PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
TUTELA ANTECIPATÓRIA
Sumário

Sumário: (elaborado pela relatora)

I. – Quando as pretensões dos Requerentes, a procederem, consubstanciam medidas definitivas que têm subjacentes não a probabilidade de existência séria do direito, mas sim a efectiva existência do direito, impõe-se concluir que não se trata de actos que visam o acautelar do direito, mas sim o reconhecimento em definitivo do direito.
II - Os Requerentes, socorrendo-se do meio processual da providência cautelar comum, visam não a adopção de medidas cautelares que acautelem o seu direito, mas sim uma decisão definitiva cujos pedidos correspondem a uma verdadeira acção declarativa comum.
III - Os pedidos aqui formulados pelos Requerentes não são provisórios (apesar do pedido de condenação na entrega da quantia seja apelidado pelos requerentes de provisório), mas sim característicos de uma acção principal e como tal esquecem a instrumentalidade e a provisoriedade do procedimento cautelar comum.
IV - A providência cautelar comum, porque não constitui um meio para se criarem ou definirem direitos, não deve ser encarada como uma antecipação da decisão final a proferir na acção principal e da qual depende, apenas se justifica para se acautelar o direito invocado no sentido de evitar, durante a pendência da acção principal, a produção de danos graves e dificilmente reparáveis.
V – Quando os pedidos consubstanciam pedidos característicos de uma acção definitiva existe erro na forma do processo, pois os Requerentes não podiam lançar mão do procedimento cautelar comum para fazer valer os seus direitos nos pedidos que formulam, devendo, perante tais pedidos, instaurar uma acção declarativa de processo comum.
VI - Não correspondendo o procedimento pelo qual os Requerentes optaram ao processo adequado à tramitação e decisão das pretensões por si deduzidas em juízo, ocorre, por isso e em consequência, erro na forma do processo.
VII – Quando o erro na forma de processo afecte as garantias das partes, nomeadamente as dos requeridos, o erro na forma do processo consubstancia uma nulidade processual, a qual determina a anulação de todo o processado (por impossibilidade de aproveitamento do requerimento inicial), o que configura uma excepção dilatória nominada de conhecimento oficioso e que conduz ao indeferimento liminar.
VIII – Em sede de procedimento cautelar especificado de arresto quando os requerentes alegam qual o património conhecido pertença dos requeridos, a sua situação económica, a situação dos bens que possuem, nomeadamente se se encontram onerados, e as acções que correm termos contra os recorridos, deve ser produzida prova porquanto, a provarem-se, poderão existir indícios que integram a situação económica difícil dos requeridos por oneração do património, o que poderá justificar e concluir pela existência de justo receio.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório:
AA e sua mulher BB, ambos residentes, actualmente, na Rua 1, intentaram procedimento cautelar comum cumulado com procedimento cautelar especificado de arresto, nos termos permitidos pelos artigos 37º, nº 2 e 376º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil, como preliminar da acção declarativa condenatória, com processo comum, contra CC, actualmente divorciada, residente na Rua 2, e seu ex-marido, DD, actualmente divorciado, residente na Rua 3, peticionando:
- Reconhecer a existência do direito dos requerentes à reparação urgente dos defeitos existentes nas coberturas do imóvel vendido, objecto de contrato de compra e venda;
- Autorizar que a obra de reparação desses defeitos existentes nas coberturas (moradia e anexo) seja realizada por pessoa, ou entidade, da confiança dos requerentes, e não por pessoa a indicar pelos requeridos;
- Decretar, em sede de procedimento cautelar comum (ou inominado) a condenação dos requeridos a suportar todas as despesas e custos inerentes à reparação dos defeitos e vícios detectados na construção do imóvel que venderam aos requerentes, relacionados com a cobertura da moradia e do anexo, sendo os requeridos condenados a entregar, a título provisório, aos requerentes, a quantia de € 27.563,65 (vinte e sete mil, quinhentos e sessenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), para custear essa reparação, de carácter urgente, de acordo com os orçamentos juntos aos autos;
- Cumulativamente com o referido procedimento cautelar comum, requerem que seja decretado o arresto dos seguintes bens dos requeridos:
a) Direito a 1/2 do prédio urbano sito na Rua 4, descrito na CRP da Azambuja sob o nº ..../........, inscrito na matriz urbana da referida União de Freguesias sob o artº ...., de que é titular CC, com o NIF ..., com a certidão permanente válida até 14/09/2025, com o Código de Acesso PA-....-.....- ......-......., para garantia do valor de €27.563,65;
b) Saldo da Conta de Depósito à Ordem com o ......no Banco CAIXA CENTRAL – CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, CRL, de que é titular EE, NIF ..., até ao montante de € 57.094,11;
c) 1/3 do vencimento mensal dos requeridos, CC, NIF ..., e DD, até ao montante de € 84.657,76, devendo oficiar-se, previamente, ao Instituto da Segurança Social, IP, solicitando-se informação acerca da entidade patronal de ambos e dos valores dos vencimentos mensais auferidos por cada um deles;
d) Veículo automóvel com a matrícula ..-VV-.., marca Audi, Modelo "Q2", Versão 3.0 Tdi, ordenando-se a apreensão da respectiva documentação, através das autoridades policiais competentes (GNR ou PSP);
e) Mais requerem que se oficie à Autoridade Tributária, solicitando-se informação sobre o património de ambos os requeridos, designadamente a eventual existência de outros veículos automóveis e de prédios, rústicos ou urbanos, inscritos em seu nome na competente matriz;
- Que, face à prova documental produzida e à prova testemunhal a produzir, seja autorizada a inversão do contencioso, sendo os requerentes dispensados do ónus da propositura da acção principal, ou, em alternativa, dispensar os requerentes de formularem esse pedido na acção principal, nos termos consignados no artigo 369º, nº 1, do Código de Processo Civil, quanto à parte do valor relativo à reparação dos defeitos existentes na cobertura do imóvel vendido.
Para tanto alegaram, em suma, que por escritura pública outorgada em 27 de Dezembro de 2024, adquiriram, por compra, aos ora requeridos, o prédio urbano denominado Lote 118, constituído por uma moradia unifamiliar, destinada a habitação, com rés-do-chão e primeiro andar, com anexo e piscina, sito na Rua 5, na freguesia e concelho de Rio Maior, pelo preço de €249.880,00, pago integralmente.
Previamente, haviam outorgado um contrato-promessa de compra e venda, no dia 16 de Dezembro de 2022, quando o imóvel ainda se encontrava em fase de construção. Começaram a usar o imóvel em 24 de Fevereiro de 2024, como meros “detentores”, apesar de o mesmo ainda se encontrar em fase de construção. Após a realização da escritura de compra e venda, insistiram, várias vezes, verbalmente e por escrito, no sentido de os requeridos terminarem a obra, através dos representantes destes, realizando os trabalhos a que se tinham obrigado, de acordo com as disposições contidas no contrato-promessa de compra e venda. Acresce que começaram a aperceber-se da existência de diversos defeitos construtivos no imóvel adquirido, bem como de outras situações desconformes com aquilo que havia sido acordado entre as partes, nos termos do contrato-promessa de compra e venda, tendo contratado um engenheiro civil, a quem solicitaram a realização de uma “peritagem”, com o objectivo de apurar quais os trabalhos que se encontravam por concluir e quais eram os “defeitos construtivos da obra”. Foi-lhes apresentado um “Relatório de Peritagem”, do qual constam os trabalhos em falta e os defeitos construtivos detectados em toda a obra, o que comunicaram aos requeridos, por carta enviada em 21 de Fevereiro de 2025.
Os requeridos venderam aos requerentes uma moradia cuja cobertura, apesar de ser em “painel sandwich”, não respeita integralmente o projecto de execução da obra, não tendo sido correctamente instalada e fixada à respectiva laje de suporte e não foi efectuada a impermeabilização e o isolamento térmico das coberturas, ou instaladas caleiras, ou efectuada a impermeabilização das mesmas. Como consequência directa e necessária, em Fevereiro de 2025, já se verificavam infiltrações de águas pluviais, com escorrências para o interior da habitação, provocando muita humidade, com acumulação de bolor nos tectos do piso superior do edifício.
A requerida propôs-lhes devolver o dinheiro e readquirir o imóvel, sem que tivessem que pagar qualquer valor pelo seu uso desde 24 de Fevereiro de 2024, o que acharam inaceitável, pois pretendiam manter o contrato celebrado e exigir aos requeridos o cumprimento do mesmo. As deficiências detectadas na obra, estão a causar danos elevados aos requerentes, pois as infiltrações das águas pluviais provocam humidades e bolor no interior da habitação, não permitindo a sua utilização por parte dos requerentes; verificam-se escorrências que estão a afectar e a danificar o reboco das paredes interiores da habitação, que são, na sua maioria, executadas em gesso cartonado (pladur), e fissuras nas paredes interiores, motivadas pelas escorrências das águas pluviais; e a cobertura (telhado) não está bem "presa" à estrutura da moradia, correndo o risco de se desprender no caso de se verificarem ventos fortes. Os quartos das duas filhas menores dos requerentes encontram-se localizados no piso superior da moradia, verificando-se muita humidade e bolor no tecto, com escorrências de águas pluviais nas paredes, sempre que chove, sendo que a filha mais velha sofre de rinite e de alergias.
Os requerentes não têm possibilidades económicas para custear, sozinhos, os trabalhos de reparação dos defeitos denunciados no imóvel, que tomam por urgente, e cujo valor global necessário é de €27.563,65€, conforme orçamentos que solicitaram. O segundo requerido não é proprietário, na presente data, de quaisquer bens imóveis ou de quaisquer bens móveis sujeitos a registo, designadamente veículos automóveis, ligeiros ou pesados, motociclos, embarcações de recreio ou outros, e a primeira requerida apenas é titular do direito de propriedade de metade de uma casa para habitação com 1 piso e logradouro, sita na Azambuja, com o valor patrimonial de €35.645,77€, e de um veículo automóvel, da marca “Audi”, modelo “Q2”, versão 3.0 Tdi.
Os requeridos não detêm outros bens de elevado valor patrimonial, de acordo com o conhecimento dos requerentes, como artefactos artísticos, históricos, ou jóias, ou outros sinais exteriores de riqueza, vivendo dos proventos do seu trabalho e têm dois filhos menores, tendo declarado, aquando do seu divórcio, não possuírem quaisquer bens comuns, ou casa de morada de família.
Os requeridos têm dívidas por pagar, não tendo pago o montante referente à comissão da sociedade de mediação imobiliária que promoveu a venda do imóvel adquirido, no valor de cerca de €12.000,00, tendo sido instaurada acção judicial com vista ao reconhecimento judicial daquela dívida e à sua condenação no respectivo pagamento.
Para além do custo total da reparação dos defeitos concernentes à cobertura do imóvel e do anexo (de €27.563,65), subsistem diversos outros defeitos ou desconformidades do bem vendido, que terão de ser alvo de reparação e cujos custos serão igualmente elevados, na piscina, muros exteriores e outros, cujo valor de reparação excederá os €50.000,00, ao que acrescerão outros pedidos contra os requeridos, relativos aos restantes defeitos e vícios da obra, com valores ainda a apurar, além de um pedido indemnizatório, pelos danos directa e indirectamente causados pelo incumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso.
Só através de um arresto será possível garantir o pagamento aos requerentes das quantias necessárias para que estes possam executar as obras de correcção e eliminação dos defeitos detectados em toda a obra, sendo indubitável que existe uma situação patrimonial deficitária dos devedores, ora requeridos, face às quantias que os mesmos poderão vir a ser condenados a pagar aos credores, ora requerentes. A execução das obras necessárias à reparação e correcção dos defeitos de construção indicados, ao nível da cobertura da moradia, e respectivo anexo, não pode aguardar pelo decurso do tempo normal da acção declarativa, sob pena de um agravamento substancial dos prejuízos e de a respectiva reparação se tornar muito difícil e extremamente onerosa.
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Foi proferido despacho de indeferimento liminar nos seguintes termos:
“(…)
Nesta conformidade, pelo exposto e de harmonia com as normas legais citadas, além do prevenido pelos arts. 226º, nº4, alínea b), e 590º, nº1, do Cód. de Proc. Civil, indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar.(…)”.
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Inconformados com a decisão de indeferimento liminar, vieram os Recorrentes dela interpor recurso, apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto quanto à decisão do douto Tribunal a quo, que indeferiu liminarmente as duas providências cautelares requeridas pelos Recorrentes, uma vez que entendeu que não está verificado, em ambos os casos, o segundo requisito para o decretamento de uma providência cautelar: o periculum in mora, ou a existência de um fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito alegado pelos Recorrentes.
B. Os Recorrentes apresentaram um pedido de decretamento de um procedimento cautelar comum (inominado), cumulado com um pedido de decretamento procedimento cautelar especificado de arresto, nos termos permitidos pelos artigos 37.º, n.º 2 e 376.º, n.º 3, ambos do CPC.
C. Com o procedimento cautelar comum (inominado), os Recorrentes pretendiam que os Requeridos fossem condenados, de uma forma provisória, a entregar-lhes o dinheiro necessário à reparação dos defeitos existentes nas coberturas (vulgo, nos telhados), do bem imóvel que os segundos lhe venderam.
D. O douto Tribunal a quo incorreu em dois manifestos erros de julgamento, em concreto, dois erros de aplicação do direito aos factos alegados pelos Recorrentes, porque, em ambos os casos, está verificado o requisito do periculum in mora, previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 368.º, e no n.º 1 do artigo 392.º, ambos do CPC.
E. Incorreu num erro de julgamento o Tribunal a quo, quando decidiu que os dois procedimentos requeridos eram manifestamente inviáveis, determinado o seu indeferimento liminar, sem, sequer, convidar ao suprimento do Requerimento Inicial.
F. O Tribunal a quo entendeu que o pressuposto do periculum in mora apenas está verificado, na providência nominada de arresto, se existir “um qualquer ato de extravio, dissipação ou ocultação de bens ou um qualquer ato que o indicie”.
G. Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 392.º do CPC, é, por si só, um justo receio da perda da garantia patrimonial, relevante o suficiente, a insuficiência dos bens dos Requeridos (ou seja, a situação patrimonial deficitária dos devedores), em face do crédito a que os Requerentes se arrogam deter, em particular, quando conjugado com uma clara intenção dos devedores de se frustrar ao cumprimento das respetivas obrigações.
H. Os Requerentes alegaram que os Requeridos só são proprietários de uma metade de um bem imóvel e um bem móvel que está onerado com uma reserva de propriedade.
I. Os Requerentes alegaram que os Requeridos, apesar de terem sido notificados da existência de defeitos no bem vendido, por diversas vias, ora se recusaram a reparar os citados defeitos, ora não responderam às comunicações enviadas pelos Requerentes, revelando uma manifesta intenção de não cumprimento voluntário da sua obrigação de reparação dos defeitos.
J. Este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1574/07.0TBMFR-B.L1-7, de 02/03/2010, decidiu que “indícios objectivos dessa probabilidade serão, por exemplo, a elevada superioridade do passivo em relação ao activo patrimonial, a oneração dos bens existentes a favor de outros credores, ou a escassa liquidez dos rendimentos proporcionados pelos bens existentes. Indícios de natureza mais subjectiva serão porventura os comportamentos do devedor na perante as solicitações de pagamento. Assim, ao credor incumbe provar o montante do crédito em causa e a aparente situação patrimonial deficitária do devedor ou os comportamentos deste que indiciem risco de delapidação ou dissipação do seu património”.
K. O pressuposto do justificado receio de perda de garantia patrimonial pode preencher-se, em abstrato, apenas, pelos factos alegados pelos Recorrentes no seu Requerimento Inicial, não se exigindo que existam atos de extravio, dissipação ou ocultação de bens.
L. Devem considerar-se indícios deste justificado receio de perda de garantia patrimonial, suficientes, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 392.º do CPC, os indícios objetivos da situação patrimonial deficitária dos devedores, conjugados com os indícios subjetivos da sua intenção de não cumprimento voluntário das suas obrigações perante os credores.
M. Inexiste qualquer fundamento para se recusar liminarmente a providência cautelar requerida de arresto, uma vez que não se pode considerar que esta seja absolutamente inviável e esteja destinada a fracassar.
N. Deve este Tribunal ad quem determinar a anulação do despacho de indeferimento liminar proferido, determinando-se que este deverá ser substituído por outro, que decida pelo prosseguimento dos autos, e pela necessária produção de prova quanto aos factos alegados no Requerimento Inicial.
O. O Tribunal tem o poder-dever de convidar ao aperfeiçoamento do Requerimento Inicial, se assim o julgar conveniente, caso tenha dúvidas quanto à extensão, validade, ou bondade de alguns dos factos alegados.
P. O Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão datado de 06/03/2018 e proferido no âmbito do processo n.º 1833/17.4T8FIG.C1, entendeu que “não é uma qualquer deficiente alegação, nem uma alegação que, mesmo com alguma substância, possivelmente, possa acarretar o indeferimento do pedido, mas apenas uma alegação oca e vazia de factos consubstanciadores do mesmo, de tal sorte que seja inequívoco, sem margem para quaisquer dúvidas, que ele naufragará. (...) se o julgador tiver dúvidas quanto à bondade ou suficiência do invocado, deve ele, no cumprimento e substanciação do dever de colaboração e com vista à consecução da almejada justiça material, convidar a requerente e, assim, responsabilizando-a, a esclarecer, aperfeiçoar, completar ou concretizar o alegado.”.
Q. Se assim se reputar necessário, este Tribunal ad quem deve determinar a prolação, pelo Tribunal a quo, de despacho a convidar os Requerentes, ora Recorrentes, a esclarecer, completar ou concretizar o seu articulado e a juntar a documentação tida por pertinente.
R. No que concerne à providência cautelar inominada, foi pelos Recorrentes alegado que, em virtude das infiltrações de águas pluviais verificadas no imóvel, encontravam-se impossibilitados de usar e fruir plenamente do imóvel, aliado ao facto da saúde da sua filha menor FF, que sofre de doença alérgica e respiratória, estar a agravar-se em função da sua exposição a altos níveis de humidade e bolores.
S. Mais foi concretamente alegado que, na eventualidade da intervenção ao nível das coberturas não ser imediatamente realizada, estar-se-á perante um perigo iminente dos painéis de telha sandwich (que não se encontram corretamente fixados) desprenderem-se, podendo atingir pessoas, ou animais, que circulem nas imediações do imóvel, ou bens que ali se encontrem, provocando, em consequência, danos graves e de difícil reparação na vida, integridade física, e/ou no património dos respetivos lesados, ou dos Requerentes.
T. Por fim, foi ainda alegado que se podem verificar permanentes danos causados pelas infiltrações, por toda a estrutura do imóvel, através da corrosão do ferro que sustenta a plenitude da estrutura do imóvel e da deterioração dos interiores em pladur.
U. É evidente e ostensivo, que a situação fáctica alegada pelos Recorrentes preenche, em abstrato, o pressuposto do periculum in mora, uma vez que uma lesão aos bens jurídicos da vida, da integridade física, ou a ocorrência de danos avultados patrimoniais, são lesões com gravidade considerável.
V. Só o decretamento da providência cautelar requerida, e a inerente realização das obras de reparação dos defeitos existentes nas coberturas do imóvel, será idónea a impedir a grave deterioração de parte da estrutura do edifício.
W. Os interiores da habitação são realizados com um acabamento de gesso cartonado (vulgo, pladur), os quais ficarão completamente desfeitos, com as infiltrações de águas pluviais.
X. A própria estrutura base (ferro armado) poderá ficar completamente corroída, por via das infiltrações das águas pluviais, o que levará, caso nada seja feito com carácter imediato, à ocorrência de danos praticamente irreversíveis na estrutura do edifício, ou, pelo menos, com danos de muitíssima dificuldade de reparação do ponto de vista de execução técnica, e bem assim, do ponto de vista financeiro, podendo mesmo implicar a demolição de uma parte do imóvel.
Y. Apesar de ser um dano potencialmente reparável, dependendo da rapidez do início das obras, a ausência da reparação imediata dos defeitos, antes do decurso de mais uma estação de inverno, avoluma de forma considerável os trabalhos necessários para a reparação dos defeitos existentes, e o custo dos trabalhos de construção civil necessários para o efeito.
Z. O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 21/01/2010 e proferido no âmbito do processo n.º 954/09.1TBSJM.P1, entendeu que «a alegação dos danos já verificados num imóvel, decorrentes de infiltrações de água da chuva, e a invocação da necessidade urgente de intervenção na parede que permite essas infiltrações, ante a proximidade do Outono/Inverno, para evitar o agravamento dos mesmos, aliada à recusa do proprietário vizinho em consentir na reparação através do seu terreno, criadora de receio fundado de lesão grave do direito do requerente, integra suficiente alusão ao pressuposto do “periculum in mora”».
AA. Esta posição foi fortemente reforçada pelo recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18/03/2024 e proferido no âmbito do processo n.º 17669/23.0T8PRT.P1, onde ficou decidido que “assume a gravidade legalmente suposta a situação que ocorre em fração autónoma onde se registam infiltrações provenientes de partes comuns do edifício onde a mesma se integra e que comprometem o direito do requerente de usar e fruir plenamente o seu imóvel, pondo igualmente em causa a sua saúde e bem-estar face aos problemas de insalubridade gerados”.
BB. Não restam dúvidas que a matéria alegada, preenche, em abstrato, o pressuposto do periculum in mora, previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 368.º do CPC, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, sendo evidente o erro de julgamento que fere de forma irremediável o despacho recorrido.
CC. Cabia ao Tribunal a quo notificar os recorrentes para esclarecer, aperfeiçoar, completar ou concretizar a matéria alegada, antes da prolação do despacho de indeferimento liminar, também na eventualidade de não ter ficado suficientemente esclarecido, quanto aos factos alegados relativamente à providência cautelar inominada requerida.
DD. Não tendo existindo este convite ao aperfeiçoamento do Requerimento Inicial, sai reforçado o manifesto erro de julgamento que enferma o despacho recorrido, impondo-se, por isso, a sua anulação, e, em consequência, a baixa do processo à primeira instância para que o mesmo prossiga os seus ulteriores termos.”
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Não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 641º, nº 7 do Código de Processo Civil porquanto se trata de procedimento cautelar sem prévia audição dos requeridos.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente nos termos dos artigos 5º, 635º, nº3 e 639º nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil.
A delimitação objectiva do recurso tem sempre que se balizar pelo teor das conclusões da recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, porquanto os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova.
No recurso, enquanto meio impugnatório de decisões judiciais, só tem de se suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal de 1ª instância.
Acresce ainda que o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio, mas sim uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Partindo desta premissa, o recorrente tem o ónus de alegar e de indicar, de acordo com o seu entendimento, as razões porque a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Por último, o Tribunal de recurso não está vinculado à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Efectuada esta breve exposição e ponderadas as conclusões apresentadas, as questões a dirimir são:
- Apurar se será de manter ou não o despacho de indeferimento liminar.
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III. Os factos
Factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede.
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IV. O Direito
Como referido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Da análise dos autos resulta que os Recorrentes apresentaram um pedido de decretamento de um procedimento cautelar comum cumulado com um pedido de decretamento de procedimento cautelar especificado de arresto.
Tratando-se de dois procedimentos cautelares distintos e cumulados, procederemos à análise de cada um de per si.
IV. 1 – Procedimento Cautelar Comum
No que diz respeito ao procedimento cautelar comum vieram os requerentes peticionar que seja reconhecida a existência do direito dos requerentes à reparação urgente dos defeitos existentes nas coberturas do imóvel vendido, objecto de contrato de compra e venda, que seja autorizado que a obra de reparação desses defeitos existentes nas coberturas (moradia e anexo) seja realizada por pessoa, ou entidade, da confiança dos requerentes, e não por pessoa a indicar pelos requeridos e que se decrete a condenação dos requeridos a suportar todas as despesas e custos inerentes à reparação dos defeitos e vícios detectados na construção do imóvel que venderam aos requerentes, relacionados com a cobertura da moradia e do anexo, sendo os requeridos condenados a entregar, a título provisório, aos requerentes, a quantia de € 27.563,65 (vinte e sete mil, quinhentos e sessenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), para custear essa reparação, de carácter urgente, de acordo com os orçamentos juntos aos autos.
Quanto a este procedimento cautelar o Tribunal de 1ª Instância veio a indeferir liminarmente o mesmo pelos seguintes fundamentos:
“(…)
Estabelece o art. 362º, nº1, Cód. de Proc. Civil, que «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado».
A doutrina e a jurisprudência têm, de forma unânime, apontado como requisitos para a procedência deste procedimento:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado (para o decretamento da providência, basta um juízo de verosimilhança não se exigindo um juízo de certeza);
b) Fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (Periculum in mora) – o receio tem de assentar em factos objetivos e convincentes que permitam afirmar que a ameaça é séria e atual e que se impõe a adoção de medidas tendentes a evitar o prejuízo iminente; O receio tem de se reportar a lesões graves que sejam simultaneamente de difícil reparação, pois só nesses casos se justificará o decretamento de uma medida provisória.
c) Adequação da providência à situação de lesão iminente;
d) Não existência de providência específica que acautele aquele direito;
e) O prejuízo resultante da providência para o requerido não exceder consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (sendo este um requisito negativo por constituir um facto impeditivo nos termos do artigo 362º, n.º 2, do Código de Processo Civil) – vd. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 3ª edição, Procedimento Cautelar Comum, Coimbra, p. 98; e na jurisprudência, inter alia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/09/1999, in CJSTJ, tomo III, p. 42. Sendo que «Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto de uma previsível lesão», não sendo qualquer lesão que justifica a introdução na esfera jurídica do requerido, tendo aqui o interesse em agir «uma especial relevância, de modo a evitar abusos na utilização desta forma de composição provisória dos conflitos de interesses» (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, págs. 83/84).
Por outro lado, nos termos da lei o receio deve ser fundado, ou seja «apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo», não bastando, pois «simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade» (Ob. cit., pág. 87).
Olhando ao requerimento em apreço, assume-se a verificação do primeiro dos enunciados requisitos – a probabilidade séria da existência do direito invocado -, face ao estatuído nos arts. 913º e seguintes, do Cód. Civil (venda de coisa defeituosa).
Já não assim quanto ao mais.
Na verdade, mesmo tomando por boa a existência dos alegados defeitos e as derivadas consequências – humidades, bolores, efeito nocivo na saúde, com especial relevo para quem sofre de rinite e de alergia, como será o caso de uma das filhas dos requerentes -, não se afere tal como uma lesão grave e dificilmente reparável.
Com efeito, segundo os requerentes, os mesmos habitam o prédio adquirido aos requeridos desde 24.02.2024 e formalizaram a aquisição em 27.12.2024, conhecedores do que faltava executar na obra e em pleno inverno, quando, seguramente, os defeitos que alegam existir e constar de relatório datado de menos de dois meses volvidos sobre tal data (18.02.2025) já se verificavam e não os impediu de adquirir a coisa, não se crendo que o fizessem caso estivessem realmente impedidos de usufruir da mesma.
Sem discutir os incómodos advenientes da vivência numa casa com humidades e bolores e a nocividade de tal para a saúde, também se não pode afirmar a alegação de lesões graves que sejam simultaneamente de difícil reparação e justificantes do decretamento de uma medida provisória, sob pena de qualquer compra e venda de imóvel com defeitos ou de uma empreitada defeituosa, com inerentes fissuras, escorrências de águas, humidades e bolores e os associados incómodos, darem azo a procedimentos cautelares face à maior demora expetável de uma ação declarativa com processo comum.
Os próprios requerentes tanto apelam à necessidade de realização de perícias para apuramento dos defeitos e o justificar a demora da ação comum e o recurso ao procedimento cautelar, como postergam tal necessidade e requerem a inversão do contencioso no âmbito deste procedimento cautelar.(…)”.
No que diz respeito a este procedimento cautelar comum entende este Tribunal de Recurso que esta providência deve ser liminarmente indeferida, todavia, não pelos argumentos esgrimidos pela 1ª Instância.
Atento o objecto processual configurado nos autos, cumpre considerar que, na delimitação da função jurisdicional do procedimento cautelar, “… o traço fundamental a assinalar é o seguinte: a providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final.
A providência cautelar, nota Calamandrei, não é um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material.
Portanto a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo.” (Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra, 1948, pág. 623).
A relação estabelecida entre o procedimento cautelar e a providência definitiva resulta do teor do artigo 362º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Civil, quando alude à natureza conservatória ou antecipatória adequada a assegurar a efectividade do direito concretamente ameaçado, enquanto preparação da defesa desse interesse no âmbito da tutela a conceder por via de uma acção principal já proposta ou a propor.
Também o artigo 364º, nº 1, nº 2 e nº 3, do Código de Processo Civil, estipula que, excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa principal, da qual constitui seu incidente, correndo sempre por apenso à mesma (quer seja prévia ou posterior).
Por regra, os procedimentos cautelares exigem a verificação de dois pressupostos essenciais, a saber:
1.º - A verificação da aparência de um direito (fumus boni iuris), consubstanciada na elementar probabilidade da sua efectiva existência.
2.º - A demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente (periculum in mora), o qual se traduz no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação.
No que se refere ao primeiro requisito, “… pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança; quanto ao 2.º, pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente.” (Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra, 1948, pág. 621).
No concreto caso, não existe qualquer procedimento cautelar especificado que abranja a situação sub judice.
Atentando, então, no que estabelecem as disposições conjugadas dos artigos 362º, nº 1 a nº 3 e 368º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, concluímos que o decretamento de providência cautelar não especificada ou comum depende da verificação cumulativa das seguintes exigências legais:
a) - Probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente, sobre cuja verificação se exige um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança.
b) - Fundado receio de que outrem, antes de acção proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, sobre o que se exige um juízo de probabilidade mais forte e persuasiva, embora não de certeza e segurança absolutas.
No caso em apreço a questão que se coloca atentos os pedidos formulados restringe-se exactamente quanto a este último requisito, ou seja, apurar em que medida face aos pedidos formulados existe fundado receio de que outrem, antes de acção proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, sobre o que se exige um juízo de probabilidade mais forte e persuasiva, embora não de certeza e segurança absolutas.
Os Requerentes peticionam que seja reconhecida a existência do direito dos requerentes à reparação urgente dos defeitos existentes nas coberturas do imóvel vendido, objecto de contrato de compra e venda, que seja autorizado que a obra de reparação desses defeitos existentes nas coberturas (moradia e anexo) seja realizada por pessoa, ou entidade, da confiança dos requerentes, e não por pessoa a indicar pelos requeridos e que se decrete a condenação dos requeridos a suportar todas as despesas e custos inerentes à reparação dos defeitos e vícios detectados na construção do imóvel que venderam aos requerentes, relacionados com a cobertura da moradia e do anexo, sendo os requeridos condenados a entregar, a título provisório, aos requerentes, a quantia de € 27.563,65 (vinte e sete mil, quinhentos e sessenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), para custear essa reparação, de carácter urgente, de acordo com os orçamentos juntos aos autos.
Estas pretensões dos Requerentes a procederem consubstanciam medidas definitivas e que têm subjacentes não a probabilidade de existência séria do direito, mas sim a efectiva existência do direito. Não se trata de actos que visam o acautelar do direito dos Requerentes, mas sim o reconhecimento em definitivo do direito à reparação urgente, que seja permitido que a reparação seja efectuada por terceiro e ainda que os requeridos entreguem a quantia necessária ao pagamento da reparação ao terceiro. Quanto a este último pedido é verdade que os requerentes pedem a condenação dos requeridos à entrega provisória da quantia necessária ao pagamento da obra, mas, em nosso entender, esta entrega “provisória” tem inerente uma entrega definitiva, pois, a quantia seria a entregar aos requerentes e como tal ficaria disponível para estes, podendo utilizar o dinheiro, nomeadamente para pagamento da obra de reparação.
Trata-se em nosso entender de pedidos que não se enquadram no âmbito da providência cautelar requerida, mas sim no âmbito de uma acção definitiva.
Tudo visto, é entendimento deste Tribunal que os Requerentes, socorrendo-se do meio processual da providência cautelar, visam não a adopção de medidas cautelares que acautelem o seu direito, mas sim uma decisão definitiva cujos pedidos correspondem a uma verdadeira acção declarativa comum.
Note-se que mesmo que se concedesse aos Requeridos a audição prévia, o que não cremos ser viável porquanto esta providência foi cumulada com uma providência cautelar especificada de arresto, a qual exclui a prévia audição dos requeridos, a presente providência cautelar comum, a proceder, esgotava, para efeitos de pedido, qualquer acção principal que viesse a ser intentada. Com efeito, a decisão da providência cautelar a ser procedente apenas permitiria o recurso da decisão aos Requeridos e caso o recurso viesse a ser julgado improcedente, o decretamento da presente providência esgotaria o objecto de qualquer acção principal dado que os pedidos já haviam sido apreciados e decretados em sede de providência cautelar.
E tanto assim é que os Requerentes vieram peticionar a inversão do contencioso.
Como é sabido, nos casos em que no procedimento cautelar é produzida prova suficiente para que se forme convicção segura sobre a existência do direito acautelado - (prova stricto sensu do direito que se pretende tutelar) - e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não haverá razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”), ficando os requerentes dispensados do ónus de propor a acção principal; aquela prova stricto sensu do fundamento dessa providência determina, necessariamente, uma inversão do contencioso. Os requeridos poderão obstar à consolidação daquela tutela como tutela definitiva através de uma acção de impugnação.
No Acórdão da Relação do Porto, de 29 de Junho de 2017, disponível em www.dgsi.pt., cujo sumário é o seguinte:
“I - Formulando os requerentes pedidos característicos da que seria a acção principal e não do procedimento cautelar esquecem a instrumentalidade e a provisoriedade do procedimento cautelar.
II - Tais pedidos só poderiam ser apreciados e decididos em processo declarativo comum e não em procedimento cautelar, não sendo consentâneos com tal meio processual, pelo que estamos perante a nulidade do erro na forma de processo.
III - A possibilidade de inversão do contencioso não legitima a inversão da essência do procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e provisoriedade, por forma a transferir para o procedimento cautelar a acção definitiva”.
É exactamente esta a situação que se verifica com a presente providência cautelar comum atentos os pedidos formulados pelos Requerentes.
Os pedidos aqui formulados pelos Requerentes não são provisórios (apesar do pedido de condenação na entrega da quantia seja apelidado pelos requerentes de provisório), mas sim característicos de uma acção principal e como tal esquecem a instrumentalidade e a provisoriedade do procedimento cautelar comum.
A providência cautelar comum, porque não constitui um meio para se criarem ou definirem direitos, não deve ser encarada como uma antecipação da decisão final a proferir na acção principal e da qual depende, apenas se justifica para se acautelar o direito invocado no sentido de evitar, durante a pendência da acção principal, a produção de danos graves e dificilmente reparáveis.
Sabido é, que estamos no âmbito de procedimento cautelar, em termos de composição provisória do litígio, indiciada como necessária para assegurar a utilidade da decisão, para que se obtenha a efectiva tutela jurisdicional, garantindo o efeito útil da acção.
A provisoriedade da tutela cautelar impede que o tribunal adopte uma regulação que dê resposta à questão de fundo sobre a qual versa o litígio, questão de fundo esta a resolver no processo principal. Tem de estar em causa uma composição provisória de um litígio, cabendo à acção principal a composição definitiva do mesmo.
É verdade que actualmente com a possibilidade de inversão do contencioso a providência cautelar não assume de modo tão rígido a ideia de antecipação ou conservação do direito que se visa defender.
A inversão do contencioso, prevista no artigo 369.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só é admissível se a tutela cautelar puder substituir a definitiva.
Para que os requerentes sejam dispensados do ónus de propor a acção principal, terão de estar verificados dois pressupostos cumulativos:
a) que a matéria adquirida no procedimento permita ao juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado; e
b) que a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
Todavia, com a presente providência cautelar os Requerentes visam, de forma sumária, a tomada de decisão que é característica de uma acção definitiva, sendo que os pedidos, a serem admitidos no âmbito de uma providência cautelar comum desvirtuam a sua essência, pois tratam-se de pedidos a serem formulados numa verdadeira acção.
Como escreveu António Santos Abrantes Geraldes (“Temas da Reforma do Processo Civil”, I Volume (2.ª edição revista e ampliada), Almedina, Coimbra, pág.s 216 e 217), “Vigora no nosso sistema o princípio da legalidade das formas processuais, de maneira que a tramitação processual não está sujeita ao livre alvedrio das partes, antes deve corresponder àquela que o Estado, enquanto detentor do poder soberano de decidir litígios emergentes das relações de direito privado, entender fixar, sintetizando-a em determinadas formas de processo comum ou de processo especial, consoante a natureza ou o valor da acção.
É o resultado da natureza publicística do direito processual civil, a qual determina que, quando os interessados solicitam ao tribunal determinada tutela jurisdicional, devem sujeitar-se, em regra, aos mecanismos antecipada e genericamente criados pelo legislador para o efeito, com o que se pretendem alcançar os objectivos de maior segurança, celeridade e eficácia, na medida em que, conhecendo de antemão todos os passos que vão guiar a actividade das partes e do tribunal, se evitam tramitações anárquicas ou discricionárias.”.
Daqui decorre que existe erro na forma do processo, pois os Requerentes não podiam lançar mão deste procedimento cautelar comum para fazer valer os seus direitos nos pedidos que formulam, devendo, perante tais pedidos, instaurar uma acção declarativa de processo comum.
Não correspondendo o procedimento pelo qual os Requerentes optaram ao processo adequado à tramitação e decisão das pretensões por si deduzidas em juízo, ocorre, por isso e em consequência, erro na forma do processo.
O erro na forma do processo consubstancia uma nulidade processual, a qual determina a anulação dos actos anteriormente praticados que não sejam passíveis de aproveitamento, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei, mas não podendo, em todo o caso, aproveitar-se os actos já praticados se dos mesmos resultar a diminuição de garantias do réu (art.º 193.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim sendo, só quando a nulidade processual em causa motiva a anulação de todo o processado (por impossibilidade de aproveitamento do requerimento inicial), se consolida numa excepção dilatória nominada de conhecimento oficioso.
In casu verifica-se que as garantias quer dos Requerentes/Recorrentes, quer dos Requeridos são claramente afectadas pela nulidade decorrente do erro na forma do processo, motivo pelo qual se acompanha o indeferimento liminarmente da presente providência cautelar comum– artigos 226º, nº4, al. b) e 590º, nº1, ambos do Código de Processo Civil - , mas com fundamentos distintos dos preconizados pela 1ª Instância, improcedendo, nesta parte, o Recurso.
IV. 2 – Procedimento Cautelar Especificado de Arresto
Com o procedimento cautelar especificado de arresto visam os Recorrentes que seja decretado o arresto dos seguintes bens dos requeridos:
a) Direito a 1/2 do prédio urbano sito na Rua 4, descrito na CRP da Azambuja sob o nº ..../........, inscrito na matriz urbana da referida União de Freguesias sob o artº ...., de que é titular CC, com o NIF ..., com a certidão permanente válida até 14/09/2025, com o Código de Acesso PA-....-.....- ......-......., para garantia do valor de €27.563,65;
b) Saldo da Conta de Depósito à Ordem com o ... ... no Banco CAIXA CENTRAL – CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, CRL, de que é titular EE, NIF ..., até ao montante de € 57.094,11;
c) 1/3 do vencimento mensal dos requeridos, CC, NIF ..., e DD, até ao montante de € 84.657,76, devendo oficiar-se, previamente, ao Instituto da Segurança Social, IP, solicitando-se informação acerca da entidade patronal de ambos e dos valores dos vencimentos mensais auferidos por cada um deles;
d) Veículo automóvel com a matrícula ..-VV-.., marca Audi, Modelo "Q2", Versão 3.0 Tdi, ordenando-se a apreensão da respectiva documentação, através das autoridades policiais competentes (GNR ou PSP);
e) Mais requerem que se oficie à Autoridade Tributária, solicitando-se informação sobre o património de ambos os requeridos, designadamente a eventual existência de outros veículos automóveis e de prédios, rústicos ou urbanos, inscritos em seu nome na competente matriz.
Sobre este procedimento de arresto a 1ª Instância veio a proferir despacho de indeferimento liminar nos seguintes termos:
“(…)
Prosseguindo, sobre a providência cautelar de arresto versam os arts. 391º a 396º, do Cód. de Proc. Civil, estabelecendo o art. 391º, nºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil, que «O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor», consistindo o mesmo «numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção», cumprindo ao requerente deduzir «factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência» (art. 392º, nº1, do mesmo Código).
«O arresto constitui um importante meio de defesa de direitos de natureza creditícia, atentas as potencialidades que revela no tocante à conservação da garantia patrimonial do credor», constituindo o arresto dos bens do devedor «a “garantia da garantia patrimonial”, assegurando que os bens apreendidos se irão manter na esfera jurídica do devedor até que no processo executivo seja realizada a penhora, antecedente do pagamento do crédito» (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, págs. 158 e160).
O arresto, como providência típica, só pode ser deduzido em relação a direitos de crédito, já que visa, precisamente, a garantia do seu cumprimento, bastando a verificação de uma séria probabilidade quanto à existência do crédito, sendo que o justo receio da perda de garantia patrimonial, «Pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito», sendo este que preenche, no arresto, o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares (Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 175).
Nos termos da lei o receio deve ser fundado, ou seja «apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo», não bastando, pois «simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade» (Abrantes Geraldes, ob. cit., III volume, pág. 87).
Vertendo ao caso e mesmo que se não discuta a existência de aventado crédito a favor dos requerentes (decorrente de alegado e imputado cumprimento defeituoso de contrato de compra e venda e decorrente direito de indemnização, nos termos do art. 562º, do Cód. Civil), não se infere justo receio de perda de garantia patrimonial.
Com efeito, pelo arresto visa-se, pois e conforme art. 619º, nº1, do Cód. Civil, acautelar-se um direito de crédito, sendo, por isso, um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores, sendo que, a propósito da garantia patrimonial e do receio de perda da mesma, o único receio que se depreende avançado pelos requerentes é o de que os requeridos não tenham capacidade económica para satisfazer eventual indemnização, sendo certo que, quanto aos defeitos, o que a lei lhes confere é o direito a exigir a respetiva reparação, sendo essa a sua opção (vd. arts. 913º e seguintes do Cód. Civil).
Ademais, alegam a existência de património imobiliário e mobiliário dos requeridos, além de proventos advenientes do seu trabalho e a pendência de uma ação judicial que visa a sua condenação no pagamento de cerca de 12.000€, sem nada alegar de onde se possam extrair atos de dissipação do património pelos requeridos ou o que seja denunciador de comportamentos furtivos para com credores, limitando-se a reportar o eximir a cumprimento contratual.
Os requerentes não avançam, pois, uma qualquer conduta (deliberada) dos requeridos tendente à frustração de um qualquer crédito, por exemplo dando conta de bens que integravam o património dos mesmos e deixaram de integrar, que bens garantiam créditos e deixaram de o fazer ou ficaram mais onerados, não permitindo vislumbrar uma qualquer perda de garantia patrimonial.
Menos ainda é invocado um qualquer ato de extravio, dissipação ou ocultação de bens ou um qualquer ato que o indicie.
Os requerentes bastam-se, pois, na pretensão do preenchimento do periculum in mora, pela alegação do temor pela perda da garantia de pagamento das quantias que, com toda a probabilidade, os requeridos venham a ser compelidos a pagar-lhes, para custear a realização das reparações devidas, face à sua inércia no cumprimento contratual, quando nada se afere com a virtualidade de se tomar por uma intenção ou uma atuação com vista à diminuição do património dos requeridos para dificultar ou impossibilitar a satisfação de eventual crédito e quando o arresto não assenta no fundado receio de incumprimento da obrigação, mas sim no fundado receio de o credor perder a garantia patrimonial.
Sendo certo que, no que a este requisito concerne, o seu critério de avaliação não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata como factor potenciador de eficácia de acção declarativa ou executiva (Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, IV volume, págs. 191 e seguintes) – vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.02.2019, processo 1186/17.0T8LSB-A.L1, in www.dgsi.pt.
E, no caso «a alegação do Requerente não permite, por si só, chegar à conclusão de que se está perante atos de dissipação ou ocultação do património da requerida, com o intuito de frustrar a satisfação do crédito do Requerente, desde logo porque não alega o mesmo os factos concretos que permitam chegar a essa conclusão, nem qualquer outro facto que corresponda a uma atuação concreta da requerida tendente à dissipação ou ocultação de património, mas apenas a própria conclusão conjeturada.
Deste modo, não estando alegados factos bastantes de onde resulte o receio da lesão do direito de crédito do Requerente, e não competindo ao tribunal trazer para o processo tais factos não alegados (a não alegação é situação processual distinta da alegação deficiente ou imprecisa, única que justifica o aperfeiçoamento), tal como o procedimento cautelar se apresenta, nunca poderá o Requerente obter qualquer garantia patrimonial do seu crédito, desde logo porque não se verifica o receio de perda de garantia patrimonial do crédito invocado. O que equivale a dizer que não se mostram reunidos os pressupostos de que depende a concessão da providência requerida, motivo pelo qual se há de considerar a mesma manifestamente improcedente.» - Ac. do TRE, de 28.03.2019, processo 76/18.7T8ABF.E1.
Competia, pois, aos requerentes trazer aos autos os factos ou acontecimentos, visíveis ou aparentes, externos ou psicológicos, justificativos da apreensão cautelar de bens do devedor, o que, nos termos expostos, se não pode ter por verificado, impedindo, deste modo, o afirmar da existência dos pressupostos legais para a determinação do arresto, cujo indeferimento liminar, no não preenchimento desses pressupostos, se impõe.
Tudo ponderado, não decorrendo da alegação o preenchimento dos pressupostos dos quais depende o decretamento das providências cautelares requeridas, revela-se o presente procedimento, ab initio, como manifestamente inviável, impondo-se o seu indeferimento liminar.
Nesta conformidade, pelo exposto e de harmonia com as normas legais citadas, além do prevenido pelos arts. 226º, nº4, alínea b), e 590º, nº1, do Cód. de Proc. Civil, indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar.
(…)”.
Vejamos se a pretensão dos recorrentes, nesta parte, deve ou não proceder.
Dispõe o artigo 619º, nº 1 do Código Civil, que “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.”
O arresto integra-se na figura do processo cautelar, uma vez que se propõe a afastar o perigo da demora da decisão a proferir numa acção: afasta-o mediante uma decisão provisória, favorável ao requerente, emitida na previsão que a decisão definitiva venha a ser igualmente favorável ao autor, donde resulta que o arresto caduca se a acção principal não for imediatamente proposta, ou sendo-o, estiver parada - cfr. Prof. V. Serra, Realização Coactiva da Prestação, BMJ 73-47.
Face à natureza do arresto, a apreciação jurisdicional provocada pelo requerente, para ser adequada, tem de ser rápida e, por isso, necessariamente sumária: o juiz limita-se a fazer uma averiguação perfunctória dos requisitos legais, sendo certo que é com base nesse conhecimento que decreta a providência.
Precisamente porque assenta numa "summaria cognitio" é que a decisão expressa na providência cautelar aparece com a feição de provisória. A apreciação final da relação litigiosa há-de fazer-se no processo principal. Aí é que o Tribunal é chamado a proferir um veredictum baseado no conhecimento profundo e completo da lide. Aí é que vai ser pronunciada a decisão definitiva - cfr. Prof. A. Reis, A Figura do Processo Cautelar, BMJ 3-48.
É este, pois, o mecanismo do arresto enquanto providência cautelar.
O procedimento cautelar de arresto vem regulado nos artigos 391º e seguintes do Código de Processo Civil.
De entre os indicados normativos, estipula o artigo 391º, nº 1 do Código de Processo Civil que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”
Como se sabe, a garantia geral do cumprimento das obrigações materializa-se no património do devedor susceptível de ser penhorado (artigo 601º do Código Civil).
Dispõe o artigo 391º, nº 2 do Código de Processo Civil que o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições legais relativas à penhora, em tudo o que se mostrar compatível com este procedimento.
Por seu lado, o artigo 392º, nº 1 do Código de Processo Civil preceitua que, para fundar a providência de arresto, o requerente deve deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e os que fundam o justo receio invocado, além de dever relacionar os bens a apreender, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.
No que diz respeito à demonstração do perigo de insatisfação do direito aparente (periculum in mora), “(…) pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente.” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra, 1948, pág. 621).
Com respeito à verificação deste pressuposto fundador do arresto, pressupõe o mesmo a alegação e prova (cujo ónus de alegação e prova impende sobre o requerente da providência – artigo 342º, nº 1 do Código Civil e artigo 392º, nº 1 do Código de Processo Civil), ainda que sob a feição de séria probabilidade, de um quadro fáctico que permita predizer a verificação de risco de se vir a tornar crítica ou inviável a satisfação do crédito em causa.
Com efeito, “Este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda da garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia.” (António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume – Procedimentos Cautelares Especificados, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, pág. 186).
Refere ainda Abrantes Geraldes in ob. cit. pág. 191 que o justo receio “pressupõe a alegação e prova ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de ser tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, defendendo ainda que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva” (pág. 193).
Sem prejuízo de se aferir casuisticamente, em face das particulares circunstâncias do caso concreto, quais sejam os factos que motivam o justo receio do credor de se vir a tornar difícil ou impossível a satisfação do seu crédito, apontam-se as seguintes situações consubstanciadoras do decretamento do arresto:
- Prova sumária de que o requerido pretende alienar os seus bens imóveis;
- Risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património;
- Constatação que, além do seu salário, o devedor não tem outros bens, que tem outros débitos e que pretende abandonar o local de trabalho para se furtar ao cumprimento dessas obrigações;
- Prova de que o devedor de elevada quantia se furta a contactos e pretende vender o património conhecido;
- Verificação de que se mostra consideravelmente difícil a realização do crédito;
- Acentuado déficit entre o crédito exigido e o valor do património conhecido do arrestado, juntamente com a circunstância de ser facilmente ocultável;
- Tentativa do devedor de transferir elevadas somas de dinheiro para o estrangeiro, ausentando-se da empresa;
- Constatação de que o património do devedor se encontra onerado com hipotecas ou existem execuções e penhoras pendentes;
- Descapitalização de empresas, através da transferência dos activos, deixando àquelas o encargo pelo pagamento de dívidas fiscais, para fiscais, salariais ou a fornecedores;
- Actos de alienação gratuita a favor de terceiros ou actos simulados de alienação ou de oneração;
- Existência de crimes de emissão de cheques sem provisão ou pendência de acções declarativas ou executivas tendentes a obter o cumprimento de obrigações;
- Pendência, com seguimento, de processo de recuperação de empresas, revelador de grave situação de insolvência.” (António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume – Procedimentos Cautelares Especificados, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, pág. 200-201).
Concluindo, o justo receio de perda de garantia patrimonial existe sempre que o devedor tenha, ou se disponha a ter, comportamentos, indiciados por factos concretos, em relação ao seu património que façam recear pela possibilidade de satisfação do crédito do credor, nomeadamente a alienação, transferência ou ocultação de património, ou a sua oneração com dívidas, tornando difícil o pagamento aos credores ou a manutenção da sua solvabilidade com superioridade do passivo em relação ao activo.
“Na fórmula genuína do justo receio de perder a garantia patrimonial cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações” (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2000, in www.dgsi.pt).
Retornando ao caso concreto, temos que os recorrentes alegaram um conjunto de factos dos quais, a provarem-se, ainda que indiciariamente, justificam e integram o pressuposto do justo receio.
Os recorrentes alegam qual o património conhecido pertença dos requeridos, a sua situação económica, a situação dos bens que possuem, nomeadamente se se encontram onerados, e as acções que correm termos contra os recorridos.
Atendendo à alegação de factos que traduzem a existência de defeitos e de trabalhos não executados, os quais ainda subsistem conforme alegado por inércia dos recorridos, e da alegação de factos que indiciam que o património conhecido pertença dos recorridos se encontrar onerado, a ser efectuada prova indiciária de tais factos, poder-se-á concluir que os recorridos se encontrarão em situação económica difícil por oneração do património, o que poderá justificar e concluir pela existência de justo receio.
Neste termos, a existência de justo receio, a existir, depende da produção de prova, nomeadamente a inquirição das testemunhas arroladas, sendo prematura a conclusão retirada pela 1ª Instância quanto à não verificação deste pressuposto.
Tudo visto, procede nesta parte o recurso e consequentemente deve ser revogado o despacho de indeferimento liminar quanto à providência cautelar especificada de arresto, ordenando, quanto a esta, o prosseguimento dos autos.
Procede parcialmente o recurso interposto pelos recorrentes.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e consequentemente mantém-se o indeferimento liminar quanto à providência cautelar não especificada, ainda que com fundamentos diferentes, e revoga-se quanto ao procedimento cautelar especificado de arresto determinando, quanto a este, o prosseguimento dos autos.
Custas a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 09 de Outubro de 2025
Cláudia Barata
Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia
Anabela Calafate