EXECUÇÃO
REMANESCENTE
CRÉDITO FISCAL
Sumário

(Sumário elaborado pelo relator)
I. Numa execução comum, pagas as custas do processo e a quantia exequenda, o remanescente do produto da venda, se o houver, nos termos previstos no artigo 81º do CPPT, só é restituído ao executado se este comprovar que nada deve à Autoridade Tributária.
II. A execução comum, nesta sede, restando apenas dar destino ao remanescente do produto da venda para a sua extinção, não é o meio processual próprio para o executado impugnar o direito de crédito invocado pela Autoridade Tributária e documentado na certidão de dívida junta aos autos.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DA 6ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - Relatório.
1. Merecido Exemplo, S.A., instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Execução de Oeiras - Juiz 1 execução comum contra AA e BB, no decurso da qual foi penhorado e, depois, vendido um imóvel propriedade dos executados.
2. Após a venda de tal imóvel, pagas as custas do processo e a quantia exequenda, tendo havido remanescente do produto da venda, o senhor agente de execução notificou os executados nos seguintes termos: «Tendo dado cumprimento ao disposto no art.º 81º do CPPT, veio o Serviço de Finanças de Cascais-1 responder à nossa notificação, informando das eventuais dívidas dos executados para com as Finanças. Para melhor esclarecimento de V. Exa., anexo as respostas das Finanças de Cascais-1. Fico a aguardar as prezadas informações, sendo certo que, caso nada seja transmitido aos autos, será o remanescente da venda entregue às Finanças».
3. Os executados, em resposta a tal notificação, informaram que todos os créditos constantes da certidão de dívida da autoridade tributária se encontram prescritos, encontrando-se também prescritos o procedimento contraordenacional, a coima, o procedimento criminal fiscal e a pena criminal, e, nesse sentido, requereram «o não reconhecimento das dívidas tributárias supra indicadas e concomitantemente ínsitas em tais certidões de dívidas, no total de €464.247,46, devendo, por outro lado, V. Exa. Ordenar a devolução aos Executados, de todo o remanescente do valor da venda do imóvel».
4. A pretensão dos executados veio a ser indeferida, nos seguintes termos: «Salvo melhor entendimento, não compete ao Juiz de Execução proceder, nesta sede, à apreciação da existência do crédito tributário comunicado aos presentes autos nos termos e para efeitos do disposto no artigo 81º do CPPT. Face ao disposto no aludido preceito legal e com vista ao deferimento da sua pretensão competia aos executados munirem-se de certidão de não dívida ao Fisco, o que, não acontece. Pelo que fica dito, indefere-se o requerido, devendo o AE, face ao teor da informação prestada pela AT e certidões juntas, proceder em conformidade com o disposto no artigo 81º, n.º 1 do CPPT. Notifique».
5. A executada AA, não conformada com tal decisão, interpôs recurso da mesma, apresentando as respetivas alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
1. No âmbito do presente processo executivo, foi determinado que a Autoridade Tributária (AT) fosse chamada a informar a existência de dívidas tributárias da executada, nos termos do artigo 81.º do CPPT;
2. A AT comunicou a existência de um crédito tributário no valor de € 468.727,88;
3. Não obstante, os executados apresentaram requerimento arguindo a prescrição do crédito tributário, nos termos do artigo 48.º da LGT;
4. O tribunal, através do despacho recorrido, decidiu que a prescrição não poderia ser apreciada nesta sede, indeferindo o requerido;
A prescrição como matéria de ordem pública:
5. Nos termos do artigo 48.º da LGT, a prescrição dos créditos tributários configura uma questão de ordem pública, sendo aplicável ex officio e passível de apreciação em qualquer fase do processo;
6. A prescrição extingue o direito do credor e torna o crédito inexigível (artigo 303.º do Código Civil);
7. O despacho recorrido, ao remeter a apreciação da prescrição para outra sede, violou o regime da prescrição previsto na LGT e no Código Civil, ignorando a sua natureza vinculativa e obrigatória;
Apreciação da prescrição no processo executivo:
8. O artigo 81.º, n.º 1 do CPPT, regula a comunicação de dívidas tributárias no âmbito do processo executivo, mas não impede o tribunal de analisar a prescrição destas dívidas no mesmo processo;
9. A jurisprudência é pacífica neste sentido: O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.07.2006 (Proc. n.º 06A1816) estabelece que “a prescrição pode e deve ser conhecida no processo executivo quando arguida, por ser matéria de conhecimento oficioso e de ordem pública”;
Princípios processuais violados:
10. O despacho recorrido viola o princípio do acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e o princípio da economia processual, ao obrigar os executados a recorrer a outro meio para fazer valer a prescrição, quando esta pode e deve ser apreciada no próprio processo executivo;
11. A decisão também compromete o princípio da igualdade de armas, ao criar uma situação de desequilíbrio processual entre as partes, em benefício da Autoridade Tributária.
Terminou pedindo a procedência do recurso, ordenando-se ao tribunal a quo que aprecie e decida sobre a prescrição invocada pelos executados no presente processo, tudo, com as devidas e legais consequências.
6. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II - Fundamentação.
O objeto do recurso, nos termos previstos nos artigos 635º/4, 637º/2, 639º, 640º, 641º/1-b), 652º/1-a) e 663º/2 e 608º/2 do Código de Processo Civil, está delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s), não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas1.
Assim, analisadas as conclusões das alegações da apelação, tendo subjacente a realidade factual descrita no relatório que antecede e estando em causa uma questão de direito, cumpre apreciar e decidir se, em função do preceituado no artigo 81º do CPPT, é de revogar a decisão que indeferiu a restituição do remanescente do produto da venda aos executados.
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A factualidade relevante para a apreciação da questão encontra-se definida no relatório que antecede, pelo que se procede, de seguida, ao conhecimento do mérito do recurso tendo subjacente tal materialidade.
O artigo 81º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), a propósito da «restituição do remanescente nas execuções», dispõe: «1 - O remanescente do produto de quaisquer bens vendidos ou liquidados em processo de execução ou das importâncias nele penhoradas poderá ser aplicado no prazo de 30 dias após a conclusão do processo para o pagamento de quaisquer dívidas tributárias de que o executado seja devedor à Fazenda Nacional e que não tenham sido reclamadas nem impugnadas. 2 - Findo o prazo referido no número anterior, o remanescente será restituído ao executado. 3 - No caso de ter havido transmissão do direito ao remanescente, deverá o interessado provar que está pago ou assegurado o pagamento do tributo que sobre ela recair».
Trata-se de uma norma que está inserida no âmbito do «procedimento tributário» (cfr. artigos 44º e ss.) e, dentro deste, no capítulo das «cobranças» (artigos 78º e ss.) e na secção das «garantias da cobrança» (artigos 80º a 83º), do procedimento tributário, que tem a antecedê-la a norma do artigo 80º, que impõe a citação da autoridade tributária em todas as execuções de natureza não tributária para reclamação dos créditos tributários [«1 - Salvo nos casos expressamente previstos na lei, em processo de execução que não tenha natureza tributária, é obrigatoriamente citado o diretor do órgão periférico regional da área do domicílio fiscal ou da sede do executado, para apresentar, no prazo de 15 dias, certidão de quaisquer dívidas de tributos à Fazenda Pública imputadas ao executado que possam ser objeto de reclamação de créditos, sob pena de nulidade dos atos posteriores à data em que a citação devia ter sido efetuada. 2 - Não havendo dívidas, a certidão referida no número anterior será substituída por simples comunicação através de ofício. 3 - As certidões referidas no n.º 1 serão remetidas, mediante recibo, ao respetivo representante do Ministério Público e delas deverão constar, além da natureza, montante e período de tempo de cada um dos tributos ou outras dívidas, a matéria tributável que produziu esse tributo ou a causa da dívida, a indicação dos artigos matriciais dos prédios sobre que recaiu, o montante das custas, havendo execução, e a data a partir da qual são devidos juros de mora»].
Daqui decorre que, em qualquer execução que não tenha natureza tributária, a Autoridade Tributária deve ser citada (em consonância, aliás, com o preceituado no artigo 786º/1-b) e 2 do Código de Processo Civil) para reclamar os créditos sobre os quais possua direito real de garantia sobre os bens penhorados, mas também que terminada a execução, existindo remanescente do produto da venda, o mesmo não pode ser restituído ao executado sem que ele comprove a inexistência de dívidas à Fazenda Nacional.
Neste sentido, ensina Lebre de Freitas (in A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 8ª ed., pgs. 424 e 425) que o pagamento coercivo tem lugar segundo a ordem determinada na sentença de graduação de créditos, sendo, porém, sempre pagas em primeiro lugar as custas a execução (artigo 541º), sendo igualmente atendidos, na respetiva ordem, os direitos reais de gozo que tenham caducado com a venda executiva e sejam oponíveis à execução, sendo entregue ao executado o eventual remanescente.
No entanto, ressalva que por imposição da lei tributária (artigo 81º do CPPT), o levantamento desse remanescente não pode ter lugar sem que o executado prove que nada deve à Fazenda Nacional e, assim, que, concluído o processo, a atribuição à Fazenda Nacional é feita no prazo de 30 dias, devendo o executado, se remanescente ainda ulteriormente houver, provar que está pago ou assegurado o pagamento do tributo que sobre ele recair.
Deste modo, exemplifica que, vendido judicialmente um prédio por via de cuja transmissão ou rendimento se haja constituído uma dívida fiscal, o remanescente do produto da venda não pode ser entregue ao executado sem que essa dívida se mostre paga, não obstante o Estado ter gozado dum privilégio creditório (artigo 744º Código Civil) que lhe permitia ter feito uma reclamação que, por hipótese não fez, pois uma coisa é o meio processual concedido ao Estado para se fazer pagar dos seus créditos e coisa diversa à o meio especial de obstar ao pagamento até que os créditos do Estado sejam pagos. E como este meio respeita a qualquer crédito da Fazenda Pública, privilegiado ou não, não só com ele praticamente se inutiliza o ónus da reclamação e o efeito da caducidade dos direitos de crédito privilegiados da Fazenda Pública, mas também paticamente se atinge o efeito da concessão dum privilégio creditório, graduado em último lugar, aos créditos da Fazenda Pública não dotados de garantia real sobre os bens penhorados.
Neste sentido, decidiu o AcRP de 23-09-2024 (rel. Des. Teresa Fonseca)2 que «atenta a integração sistemática do normativo sob discussão [o artigo 81º do CPPT], o seu âmbito é precisamente o dos processos de execução que não tenham natureza tributária. O legislador pretende que, em qualquer caso, o fisco se faça pagar. Mesmo que as dívidas do executado não tenham sido reclamadas, é conferida à autoridade tributária uma segunda oportunidade, um segundo momento no tempo, em que pode vir dar conhecimento ao processo executivo de que é credora, fazendo-se pagar pelo remanescente do produto dos bens vendidos ou liquidados. (…) Assente-se em que não se vislumbra que o preceito em análise viole normas de valor superior ou princípios gerais de direito, nem tal é alvitrado. Cinge-se a acautelar que, na medida do possível, a autoridade tributária se faça pagar. É, assim, inelutável que o seu propósito seja acautelado. Tal é alcançável ou através da notificação da autoridade tributária para que venha dar conta de que existem ou não dívidas do executado ou através da exigência de que este exiba certidão em como nada deve àquela entidade».
Encontrando-se a tramitação do processo executivo enquadrada na previsão do artigo 81º do CPPT, existindo remanescente do produto do imóvel vendido, tendo a Autoridade Tributária comunicado a existência de dívidas à Fazenda Nacional e juntado certidão onde atesta a existência das mesmas, impendia sobre o executado o ónus de provar a inexistência da dívida tributária ou de que estava pago ou assegurado o pagamento do tributo que sobre ela recai.
Não colhe, assim, a argumentação da recorrente3, porquanto a existência de dívidas à Fazenda Nacional se encontra documentada na certidão junta aos autos pela Autoridade Tributária, certidão essa que, nos termos dos artigos 362º, 363º/1 e 2, 369º, 370º/1 e 2, 371º/1 e 372º do Código Civil, consubstancia um documento autêntico, que faz prova pela nos factos nele atestados, ou seja, do direito de crédito da Fazenda Nacional - não tendo a recorrente invocado a falsidade de tal certidão, nem sequer feito prova do contrário, ou seja, de que nada deve à Fazenda Nacional ou os valores atestados por esta entidade.
Por outro lado, tendo ainda em consideração o preceituado no artigo 81º do CPPT, se a Autoridade Tributária não reclamou o crédito tributário certificado no processo executivo comum, também a executada, ora recorrente, não comprovou ter impugnado tal direito de crédito, impugnação esta que só podia ser feita pelos meios previstos na legislação tributária (e cuja prova da existência, nos presentes autos, deveria ser documentada).
Na verdade, a presente execução (comum), que se encontra à beira da extinção (estando pagas as custas e a quantia exequenda), não é o meio processual previsto no artigo 81º/1 do CPPT para a impugnação dos créditos tributários (seja para invocação da sua inexistência, seja para invocação da prescrição), já que, nesta sede, alegada a existência de uma dívida fiscal e documentada a sua existência (em certidão de dívida), ao executado apenas restaria provar que nada deve à Fazenda Nacional (seja porque tal valor já está pago ou ainda porque o pagamento de tal valor já se encontra assegurado), prova esta que, por ter subjacente um facto extintivo de uma obrigação, nos termos previstos nos artigos 393º e 395º do Código Civil, deveria ter sido feita através de documento escrito.
Não tendo a executada, ora recorrente, comprovado que nada deve à Fazenda Nacional, improcede o recurso interposto, sendo a recorrente responsável pelo pagamento das custas do recurso (cfr. artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil).
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III – Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de outubro de 2025.
Carlos Miguel Santos Marques
Vera Antunes
Elsa Melo
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1. Em consonância com o preceituado nos artigos 608º e 609º, ex vi do 663º/2 do Código de Processo Civil, que veda ao juiz a possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, apreciando todas as questões suscitadas pelas partes, mas também só as questões suscitadas pelas partes – excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não transitadas em julgado.
2. Cujo sumário reza: «I - É conforme ao art.º 81.º/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ao art.º 849.º do Código de Processo Civil o despacho do juiz que em resposta a pedido de esclarecimento do agente de execução afirma ser de dar conhecimento à autoridade tributária da existência de remanescente do produto da venda. II - Não obstaculiza à comunicação à autoridade tributária a circunstância de já terem tido lugar os pagamentos, desde que a execução não haja sido declarada extinta, nem hajam decorrido 30 dias sobre essa declaração».
3. Consignando-se que a jurisprudência invocada pela recorrente tem subjacente outro enquadramento factual, nada tendo a ver com a situação factual e o caso em análise nos autos.