a exequente é uma instituição de crédito, cuja solvabilidade não se encontra posta em causa nos autos. não se vendo assim que o prejuízo decorrente do decurso do tempo seja de qualquer modo equivalente ou comparável à perda por parte da Executada da sua habitação, especialmente nas circunstâncias actuais, em que é do conhecimento geral a cris na habitação existente em Portugal, bem como a actual tendência de subida de taxas de juros e crescente dificuldade no acesso ao crédito; que a penhora s mantém; não se vislumbra assim que o sacrifício pedido à Exequente, que se traduz na dilação do pagamento do remanescente do crédito, sendo continuam a vencer-se juros, seja de algum modo comparável ao que se exige à Executada fiadora neste momento sendo clamorosa a desproporção verificada.”
35. Ora, nos presentes autos, além das circunstâncias comuns do caso supra citado, constata-se que os Exequentes à data da decisão de venda, já haviam recebido o total do capital peticionado, que a Executada é uma pessoa idosa com mais de 80 anos, que padece de doença crónica, existindo outros bens susceptíveis de penhora que logrem satisfazer o remanescente do crédito exequendo que é, tão somente, a clausula penal fixada nos presentes autos em €50.000,00 e juros legais.
36. Pelo que, também no presente caso é imperioso concluir que o prejuízo “sofrido” pelos Exequentes, decorrente do decurso do tempo não é equivalente ou comparável à perda por parte da Executada da sua habitação.”
Por requerimento de 19-06-2024 vieram os exequentes pronunciar-se sobre o antecedente requerimento da executada, pugnando pela sua improcedência e condenação da executada em litigância de má fé.
Por requerimento de 25-06-2024 veio a adquirente do imóvel, cuja invalidade da venda foi requerida, responder, dando por reproduzida a posição da
Agente de Execução, pugnando pela improcedência do requerido e pela condenação da executada e mandatárias em litigância de má fé.
Por requerimento de 02-07-2024 veio a executada exercer o contraditório relativamente ao pedido de condenação em litigância de má fé.
Ordenada a notificação da Executada para se pronunciar sobre a tempestividade da apresentação do seu requerimento veio a mesma fazê-lo por requerimento de 09-09-2024.
A 13-12-2024 a adquirente do imóvel veio juntar aos autos certidão do Acórdão proferido pelo STJ no âmbito do apenso M, que rejeitou o recurso de revista interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou revogada a Lei n.º 1-A/2020, designadamente o Regime Processual Excepcional e Transitório previsto no art. 6.º E e, como tal autorizou a intervenção da força publica com vista à entrega do imóvel, se necessário com arrombamento.
A 18-02-2025 foi proferido o seguinte despacho (Despacho recorrido):
Req. ref.ª Citius n.º [25793213]:
Veio a executada arguir a invalidade da venda judicial nos termos do artigo 839.º, n.º 1, als. c) e d) do Código do Processo Civil, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ...., de freguesia de Barcarena, inscrito na matriz sob o art.º .... da mesma freguesia, sito na … em Leceia – Barcarena.
Para tanto, alegou, em síntese, o que o Tribunal determinou a venda do prédio penhorado à ordem dos autos mediante leilão electrónico, por despacho datado de 07/11/2017.
Mediante decisão datada de 19/05/2021, a Senhor(a) Agente de Execução determinou a realização da venda na modalidade de leilão electrónico, vindo a dá-la sem efeito dois dias depois, substituindo-a pela decisão sob a ref.ª 18866367, de 21/05/2021,
cuja fundamentação carece de suporte legal, porquanto não se verificou nenhuma das circunstâncias previstas no art.º 832.º do CPC.
Por outro lado, nenhuma das aludidas decisões foi notificada à executada habilitada, uma vez que em 16/04/2021 esta revogou o mandato que havia conferido ao Exmo. Sr. Dr. GG, revogação que foi dada a conhecer a este mediante notificação elaborada com data de 19/04/2024. Como tal, a executada não se encontrava representada por mandatário, impondo-se a interrupção dos autos até à nomeação de Patrono conforme requerimento de apoio judiciário junto pela própria aos mesmos em 13/04/2021, o que não aconteceu em violação do disposto pelo art.º 58.º, n.1 do CPC já referido, conjugado com o vertido no art.º 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, alterada pela L. 47/2007, de 28/08.
Assim, os actos praticados após 22/04/2021 são anuláveis nos termos do art.º 195.º do CPC, uma vez que ficou prejudicado o exercício por parte da Executada do seu direito ao contraditório.
Acresce que o bem penhorado e levado à venda, não o podia ter sido pela sua totalidade mas, no limite, até ao valor correspondente ao valor da herança recebida pela Executada Habilitada por morte do seu marido, Executado original, pelo que apenas metade deste bem poderia ter sido penhorado, nos termos do disposto pelo art.º 744.º, n.º 1 do CPC.
Ainda, à data em que foi decidido prosseguir para a venda do imóvel, ora em causa, em 27/04/2021, sob a ref.ª 18693612 e desde a data do falecimento do Co-Executado EE, os Exequentes à data da decisão de venda, já haviam recebido o total do
capital peticionado.
A Senhor(a) Agente de Execução pronunciou-se no sentido de não assistir razão à executada porquanto apenas não pôde cumprir o determinado pelo Tribunal por manifesta falta de colaboração da executada, uma vez que de todas as vezes que a agente de execução notificou a executada com agendamento de data e hora para visita ao local, a fim de constatar o estado do bem, a mesma executada nunca compareceu, nem justificou a sua ausência.
Além disso, a executada transmitiu taxativamente que não iria mostrar a casa a ninguém.
Ainda assim, procurou promover a venda do bem através da plataforma E-leilões, em cumprimento do douto despacho judicial, o que não foi possível, pois que a executada nunca deixou cumprir os procedimentos prévios necessários (auto de constatação e constituição de fiel depositário). E tanto assim foi que, a administração da referida plataforma e-leilões, rejeitou o anúncio inserido. Assim, a falta destes requisitos obrigatórios levou a que a tivesse de tomar nova decisão de venda em 21-05-2021.
De todas as decisões tomada pela Senhor(a) Agente de Execução foram as partes notificadas, não delas reclamando.
Quanto ao patrocínio, apesar de o Ilustre Mandatário ter sido notificado da revogação do mandato pela executada, este manteve o seu patrocínio e intervenção nos autos, sendo que apenas no caso da renúncia que opera o disposto no artigo 39.º do Código do Processo Civil.
Além disso, o próprio Tribunal também notificou sempre o Ilustre Mandatário, pelo que a executada esteve sempre devidamente representada. Pronunciou-se ainda quanto ao valor de venda do bem, à penhora da totalidade do mesmo e à desproporcionalidade.
Por fim, pugna pela extemporaneidade do requerimento em causa.
Os exequentes também se pronunciaram, no sentido de ser extemporânea a pretensão deduzida pela executada bem como não se verificarem os pressupostos do artigo 839.º do Código do Processo Civil, peticionando a condenação da executada como litigante de má-fé.
A adquirente pronunciou-se também, que acompanhou a posição vertida pela Senhor(a) Agente de Execução, mais pedindo a condenação da executada como litigante de má-fé.
A executada exerceu o contraditório relativamente aos pedidos de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 839.º do Código do Processo Civil
1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
(…)
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra.
3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço.
No presente caso, em 19/05/2021 e na sequência do despacho judicial proferido em 7/11/2017, a Senhor(a) Agente de Execução proferiu decisão mediante a qual decidiu pela venda em leilão electrónico no prédio penhorado nos autos, do que notificou o Dr. GG, nada tendo sido dito.
Por decisão de 21/05/2021, a Senhor(a) Agente de Execução decidiu pela venda por negociação particular, defendendo que, como as anteriores tentativas de venda se frustraram. De tal decisão foi notificado o Dr. GG.
Porém, em 16/04/2021, a executada juntou instrumento de revogação da procuração outorgada a favor de tal Ilustre Mandatário, do que o mesmo foi notificado em 19/04/2021.
Nos termos do artigo 47.º do Código do Processo Civil
1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.
3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.
4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.
5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias.
6 - Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando for dele a falta a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue só o pedido reconvencional, decorridos que sejam 10 dias sobre a suspensão da ação.
Ora, daqui resulta que, à data das notificações em causa, o Ilustre Mandatário já não patrocinava a executada.
Não obstante, resulta dos autos uma notificação à própria executada (datada de 21/05/2021), na qual, além do mais, se dava nota da venda por negociação particular e da data aprazada para a mesma.
Além disso, em 28/05/2021, a Senhor(a) Agente de Execução juntou aos autos certidão da afixação de editais de publicidade da venda na porta do bem imóvel, constando inclusivamente uma menção de que a executada AA não iria mostrar o imóvel a ninguém.
A mandatária subscritora do requerimento em análise juntou aos autos procuração outorgada a seu favor pela executada em 1/06/2021, vindo, posteriormente, a intervir nos autos, mediante requerimento, em 29/06/2021, 14/01/2022, 11/02/2022, 18/02/2022, 28/03/2022, 20/04/2022…
De acordo com o artigo 195.º, n.º 1 do Código do Processo Civil Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Por seu turno, de acordo com o artigo 199.º, n.º 1 do mesmo diploma legal Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No presente caso, considerando que a executada interveio por diversas vezes nos autos, sem logo arguir a omissão em causa (no caso, desde 11/06/2021, pelo menos) vindo a fazê-lo mediante req. entrado em juízo em 7/06/2024, tal arguição é manifestamente extemporânea.
Sendo extemporânea, é consequentemente improcedente o pedido de anulação do acto de venda, nos termos do artigo 839.º, n.º 1, al. c) do Código do Processo Civil.
No mais, não se conhece das alegações vertidas nos artigos15 e seguintes por se tratar de matéria de oposição à penhora e/ou embargos de executado, apenas podendo nessa sede ser eventualmente conhecidas, sendo, além do mais, manifestamente extemporâneas, ante a data da concretização da penhora (2013 / 02 / 08).
Nestes termos e face ao supra exposto, julgo improcedente o pedido de anulação da venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ...., de freguesia de Barcarena, inscrito na matriz sob o art.º .... da mesma freguesia, sito na … em Leceia – Barcarena.
Não se vislumbrando que a executada, por ora, tenha agido de forma subsumível ao disposto no artigo 542.º do Código do Processo Civil, improcede o pedido contra si deduzido como litigante de má fé.
Custas do incidente pela executada que se fixam em 3 UC’s, nos termos do artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa.
Registe e notifique.”
Inconformada veio a executada, a 24-03-2025, interpor recurso de apelação, apresentando as suas alegações, nas quais apresenta as seguintes conclusões:
“1. Padece a douta sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia.
2. Ora, o tribunal, ao referir na sentença “no mais, não se conhece das alegações vertidas nos artigos15 e seguintes por se tratar de matéria de oposição à penhora e/ou embargos de executado, apenas podendo nessa sede ser eventualmente conhecidas, sendo, além do mais, manifestamente extemporâneas, ante a data da concretização da penhora (2013 / 02 / 08)” está a violar o artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo a respetiva consequência jurídica a nulidade, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do mesmo diploma.
3. A interpretação dos enunciados normativos dos artigos 751.º n.º 4 alínea b) e 839.º do CPC, no sentido em que o imóvel que constitua habitação permanente de duas pessoas em especial situação de vulnerabilidade, a origem da dívida que se pretende liquidar seja manifestamente abusiva e o seu montante seja consideravelmente inferior ao valor do dito imóvel possa ser vendido judicialmente é notoriamente desconforme à CRP.
4. Por um lado, viola os artigos 18.º n.º 2 e 65.º n.º 1 da CRP, por comprimir excessivamente o direito à habitação da executada face ao direito de propriedade do exequente, ignorando outras tantas soluções intermédias igualmente aptas e idóneas, mas menos restritivas, para dirimir o conflito entre os direitos constitucionais em causa.
5. Por outro lado, viola os artigos 9.º alínea d); 67.º n.º 2 alínea a); 69.º, n.º 1 e 72.º, n.º 1 da CRP por descurar aspetos a que a Constituição atribui relevância expressa e obriga, quer o legislador, quer o intérprete, a tê-los em conta nestes casos.
6. Resulta também dos factos do caso concreto que a origem da dívida é a cláusula penal de uma obrigação inexistente, pois o montante em dívida já se encontra liquidado, visto que já tinham sido pagos os montantes de €26.805,57 €13.317,34 à data em que se decidiu prosseguir para a venda do imóvel.
7. Deste modo, o crédito exequendo que subsiste tem origem numa cláusula penal absolutamente abstrusa e contrária aos mais basilares Princípios da Ordem Jurídica Constitucional, que já foi reduzida equitativamente por Tribunal de 1. Instância, e posteriormente confirmada pelo STJ, para €50.000,00 do originalmente peticionado 1 milhão de euros.
8. Dado que “a figura do abuso de direito tem subjacente a intenção d assegurar que na aplicação do Direito, das normas positivas, se encontre uma ideia de justiça, que deve observar-se sempre em função das concretas circunstâncias de cada caso”, é imperativo que se anule a venda judicial do imóvel que constitui habitação permanente da executada, por se pretender saldar um crédito exequendo de origem manifestamente abusiva, resultando num enorme prejuízo para a executada, quando, na realidade, o interesse que se visa satisfazer (o do credor) é ilegítimo.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta Sentença recorrida revogada, sendo substituída por outra que aprecie o mérito da causa nos termos supra alegados, fazendo-se, assim JUSTIÇA!”
Devidamente notificados vieram os exequente apresentar as suas contra-alegações, nas quais conclui da seguinte forma:
“a) O Recurso interposto é extemporâneo e consequentemente inadmissível.
b) Inexiste fundamento ao conhecimento da invocada, mas inexistente, inconstitucionalidade extemporaneamente e não sustentada nos requisitos a que sempre se teria de ater, além do mais apenas suportada por uma mera discordância sobre a Decisão proferida.
c) A Recorrente interpõe recurso em manifesto expediente dilatório, violando de forma inequívoca os mais básicos deveres de boa-fé e lealdade processual a que se encontra vinculada.
d) A motivação recursiva extemporânea, revela-se absolutamente infundada, sendo patente o intuito meramente protelatório que subjaz a mais este acto, consubstanciando, assim, abuso de direito, face ao exercício em desvio manifesto à função tutelar dos Tribunais, sendo antes utilizada como mecanismo de obstrução da boa marcha do processo e adiamento da produção de efeitos da Decisão.
e) A actuação aqui posta em crise configura, assim, também litigância de má-fé, perante a intenção manifesta e deliberada de entorpecer injustificadamente a justiça, a regular
tramitação processual, causando manifesto prejuízo, aos Recorridos, ao Interveniente
Acidental e ao Estado,
f) Impondo o reconhecimento do carácter dilatório e de má-fé do Recurso aqui posto em crise e condenação da Recorrente como litigante de má-fé, nos termos considerados adequados.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, não deverá ser admitido o Recurso aqui posto em crise e, se assim se não entender, ser o mesmo julgado improcedente, condenando-se a Recorrente por abuso de direito e litigância de má-fé, assim se fazendo Justiça.”
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso. E porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Apelante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir:
- nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
- dos fundamentos da invalidade da venda.
*
II. Fundamentação:
Estão provados os factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes retirados da tramitação dos presentes autos, bem como dos apensos L, M e N.
1. Por despacho de 03-05-2022 determinou -se a realização de uma sessão de esclarecimento com a presença das partes e da Sra. Agente de Execução, a qual se realizou no dia 22-06-2022, conforme acta que aqui se dá por reproduzida.
2. Na sequência da sessão de esclarecimento, foi, a 20-07-2022 , proferido despacho com o seguinte teor: “Compulsados os autos, no seguimento dos requerimentos das partes e da realização da diligência antecedente, cumpre, analisar: Os presentes autos têm como título executivo uma sentença condenatória, transitada em 07-03-2005, na qual foi decidido: Na ação identificada supra, os RR. são os aqui executados EE e DD, ambos já falecidos em 22 de janeiro de 2018 e 22 de fevereiro de 2009, respetivamente, sendo o primeiro habilitado por FF e o segundo pela sua mulher, AA. A presente ação executiva foi intentada em 2 de maio de 2005, tendo os Exequentes reclamado o pagamento de € 190.243,11, correspondente a:
a. A título de capital: € 42.277,99 (valor de capital em divida). b) A título de cláusula penal: € 145.000,00 (correspondentes a 29 meses à razão de €5.000,00/mês) c) A título de juros: € 2965,12 (juros a 4% desde 5 de novembro de 2002 até 28 de janeiro de 2004, sobre o valor de capital de € 29 929,97€). TOTAL: € 190.243,11, cfr. Requerimento executivo. Da análise dos autos verifica-se que foram realizadas penhoras de saldos bancários e da pensão de velhice do executado EE até à sua morte, no montante de € 26.805,57. Foi realizada a venda por negociação particular do imóvel pertencente a AA, viúva do Executado DD, falecido em 22 de Fevereiro de 2009, pelo montante de € 159.000,00. Vejamos. Cumpre referir que os presentes autos são longos e confusos, contudo, a realização da diligência de esclarecimento foi benéfica, tendo sido bastante útil a colaboração das partes nos esclarecimentos prestados. Na sentença, que serve de base à presente execução, o Tribunal condenou os Executados no pagamento desse capital de € 29.929,97, acrescido de uma cláusula penal de € 15.000,00, mais juros de mora vencidos no montante de € 350,12, e ainda da quantia de € 5.000,00 “por cada mês que decorreu desde 5 de dezembro de 2002 até à data do efetivo pagamento do capital de € 29.929,97”. Sucede que, em 2 de maio de 2005, os Exequentes intentaram a presente ação executiva e na mesma liquidaram o capital em dívida de € 29.929,97, incluíram a cláusula penal correspondente a 3 meses que constava da sentença (€ 15.000,00), mais os juros moratórios e acrescentaram ainda mais a quantia de € 145.00,00, correspondente a mais 29 meses de cláusula penal. Quanto à Clausula penal: O art. 810.º CC (cláusula penal) prevê dois tipos de penas destinadas a fixar antecipadamente a sanção pecuniária em que se traduzirá a indemnização pelo incumprimento, as cláusulas penais em sentido estrito e as cláusulas penais compulsórias, estas decorrentes do princípio geral da liberdade contratual. As cláusulas penais compulsórias têm em vista compelir o devedor ao cumprimento negocial pela ameaça de uma pena pecuniária que não tem de ter tradução num prejuízo específico do credor. O artigo 829º-A, do CC, sob a epígrafe ‘Sanção pecuniária compulsória’, prescreve do seguinte modo: “1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. 3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. 4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.” A sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, através do aditamento da norma do artigo 829º-A, acabada de transcrever. A finalidade desse aditamento consta do ponto 5. do preâmbulo desse diploma: “Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem, todavia, menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se, contudo, atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais. A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória - no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) - poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico”. O artigo 829.º-A acolheu duas distintas modalidades de sanção pecuniária compulsória, tendo em conta o tipo de obrigação cujo cumprimento se destina promover: a primeira (n.º 1), de natureza judicial, fixada pelo tribunal a requerimento do credor, quando em causa esteja o cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível; a segunda (n.º 4), de natureza legal, previamente fixada por lei e de funcionamento automático, aplicável em caso de condenação no cumprimento de uma obrigação pecuniária de quantia certa. Como salienta Pinto Monteiro in “Cláusula Penal e Indemnização”, Colecção Teses, página 126., é flagrante a “desarmonia da sanção consagrada no n.º 4, em face dos restantes números do mesmo preceito legal, que prevêem e regulam a sanção pecuniária compulsória tout court”. Idealizada para as obrigações de facto não fungível, atenta a inviabilidade da execução específica, a sanção compulsória judicial tem carácter subsidiário, ao contrário da sanção compulsória legal, que tem alcance geral por se aplicar a todas as situações em que seja estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente. Ora, nas obrigações pecuniárias nenhum problema se levanta sobre a execução específica, na medida em que, de acordo com o que se estabelece artigo 817.º do Código Civil, se a obrigação não for cumprida voluntariamente, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, mediante a competente execução para pagamento de quantia certa. Por isso, segundo esse autor, “enquanto a sanção pecuniária compulsória ‘tout court’ se confina ao domínio das prestações insusceptíveis de execução específica, já a última pretende evitar o recurso à execução coactiva das obrigações pecuniárias, apesar de esta ser sempre possível, no plano dos princípios”. Nessa medida, defende que a arrumação no n.º 4 do artigo 829º-A não é a melhor, alvitrando que seria preferível a sua inserção no artigo 806º, norma dedicada às obrigações pecuniárias. A crítica mais severa à consagração da cláusula penal compulsória constante do n.º 4 veio de Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Volume II, página 107., Não tanto pela forma como foi sistematicamente inserida, mas antes pela sua própria estatuição. Dizem esses autores que a norma foi elaborada “em termos pouco felizes”, representando uma espécie de adicional a todas as sanções pecuniárias aplicadas na área da mora ou do inadimplemento da obrigação. Não deixam também de mostrar perplexidade pela forma como o n.º 3 do artigo 829º-A prevê a divisão em partes iguais pelo Estado e pelo credor, considerando tal solução “verdadeiramente estranha e deplorável”. A sanção pecuniária compulsória legal é independente da indemnização eventualmente fixada em resultado do incumprimento da obrigação, não possuindo qualquer natureza reparadora. Com efeito, a sua finalidade não é a de reparar danos causados pela falta de cumprimento pontual, “mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou o seu desleixo, indiferença ou negligência” Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, páginas 456 e seguintes., sendo o seu montante fixado sem qualquer relação com o dano sofrido pelo credor. O âmbito de aplicação da sanção pecuniária legal cobre, portanto, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais. Contudo, da análise do titulo executivo, não se estando perante uma infungibilidade natural, fundada na própria natureza da prestação, nem tendo havido acordo das partes no sentido de a prestação dever ser feita apenas pelo devedor, nem se vislumbrando, por outro lado, que a realização por terceiro seja prejudicial ao credor, entendo que a sanção pecuniária compulsória em que os executados foram condenados por cada mês de atraso no cumprimento da sentença não respeita os pressupostos enunciados no art. 829-A do CC. No caso concreto, sua finalidade é exclusivamente compulsória, sem que cariz indemnizatório, pois que o seu escopo é compulsivo-sancionatório a pressionar o devedor (neste caso os executados) ao cumprimento da obrigação que ali assumiram perante o credor/exequente. Não obstante, a sentença condenatória transitou, há muito, em julgado, pelo que, sob pena de violação do caso julgado, não poderia ser agora aqui reapreciada. Cf., neste sentido, o acórdão deste STJ proferido em 19.9.2019, no processo 939/14.6T8LOU-H.P1.S1, in www.dgsi.pt. Poderá, agora, o tribunal reduzir proporcionalmente a sanção pecuniária compulsória já fixada, entendemos que sim. A sanção pecuniária compulsória gera uma nova obrigação, acessória da obrigação principal, no caso de o devedor não acatar a injunção do tribunal e se recusar a cumprir. Ou seja: a sanção pecuniária compulsória só é devida se o devedor adstringido, embora podendo, não cumpre a obrigação principal a que está vinculado. É o que resulta da sua própria natureza e finalidade. Trata-se, portanto, de uma obrigação condicional, por se encontrar subordinada ao não cumprimento da obrigação principal, podendo ela própria ser objeto de execução. cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória,1987, 407. Como obrigação acessória e condicional que é, incumbe ao credor exequente provar o não respeito pelo devedor da condenação principal (art. 715º, do CPC), podendo o executado opor-se à execução da dívida de sanção pecuniária compulsória com base nos fundamentos previstos no art. 728º, do CPC. Como refere o Acórdão do STJ datado de 10.12.2020, disponível, in www.dgsi. “Por seu turno, muito embora a decisão que decrete a sanção seja definitiva, não podendo, consequentemente, ser revista ou modificada, “o contencioso no processo de execução da dívida da sanção pecuniária compulsória é possível, e possível por várias razões (…)“. Por ex., “a sanção pecuniária que tenha sido ordenada para o caso de inadimplemento total (como o será em regra) deve ser reduzida, não necessariamente segundo o critério da proporcionalidade, mas de acordo com a equidade, por analogia com o disposto no nº2, do art. 812º para a cláusula penal.” cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória,1987, 442. In casu, de acordo com a nota discriminativa junta pela Sr. AE, resulta no campo 5 “Responsabilidades do executado” , que: “Total a pagar pelo Executado 5.1- 1.233.510,74 € Recebimentos do Executado ou por conta deste (incluindo produto venda) 5.2 -185.805,57 € (5.1 - 5.2) Valor a ser PAGO pelo Executado 5.3- 1.047.705,17 €” Ou seja, temos que respeitante a um capital de € 29.929,97, foram peticionados no requerimento executivo €145.000,00, (acrescido de 15.000,00) referente a cláusula penal, num total de €160.000,00. Já foram penhorados valores correspondentes a €185.805,57 aos executados e ainda se mostra por liquidar a quantia de - 1.047.705,17 €. Os executados pediram, à luz do disposto no artº. 812º do CC, a redução equitativa do montante dessa cláusula, por a considerarem ser manifestamente excessiva e desproporcionada. Preceitua o citado artº. 812º, nº. 1, do CC que “que a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.” Como é ressalta da parte final da mesma, e constitui entendimento pacífico, trata-se se uma norma de ordem pública, inspirada em fortes razões de ordem moral e social, levando a que prevaleça sobre as convenções privadas. (Vide, por todos, o prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. ed., Coimbra Editora, 1991, reimpressão, pág. 551”, e Nuno Oliveira, in “Cláusulas Acessórias ao Contrato, 2ª. ed., págs. 135/136”). Norma essa que foi criada para evitar penas abusivas, pois que, como escreve o prof. Pinto Monteiro (in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pág. 140”), se “na verdade, a ameaça da pena (normalmente elevada) constitui um poderoso estímulo ao cumprimento, um incentivo à execução voluntária do contrato (…), cumprindo assim uma função semelhante à sanção pecuniária compulsória, (…) é certo, no entanto, que a cláusula penal sempre se prestou a abusos, impondo o credor, por vezes, penas exageradas”, (…) e daí que o princípio da imutabilidade da pena – respeitado durante muito tempo como dogma – tenha cedido, dando lugar a uma fiscalização judicial destinada a fazer face a penas abusivas.” Vide acórdão de R Coimbra datado de 20.06.2017 disponível in www.dgsi.pt. Não basta para a redução da cláusula penal que ela seja excessiva, exigindo- se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada. (Cfr., por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª. ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 69”, e o prof. Pinto Monteiro, in “Ob. cit., págs. 141/142”; e L.A. Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral, 1983, 2º. Vol., pág. 459”). E quando tal suceder deverá a redução pautar-se por critérios de equidade. E nessa tarefa, embora a lei não nos forneça as precisas circunstâncias a que se deve recorrer, vem constituindo entendimento prevalecente que o tribunal dispõe contudo de uma liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os factores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc.. (Vide, por todos, o prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “O Direito das Obrigações, 10ª. ed. reelaborada, 2006, Almedina, págs. 801/802” e o prof. Mota Pinto, in “Direito Civil, 1980, pág. 225”). Considerando o caso em discussão, cumpre verificar, se a cláusula que estipulou em € 5.000,00 o valor a pagar pelos executados por cada mês que decorreu ou venha a decorrer desde 5 de dezembro de 2002 até à data do efectivo pagamento do capital de € 29.929,97, deve ou não ser reduzida e, em caso afirmativo, em que medida. Ora, atento o valor peticionado no requerimento executivo a título de cláusula penal de 160.000,00€, o mesmo não deixa de ser impressionante considerando o valor do capital em divida € 29.929,97… Entende o tribunal que , inicialmente, seria necessário fixar em que data concreta em que se mostrou liquidado o capital de € 29.929,97, uma vez que das regras de interpretação (artigo 236º CC)...a referida cláusula penal “só” seria devida até tal pagamento, o que considerando o montante já liquidado pelos executados nos presentes autos (€ 185.805,57), a mesma já, ao contrário do que resulta da nota discriminativa junta pela Sr.a Agente de Execução, e da posição assumida pelos exequentes já não é devida. Mais, para tal análise, entende o tribunal que seria necessária fazer uma abordagem minuciosa da tramitação da presente ação executiva, analisando os seus incidentes, oposições, longos períodos de suspensão devido, inclusivamente, ao falecimento de ambos os executados. Contudo, é evidente, que a obrigação assumida, não foi cumprida voluntariamente pelos executados, nem no prazo estipulado, nem em qualquer outro. Esse cumprimento veio a verificar-se coercitivamente, contudo, é evidente, que para tal contribuíram as ligações familiares, a complexidade do processo, os seus incidentes, o falecimento dos executados, inventario no caso de divórcio. Aqui, cumpre relembrar que “a presente execução tem por fonte um contrato promessa de partilha celebrado em 04 de Março de 2002 entre 4 irmãos, BB, CC, DD e EE, relativamente ao acervo hereditário dos bens deixado por morte dos pais deles, a II e o JJ, cujo decesso ocorreu, respetivamente, em 24.10.97 e 04.01.2000., cfr. Doc. Junto aos autos. (ref. 19879200). Entretanto, ambos os Executados também já faleceram, o DD em 22 de Fevereiro de 2009 e o EE em 22 de Janeiro de 2018. Nestes autos, os falecidos Executados estão habilitados pelas respectivas mulheres, no caso do DD pela sua viúva AA, e no caso do EE, pela sua viúva FF. Pelo que, prosseguiu a presente execução com os Exequentes BB e CC, no lado ativo da relação jurídica processual, e, por AA e FF, estas como habilitadas dos Executados, no lado passivo da mesma relação processual. Ora, o referido contrato promessa de partilha teve por objeto bens móveis e imóveis, tendo os Executados DD e EE adjudicado (comprado) o quinhão hereditário dos irmãos e Exequentes BB e CC. O valor de compra e venda dos bens acordado entre os irmãos, foi de € 64.843,72, que os Executados DD e EE se comprometeram a pagar em partes iguais, tendo de imediato pago a quantia de € 4.987,98, restando pagar mais a quantia de € 29.927,87 cada um – (por força da correspondente aquisição de metade dos bens por cada um deles) - no prazo de 180 dias, aos Exequentes BB e CC. Sucede que, em 31 de Agosto de 2002, o Executado EE remeteu para o Exequente BB um cheque endossado a seu favor (nome), que este recebeu e descontou, no montante de € 29.927,87 correspondente à totalidade da parte que lhe cabia pagar (metade), relativamente aos bens adquiridos aos irmãos e aqui Exequentes, sendo que a outra metade pertencia pagar ao DD. Na data do vencimento prevista no contrato promessa de partilha para o pagamento, isto é, em 31 de Agosto de 2002, os Exequentes receberam a quantia de €29.927,87, paga pelo executado EE, restando por pagar a parte do executado DD, ou seja, o mesmo montante de € 29.927,87. Acontece que o executado DD não procedeu ao pagamento aos irmãos, aqui Exequentes, da parte (metade) que lhe correspondia pela aquisição dos bens, conforme acordado no mencionado contrato promessa de partilha. Por força desse incumprimento do DD, o BB e a CC, enquanto Autores, intentaram ação declarativa para pagamento de quantia certa contra os RR DD e EE,” cfr. Doc. Junto aos autos. (ref. 19879200), que deu origem ao titulo executivo da presente ação executiva. Não nos parece que o espírito do acordo pretendesse abranger uma circunstância temporal como a peticionada, cujo valor compulsório atingisse o valor referido. Aliás, isso é demonstrado pelo valor fixado “contratualmente” para a cláusula indemnizatória devida (em 5.000,00 €), por cada mês de atraso, cfr. Clausula 7ª cfr. Doc. Junto aos autos. (ref. 19879200). Aliás, diga-se que não se tratou de um incumprimento total, mas sim parcial, uma vez que, inclusivamente, resulta do titulo executivo que o executado EE liquidou aos exequentes a quantia de €29.927,87, ou seja, metade da divida. Julgamos que o quantitativo peticionado a titulo de clausula penal, neste momento, €966.250,00, cfr. Nota discriminativa é manifestamente desproporcional e manifestamente excessivo, para alem de não ter qualquer suporte legal, ou seja, os executados não dispõem de título executivo para tal pedido… Ora, aqui chegados, parece-nos claro que a cláusula se apresenta como “manifestamente excessiva” e o seu pedido, nos termos em que os exequentes o fazem, representa um claro abuso de direito. Não estamos perante uma mera superioridade a nível quantitativo, mas perante uma pena compulsória manifestamente excessiva. Nestes termos, temos presente o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena, mas também a gravidade da infracção contratual, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do cumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e as eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal. O objectivo da redução da cláusula manifestamente excessiva é revê-la em função do seu manifesto exagero, de modo a torná-la equitativa, atendendo aos interesses em jogo e não à circunstância fortuita de, eventualmente os prejuízos se revelarem muito baixos ou até inexistentes. Na opinião do Prof. Calvão da Silva “a decisiva condição legal de intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva – não basta uma cláusula excessiva cuja pena seja superior ao dano – de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, enorme, «que salte aos olhos»”. in“Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1997, p. 274” Cabe, pois, ao tribunal socorrer-se de todos os factores de ponderação de que disponha, devendo ter em conta, por exemplo, os danos previsíveis ao tempo da conclusão do contrato e o efectivo prejuízo sofrido pelo credor; à finalidade com que a pena foi estipulada, isto é, à espécie prevista pelos contraentes, à natureza do contrato (o facto de se tratar de um contrato negociado ou de um contrato de adesão); ao motivo do incumprimento e a boa ou má fé do devedor. Ora, neste quadro, importa apreciar o montante da cláusula penal por referência ao quadro contratual global em causa. Para esse efeito, temos presente a natureza e condições de formação do contrato, a situação económica das partes, o prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivamente sofrido pelo credor, as causas explicativas do não cumprimento do contrato, o que implica uma “apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé. Com o devido respeito pela parte, in casu, julgamos ser manifestamente abusivo o direito que a cláusula confere ao exequente, quando interpretado conforme o fazem os exequentes, isto é, não tem limite temporal a eficácia da cláusula compulsória para o início do cumprimento voluntário. Repare-se no seguinte: ao lado do cumprimento voluntário, existe o cumprimento coercitivo. A partir do momento em que correm termos o processo executivo para esse cumprimento, a cláusula penal coercitiva deixa de produzir efeitos. O cumprimento voluntário não ocorreu; esse cumprimento foi feito através de mecanismos de execução coercitiva, estando, desde então, dependente agora dessa execução o cumprimento da obrigação e já não tanto do comportamento dos executados. Vistas as coisas sob o ponto de vista da cláusula compulsória, é para nós óbvio que a mesma a partir de determinada altura deixou de ter qualquer fundamento ou razão de ser. Considerando que, inclusive, não foi possível aos executados após sentença- cumprir sem o pagamento da clausula penal, o que originou varias interpretações da mesma. Não deixa o tribunal para esse efeito de ter presente o comportamento dos executados e exequentes ao longo do processo executivo – cuja análise é muito clara e resulta dos seus termos e do conteúdo de decisões nele proferidas. Assim, atento o titulo executivo-sentença condenatória- peticionaram os exequentes no requerimento inicial a título de clausula penal 145.000,00€- 29 meses. Assim, julgo que só é aceitável considerar ter existido mora durante os primeiros 10 meses (após os 180 dias concedidos – isto é, o quase o dobro do prazo estipulado para o cumprimento da obrigação, prazo que consideramos razoável e equitativo), sendo que, a partir daí, é manifestamente abusivo da parte do exequente, na nossa apreciação, e salvo o devido respeito, considerar o montante em causa como sendo ainda compulsório para cumprimento da obrigação devida. Assim, a título de cláusula penal compulsória, fixaremos a mesmo como sendo devida ao exequente o montante de 50.000,00€ (10 meses X 5.000,00 €), o que atento todo o exposto é mais que razoável, e apenas poderá pecar por excesso… O montante peticionado que excede o referido é manifestamente abusivo. Diga-se, aliás, que o tribunal com esta redução está a anular as vantagens da cláusula penal estipulada e as suas funções, já que o montante em causa se mostra “ainda elevado” para o quadro contratual em apreço (supra apreciado, capital em divida €29.929,97). Ora, o montante peticionado a este respeito excede objectivamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico do acordado. É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O abuso de direito pressupõe o seu exercício pelo respectivo titular de uma forma de tal modo arbitrária, exacerbada ou desmesurada, que, porque ofensivo da justiça, atentas as concepções ou o sentimento ético-jurídico dominante na colectividade e os juízos de valor positivamente consagrados na lei, se mostre inadmissível. A actuação do instituto do abuso de direito, neste caso, impedirá que a ré seja condenada a pagar um valor manifestamente excessivo e abusivo e a partir do limite quantitativo em que considerado exceder tal critério normativo. Assim, decidirei reduzir o valor da clausula penal em causa para o montante de 50.000,00 € Essa será a obrigação devida pelo incumprimento acordado, que definiremos como exigível aos executados. Assim: julgo ser devido, a nível de cláusula penal, o valor global de 50.000,00 € (15.000,00 € + 35.000,00 €). Em conformidade, reduziremos a quantia exequenda para esse valor. Pelo exposto, nos termos legais e fundamentos supra referidos, decido, reduzir a cláusula penal para o valor global de 50.000,00€. Notifique e DN Atenta a decisão supra referida, notifique, de imediato a Sr. AE para, em 10 dias, juntar aos autos nota discriminativa onde conste, no quadro 3: -capital em divida: 42.277,99€ -outras despesas constantes do requerimento executivo: 35.000,00€. Procedendo a nova liquidação atento os valores ora referidos, com vista a proceder à extinção da execução, ou verificar se existe ainda alguma quantia a liquidar. Declaro, desde já, suspenso qualquer acto de venda a realizar nos presentes autos. DN”
3. Notificada de tal despacho veio a Sra. Agente de Execução, em 20-07-2022 apresentar nota discriminativa.
4. A 12-09-2022 veio a executada impugnar a nota discriminativa apresentada pela Sra. Agente de Execução, alegando que (i) da mesma não consta contabilizado o valor de € 13 317,34 pago pelos executados a título de tornas, e levantado pelos exequentes mediante precatório cheque em 21-06-2006, (ii) os juros de mora não podem ser contabilizados sobre o valor da sanção pecuniária compulsória; (iii) há ainda a considerar os valores das penhoras sobre as pensões do executado falecido EE, e que até à sua morte totalizaram € 26 805,57;
5. A 25-01-2023 foi ordenada a notificação de Exequentes e Agente de Execução para se pronunciarem sobre a reclamação do acto da Sra. Agente de Execução, apresentada pela Executada, o que a mesma veio fazer a 23-02-2023, mantendo a nota discriminativa oportunamente apresentada.
6. A 24-02-2023 veio a Sra. Agente de Execução requerer a intervenção do Tribunal no sentido de se pronunciar sobre a manutenção da diligência de entrega do imóvel agendada para 01-03-2023.
7. A 07-06-2023foi proferido o seguinte despacho: “A junção de documentos por parte da Sr.ª AE por via da ref.ª23097252, de 31/03/2023, sem qualquer outra indicação para esclarecimento dos factos ou tomada de posição quanto aos requerimentos em causa, não satisfaz o determinado pelo despacho com a ref.ª143323872, de 24/03/2023. Assim, renovo o aludido despacho. Todavia, não pode a Sr.ª AE deixar de ter presente que, conforme despacho de admissão de recurso com efeito suspensivo proferido nos autos principais (cfr. ref.ª142908704, de 8/03/2023), de que foi pessoalmente notificada (cfr. ref.ª143608463, de 31/03/2023), foi aí determinado que suspendesse as diligências de entrega do imóvel. Tal imposição de suspensão das diligências de entrega do imóvel, justificada com a finalidade de não inviabilizar o efeito útil do recurso pendente, por identidade de razões, não pode deixar de ser atendida também no presente apenso, o que se determina. Notifique.”
8. por requerimento de 13-06-2023 veio a interveniente acidental /compradora informar os autos que sob o recurso interporto do despacho que ordenou a entrega do imóvel havia sido prolatado acórdão em 25-05-2023 que julgou improcedente o recurso interposto pela Executada.
9. Por despacho de 21-09-2023 ordenou-se que o Agente de Execução aguardasse a baixa dos recursos.
10. No apenso M dos autos de Execução foi, a 23-05-2023 proferido acórdão que julgando improcedente a apelação confirmou a seguinte decisão da 1.ª instância: “Por todo o exposto, autorizo a intervenção da força pública como vista à entrega do imóvel objecto destes autos, se necessário com arrombamento, devendo, no entanto, ter-se presente o que se dispõe no art. 861º, nº 6, do Cód. Proc. Civil”.
11. Foi interposto recurso de revista excepcional, o qual, por decisão singular, foi rejeitado por inadmissibilidade legal , tendo sido apresentada reclamação para a conferência.
12. Foi decretada a suspensão da instância até ao julgamento pelo pleno das secções cíveis no âmbito do Recurso para uniformização de jurisprudência 575/05.8TBCSC.WA.S1.
13. Declarada cessada a suspensão da instância, foi a 10-12-2024 proferido acórdão que julgou improcedente a reclamação, mantendo a decisão recorrida.
14. O referido acórdão transitou em julgado, tendo os autos baixado à 1.ª instância em 14-01-2025.
15. Da decisão referida em 2. foi interposto recurso por parte dos exequente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência do mesmo, fixado em € 135 000,00 o valor da quantia devida a título de cláusula penal.
16. Inconformada com tal decisão do Tribunal da Relação de Lisboa veio a executada interpor recurso de revista para o STJ o qual, por acórdão de 27-02-2024, concedeu provimento à revista, repristinando a decisão de 1.ª instância que reduziu a cláusula penal para € 50 000,00.
17. Transitado em julgado esta acórdão, os autos (apenso L) baixaram à 1.ª instância em 25-03-2024.
*
III. O Direito:
Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia
Nas suas alegações de Recurso a Recorrente invoca a nulidade da Sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
Para tanto, refere nas suas alegações de recurso que:
“De acordo com o disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, a Sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Obrigação que, desde logo, decorre do artigo 608.º n.º 2 do CPC 1ª parte.
Em anotação ao presente artigo, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre dizem, em relação à alínea d), que o Juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que lhe cabe conhecer oficiosamente.
Neste sentido vai o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 09-10-2018 (Proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7), ao referir que “(…) as questões que o juiz tem que resolver na sentença e cuja omissão acarreta a nulidade cominada na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., são aquelas que fundamentam o pedido e a causa de pedir. Assim, pois, e em resumo, as questões sobre as quais o juiz está obrigado a pronunciar-se na sentença, são apenas aquelas que integram o pedido e a sua fundamentação ou seja, a causa de pedir (…)”2
Ora, o tribunal, refere na Sentença recorrida que “no mais, não se conhece das alegações vertidas nos artigos 15 e seguintes por se tratar de matéria de oposição à penhora e/ou embargos de executado, apenas podendo nessa sede ser eventualmente conhecidas, sendo, além do mais, manifestamente extemporâneas, ante a data da concretização da penhora (2013 / 02 / 08)”.
Deste modo, está a descurar uma das causas de pedir, alegada nos artigos 28 a 36 do requerimento com a referência 49144935, que baseia a invalidade da compra e venda judicial na correspondente aplicação do instituto civil do abuso de direito (artigo 334.º do CC), algo completamente distinto de matéria de oposição à penhora e embargos de executado.
É ainda importante referir, a este propósito, que a penhora e a posterior venda judicial dos bens penhorados, ainda que complementares, constituem questões jurídicas distintas e autónomas.
Assim, salvo melhor entendimento, não pode qualificar-se a arguição da invalidade da venda através da aplicação do artigo 334.º do código civil como matéria de oposição à penhora, como fez o tribunal a quo.
Neste sentido, não tendo o tribunal se pronunciado sobre a causa de pedir, viola o disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo a respetiva consequência jurídica a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC.”
Vejamos agora a fundamentação da decisão recorrida: “ (…) No presente caso, em 19/05/2021 e na sequência do despacho judicial proferido em 7/11/2017, a Senhor(a) Agente de Execução proferiu decisão mediante a qual decidiu pela venda em leilão electrónico no prédio penhorado nos autos, do que notificou o Dr. GG, nada tendo sido dito. Por decisão de 21/05/2021, a Senhor(a) Agente de Execução decidiu pela venda por negociação particular, defendendo que, como as anteriores tentativas de venda se frustraram. De tal decisão foi notificado o Dr. GG. Porém, em 16/04/2021, a executada juntou instrumento de revogação da procuração outorgada a favor de tal Ilustre Mandatário, do que o mesmo foi notificado em 19/04/2021. Nos termos do artigo 47.º do Código do Processo Civil 1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária. 2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte. 3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias: a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente; b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados; c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante. 4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º. 5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias. 6 - Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando for dele a falta a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue só o pedido reconvencional, decorridos que sejam 10 dias sobre a suspensão da ação. Ora, daqui resulta que, à data das notificações em causa, o Ilustre Mandatário já não patrocinava a executada. Não obstante, resulta dos autos uma notificação à própria executada (datada de 21/05/2021), na qual, além do mais, se dava nota da venda por negociação particular e da data aprazada para a mesma. Além disso, em 28/05/2021, a Senhor(a) Agente de Execução juntou aos autos certidão da afixação de editais de publicidade da venda na porta do bem imóvel, constando inclusivamente uma menção de que a executada AA não iria mostrar o imóvel a ninguém. A mandatária subscritora do requerimento em análise juntou aos autos procuração outorgada a seu favor pela executada em 1/06/2021, vindo, posteriormente, a intervir nos autos, mediante requerimento, em 29/06/2021, 14/01/2022, 11/02/2022, 18/02/2022, 28/03/2022, 20/04/2022. De acordo com o artigo 195.º, n.º 1 do Código do Processo Civil Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Por seu turno, de acordo com o artigo 199.º, n.º 1 do mesmo diploma legal Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. No presente caso, considerando que a executada interveio por diversas vezes nos autos, sem logo arguir a omissão em causa (no caso, desde 11/06/2021, pelo menos) vindo a fazê-lo mediante req. entrado em juízo em 7/06/2024, tal arguição é manifestamente extemporânea. Sendo extemporânea, é consequentemente improcedente o pedido de anulação do acto de venda, nos termos do artigo 839.º, n.º 1, al. c) do Código do Processo Civil. No mais, não se conhece das alegações vertidas nos artigos 15 e seguintes por se tratar de matéria de oposição à penhora e/ou embargos de executado, apenas podendo nessa sede ser eventualmente conhecidas, sendo, além do mais, manifestamente extemporâneas, ante a data da concretização da penhora (2013 / 02 / 08).”
Em face do teor do despacho proferido, cumpre conhecer da eventual omissão de pronúncia por parte do Tribunal.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil que “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”.
Os vícios a que se reporta este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 608º do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, que na sua concepção clássica e tradicional significava que “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374), mas também do princípio do contraditório, que na sua actual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem activamente o processo e contribuírem activamente para a decisão a ser nele proferida.
Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art.º 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e excepções invocadas e, bem assim de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de excepção ou excepções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a decisão por omissão de pronúncia -, cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da decisão, que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão.
Ou seja, é insofismável que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação! Mas não menos verdade é a afirmação de que constitui excepção a esta regra a obrigação de resolução das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
E, a questão da tempestividade, é exemplo paradigmático de situações em que pode ficar prejudicado o conhecimento das questões suscitadas ao Tribunal.
Descendo ao caso concreto, entendeu o Tribunal a quo, que o pedido de anulação do acto da venda – apresentado em 07-06-2024 relativamente a uma venda efectuada em 25-06-2021 - era improcedente porque (i) intempestiva era a arguição de nulidade nele invocada como fundamento e (ii) os restantes fundamentos invocados eram fundamento de oposição à penhora e/ou embargos de executado, mas já não de invalidade da venda, sendo que ainda que se entendessem como oposição à penhora ou à execução sempre seriam manifestamente extemporâneas.
O art. 839.º do CPC dispõe que “ 1. (…) a venda só fica sem efeito:
a. Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente (…);
b. Se toda a execução for anulada por falta de nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 4 do art. 851.º;
c. Se for anulado o acto da venda, nos termos do art. 195.º;
d. Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. (…)”
Enquanto o art. 838.º do CPC visa tutelar o comprador do bem penhorado, por causas de ocorrência de anulação de direito substantivo, já o art. 839.º do CPC visa tutelar o executado (als. a) e b) do n.º 1), o terceiro proprietário (al. d) do n.º 1) e as partes na execução ou os interveniente4s no acto da venda por causas de nulidade processual (neste sentido ver José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, pags. 827 e ss.).
Tendo em atenção esta previsão, apenas relevaria a al. c) do art. 839.º do CPC, na medida em que todas as outras são inaplicáveis face ao alegado pela executada e ao que resulta dos presentes autos.
O que convoca o regime geral das nulidades, previsto nos arts. 186.º a 202.º do CPC, nos quais se apontam nulidades principais, nominadas ou típicas, bem como nulidades secundárias, inominadas ou atípicas e qual o seu regime de arguição.
A recorrente não põe em causa no recurso apresentado o que se decidiu quanto a eventuais nulidades.
Nem tao pouco põe em causa o decidido quanto ao prazo de arguição das mesmas e consequências daí extraídas.
Refere apenas e não só que o despacho deveria ter apreciado todas as outras questões nele suscitadas, e que não o tendo feito está ferido de nulidade.
Não interessa por isso apreciar – até porque não é suscitado em sede de recurso de apelação – se o Tribunal decidiu bem ou mal a concreta questão da anulação do acto da venda.
Interessa isso sim apreciar se o Tribunal deveria ter conhecido das restantes questões suscitadas, a saber: (i) indevida penhora da totalidade do imóvel; (ii) abuso do direito.
Percorrendo a decisão recorrida ficamos a saber porque é que o Tribunal recorrido não apreciou o seu mérito. Não estamos perante uma omissão de pronúncia qua tale. Estamos perante uma não pronuncia justificada da seguinte forma: “No mais, não se conhece das alegações vertidas nos artigos15 e seguintes por se tratar de matéria de oposição à penhora e/ou embargos de executado, apenas podendo nessa sede ser eventualmente conhecidas, sendo, além do mais, manifestamente extemporâneas, ante a data da concretização da penhora (2013 / 02 / 08).”
Isto é, o Tribunal pronunciou-se. Apenas não se pronunciou sobre o mérito por ter entendido que o pedido de anulação da venda não era o meio próprio para atacar a penhora e a concreta decisão de venda.
Em face do exposto, é evidente que não se verifica qualquer nulidade da decisão recorrida, pelo que improcede tal arguição.
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b) Do mérito do Recurso
No que ao mérito do recurso respeita, somos do entendimento que a Recorrente não ataca aquilo que cumpriria atacar: que o pedido de anulação da venda pode comportar questões relacionadas com a penhora e com o abuso de direito.
Este era o nó górdio que cumpriria atacar para que o Tribunal pudesse efectivamente conhecer do mérito destas questões.
Mas no que respeita a esta admissibilidade de invocação destas concretas questões num requerimento de anulação da venda, nem uma palavra é dita no recurso em apreciação.
E não é dito por questões que se nos afiguram evidentes: é que a afirmação feita pelo Tribunal a aquo é inatacável!
No que respeita à penhora é mais que evidente que a questão suscitada pela Executada/Recorrente é questão que tem o seu meio processual próprio no incidente de oposição à penhora. Isso mesmo resulta da leitura integral do art. 839.º, n.º 1, do CPC, nomeadamente da sua articulação com a al. a). A al. a) tem razão de ser exactamente pela circunstância de estar o legislador ciente de que o lugar próprio para apreciar da legalidade das penhoras é o incidente de oposição à penhora.
Da mesma forma que o abuso do direito tem o seu lugar na oposição à execução, até mesmo na oposição à penhora ou requerimento apresentado pelo Executado na sequência da notificação para venda, o que não sucedeu!
Agora, querer atacar um acto de venda – validamente realizado – invocando abuso do direito na decisão de penhorar ou vender um certo e determinado bem, quando em momento algum da nomeação de bens à penhora, penhora ou decisão de venda se pôs a mesma em causa (e mais, até se conformou pedindo apenas a suspensão da entrega), é manifestamente inadmissível nesta fase e não se enquadra em nenhum dos fundamentos do art. 839.º do CPC.
Não há que conhecer da penhorabilidade do bem vendido nem do abuso do direito da decisão de vender aquele concreto bem, porque não é o pedido de anulação da venda, nos termos do art. 839.º do CPC o meio adequado e idóneo para o efeito.
Diferentemente sucederia se tivesse sido, atempadamente, deduzida oposição à penhora e a mesma tivesse sido julgada procede3nte. Nesse caso a preocedência da oposição à penhora determinaria o levantamento da mesma e, na subsistindo a penhora, não subsistiria igualmente a venda dos bens sobre os quais a mesma incidia. Mas, movemo-nos no campo das hipóteses porque, na realidade, a executada não deduziu oposição à penhora, nem mesmo oposição à execução.
O processo tem, no seu andamento de acordo com a tramitação legal, efeitos preclusivos que estão directamente relacionados com a segurança jurídica e a paz social, não se compadecendo o mesmo – e muito concretamente o processo executivo – com tácticas de reservar argumentos para quando estiverem esgotadas todas as hipóteses de as partes alcançarem os seus objectivos. A lealdade dos diversos sujeitos processuais assim o exige.
Não podemos deixar de notar que a executada apenas usou o presente expediente para atacar uma venda levada a cabo há mais de 3 anos quando foi notificada de todos os trânsitos em julgado de decisões que lhe foram desfavoráveis e em que – mesmo tendo sido proferidas após a decisão de venda – nunca suscitou a sua invalidade, pretendendo sempre apenas e tão só obstar à entrega do imóvel.
Este pedido foi apenas e tão só a derradeira tentativa de protelar essa mesma entrega.
Pelo que sempre terá o presente recurso de necessariamente improceder.
Em face do exposto, mais não resta a este Tribunal da Relação que julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Executada AA.
Tendo a Executada/Apelante decaído no recurso, é a mesma responsável pelas custas.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 6.ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação da Executada AA totalmente improcedente e em consequência confirmar, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas da apelação pela Apelante.
Registe e notifique.
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Lisboa, 09 de Outubro de 2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Isabel Maria C. Teixeira
João Brasão
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1. Por opção da Relatora, o acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando, não obstante, nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).