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ACIDENTE DE VIAÇÃO
ABANDONO
Sumário
Sumário: 5.1.- No âmbito da aplicação e aferição do alcance da cláusula 40ª, nº1, alínea c), das Condições Gerais do Contrato de Seguro, nos termos da qual encontra-se excluída a cobertura dos sinistros “…quando voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade”, diversas têm sido as interpretações levadas a cabo pela jurisprudência ; 5.2. – Da nossa parte, estamos em crer que para que se justifique a respectiva aplicação basta que se prove existir um abandono do local do acidente por parte do causador do acidente/tomador do seguro, e tendo o mesmo a consciência da conveniência e necessidade [ v.g. perante as circunstâncias do acidente e consequências do mesmo ] do chamamento das Autoridades Policiais para tomarem conta da ocorrência do mesmo. 5.3. - A amparar o entendimento referido em 5.2., recorda-se que a interpretação da referida cláusula deve ser efectuada considerando o disposto nos artigos 236º a 238º do C.C e artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº445/85, tendo em conta as características próprias do contrato de seguro facultativo e os interesses que com ele se visaram assegurar, bem como os valores fundamentais do ordenamento jurídico. 5.4 - Estando em causa um acidente sem terceiros envolvidos , do qual não resultaram feridos e cujo condutor , residente nas proximidades do local, logo diligenciou no sentido de o local do mesmo ser “ limpo” – com a remoção de destroços susceptíveis de constituírem perigo para outros condutores - , nada permite concluir que aquando do abandono do local do acidente tinha o condutor do veículo sinistrado consciência da necessidade de existir o chamamento das autoridades ao local do acidente.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
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1. - Relatório MUNICÍPIO DE SERNANCELHE instaurou ação declarativa com processo comum contra CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A.. peticionando a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €22.664,50, a título de dano patrimonial emergente de acidente de viação, acrescida de juros demora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
1.1. - Para tanto , alegou a autora , em síntese, que :
- Autora e a Ré celebraram, no dia 24 de novembro de 2020, um contrato de aquisição de apólices de seguros – frota automóvel – , através do qual a Ré obrigou-se a fornecer a aquisição de apólices de seguros – frota automóvel, ao Autor, de acordo com as cláusulas técnicas presentes no Caderno de Encargos, conforme procedimento por Concurso Público DAF_25/2020, bem como a praticar os preços constantes nas aludidas cláusulas ;
- Sucede que, no dia 01 de abril de 2021, na Rua …, sentido “Casa …” –“Bombeiros Voluntários Sernancelhe”, em Sernancelhe, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 11-…-90, propriedade do Autor e conduzido pelo seu representante, Exmo. Senhor …., CSS.
- O referido acidente ocorreu em razão das condições meteorológicas existentes naquele dia e hora , maxime, chuva , pois que o veículo despistou-se, subindo o passeio e embatendo, consequentemente, num poste metálico de iluminação pública que se encontrava do lado direito da via atento o seu sentido de marcha.
- Tendo do referido choque resultado múltiplos danos materiais no veículo , certo é que não obstante a Autora ter participado o sucedido junto da Seguradora, ora Ré, com o intuito de obter a imediata regularização do pagamento das quantias relativas à reparação do automóvel supra identificado, veio a Ré a declinar qualquer responsabilidade, para tanto socorrendo-se erradamente da aplicação ao caso de cláusula de exclusão contratual da garantia relativa ao seguro facultativo consignada na alínea c), do n.º 1, da Cláusula 41.ª (doc. 3 junto), ao abrigo da qual se encontram excluídos os sinistros em que o condutor do veículo se recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente antes de chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada.
1.2. - Após citação, contestou a Ré CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A.., no essencial por excepção [ invocando a aplicação ao caso de concreta cláusula contratual – a qual reza que mostram-se excluídos os “ Sinistros em que o condutor do veículo recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de detecção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada ”- que exclui a sua responsabilidade ] e por impugnação motivada, aduzindo que se os danos apurados no veículo ascenderam apenas a €.13.587,76 e não aos €.21.557,49 peticionados, uma vez que o Relatório de Separação de Danos junto pela A. contem peças que não foram comprovadas como danificadas (como a direção, a barra de direção...), outras que, tendo sido, são passíveis de reparação (de que é exemplo a jante traseira direita) e ainda danos que não são compatíveis com a dinâmica do sinistro em causa (como os no farol esquerdo.
1.3.- Após resposta da autora à excepção, foi dispensada a AUDIÊNCIA PRÉVIA [ao abrigo do disposto no artigo 593.º, n.º 1 do CPC ], foi proferido o competente DESPACHO SANEADOR, tabelar, e identificou-se o OBJECTO DO LITIGIO, bem como foram enunciados os TEMAS DA PROVA, não tendo havido reclamações.
1.4.- De seguida, veio a designar-se a realização da AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, que teve lugar com a observância das legais formalidades e, concluída a mesma ( a 20/1/2025 ) e conclusos os autos para o efeito, proferiu o tribunal a quo a competente SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ (…) Decisão: Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente esta ação e condena-se a ré a pagar à autora a quantia de €21.557,49, acrescida de juros de mora desde a instauração da ação até integral pagamento. Custas pelo autor e pela ré, na proporção do respetivo decaimento. Registe-se e Notifique-se. Lisboa, ds”.
1.5. - Inconformada com a sentença indicada em 1.4., da mesma apelou então a Ré CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A., apresentando a recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
I. O presente recurso foi interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, que condenou a Ré (Recorrente) a pagar à Autora (Recorrida), a quantia de €.21.557,49, acrescida dos juros de mora desde a instauração da ação até integral pagamento.
II. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não decidiu correctamente ao ter considerado como não provados designadamente os seguintes factos:
23. O poste de iluminação ficou com danos bastante elevados e em risco de queda, por ter resultado do sinistro.
26. Os destroços na via constituíam perigo para os outros condutores.
III. O Senhor Militar da GNR no âmbito da audiência de julgamento prestou em tribunal, os seguintes esclarecimentos, (vide sistema de gravação digital –marcador 3 – sessão de 14/11/2024): [01:08:46 – 01:11:18] Advogada: Também disse que, quando chegou os bombeiros já estariam ali a fazer a limpeza, da… Já se tinham apercebido desse embate e estariam ali já alimpar os destroços. Ou percebi mal? Testemunha: Eu quando cheguei os bombeiros estavam junto ao local e já tinham removido alguns destroços. Daí não haver medidas fixas dos destroços. Advogada: Pronto. Portanto no fundo aqui a reportagem fotográfica que tem no auto... admite que pudesse haver mais, não é? Se já tinham sido mexidos… Testemunha: Certo. Certo, certo, certo, certo. Poderia haver mais destroços, mas eles não estão fixos ali uma vez que eles mexeram. Uma vez que a situação no local foi violada, não há fixação dos destroços. Advogada: Claro, faz sentido. Olhe e em relação ao poste, aqui vê-se que ele está bastante vergado, até ali pela base, digamos assim. Testemunha: Certo. Advogada: Confirma? Ele estava assim bastante danificado, se calhar até em risco de queda? Testemunha: O poste é conforme se vê na imagem, conforme se vê na imagem o poste ficou assim nesse estado. Estava em risco de queda. Advogada: Olhe recorda-se das circunstâncias, diz aqui no seu auto fatores atmosféricos chuva. Testemunha: Certo, certo.. Advogada: Chovia, era noite cerrada, não é? Por esta hora… Testemunha: Era noite escura, tava a chover. No momento do acidente não sei precisar se estava a chover; não estava lá no local; mas quando cheguei ao local tinha acabado de chover prematuramente, tinha acabado de chover há pouco tempo e a estrada encontrava-se bastante molhada, ainda. Advogada: Pronto. Isto poderia obviamente constituir aqui um perigo para os veículos que circulassem, tendo em conta até as condições atmosféricas se deparar aqui com estes destroços, não é? Testemunha: Exactamente. Advogada: E mais o risco de queda do poste? Testemunha: Pronto, sim mas o poste eu não estou a ver muito bem para onde mas penso que estaria em risco de queda para o interior do passeio, salvo erro mas é percetível pela imagem. Advogada: Pronto mas ou seria para o lado do passeio assim mais ou para o lado da estrada, para algum lado estaria em risco? Testemunha: Exactamente. [01:23:32 – 01:24:05] Advogado: Aquele poste, falou em poste, aquele poste que disse nas suas palavras, que ficou em risco de queda, aquele poste não tinha tido já um acidente anterior? Testemunha: Por coincidência fui eu o participante também. Advogado: Então, então o poste, foi o segundo acidente. Quer dizer este acidente, pode ter sido muito grave ou pouco grave, não interessa. Relativamente ao poste, houve dois toques, dois embates no poste, num curto espaço de tempo. Verdade? Testemunha: Sim, sim, sim, Advogado: Qual deles foi o que causou esse tal dano que nas suas palavras determinou o risco de queda do poste? Qual dos acidentes é que foi? Testemunha: O segundo, o segundo. Advogado: Mas porque é que diz isso? Testemunha: O segundo. [01:26:29 – 01:27:05] Advogada: Em algum momento alguém lhe disse ou designadamente naquilo que lhe foi, que espoletou a vossa deslocação à ocorrência que esse condutor que tinha embatido, tinha parado, tinha saído do carro. Enfim.. até para ver os danos quer no poste, quer no carro? Testemunha: Ninguém. Ninguém disse, a única coisa que disseram foi que bateu e colocou-se em direção à escola.
IV. Ora, perante a melhor prova de que o Tribunal a quo dispunha (auto de notícia e esclarecimentos bastante credíveis, do seu autor, em sede de audiência de julgamento), a matéria dada como não provada pelo Tribunal a quo nos pontos 23 e 26 deveria ter sido a seguinte:
23. O poste de iluminação ficou com danos significativos e em risco de queda, os quais resultaram do embate em questão.
26. Atenta a hora do acidente – noite escura - e as condições climatéricas que se faziam sentir no local – chuva - os destroços na via, se não tivessem sido de imediato removidos, constituiriam perigo para os outros condutores.
V. Face às circunstâncias de tempo e atmosféricas e aos danos causados no poste e destroços deixados na via pública, seria expetável que o condutor, à data Senhor …, não só não pudesse ignorar que causou danos a terceiros, designadamente ao Município, devendo de imediato ter chamado as autoridades, acautelando designadamente que os danos ficassem consignados em auto, como, não assim tendo procedido pudesse ignorar que as mesmas fossem chamadas ao local, como efetivamente o foram.
VI. Recando sobre si, uma especial responsabilidade, não só pelo cargo que ocupava à data, como por todas as circunstâncias e designadamente a presença de destroços, não negligenciáveis, na via pública (e que permitiram até a identificação do modelo da viatura sinistrada) que constituíam um perigo para a circulação de outros veículos, mais a mais atenta a hora e condições atmosféricas; bem assim o poste, que se encontrava em risco de queda.
VII. E é por isso, que entende a Recorrente que a cláusula de exclusão invocada, deveria ter-se por verificada, porquanto o condutor voluntariamente – até porque nenhuma prova foi feita no sentido de existir motivo atendível para a sua ausência - abandonou o local do acidente, antes da chegada da autoridade policial, que foi chamada e efectivamente compareceu no local.
Nestes termos, e com o muito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.
Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA.
1.6.- O apelado MUNICÍPIO DE SERNANCELHE, e em relação à apelação identificada em 1.5., apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado, pata tanto deduzindo as seguintes CONCLUSÕES :
1. O juízo do Tribunal a quo assenta na apreciação motivada da prova, não só documental mas também testemunhal ;
2. Nada, no que respeita à prova, ficou na douta sentença por analisar, pelo que salvo o devido respeito, a lista dos factos na douta provados é inabalável, não pelo fazendo qualquer sentido a impugnação da matéria de facto que a Recorrente trouxe ao presente recurso .
3. De toda a factualidade alegada e provada decorre de modo insofismável que houve – e há - um incumprimento parte da Seguradora , aqui recorrente, das obrigações assumidas no contrato de seguro quanto à regularização do sinistro, não assumindo o pagamento da reparação devida pelo mesmo.
4. Mesmo que os pontos da matéria de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados passassem a constar da lista dos factos provados, jamais a recorrente obteria ganho de causa, pois deles não resultam factos que permitissem o preenchimento da cláusula contratual de exclusão da responsabilidade em análise nos presentes autos, na medida em que continuaria a não estar provado que as autoridades foram chamadas e que, ciente desse chamamento, o condutor se ausentou do local do sinistro.
5.Não padece, pois a douta sentença a quo, de qualquer erro de julgamento, tanto de facto como de Direito.
Deve, por conseguinte, esta decisão recorrida ser inteiramente confirmada pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, julgando o presente recurso de apelação totalmente improcedente.
Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA
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2.-Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes : Primo – Se a decisão de facto proferida pela 1ª Instância se impõe ser alterada, em razão de pertinente impugnação deduzida pela apelante ; Secundo - Se a sentença recorrida, ao condenar a ora recorrente CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A no pagamento à demandante, incorre em error in judicando, merecendo ser revogada.
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3. - Motivação de Facto
Mostra-se fixada - em sede de sentença - pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
A. PROVADA.
3.1. - Entre o Autor e a Ré, na qualidade de seguradora, foi celebrado o contrato de responsabilidade civil automóvel sobre o veículo de matrícula 11-…-90, titulado pela Apólice n.º 02766432 e condições particulares, de fls. 61-62 e regulado pelas Condições Gerais e Especiais, de fls. 62-82.
3.2. - As condições particulares do seguro incluem, nomeadamente, as seguintes coberturas: responsabilidade civil; choque, colisão ou capotamento, com capital seguro de €55.350,00, e franquia de €1.107,00, cf. fls. 61. Sendo o choque: “danos resultantes ao veículo do embate contra qualquer corpo fixo.”, cf. fls. 68.
3.3. - Nas condições particulares, existem cláusulas especiais, de seguro de danos próprios.
3.4. - As Condições Gerais e Especiais CA Seguro Automóvel, Parte II –Seguro Facultativo, na sua Cláusula 41.ª (Exclusões), “ 1. Salvo convenção expressa em contrário, para além das exclusões aplicáveis ao Seguro Automóvel Obrigatório, são ainda aplicáveis as seguintes: (…) c) sinistros em que o condutor do veículo recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada.”
3.5. - À data do acidente, o veículo do autor de matrícula ..-VS-.. tinha seguro válido na ré.
3.6. - No dia 1 de abril de 2021, na Rua …, em Sernancelhe, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 11-…-90, propriedade do Autor e conduzido pelo seu representante, Exmo. Senhor …, CSS.
3.7. - Por força das condições meteorológicas existentes naquele dia e hora, maxime, chuva, o veículo despistou-se, subindo o passeio e embatendo, consequentemente, num poste metálico de iluminação pública que se encontrava do lado direito da via atento o seu sentido de marcha.
3.8. -Do referido choque resultaram múltiplos danos materiais no veículo, e danos não apurados no poste.
3.9.- Não tendo o condutor apurado quaisquer outros danos, nem feridos, o condutor não chamou a autoridade ao local e foi para casa.
3.10. - O local do acidente é perto da casa do …, que ao chegar a casa telefonou ao Comandante dos Bombeiros a solicitar a limpeza do local.
3.11. - Na sede dos Bombeiros de Sernancelhe, foi atendida chamada do Comandante, que determinou que alguns bombeiros se deslocassem ao local para limpar o local. Não chamaram as autoridades policiais.
3.12. - A GNR foi chamada por bombeiro que não estava ao serviço e que reside perto do local do acidente, reportando o sucedido. Quando a GNR lá chegou, não viu o carro, nem o condutor, apenas o poste danificado, conforme auto de fls. 88-89.
3.13. - A GNR chegou quando os Bombeiros estavam a limpar o local do acidente.
3.14. -Antes do acidente, o poste apresentava danos não apurados, causados por um sinistro anterior ocorrido no dia 26 de novembro de 2020, pelas11h50m, pela viatura com a matrícula …-76-…, cf. fls. 36. O responsável por este acidente pagou o valor da reparação do poste, em 26 de Fevereiro de 2021, cf. fls. 38 a 43 verso.
3.15. - À data do despiste em causa neste processo, o poste não havia sido substituído.
3.16. - Em 5.4.2021, o Autor participou o sucedido junto da ré Seguradora, com o intuito de obter a imediata regularização do pagamento das quantias relativas à reparação do automóvel supra identificado, cf. fls.35-36.
3.17. - Sucede, porém, que a Ré discorda da posição emanada pelo Autor.
3.18. - Após, o autor interpelou a ré através do respetivo Mandatário, mediante correio eletrónico enviado em 21 de maio de 2021 e 15 de junho de 2021, cf. fls. 48-49.
3.19. - Apesar disso, a Ré não pagou ao Autor o valor para a realização da reparação do automóvel.
3.20. - O Autor, através de um meio voluntário de Resolução de Litígios, apresentou Reclamação junto do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), no dia 15 de dezembro de 2021,processo que foi concluído por recusa de resolução do sinistro pela Entidade Reclamada, ora Ré, cf. fls. 50.
3.21. - O valor da reparação do veículo é de €22.664,49.
B) NÃO PROVADA
Com relevância para a causa, não se provou qualquer outro facto, nomeadamente:
3.22. - Os danos no veículo ascenderam a €13.587,76 e não aos €21.557,49 peticionados, uma vez que o Relatório de Separação de Danos junto pela A. contem peças que não foram comprovadas como danificadas(como a direção, a barra de direção...), outras que, tendo sido, são passíveis de reparação (de que é exemplo a jante traseira direita) e ainda danos que não são compatíveis com a dinâmica do sinistro em causa (como os no farol esquerdo).
3.23. - O poste de iluminação ficou com danos bastante elevados e em risco de queda, por ter resultado do sinistro.
3.24. - Os danos existentes no referido poste foram apenas causados pelo sinistro anterior.
3.25. - O risco de queda do poste, a existir, já se verificava antes do sinistro em causa neste processo.
3.26. - Os destroços na via constituíam perigo para os outros condutores.
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4. - Motivação de Direito
4.1.- Da impugnação da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto.
Analisadas as alegações e conclusões da apelante CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugna a recorrente diversas respostas/julgamentos da primeira instância no tocante a vários/concretos pontos de facto integrantes da referida decisão, considerando para tanto terem sido todos eles incorrectamente julgados [ designadamente os itens de facto nºs 3.23 e 3.26, ambos julgados não provados ] .
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu a apelante CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A todas as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, nº1, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente, indicando também quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravado o depoimento da testemunha pela apelante indicada/invocada – como fundamento do erro na apreciação da prova - , procedeu a mesma, outrossim, à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto impugnados pela recorrente CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A
Acresce que, e segundo as mais variadas/singulares soluções plausíveis da questão de direito , não é de considerar desde já que os pontos de facto ora em análise não integram matéria de facto suscetível de contribuir para a alteração do julgado, razão porque não se justifica de imediato “indeferir” a impugnação deduzida com fundamento em mais não desencadear a mesma senão a prática de acto inútil, proibido portanto. E conhecendo.
Sabemos já que o Tribunal a quo julgou não provado que : 3.23. - O poste de iluminação ficou com danos bastante elevados e em risco de queda, por ter resultado do sinistro ; 3.26. - Os destroços na via constituíam perigo para os outros condutores.
A justificar o referido julgamento, aduziu o primeiro Grau as seguintes e parcas considerações :
“ A factualidade provada em 14. e não provada de 23. a 26., resulta dos depoimentos das testemunhas AA ….., BB, CC ……… ”.
Ou seja, e em rigor , não se mostra a decisão do primeiro Grau – proferida nos ermos do artº 607º, nº4, do CPC, minimamente explicativa sobre as concretas razões que amparam a subjacente convicção do julgador, antes é a motivação alinhavada meramente formal, ficando por perceber quais os reais motivos que conduziram ao julgamento do/s facto/s negativo/s e ora em apreciação.
Mas adiante [ porque não se justifica desencadear o procedimento a qua alude o artº 662º,nº2, alínea d), do CPC ], importando sobremaneira aferir se, efectivamente, é o depoimento prestado pelo Militar da GNR [ AA ….. ] assim tão esclarecedor e concludente a ponto de impor e justificar a alteração da decisão de facto nos termos reclamados pela apelante.
Ora, começando pela testemunha/Militar da GNR, confirmou a mesma a ocorrência do acidente dos autos, tendo afirmado que o não presenciou, mas que se deslocou ao local [ em momento em que no mesmo já se encontravam os bombeiros a remover os destroços existentes no local ] pouco após aquele ter tido lugar.
Já relativamente aos danos decorrentes do acidente, precisou que efectivamente o poste de iluminação se encontrava danificado em resultado do embate de uma viatura, mas, o mesmo poste já havia sido em dias anteriores alvo de um outro embate/acidente, existindo no seu entendimento risco de queda do mesmo.
Mostrando-se o depoimento da testemunha DD corroborado pelo teor do auto de participação de acidente de viação junto aos autos [ por sua vez sustentado com documento fotográfico que identifica um poste de iluminação danificado ], a verdade é que não é o aludido documento fotográfico – por si só - esclarecedor e concludente no sentido de apresentar o poste de iluminação danos tais cujo risco de queda era elevado e eminente [ a que acresce que a fotografia em causa parece também indicar estarmos na presença de um poste metálico – que não parte , antes pode dobrar - que não de concreto ].
Tudo visto e ponderado, e tendo prima facie o poste metálico sido alvo de dois acidentes/embates, certo é que não existem elementos probatórios capazes de imputar ao acidente dos autos [ que não v.g. ao acidente anterior ] o grosso dos danos que o poste de iluminação apresenta, logo, desadequado é julgar-se como provado que “ O poste de iluminação ficou com danos bastante elevados e em risco de queda, em resultado do sinistro dos autos”.
Por último, e tendo este Tribunal [ ao abrigo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal – artº 640º, nº2, alínea b), do CPC ] ouvido os depoimentos de duas outras testemunhas [ v.g. AA …. e BB ….., ambos elementos à data dos Bombeiros Voluntários de Sernancelhe ], pacífico é que do embate/acidente dos autos resultaram “ destroços do veiculo espalhados pela via”, destroços de resto susceptíveis – a não serem prontamente removidos - de constituírem perigo para outros utentes da via .
Em suma, da prova por este tribunal analisada, decorrem apenas elementos idóneos para formar pertinente convicção que ampare parcialmente [ apenas no tocante ao ponto de facto com o nº 3.26 , que não relativamente ao ponto de facto com o nº 3.23 ] a factualidade cuja recondução ao elenco dos factos provados é pela apelante reclamada.
Assim, procedendo parcialmente a impugnação da decisão de facto, determina-se [ e considerando ainda o que já consta do ponto de facto com o nº 3.8. , e do qual já decorre a existência de danos no poste em resultado do acidente dos autor ] que do rol dos factos provados passe também a fazer parte o seguinte [ o que implica, para não existirem contradições, a eliminação do correspondente facto julgado não provado ] : 3.26. - Em resultado do sinistro identificado em 3.7., alguns destroços do veículo foram projectados para a via, sendo os mesmos susceptíveis de constituírem perigo para outros condutores.
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5.- Se a sentença recorrida, ao condenar a ora recorrente CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A. no pagamento de quantia pelo autor reclamada, incorre em error in judicando.
Não se conforma a Ré apelante com a decisão proferida pelo tribunal a quo, para tanto considerando que a sentença recorrida não atendeu, como se impunha, a factualidade provada e capaz de integrar a previsão de cláusula de exclusão de responsabilidade da Seguradora inserta nas Condições Gerais e Especiais CA Seguro Automóvel, maxime à respectiva Cláusula 41.ª (Exclusões) e que expressa que “ Salvo convenção expressa em contrário, para além das exclusões aplicáveis ao Seguro Automóvel Obrigatório, são ainda aplicáveis as seguintes: (…) c) sinistros em que o condutor do veículo recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada.”
A sustentar a sentença recorrida, e precisamente quanto à decidida não aplicação da invocada – pela apelante - cláusula de exclusão de responsabilidade, discorreu o tribunal a quo nos seguintes e sucintos termos : “ Todavia, a ré entende que existe uma exclusão que consiste nos sinistros em que o condutor do veículo recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada.” A primeira parte não tem qualquer aplicação. Relativamente ao abandono do local antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada: Julga-se que apenas se aplica esta exclusão quando o interveniente (ou intervenientes) saiba que a autoridade foi chamada ao local. Todavia, da factualidade provada (e alegada) não resulta que o condutor tivesse tido conhecimento que alguém chamou a GNR, pelo que importa concluir que esta exclusão não tem aplicação. Recorde-se que o acidente não envolveu terceiros ”.
Adiantando desde já o nosso veredicto, e não obstante a factualidade por este tribunal de recuso adicionada à decisão de facto, estamos em crer que nada justifica alterar o julgado. Se não, vejamos.
Das Condições Gerais e Especiais CA Seguro Automóvel do contrato de Seguro dos autos, respectiva Cláusula 41.ª (Exclusões) , consta que “ Salvo convenção expressa em contrário, para além das exclusões aplicáveis ao Seguro Automóvel Obrigatório, são ainda aplicáveis as seguintes: (…) c) sinistros em que o condutor do veículo recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada.”
Estando em causa aferir - perante o conteúdo de cláusula acabada de indicar/transcrever – do exacto alcance de concreta cláusula contratual, importa de seguida tecer breves considerações - porque pertinentes para a solução da questão em análise - a propósito das regras a atender no âmbito da respectiva interpretação .
Ora, e para começar, premente é de imediato atentar que, como vem sendo entendido de modo uniforme e pacífico pelo nosso mais Alto Tribunal, integra em rigor matéria de direito a interpretação do negócio jurídico, mormente quando não se dirija ela – a interpretação – ao apuramento da vontade real das partes e antes se destina à fixação do seu sentido normativo ou juridicamente relevante. (1)
Depois, inquestionável é que as cláusulas contratuais e/ou condições de uma apólice do seguro, podem e devem ser objecto de interpretação, como quaisquer outras declarações de vontade, e , de resto, tratando-se de cláusulas contratuais gerais, além de para o efeito se impor o recurso às regras do gerais do Código Civil ( as dos artºs 236º a 238º ), importará outrossim lançar mão das regras específicas do DL nº 446/85, de 25 de Outubro [ v.g as dos arts. 7.º, 10.º (dispondo esta última que “ As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam ) e 11.º ].
Dito isto, do nº1, do artº 236º, do Código Civil, resulta que a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, respondendo o declarante “pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela”. (2)
Porém, estando em discussão um negócio que obrigatoriamente há-de ser formalizado em instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro ( cfr. artº 32º, nº2, do DL nº 72/2008), o objectivismo exigido ao intérprete “obriga” a que o sentido correspondente à impressão do destinatário não possa valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento ( cfr. art. 238º, nº1, do Código Civil), a não ser que, ainda assim, corresponda ele à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham à sua validade ( cfr. nº 2 , do artº 238º).
Importante, outrossim, em sede de interpretação de clausulado de contrato de seguro, é considerar que o declaratário normal há-de corresponder à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, e tendo de preferência em atenção o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, maxime aquele que resulte das respectivas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que ”claramente” se apresentem com tal conteúdo. (3)
Por último, como se refere também no referido Ac. do STJ de 20/10/2011,“ no tocante à tutela da vontade do segurado, haverá que ter também em conta o critério interpretativo fixado no art. 237º Código Civil, que vai no sentido de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente : impõe-se, como regra, o princípio in dubio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzirá a um maior equilíbrio das prestações. Assim, se em caso de litígio se pretender extrair das cláusulas uma significação que o aderente não surpreendeu, não poderá tal significação prevalecer”.
De resto, para a adopção do princípio in dubio contra stipulatorem, aponta também, e de uma forma expressa, o artº 11º do DL nº 446/85, 25 de Outubro, ao dispor que, as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, mas , na dúvida , prevalece o sentido mais favorável ao aderente ( nºs 1 e 2 ).
Postas estas breves considerações, e descendo agora ao concreto, manifesto é que aponta a factualidade provada para a ocorrência de um evento susceptível de desencadear o funcionamento das garantias do contrato de seguro dos autos, que o mesmo é dizer de um sinistro cujo risco integra o respectivo objecto de cobertura .
Na verdade, em face da factualidade assente em 3.1 a 3.3, incontroverso é que o veículo do autor de matrícula 11-…-90 foi “vitima” de um choque, “risco” para todos os efeitos objecto da COBERTURA FACULTATIVA contratada pelo autor/apelado.
E, tendo em “resultado/consequência” do referido choque vindo o veículo do autor de matrícula 11-…-90 a sofrer danos materiais [ cfr. item de facto nºs 3.21 ], tudo aponta para que, forçosamente, e em face da conjugação da globalidade da factualidade provada, se deva concluir pela ocorrência de um evento idóneo a provocar o funcionamento da garantia/COBERTURA FACULTATIVA pela autora contratada junto da Ré Seguradora.
Em rigor, provou portanto a autora o facto constitutivo do direito alegado e que junto da Ré Seguradora pretende fazer valer ao interpor a presente acção [ artº 342º,nº1, do CC ] .
Já visando a Ré afastar a sua “responsabilidade”, e na qualidade de facto impeditivo do direito pela autora invocado [ artº 342º,nº2, do CC ], é altura de aferir se logrou a mesma provar factualidade subsumível a concreta cláusula de exclusão da respectiva responsabilidade, mais exactamente a da Cláusula nº 41.ª . Vejamos
Antes de mais, e do conteúdo da referida cláusula, temos para nós que o respectivo preenchimento da II parte [ que é aquela que está em causa no âmbito do objecto recursório ] exige, com segurança, e em termos cumulativos, que : i) Após o acidente se verifique um abandono voluntário do condutor do veículo do local do acidente; ii) O aludido abandono do condutor venha a ocorrer antes da chegada da autoridade policial ao local ; iii) A autoridade policial tenha já sido chamadaao local do acidente, facto que era do conhecimento do condutor do veículo sinistrado .
Ou seja, e como assim o considerou o STJ em recente Acórdão de 15/3/2023 (4), pacífico é que o “núcleo fundamental” da cláusula de exclusão ora em sindicância não prescinde de saber o condutor, antes de abandonar o local do acidente, que a autoridade policial fora chamada ao referido local.
Tal entendimento, é essa a nossa convicção é aquele que, do mesmo modo, tem sido perfilhado pela esmagadora jurisprudência da segunda instância, tendo designadamente e v.g. o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 24/9/2024 (6) concluído que a “ exclusão da cobertura do seguro facultativo de danos próprios quando o condutor do veículo, voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade, só ocorre se a autoridade policial já tiver sido chamada no momento do abandono e o condutor tenha conhecimento desse facto”.
Reconhecendo-se que a interpretação acabada de explanar é aquela que melhor se “adequa” a um interpretação de declaração negocial efectuada em estrita consonância com o disposto no artº 236º, do CC, e , prima facie , mais de harmonia também com elemento “literal” [ cfr. artº 238º, do CC] decorrente do texto do respectivo clausulado, estamos em crer que se atendermos igualmente ao elemento racional que subjaz à estipulação de uma cláusula com o conteúdo da inserta em 3.4. da Motivação de Facto, “licito” é ir mais além, considerando-se existir uma situação de abandono [ para efeitos de preenchimento de cláusula de exclusão de responsabilidade de Seguradora ] também quando o abandono se verifique com consciência [ em face das concretas condições e efeitos do acidente , v.g. quando do acidente resultam graves consequências, humanas e/ou materiais ] por banda do condutor da necessidade de existir um tal chamamento das autoridades ao local do acidente. (6) (7)
Neste conspecto, recorda-se, a declaração negocial pressupõe por regra um concreto desiderato, visando dar satisfação às exigências económicas e sociais que brotam das relações ( natureza das coisa) , o que tudo demanda indagar – em sede de interpretação - quais os interesses que aquela mesma declaração visa salvaguardar/atender.
Postas estas breves considerações a propósito da pertinente interpretação e exacto alcance da Cláusula nº 41.ª (Exclusões) inserta no contrato de seguro dos autos e identificada em 3.4. da Motivação de facto do presente Acórdão [ “ 1. Salvo convenção expressa em contrário, para além das exclusões aplicáveis ao Seguro Automóvel Obrigatório, são ainda aplicáveis as seguintes: (…) c) sinistros em que ocondutor do veículo recuse submeter-se a testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandoneo local do acidente antes da chegada daautoridade policial quando esta tenha sido chamada.” ], e descendo ao elenco dos factos provados, constata-se designadamente que : “ (…) 3.6. - No dia 1 de abril de 2021, na Rua …, em Sernancelhe, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 11-…-90, propriedade do Autor e conduzido pelo seu representante, Exmo. Senhor …, CSS. 3.7. - Por força das condições meteorológicas existentes naquele dia e hora, maxime, chuva, o veículo despistou-se, subindo o passeio e embatendo, consequentemente, num poste metálico de iluminação pública que se encontrava do lado direito da via atento o seu sentido de marcha. 3.8. -Do referido choque resultaram múltiplos danos materiais no veículo, e danos não apurados no poste. 3.9.- Não tendo o condutor apurado quaisquer outros danos, nem feridos, o condutor não chamou a autoridade ao local e foi para casa. 3.10. - O local do acidente é perto da casa do …, que ao chegar a casa telefonou ao Comandante dos Bombeiros a solicitar a limpeza do local. 3.11. - Na sede dos Bombeiros de Sernancelhe, foi atendida chamada do Comandante, que determinou que alguns bombeiros se deslocassem ao local para limpar o local. Não chamaram as autoridades policiais. 3.12. - A GNR foi chamada por bombeiro que não estava ao serviço e que reside perto do local do acidente, reportando o sucedido. Quando a GNR lá chegou, não viu o carro, nem o condutor, apenas o poste danificado, conforme auto de fls. 88-89. 3.13. - A GNR chegou quando os Bombeiros estavam a limpar o local do acidente. 3.14. -Antes do acidente, o poste apresentava danos não apurados, causados por um sinistro anterior ocorrido no dia 26 de novembro de 2020, pelas11h50m, pela viatura com a matrícula AB-..-VP, cf. fls. 36. O responsável por este acidente pagou o valor da reparação do poste, em 26 de Fevereiro de 2021, cf. fls. 38 a 43 verso. 3.15. - À data do despiste em causa neste processo, o poste não havia sido substituído. (…) 3.21. - O valor da reparação do veículo é de €22.664,49. 3.23. - O poste de iluminação ficou com danos em resultado do sinistro identificado em 3.7.. 3.26. - Em resultado do sinistro identificado em 3.7., alguns destroços do veículo foram projectados para a via , sendo os mesmos susceptíveis de constituírem perigo para outros condutores.
Será a factualidade descrita suscetível de integrar a previsão da Cláusula de “exclusão” inserta em 3.4. da Motivação de Facto ?
Ostensivamente, e à luz de uma interpretação algo “restritiva/literal” da apontada cláusula, a resposta só pode ser a negativa.
Na verdade, se indica a factualidade provada que após o acidente se verificou um abandono voluntário do condutor do veículo do local do acidente e que tal abandono do condutor veio a ocorrer antes da chegada da autoridade policial ao local , já não decorre todavia da mesma factualidade que aquando do referido abandono a autoridade policial já havia sido chamadaao local do acidente, facto que era do conhecimento do condutor do veículo sinistrado .
Mas, enveredando por uma interpretação mais ampla no que ao preenchimento da apontada cláusula de exclusão de responsabilidade concerne [ quando existe um abandono do local do acidente com a consciência - em face das concretas condições e efeitos do acidente – da parte do condutor do veículo sinistrado da necessidade de existir um tal chamamento das autoridades ao local do acidente ] , temos para nós que a factualidade provada mostra.se também insuficiente para efeitos de integração da facti species relacionada com a Cláusula nº 41.ª do contrato de seguro dos autos e identificada em 3.4. da Motivação de facto.
Com efeito, resultando do acidente apenas danos materiais – no veículo acidentado e em poste de iluminação pública - , danos de resto insusceptíveis de inviabilizar a remoção – pelos próprios meios – do veículo do local do acidente e, situando-se o local do acidente perto da casa do …/condutor do veiculo sinistrado [ condutor que ao chegar a casa telefonou ao Comandante dos Bombeiros a solicitar a limpeza do local , tendo em conformidade com o apelo do referido condutor logo o comandante determinado que alguns bombeiros se deslocassem ao local para limpar o local do acidente ], a que acresce que a limpeza do local do acidente já acontecia no momento em que a GNR – chamada pelos Bombeiros - chegou ao local do sinistro, também não se descortina existir pertinência em considerar verificada a previsão da Cláusula nº 41.ª do contrato de seguro ainda que objecto de uma interpetação mais ampla.
Dir-se-á que, considerando as concretas condições e efeitos do acidente , v.g. a ausência de feridos e a imediata diligência do condutor do veículo no sentido de o local do mesmo ser “ limpo” – com a remoção de destroços susceptíveis de constituírem perigo para outros condutores - , nada permite concluir que quando do abandono do local do acidente tinha o condutor do veículo sinistrado consciência da necessidade de existir o chamamento das autoridades ao local do acidente.
Destarte, e sem necessidade de mais considerações, eis porque a apelação de CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A. não pode proceder.
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5.- Sumariando [ Cfr. artº 663º,nº7, do CPC ].
5.1.- No âmbito da aplicação e aferição do alcance da cláusula 40ª, nº1, alínea c), das Condições Gerais do Contrato de Seguro, nos termos da qual encontra-se excluída a cobertura dos sinistros “…quando voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade”, diversas têm sido as interpretações levadas a cabo pela jurisprudência ;
5.2. – Da nossa parte, estamos em crer que para que se justifique a respectiva aplicação basta que se prove existir um abandono do local do acidente por parte do causador do acidente/tomador do seguro, e tendo o mesmo a consciência da conveniência e necessidade [ v.g. perante as circunstâncias do acidente e consequências do mesmo ] do chamamento das Autoridades Policiais para tomarem conta da ocorrência do mesmo.
5.3. - A amparar o entendimento referido em 5.2., recorda-se que a interpretação da referida cláusula deve ser efectuada considerando o disposto nos artigos 236º a 238º do C.C e artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº445/85, tendo em conta as características próprias do contrato de seguro facultativo e os interesses que com ele se visaram assegurar, bem como os valores fundamentais do ordenamento jurídico.
5.4 - Estando em causa um acidente sem terceiros envolvidos , do qual não resultaram feridos e cujo condutor , residente nas proximidades do local, logo diligenciou no sentido de o local do mesmo ser “ limpo” – com a remoção de destroços susceptíveis de constituírem perigo para outros condutores - , nada permite concluir que aquando do abandono do local do acidente tinha o condutor do veículo sinistrado consciência da necessidade de existir o chamamento das autoridades ao local do acidente.
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6. Decisão
Termos em que, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em, julgando a apelação de CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A , totalmente improcedente:
6.1.- Confirmar a sentença recorrida, porque não merecedora de qualquer censura/reparo.
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Custas na apelação pela apelante [ cfr. artigo 527,nºs 1 e 2 do CPC).
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LISBOA, 9/10/2025 António Manuel Fernandes dos Santos Cláudia Barata Anabela Calafate
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(1) Cfr. Ac. do STJ de 8/3/2012, proferido no Processo nº 2187/08.5/VLSB.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(2) Dispositivo legal que adopta a "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista - Cfr. Ferrer Correia, in “Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, pág. 201.
(3) Cfr. Ac. do STJ, de 20/10/2011, proferido no Processo nº 1653/05.9TJVNF.P1.S1, sendo Relator ALVES VELHO e disponível in www.dgsi.pt.
(4) Acórdão proferido no Processo nº 7871/19.4T8LSB.L1.S1, sendo Relator ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS e disponível in www.dgsi.pt.
(5) Acórdão proferido no Processo nº 950/23.6T8PBL.C1 e disponível in www.dgsi.pt.
(6) Neste sentido vide v.g. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/12/2022, proferido no Processo nº 2456/20.6T8LRA.C1 , e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9/9/2024, proferido no Processo nº 1208/22.3T8VCD.P1 , ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
(7) Vide, por todos [ porque explana e identifica inúmera jurisprudência relacionada com o thema decidenduum ], o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/9/2024, proferido no Processo nº 1208/22.3T8VCD.P1 , e disponível in www.dgsi.pt.