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ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
AUDIÇÃO DO BENEFICIÁRIO
Sumário
Sumário: - A lei adjectiva não prevê o acto de audição da beneficiária no processo especial de autorização judicial, pelo que logicamente não comina sua omissão com a nulidade; - Evidenciando-se dos autos de autorização judicial e igualmente dos autos de interdição, de que aqueles dependem, a incapacidade da acompanhada, que culminou na sujeição a autorização, controlo e administração da curadora, entre outros, dos actos de alienação ou oneração dos seus bens, a qualquer título, a audição da beneficiária não se revela como uma diligência necessária à decisão de autorização judicial; - Não tendo o apelante sequer contestado tempestivamente a acção, não é de conhecer em alegações de questões novas que o mesmo só agora suscita e que não são de conhecimento oficioso.
Texto Integral
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
1.1. Por apenso ao processo que decretou a inabilitação de AA, veio a sua irmã e anteriormente nomeada tutora BB requerer autorização para a venda de uma fracção de um imóvel daquela, por um preço que se situe entre os valores mínimo e máximo indicados na avaliação, ficando a requerente obrigada a depositar o produto da venda numa conta bancária titulada pela AA, dando de tudo conhecimento a este Tribunal.
Invocou a circunstância da AA requerer cuidados de saúde e de assistência que motivaram o seu internamento no Lar... (sendo que tal importa um encargo mensal de € 1.500, acrescido do preço dos produtos de higiene, do vestuário íntimo e das proteções para a incontinência, bem assim como da assistência do fisioterapeuta e do neurologista). A isso acresce a medicação a que tem de se submeter regularmente e que vem sendo, há muito, igualmente custeada pela requerente e pela família. A AA não possui outros bens, nem aufere quaisquer rendimentos, vivendo do apoio de duas irmãs: a ora requerente e CC.
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1.2. A acção não foi tempestivamente contestada.
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1.3. Reuniu-se e deliberou o conselho de família, por unanimidade, dar parecer favorável a que a requerente/acompanhante seja autorizada, em nome da maior AA, a praticar os atos cuja autorização requereu e nos seus exatos termos, sendo a venda por preço que se situe entre os valores de 398 mil e 500 euros (398.500.00€) e 452 mil euros (452.000.00€) respetivamente. Mais se deliberou que o produto da venda do referido imóvel seja depositado em conta bancária titulada pela beneficiária, sendo a respetiva quantia utilizada no seu exclusivo interesse e benefício.
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1.4. De seguida, foi proferida a sentença recorrida que decidiu autorizar BB, a outorgar na qualidade de acompanhante de sua irmã AA, e em nome desta, no prazo de vinte e quatro meses contados desde o trânsito em julgado da presente decisão, a escritura de compra e venda do seguinte imóvel e pelo seguinte preço: a) Fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 2º andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, concelho de Lisboa descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o numero ...., inscrito na matriz predial urbana da reguesia de Campo de Ourique sob o artigo ..., pelo preço mínimo de € 398.500,00 (trezentos e noventa e oito mil e quinhentos euros).
Determinou ainda que o produto da venda do imóvel seja depositado em conta bancária titulada pela acompanhada, sendo a respetiva quantia utilizada no seu exclusivo interesse e benefício.
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1.5. Inconformado, o filho e parente próximo da AA, DD, insurge-se contra a sentença por meio a presente apelação, tendo concluído da seguinte forma: “1) – O apelante não se conforma com a decisão que autoriza a tia BB a outorgar, na qualidade de acompanhante de sua irmã AA, a escritura de compra e venda do imóvel que pertence a esta última, Mãe do apelante, pelo que da mesma interpõe o presente recurso por entender – com o devido respeito – que esta decisão, por um lado, padece de erro de apreciação da matéria de facto e, por outro lado, de erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação de normas jurídicas que a sustentam, pelas razões que a seguir apresenta. 2) – Nestes autos de autorização judicial para venda de imóvel de cuja sentença ora se apela, o tribunal deu como provada a matéria nos termos seguintes: (…) 6. Não aufere quaisquer rendimentos, subsistindo com o apoio das duas irmãs. (…) 3) – Ora, foi dado como provado no ponto 6. «Não aufere quaisquer rendimentos, subsistindo com o apoio das duas irmãs», no entanto, não foi apresentado nos autos documento ou produzida prova testemunhal de que resulte provado este facto. 4) – Acresce que a curadora veio agora, em 2024, requerer autorização para vender o único imóvel da inabilitada, alegando ter necessidade de pagar as despesas desta, porém, sem mencionar como foram satisfeitas as despesas da inabilitada nos últimos quase 10 anos, desde 2016, data em que foi nomeada curadora da inabilitada. 5) – De facto, a inabilitada, Mãe do apelante, teve despesas durante os últimos quase 10 anos e tais despesas sempre foram pagas. A inabilitada não tem dívidas. Aliás, é a própria requerente que na petição diz ser o filho (aqui apelante), quem paga as despesas (condomínio, IMI, etc) da fração autónoma em causa. 6) – Quer enquanto viveu com a Mãe, quer depois de ter ido viver para outra morada, era o apelante quem providenciava pelo pagamento das despesas da Mãe, incluindo de saúde, como ainda hoje faz com os exames médicos e outras despesas, a pedido e de acordo com as tias, curadora e irmã da Mãe, pois, efetivamente, o apelante continua a trabalhar, desde 2016, na …. 7) – A própria factualidade alegada pela requerente impunha concluir pela existência de outros rendimentos para suportar as despesas da Mãe do apelante, o que, por sua vez, contraria a parte final do citado ponto 6., não havendo demonstração de que AA dependa financeiramente das irmãs para subsistir. 8) – Pelo que, o Tribunal a quo não podia ter dado como provada a factualidade do dito ponto 6., a qual, assim, se baseia em erro de apreciação da matéria facto assente, violando o art.607º do CPC. 9) – Em consequência, tal decisão deve ser alterada em conformidade, eliminando-se aquele ponto 6. da matéria provada. 10) – Por seu lado, para a apreciação do objeto destes autos é essencial atentar no seguinte: Em dezembro de 2016, no âmbito do processo nº 941/14.8TVLSB, foi decretada a inabilitação de AA, tendo então o tribunal aí decretado que esta última não apresentava nenhum quadro de incapacidade para interdição, pois que «ficou demonstrado que a requerida apresenta um nível de funcionamento intelectual global situado ao nível da chamada “inteligência normal corrente”, mas com diferença significativa entre a escala verbal e de realização, afectando assim, as capacidades de execução e caracterizando-se por falta de energia para realizar tarefas executivas» e ainda constatando que a situação se encontrava «actualmente [2016] em remissão.», esclarecendo que «A inabilitação distingue-se da interdição pelo facto da pessoa em causa, apesar da doença ou dependência de que padece, revelar alguma capacidade para reger a sua pessoa e bens» para fundamentar a mera inabilitação, ainda acrescentando que a «dependência de bebidas alcoólicas (…) não pode ser incapacitante, no sentido de impedir em absoluto que possa reger a sua pessoa e bens» e ainda que «as sentenças de inabilitação são alteráveis por evolução ulterior». 11) – Assim, constatando as circunstâncias então existentes, em 2016, o tribunal declarou que AA mantinha alguma capacidade para reger a sua pessoa e os seus bens, bem como que a causa se encontrava em processo de diminuição ou desaparecimento dos sintomas, podendo, pois, vir a ser alterada e até levantada mais tarde. 12) – Entretanto, a Lei 49/2018,14.fev criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminou os institutos da interdição e da inabilitação e introduzindo uma nova perspetiva (por ex: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no proc. 7779/18.1T8CBR.C1, a 10-12-2019, que impõe a redução da intervenção ao mínimo necessário e suficiente de molde a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada, procurando que esta, na exata medida em que as suas capacidades o permitam, participe na tomada das decisões relativamente à sua pessoa e/ou património, pois se trata de pessoa humana, com dignidade própria e, por isso, sujeito de direitos e obrigações e com o direito à liberdade e autodeterminação. 13) – Em face do que qualquer decisão atinente a maior acompanhado deve ser casuisticamente apreciada/determinada e periodicamente revista e o beneficiário mantém (mais ou menos reduzida, conforme o caso) a sua capacidade de exercício para agir e exercer os concomitantes direitos, ou seja, cada beneficiário, na medida em que a sua capacidade o permite, tem o direito e deve participar na tomada das decisões relativas à sua pessoa e ao seu património, a ter a última palavra sobre esses assuntos. 14) – Os referidos princípios aplicam-se à situação de AA por força do art.26º daquela Lei 49/2018,14.fev, pelo que esta, na medida em que, além do mais, a sua capacidade em 2016 apresentava «um nível de funcionamento intelectual global situado ao nível da chamada “inteligência normal corrente”» e que, volvidos quase 10 anos, AA abandonou o consumo de álcool e prossegue com tratamentos médicos para respetiva recuperação, a mesma está hoje em condições de empreender a venda em questão e até de definir a sua vontade quanto à mesma. 15) – Muito recentemente ao tomar conhecimento da pretendida venda, AA ficou muito contrariada, triste e preocupada … porque, se melhorasse ou tivesse de voltar para casa, nem teria para onde ir. 16) – De qualquer modo, quer atendendo a tudo que se expôs e designadamente porque numa ação de jurisdição voluntária como a dos autos, em que o tribunal deve ordenar as diligências e recolher as informações que entender convenientes e necessárias à decisão mais adequada (art.986º do CPC), AA devia ter sido ouvida sobre a venda do seu apartamento. 17) – Ademais, não ficou demonstrada a inexistência de meios financeiros para sustentar as despesas de AA, nem que a venda seja necessária, urgente ou imprescindível para tal, assim como também não ficou provado que tal venda constitua uma mais-valia para a sua Mãe, pelo contrário, tal venda compromete a preservação do património da mesma, que poderia ficar sem o imóvel e até pior se o produto da sua venda viesse a ser, entretanto, gasto deixando-a totalmente desprotegida no final da sua vida. 18) – Aliás, é público e notório que a manutenção de património imobiliário é o investimento mais sólido do que qualquer outro e, ao invés, até pode produzir rendimento, mormente através do seu arrendamento, assim se afastando a vantagem da venda como solução para AA, que não tem qualquer interesse na venda pretendida e nem respeita a sua vontade. 19) – Assim, a venda não é a única forma de obter rendimento do imóvel em questão, bastando uma rápida consulta na internet para encontrar múltiplas ofertas de apartamentos para arrendamento em Campo de Ourique por rendas cujo valor médio ronda os 2.000,00€, alguns por rendas muito superiores, mas nunca por rendas inferiores a 1.000,00€/mês. 20) – Destarte, atendendo aos interesses concretos de AA, o arrendamento é solução mais adequada a obter um rendimento mensal da ordem de valores alegada pela requerente e simultaneamente respeitadora da vontade da Mãe, porém sem esta perder a propriedade e, portanto, capaz de garantir a preservação do seu património. 21) – A possibilidade de arrendamento não foi ponderada pelo tribunal e devia ter sido, mormente no seu dever de apurar da adequação da solução à melhor satisfação dos interesses da beneficiária, para a definição da solução que no caso seria a mais conveniente e oportuna, nos termos do art.987º do CPC. 22) – Assim, s.m.j. – que muito se respeita – em face da matéria destes autos, a venda pretendida não é a solução mais adequada à vontade e interesses de AA e, não correspondendo à solução mais conveniente e oportuna para esta última, incorre em errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, por erro na interpretação e aplicação das normas dos art.145º nº 1 do Código Civil e arts 986º nº2 e 987º do CPC. 23) – Em consequência, a decisão em causa deve ser alterada em conformidade, ou seja, ser revogada e anulada a autorização de venda, substituindo-se a sentença por outra que não autorize a venda requerida. Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença em recurso, anulada a autorização em questão e a sentença substituída por outra que não autorize a requerida venda”.
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1.6. A requerente BB, respondeu que o recorrente, tendo deixado passar o prazo que lhe foi concedido para contestar os factos descritos na petição inicial, pretende agora, por esta via, dizer o que não disse no tempo e lugar adequados. O Recorrente não formula conclusões, tal como especificadas nas normas antes transcritas limitando-se, outrossim, a reproduzir, em registo de mera cópia, partes abundantes das suas alegações. A falta de conclusões, em matéria de facto, deve determinar a rejeição do recurso, nessa parte, porquanto a possibilidade de aperfeiçoamento está limitada à matéria de direito.
O recorrente confunde o erro na apreciação da prova com a insuficiência da prova para a decisão de facto, que são figuras distintas, não devendo, por isso, proceder tal alegação. Não se verifica a alegada violação da norma do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
Deve ser negado provimento ao presente recurso.
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1.7. O Ministério Público também respondeu, sustentando que a factualidade impugnada foi alegada pela Requerente e não foi contrariada ou impugnada. Acresce que no processo de interdição/inabilitação, intentado pelo Ministério Público - ao qual foram apensados os presentes autos - foi proferida sentença decretando a inabilitação de AA, dando com provado, desde logo, que esta deixou de trabalhar em 2006, situação que se mantinha à data da prolação da sentença (5.12.2016) – cfr. ponto 4 dos Factos provados. Ficando assente no ponto 14 que a requerida não exerce qualquer atividade profissional que lhe proporcione rendimentos. Dos factos provados, naquela sentença, nos pontos 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 extraise que a beneficiária não tem qualquer capacidade de, por si, prover à sua subsistência, desenvolvendo atividade profissional.
O Recorrente, impugnou a matéria dada como provada no ponto 6 da sentença de autorização, sem que, contudo, tenha, oportunamente, apresentado explicação ou versão diversa e lógica dos acontecimentos, com a alegação de factos suscetíveis de infirmar aquela factualidade.
O Tribunal, ponderando o conjunto dos factos, proferiu a decisão que melhor acautela os interesses da maior AA, sendo esses os únicos em causa.
Pelo exposto, manifesta razão tem o Mmº Juiz a quo, cuja decisão – claramente legal, douta e justa – deve ser mantida nos seus precisos termos.
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1.8. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões do recorrente e centram-se no seguinte:
- A não audição da acompanhada e seus efeitos na decisão de autorizar o acto;
- A admissão e conhecimento da impugnação da matéria de facto; e,
- O conhecimento e relevância do arrendamento do imóvel, em termos de salvaguardar o interesse e necessidades da acompanhada.
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2. Fundamentação.
2.1. Foi julgado provado que:
1. Por sentença proferida em 17 de Novembro de 2016 e transitada em julgado, foi decretada a inabilitação de AA, ficando sujeitos à autorização, controlo e administração da curadora, designadamente, a alienação ou oneração dos seus bens, a qualquer título.
2. Como curadora foi designada BB, irmã da inabilitada e requerente dos presentes autos.
3. AA sofre de inúmeras patologias, precisando de acompanhamento médico regular.
4. Reside no Lar..., em Lisboa, o qual tem uma mensalidade de € 1.500,00.
5. A este valor acresce o preço dos produtos de higiene, do vestuário íntimo e das proteções para a incontinência, bem assim como da assistência de fisioterapeuta e neurologista.
6. Não aufere quaisquer rendimentos, subsistindo com o apoio das duas irmãs.
7. É proprietária da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 2º andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua … descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o número ...., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo ....
8. O imóvel foi sujeito a duas avaliações, tendo-lhe sido atribuídos os valores de 398.500,00 euros e 452.000,00 euros.
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2.2. A questão da audição da acompanhada.
O recorrente sustenta que a AA devia ter sido ouvida sobre a venda do seu apartamento – cfr. conclusão 16.ª. Porém, limitou-se a tecer algumas considerações gerais sobre o regime jurídico do maior acompanhado e não retirou qualquer consequência da preterição da audição da acompanhada.
Em primeiro lugar, cumpre observar que o art.º 26.º, da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, regula a aplicação no tempo do novo regime do maior acompanhado, nomeadamente em termos de: 4 - Às interdições decretadas antes da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime do maior acompanhado, sendo atribuídos ao acompanhante poderes gerais de representação. 5 - O juiz pode autorizar a prática de atos pessoais, direta e livremente, mediante requerimento justificado. 6 - Às inabilitações decretadas antes da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime do maior acompanhado, cabendo ao acompanhante autorizar os atos antes submetidos à aprovação do curador. 7 - Os tutores e curadores nomeados antes da entrada em vigor da presente lei passam a acompanhantes, aplicando-se-lhes o regime adotado por esta lei.
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa: “Dado que o acompanhamento de maiores não obsta, salvo disposição da lei ou decisão do tribunal, ao exercício pelo acompanhado de direitos pessoais (art.º 147.º, n.º 1, CC) – como, por exemplo, casar, perfilhar, adoptar ou testar (art.º 147.º, n.º 2, CC) –, permite-se que, depois da conversão da antiga interdição em medida de acompanhamento, seja requerida ao juiz autorização para a prática de actos pessoais (art.º 26.º, n.º 5, L 49/2018); esta possibilidade implica a renovação da instância do antigo processo de interdição, pois que é neste que deve ser apresentado o requerimento de autorização da prática de actos pessoais pelo maior acompanhado” – in O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Centro de Estudos Judiciários, pág. 58.
No presente caso não estamos perante a autorização para a prática de um acto pessoal pela maior acompanhada, mas sim de um acto de disposição do património pela sua acompanhante, mas impõe-se igualmente a conclusão de que a anterior tutora e actual acompanhante BB tem legitimidade para intentar a presente acção especial, em que requerer autorização judicial para a venda de um imóvel que pertence à acompanhada AA – art.º 1014.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. No entanto, cumpre notar que a requerente não age em seu nome pessoal, mas nessa qualidade de acompanhante da AA e no interesse exclusivo desta. Ou seja, a acompanhada AA está na acção representada pela sua acompanhante BB. E nem poderia ser de outra forma, em vista das garantias relativas ao processo equitativo e da necessidade do pedido (ou da contradição) – cfr. art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e art.º 3.º, do Código de Processo Civil.
Não há dúvida de que o acto de disposição carece de autorização judicial prévia e específica – cfr. art.º 145.º, n.º 3, do Código Civil. Tal autorização é pedida pela acompanhante da beneficiária, que actua como representante desta: os maiores acompanhados sujeitos a representação só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, exceto quanto aos atos que possam exercer pessoal e livremente – art.º 16.º, do Código de Processo Civil. A decisão que designa o acompanhante define as medidas de acompanhamento, nomeadamente o âmbito da representação – cfr. art.º 900.º, do Código de Processo Civil.
No formalismo do processo especial do acompanhamento de maiores, está prevista a obrigação da audição pessoal e direta do beneficiário pelo juiz – art.º 898.º, do Código Civil. O mesmo já não sucede no caso do processo especial de autorização ou confirmação – art.ºs 1014.º a 1016.º, do Código de Processo Civil. Cumpre notar que o pedido é dependência do processo de acompanhamento de maior – cfr. art.º 1014.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Tal circunstância não só facilita a recolha de elementos, como a própria ponderação das diligências necessárias à autorização judicial.
Não estando expressamente prevista a audição da beneficiária, seria tal acto necessário à decisão em vista dos elementos que se evidenciam dos autos? E a sua preterição influi no exame ou na decisão da causa? De que forma?
A lei adjectiva não prevê o acto de audição da beneficiária no processo especial de autorização judicial, pelo que logicamente não comina sua omissão com a nulidade – art.º 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O recorrente argumenta com a circunstância da sua mãe apresentar uma “inteligência normal corrente” e estar hoje em condições de empreender a venda em questão e até de definir a sua vontade quanto à mesma. E ainda que “muito recentemente ao tomar conhecimento da pretendida venda, AA ficou muito contrariada, triste e preocupada … porque, se melhorasse ou tivesse de voltar para casa, nem teria para onde ir”. Tal argumentação manifestamente não colhe, na medida em que o apelante instrumentaliza as alegações de recurso para só agora introduzir as razões que deixou de apresentar com a contestação. O apelante foi citado na qualidade de parente sucessível mais próximo da visada e porque poderia contribuir para uma melhor defesa dos interesses desta, mas optou por renunciar a tal acto. Não pode agora argumentar com novos factos e que nunca foram anteriormente discutidos, nomeadamente em face da circunstância de não ter contestado a acção no prazo que a lei estabelece.
O processo civil pauta-se por vários princípios, entre os quais o da concentração da defesa – artigo 573.º, do Código de Processo Civil. A lei consagra a natureza contraditória do processo – artigo 3.º, do Código de Processo Civil. Tal significa que a parte deverá utilizar o requerimento de oposição para concentrar toda a defesa relativamente à pretensão manifestada pela contraparte, sob pena de preclusão. Na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – artigo 608.º, do Código de Processo Civil. A lei também admite a possibilidade de impugnação da sentença em determinadas situações, devendo o recurso estar delimitado subjectiva e objectivamente, nomeadamente em função das questões que foram decididas ou que deveriam ter sido decididas – artigos 627.º e 635.º, do Código de Processo Civil.
Porém, em princípio e salvo algumas situações legalmente previstas, como sucede com as questões de conhecimento oficioso, não é lícito às partes suscitarem questões novas no âmbito dos recursos. Ou seja, introduzirem perante o tribunal ad quem as questões que podiam e deviam ter apresentado para conhecimento perante o tribunal a quo. Como refere Abrantes Geraldes, no seguimento do entendimento jurisprudencial aí abundantemente citado, “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Segundo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos um modelo de reponderação que vis o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso. Compreende-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios” – in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª Edição, pág. 141. Ora, revertendo ao presente caso, o apelante deixou passar a contestação para suscitar a questão da readquirida capacidade e relevante vontade da beneficiária. Apresenta-se nas alegações de recurso como o retardatário interprete da verdadeira vontade de sua mãe. Assim, precludiu o direito do apelante suscitar essa nova questão no âmbito do presente recurso, não podendo este tribunal conhecer da mesma em primeira instância.
Além disso, o apelante refere acertadamente que qualquer decisão atinente a maior acompanhada deve ser casuisticamente apreciada/determinada. Ora, tal apreciação foi feita na sentença recorrida e também na decisão que anteriormente decidiu decretar a inabilitação de AA. E foi aí decidido que ficavam sujeitos à autorização, controlo e administração da curadora os seguintes actos:
“a) Todos os actos respeitantes à saúde e integridade física e mental, nomeadamente nas decisões a tomar e nos tratamentos necessários, na necessidade permanente de acompanhamento médico, entendido como necessário pelos médicos assistentes de medicina geral ou interna, neurologia e psiquiatria/psicologia ou outra especialidade que se revele necessária; b) A alienação ou oneração dos seus bens, a qualquer título; c) A contracção de dívidas de valor superior a 1/3 da retribuição mensal mínima em cada momento em vigor. Decide-se assim, que caberá à curadora praticar ou autorizar os actos de administração e de aquisição vedados ao inabilitado, bem como gerir os seus rendimentos, abonando-lhe as quantias que, em cada momento, entenda estar ao alcance desta gerir, bem como controlar todos os actos respeitantes á saúde e integridade física da requerida”.
A grande amplitude e extensão dos actos sujeitos à autorização, controlo e administração da curadora evidenciam o verdadeiro grau de incapacidade da beneficiária. A invocação pelo apelante quanto à “inteligência normal corrente” de sua mãe aparece truncada nas respectivas alegações. O que se provou na anterior acção de interdição por anomalia psíquica nos idos de 2016 revela um panorama bem diferente, como muito bem apontam as doutas contra-alegações da Digna Procuradora da República, senão vejamos: “19. A requerida apresenta um nível de funcionamento intelectual global situado ao nível da chamada “inteligência normal corrente”, mas com diferença significativa entre a escala verbal e de realização, afectando assim, as capacidades de execução e caracterizando-se por falta de energia para realizar tarefas executivas; 20. A requerida apresenta ainda dificuldades ao nível da sua capacidade mnésica a curto prazo e a de longo prazo está igualmente comprometida, com baixa capacidade analítica e de precisão; 21. A requerida apresenta uma organização de personalidade algo frágil e vulnerável, pautada por alguns traços ansiosos e impulsivos; 22. A requerida actualmente apresenta clinicamente um quadro de perturbação neurocognitiva ligeira, crónico e lentamente progressivo; 23. Actualmente apresenta ainda um quadro de perturbação de uso de substâncias, neste caso de ingestão de bebidas alcoólicas, diagnosticado como co-morbilidade com Dependência de Álcool, actualmente em remissão; 24. O nível de deficiência é actualmente ligeiro a moderado no impacto da actividade diária actual da requerida, mas dificulta o governar de pessoas e bens da mesma, quer a nível de tratamentos necessários, quer na gestão do seu património que não se prenda com a gestão diária decorrente das despesas domésticas normais”.
Nada resulta em como a situação da acompanhada evoluiu favoravelmente, nem o recorrente suscitou tal questão anteriormente. Pelo contrário, a requerente demonstrou que a acompanhada sofre de inúmeras patologias, precisando de acompanhamento médico regular, o que determinou que passasse a residir no Lar..., em Lisboa – factos # 3 e 4.
Assim, mesmo fazendo a apreciação casuística que o apelante invoca, dir-se-á que em função de todos os elementos documentais que se evidenciam destes autos e do processo de que depende, particularmente as recentes informações médicas que acompanham o requerimento inicial e que dão conta de se apresentar “confusa, discurso e pensamento com períodos de aparente e ligeira desorganização”, muito embora num quadro de internamento hospitalar, tendo depois saído com discurso adequado e organizado, mas desorientada no tempo (ut relatório clínico do Hospital de … de 8/6/2022) e da “diminuição da capacidade de interpretação dos dados da realidade, de controlo inibitório e de memória de trabalho verbal e visual” (ut relatório do Dr. EE de 15/12/2023), não se afigura que a audição da acompanhada AA consubstancie uma diligência necessária à decisão, cuja preterição inquine a mesma.
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2.3. A impugnação da matéria de facto:
O artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o dever de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/2022 sintetizou a orientação jurisprudencial aí seguida, ao referir que: “No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1 TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia. No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC. Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados. A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9 TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção). No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2 TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1.
O inconformismo do recorrente foi concretizado relativamente facto # 6 julgado provado na sentença: [A AA] não aufere quaisquer rendimentos, subsistindo com o apoio das duas irmãs. Sustenta que não foi apresentado nos autos documento ou produzida prova testemunhal de que resulte provado este facto.
Por outro lado, a apelada sustenta que a falta de conclusões, em matéria de facto, deve determinar a rejeição do recurso, nessa parte, porquanto a possibilidade de aperfeiçoamento está limitada à matéria de direito.
Entende-se que não há fundamento para a rejeição liminar do recurso na parte em que foi impugnada a matéria de facto, em face das apontadas exigências legais quanto à sua forma, pois o recorrente apresentou conclusões e indicou:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, ao referir que o Tribunal a quo não podia ter dado como provada a factualidade do dito ponto 6.;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, ao alegar que não foi apresentado nos autos documento ou produzida prova testemunhal de que resulte provado este facto;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, ao sustentar que se elimine aquele ponto 6. da matéria provada.
Impõe-se, assim, conhecer da impugnação do facto provado.
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2.4. Idem.
Afigura-se apodítico que a acompanhada AA tem as despesas normais de uma pessoa da sua idade e com o estado de saúde que os autos evidenciam. A documentação junta pela requerente evidencia e descrimina muitas dessas despesas, nomeadamente por meio de recibos. E tais recibos vêm aos autos pela mão da requerente e não do apelante. Se o facto alegado pela requerente não fosse verdadeiro, seria expectável que fosse o apelante a impugná-lo na contestação e a apresentar os recibos dos pagamentos que agora genérica e abstractamente invoca ter realizado. Tal não sucedeu.
A situação económica já foi evidenciada na factualidade provada nos autos de interdição (não exerce qualquer actividade profissional que lhe proporcione rendimentos; viveu em Lisboa em casa de familiares durante cerca de um ano e meio). Não se evidencia que a situação económica da acompanhada tenha evoluído favoravelmente desde os idos de 2016, particularmente em vista da documentada circunstância de ter passado a estar internada em Lar. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência – artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Os factos anteriormente adquiridos no âmbito da acção de interdição; a circunstância da informação clínica referir que a AA era acompanhada no internamento pela sua irmã; ou a apresentação dos recibos de despesa pela requerente são alguns dos indícios que corroboram a ideia em como aquela não subsiste economicamente pelos seus próprios meios, mas antes por meio do apoio das suas irmãs.
Por outro lado, o apelante não está obrigado a fazer contraprova seja do que for – art.º 346.º, do Código Civil. No entanto, cumpre notar que o mesmo poderia muitíssimo facilmente contrariar o que foi alegado pela requerente, indicando e documentando nos autos os rendimentos e as despesas suportadas pela sua mãe. Mas não o fez, limitando-se agora a impugnar nas alegações de recurso o que não contestou em devido tempo.
Pelo exposto, entende-se que é de manter o facto impugnado.
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2.5. A questão do mérito.
O acto cuja autorização foi pedida ao tribunal consiste na venda de um imóvel, motivada pela necessidade de obter meios para o sustento da acompanhada, actualmente a residir num lar e sem rendimentos para custear as suas necessidades. A autorização terá que ser norteada pelo interesse da acompanhada, nomeadamente em face de uma relevante necessidade ou do proveito que poderá obter por meio do acto – cfr. Alberto dos Reis, in Processos Especiais, Coimbra, 1982, Volume II, pág. 490.
Inexistem elementos nos autos que permitam ajuizar do provento da operação (nomeadamente relativamente ao momento e ao valor de aquisição e à realização de eventuais mais-valias). A venda é motivada pelo interesse da acompanhada em função da necessidade de custear as suas despesas correntes. Importa ainda notar que não é às acompanhantes que compete arcar com as despesas da acompanhante. As funções do acompanhante são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do acompanhado e a do acompanhante – art.º 151.º, do Código Civil. Ou seja, a acompanhante deve prestar contas e pode exigir o reembolso do que despendeu, em determinadas circunstâncias.
A decisão recorrida sopesou que a autorização resulta da necessidade de “assegurar as despesas essenciais à manutenção e incremento da saúde da acompanhada, conferindo-lhe a dignidade própria do envelhecimento e a qualidade de vida possível atento o seu estado de saúde”.
O apelante contrapõe que: 18) É público e notório que a manutenção de património imobiliário é o investimento mais sólido do que qualquer outro e, ao invés, até pode produzir rendimento, mormente através do seu arrendamento, assim se afastando a vantagem da venda como solução para AA, que não tem qualquer interesse na venda pretendida e nem respeita a sua vontade. 19) – Assim, a venda não é a única forma de obter rendimento do imóvel em questão, bastando uma rápida consulta na internet para encontrar múltiplas ofertas de apartamentos para arrendamento em Campo de Ourique por rendas cujo valor médio ronda os 2.000,00€, alguns por rendas muito superiores, mas nunca por rendas inferiores a 1.000,00€/mês. 20) – Destarte, atendendo aos interesses concretos de AA, o arrendamento é solução mais adequada a obter um rendimento mensal da ordem de valores alegada pela requerente e simultaneamente respeitadora da vontade da Mãe, porém sem esta perder a propriedade e, portanto, capaz de garantir a preservação do seu património.
Antes de mais, cumpre notar que, muito embora o apelante não seja o acompanhante, a sua posição e argumentação evidencia a espaços um conflito de interesses latente com o da acompanhada. E o tribunal não deve restringir a ponderação de eventuais conflitos de interesses apenas entre o acompanhante e a acompanhada, como é especialmente previsto pelo art.º 150.º, do Código Civil.
O interesse da acompanhada centra-se na necessidade imperiosa de receber alimentação, assistência e apoio (o que implica um custo económico em face das razões apresentadas e documentadas pela requerente e das regras da experiência comum). O requerente também tem um interesse próprio na preservação do imóvel na esfera patrimonial da acompanhada, visto que é seu filho e herdeiro legitimário. Assim, apelando o recorrente naturalmente aos interesses da sua mãe, nota-se que também conviria que o mesmo afastasse qualquer suspeita de instrumentalizar aqueles para salvaguardar o seu interesse pessoal. Na verdade, o recorrente está natural e legalmente obrigado a prestar assistência à acompanhada e podia muito facilmente fazer naufragar por completo o pedido de autorização judicial para a venda do imóvel, assumindo os encargos que decorrem da necessidade dessa assistência, pois nas alegações até invocou que outrora “o filho garantia o pagamento as despesas da Mãe”.
Não se acolhe a argumentação do recorrente em como o imóvel produza rendas capazes de prover às necessidades da acompanhada. Trata-se também aqui da introdução tardia em alegações de uma questão nova, a qual não é passível de invocação e conhecimento apenas em sede de recurso. Além de que o requerente confunde situações abstractas (designadamente quando agora invoca que “há múltiplas ofertas de apartamentos para arrendamento em Campo de Ourique por rendas cujo valor médio ronda os € 2.000”) com a situação concreta do imóvel (A requerente referiu que as condições da casa foram-se degradando, tendo-se tornado um sítio totalmente desorganizado e insalubre; Entre o final de 2023 e o início de 2024, a situação ter-se-á agravado já que o não uso prolongado das instalações sanitárias deu origem a uma rutura de canalização, com inundação dos andares inferiores). Acresce que a requerente referiu ter sido impedida de lá entrar desde agosto de 2023, altura em que o filho da AA decidiu mudar a fechadura, impedindo o acesso. No entanto, cumpre observar que o filho não se pode apossar dos bens da acompanhada, visto que a respectiva administração está confiada à acompanhante e não àquele. Logo, os bens da acompanhada deverão estar na posse (necessariamente precária) da acompanhante, que responde pela sua administração e zelo.
Assim, não é de considerar que a opção pelo arrendamento do imóvel seja a que melhor satisfaz os interesses e as necessidades da acompanhada, considerando ainda a provável necessidade de arcar com os custos da recuperação do imóvel, com os custos de manutenção (obras de conservação; reparações a cargo da senhoria), despesas com o condomínio ou encargos tributários do imóvel e respectivas rendas. Além de que o recorrente também olvidou a indicação de quem é que iria assumir o encargo da administração do locado (negociar com os inquilinos e resolver as reclamações destes, recolher as rendas ou passar recibos), nomeadamente se seria contratada alguma pessoa ou sociedade para tal administração.
Assim, considerando os factos provados, não merece censura a decisão que autorizou a venda, por se revelar conforme às necessidades da acompanhada.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.
3.2. As custas são a suportar pelo apelante.
3.3. Notifique.
Lisboa, 9 de Outubro de 2025
Nuno Gonçalves
Gabriela de Fátima Marques
João Brasão