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COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL DO TRABALHO
TRIBUNAL CÍVEL
Sumário
Sumário: I - A competência em razão da matéria é um pressuposto processual que se determina atendendo a como o autor configura o pedido e a causa de pedir na petição inicial, o que significa que a questão terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção. II - É da competência dos Tribunais Judiciais conhecer de um litígio no qual uma pessoa colectiva demanda um seu anterior colaborador e com fundamento em responsabilidade civil, considerando designadamente que no momento da propositura da acção, face aos termos em que a autora configurou, na petição inicial a causa de pedir, o pedido e o réu que demandou, estar-se-á perante um litígio de natureza tipicamente civilística, e não perante uma questão emergente de relação de trabalho subordinado. III – Ao referido em II não obsta a circunstância de , aquando da qualificação jurídica da relação que serve de fundamento à ação incorra o autor em erro , considerando v.g. que outorgou com o réu um contrato de prestação de serviços, que não um contrato de trabalho, pois que o erro do autor na qualificação jurídica não releva para efeitos de competência em razão da matéria.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.- Relatório.
Em acção declarativa que vem correndo termos – desde 18/01/2022 – em Juízo Central Cível de Loures, intentada por A [ …., SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA,S.A. ] , com sede em Lisboa, e contra B, residente em Castanheira do Ribatejo, veio a autora peticionar a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €100.000,00, a título de indemnização, acrescida de juros de mora contados desde a sua citação.
1.1.- Para tanto, invocou a autora/requerente, e em síntese, que :
- A Autora foi constituída a 9 de Abril de 2007, tendo como objecto social a mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem - sendo também designada comercialmente por Grupo Remax Vantagem - e desenvolvendo o seu negócio da mediação imobiliária, por todo o território nacional em sistema de franchising, contando actualmente com 27 agências e tendo ao seu serviço aproximadamente oitocentos e cinquenta consultores imobiliários que angariam imóveis para venda e/ ou arrendamento e promovem os mesmos, constituindo esta actividade a essencialidade do negócio;
- É assim que, no âmbito da sua actividade, autora e réu celebraram um contrato de prestação de serviços, a 1 de Fevereiro de 2018, mediante o qual, o R., intitulado técnico de recursos humanos, se obrigou a exercer a actividade de recrutamento e seleção de consultores imobiliários, de modo autónomo e independente, bem como à prestação de serviços conexos com a referida actividade, na área da grande Lisboa, com extensão até às Caldas da Rainha e Santarém ;
- Já como contrapartida da prestação dos referidos serviços, foi combinado que a A. pagaria ao Réu um Valor fixo [ €600,00 por mês, sendo que após os primeiros 60 dias, apenas receberia a totalidade desde que recrutasse o mínimo de 3 consultores, caso contrário, apenas receberá 50% do valor fixo ], um Valor por recrutamento no 1.º ano [ €50,00 por recrutamento sem experiência e €100,00 por recrutamento com experiência] e um Valor variável [ 2% da facturação bruta dos consultores recrutados pelo réu durante 3 anos a contar da data da entrada de cada consultor ] ;
- Sucede que, o R., até à celebração do referido contrato, exercia funções numa loja do Centro Comercial …, enquanto segurança e era trabalhador por conta de outrem, não tendo qualquer experiência no exercício da actividade supra identificada ;
- Pelo que, numa fase inicial, visitou o réu diversas agências, contactou com os respectivos directores, tomou contacto e conheceu a fundo o exercício da actividade, para que lhe fosse possível identificar os requisitos essenciais para a escolha de um consultor imobiliário, e perceber as áreas profissionais de onde vinham;
- Ora, sendo o Réu um prestador de serviços, ficou estipulado no contrato que outorgou com a autora que “ Durante a vigência do presente contrato, o Técnico de Recursos Humanos não poderá prestar serviços cujo objecto seja estabelecido no presente para outra entidade que não a A.”, e que “ O Técnico de Recursos Humanos exercerá as suas funções em regime de dedicação exclusiva à Empresa” ;
- Mais acordaram autora e réu que “O Técnico de Recursos Humanos obriga-se a não exercer ou coordenar, total ou parcialmente, por si ou por interposta pessoa ou entidade, quaisquer actividades a que se obriga no âmbito do presente contrato, no prazo de dois anos a contar da cessação do presente contrato, pois face à especial função que exerce tal acarretaria prejuízos para a empresa, a que se atribui, desde já, um valor mínimo de 100.000 Euros, não obstante este valor ser aumentado em função dos prejuízos efectivamente causados e devidamente liquidados.”;
- Sucede que, a 30 de Junho de 2021, e pretendendo o réu cessar a sua colaboração com a Autora, celebraram ambos um acordo designado “Contrato de rescisão amigável de técnico de recursos humanos”, acordo que produziu efeitos a 30 de Junho de 2021, e através do qual as partes puseram termo ao contrato de prestação de serviços que à data se mantinha;
- No referido acordo de 30 de Junho de 2021, estipulado ficou que “ O Técnico de Recursos Humanos após o término deste contrato terá 2 anos sem exercer ou coordenar, total ou parcialmente, por si ou por interposta pessoa ou entidade, qualquer actividade a que se obriga no âmbito das mesmas funções exercidas na Remax Vantagem. Caso exerça tais funções terá uma penalização de 100.000 Euros.” ;
- Não obstante o acordado em 30 de Junho de 2021, certo é que e quando ainda nem sequer estavam completos cinco meses, após a assinatura do referido acordo, já o réu estava a prestar serviços, de recrutamento e seleção de consultores imobiliários, mediante retribuição, à empresa Century 21 Realty Art M&J, localizada na …., n.º …, Lisboa, concorrente da A. e justamente na área da grande Lisboa , onde o R. prestava serviços à A. .
1.2. – Citado o réu B, veio o mesmo contestar a acção, fazendo-o por excepção dilatória [ invocando v.g. a excepção de incompetência material do tribunal ], por excepção peremptória [ invocando v.g. a Nulidade do Pacto de Não concorrência ] e por impugnação motivada [ impugnando a factualidade pela autora alegada na petição ] , pugnando a final no sentido de ser a ação julgada totalmente improcedente por não provada.
1.3. – Satisfeito o contraditório relativamente às excepções pelo réu invocadas na contestação, e , conclusos os autos , foi de imediato proferida decisão – em 7/2/2024 e com a Refª 159690116 - que, concluindo/decidindo pela incompetência material do tribunal para a apreciação, conhecimento e tramitação dos ulteriores termos da ação, julgou o Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da ação e, em consequência, decretou a absolvição do réu da instância.
1.4. – Notificada do decisão/SENTENÇA identificada em 1.3., e da mesma discordando, veio então – em 25/3/2024 - a autora A, interpor a competente apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
1- A Recorrente não se conforma com a sentença pois foi entendido que o Tribunal materialmente competente para julgar a presente acção é o Tribunal do Trabalho, e desde logo porque foi erroneamente concluído que a Autora configurou a presente acção, e que a causa de pedir revela a existência presumida de um contrato de trabalho que uniu a Autora ao Réu, e não a existência de um contrato de prestação de serviços.
2- Em primeiro lugar, resulta cristalino da leitura da PI que a Recorrente factualizou e invocou a celebração de um contrato de prestação de serviços, o qual se regulará pelo disposto no artigo 1154.º do Código de Processo Civil. O Recorrido prestador obrigou-se à prestação de um certo resultado do seu trabalho, que efectuou por si, com autonomia e da forma que considerou mais adequada, sendo, pois, a sua obrigação a do resultado, num quadro de ausência de subordinação jurídica. Acrescendo que, a Recorrente peticionou na acção uma indemnização pelo incumprimento de cláusula de não concorrência, a qual consabidamente e de acordo com o princípio da liberdade contratual poderá ser incluída num contrato de prestação de serviços, como de facto, é comum, e é alegado de forma claríssima na Petição Inicial.
3- De facto, a forma como a Recorrente configurou a presente acção, a causa de pedir não revela a existência presumida de um contrato de trabalho. A factualidade vertida na Petição Inicial não permite concluir o preenchimento das alíneas b) e d), do n.º 1, do artigo 12.º do Código do Trabalho.
4- Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo não é o que resulta dos pontos 2.º e 5.º supra, nem do constante da Petição Inicial. Equipamentos e instrumentos de trabalho não são o que se refere no n.º 5 supra, conforme foi sintetizado pelo Tribunal a quo, nem nos artigos transcritos. Equipamentos e instrumentos de trabalho são secretárias, cadeiras, computadores, telefones ,etc.. Nem da leitura dos artigos 20.º e 21.º da Petição Inicial podemos concluir que a Recorrente fornecia instrumentos de trabalho ao Autor.
«No âmbito da alínea b) é assumido como elemento indiciador o facto de «os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da atividade».Trata-se de um elemento que se prende intimamente com o da alínea a), tendo aqui o legislador assumido como elemento referenciador da relação de trabalho subordinado a titularidade pelo destinatário da atividade, ou ,no mínimo, a sua responsabilidade pelos «equipamentos e instrumentos de trabalho». Está em causa uma multiplicidade de elementos que são necessários à concreta prestação da atividade e que cabem nas categorias de equipamentos ou instrumentos de trabalho, com destaque para as máquinas e outros dispositivos que permitem concretizar e efetivar a atividade prestada. O elemento caracterizador do facto descrito nesta alínea, como índice de uma situação de trabalho subordinado, encontra-se na disponibilização pelo destinatário da actividade prestada de bens necessários à sua concretização que se enquadrem nos conceitos de equipamentos e instrumentos de trabalho.»;
Nem o referido no n.º 2 supra, nem nos artigos transcritos da PI, 16º, 24.º e 41.º, poderá ser confundido com uma retribuição fixa determinada de acordo com um horário de trabalho. O que de facto não existia, nem uma retribuição fixa, nem um horário de trabalho.
«Na alínea d), por sua vez, coloca-se o acento na forma de pagamento ao prestador exigindo-se que «seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma».
A quantia paga há-de ser assumida como contrapartida da atividade prosseguida, deve ser prestada periodicamente, e deve ser «certa».
A norma faz apelo ao conceito de « quantia certa », o que pressupõe um quantitativo pré-determinado, líquido, com uma dimensão tendencialmente fixa.
Este critério associa-se e cruza-se com o da periodicidade, igualmente exigido na norma, exprimindo, em conjunto, uma dimensão de estabilidade e continuidade nas tarefas executadas e na sua remuneração, o que evidencia uma relação de subordinação jurídica.»;
5-Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se avança por mera necessidade de raciocínio, o Tribunal a quo não poderia sem mais lançar mão do disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho para afastar a sua competência, pois em primeiro lugar o referido artigo constitui uma presunção em benefício exclusivo do Trabalhador. Vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.08.2015, disponível em www.dgsi.pt.
6- Presunção esta juris tantum, e ao decidir como decidiu nesta fase o Tribunal a quo impediu a Recorrente de demonstrar que existem factos e contra indícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização. Vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30.06.2022, disponível em www.dgsi.pt.
7- A decisão aqui sindicada violou o disposto no artigo 65.º do CPC, artigo 126.º, n.º 1, alínea b), da LOSJ, artigo 12.º do Código do Trabalho e artigo 350.º do Código Civil.
8 - De onde se entende que deverá ser revogada, decidindo-se pela competência do Tribunal a quo para julgar a acção aqui em apreciação.
Nestes termos e nos mais de Direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., devem julgar procedente a presente Apelação e revogar a sentença.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada Justiça!
1.5.- Com referência à apelação identificada em 1.4., veio o réu B apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, para tanto concluindo do seguinte modo : i. A Recorrente apresentou, no dia 25/03/2024, recurso da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que conheceu da exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal. ii. O prazo para apresentação de recurso da Sentença supramencionada é de 15 dias, em conformidade com o disposto nos artigos 644.º n.º 2 alínea b) e 2ª parte do n.º 1 do artigo 638.º, ambos do Código de Processo Civil. iii. Pelo que o prazo para apresentação de recurso terminou no dia 5 de março de 2024, sendo que, à data de 25/03/2024, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo já havia há muito transitado em julgado.
Sem prescindir, iv. Resulta inequívoco dos factos alegados na Petição Inicial, que refletem a causa de pedir e o pedido formulado pela Autora, que o Recorrido sempre se encontrou juridicamente subordinado à Recorrente, no âmbito de uma relação laboral manifestamente precária de “falsos recibos verdes” entre o período de 2018 e 2020.
Acresce que, v. A obrigação de não concorrência da violação resulta de um acordo estabelecido no âmbito da cessação de um contrato de trabalho. Em consequência, a presente Ação deveria ter sido intentada no Juízo do Trabalho de Loures, Tribunal materialmente competente para decidir da matéria em causa, e não no Juízo Central Cível de Loures; vi. Sendo, por isso, o Juízo Central Cível, materialmente incompetente, por violação do disposto no artigo 96.º do Código de Processo Civil. Nesta senda, verifica-se sem dúvida a excepção dilatória referida; vii. Em consequência, a competência para conhecer do mérito da causa pertencerá aos Juízos do Trabalho, nos termos do artigo 126.º n.º 1 alínea b) da LOSJ; viii. Deste modo, o recurso deverá improceder na sua totalidade, devendo a Sentença recorrida ser mantida, por dela não resultarem quaisquer entendimentos merecedores de censura.
Nestes termos e nos demais de Direito, que VªExas. Doutamente suprirão, deve o recurso ser totalmente improcedendo, mantendo-se o teor da Sentença recorrida.
* Thema decidendum
2 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é tão só a seguinte :
I - Aferir se “andou mal” - como assim o considera a apelante - o Tribunal a quo ao julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal - em razão da matéria - , absolvendo o réu/apelado da instância, tudo nos termos dos art.ºs 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, todos dos CPC, e art.ºs 126.º, n.º 1, alínea c) e 130.º, n.º 1, ambos da LOSJ.
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3. - Motivação de Facto
Para efeitos de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à factualidade que resulta do relatório do presente acórdão, e para o qual se remete, à qual acresce ainda a seguinte [ a qual decorre de acordo de ambas as partes em face do alegado nos respectivos articulados ] :
3.1. - Do acordo celebrado a 1 de Fevereiro de 2018 entre autora e réu, e referido no relatório do presente acórdão, resulta designadamente o seguinte : CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS O presente documento regula as relações de serviços profissionais entre: A A. Licença AMI7772 com sede na Rua Alexandre Herculano n°50 r/c Esq. 1250-012 Lisboa, com número de contribuinte fiscal 508 117 623, adiante designada por RE/MAX Vantagem, representada neste acto por AA, Administrador, E B, residente na Rua … n°.. , …. … Castanheiro do Ribatejo, portador do Cartão do Cidadão n°…, com número de contribuinte fiscal …, adiante designado por Técnico de Recursos Humanos. CONSIDERANDO QUE, a RE/MAX Vantagem é uma pessoa jurídica autónoma que desenvolve o negócio de mediação imobiliária em sistema de franchising na sequência do contrato assinado com a empresa Ganhar, Lda e é titular de um escritório de mediação Imobiliária sob a marca RE/MAX: CONSIDERANDO QUE, a RE/MAX Vantagem pretende contratar os serviços do Técnico de Recursos Humanos e que este aceita prestar em regime de exclusividade os seus serviços profissionais no sentido de colaborar no desenvolvimento da atividade de mediação imobiliária e serviços conexos : É CELEBRADO O PRESENTE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, NOS TERMOS DAS CLÁUSULAS SEGUINTES. Artigo 1º AUTONOMIA E RESPONSABILIDADES FISCAIS E PARAFISCAIS DO TÉCNICO DE RECURSOS HUMANOS 1 - O Técnico de Recursos Humanos deverá prestar os seus serviços de acordo com as necessidades reais inerentes à sua actividade de recrutamento e seleção, sujeita à autoridade ou direção da RE/MAX Vantagem. 2 - A RE/MAX Vantagem e o Técnico de Recursos Humanos acordam que, pelo facto de serem entidades juridicamente autónomas e não existir qualquer relação de trabalho, antes existe e apenas, a de prestação de serviços, o Técnico de Recursos Humanos é o único e exclusivo responsável pelos pagamentos e contribuições relativas a Impostos, segurança social, seguros de acidentes de trabalho ou outras importâncias devidas e inerentes à sua actividade de profissional liberal (ou empresário em nome individual), salvo disposições legais em contrário. Artigo 2º RESPONSABILIDADES DA RE/MAX Vantagem 1. Durante a vigência do presente contrato, a RE/MAX Vantagem deverá permitir que o Técnico de Recursos Humanos utilize o seu escritório, bem como os seus materiais, equipamentos de comunicação e outras que sejam necessários ao desenvolvimento do negócio em objecto. Artigo 3° RESPONSABILIDADES DO TÉCNICO DE RECURSOS HUMANOS 1- O Técnico de Recursos Humanos actuará por conta e no interesse da RE/MAX Vantagem, na actividade de recrutamento e seleção, bem como na prestação de serviços conexos, devendo sempre identificar-se perante terceiros, como estando ao seu serviço e com todos os requisitos legais previstos na Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro. 2 - O Técnico de Recursos Humanos está obrigado ao cumprimento do Código de Ética da RE/MAX Internacional. Enquanto vigorar o presente contrato, o Técnico de Recursos Humanos deverá ter uma conduta de alto nível ético-profissional, competência, simpatia e qualidade dos serviços que presta a clientes e a público em geral. O Técnico de Recursos Humanos deverá adoptar o Código de Ética produzido pela RE/MAX, o qual inclui o Código de Ética da RE/MAX Europe (Anexo A deste contrato), bem como cumprir o Manual de Procedimentos da RE/MAX Portugal (Anexo C deste contrato) bem como as Normas Internas da RE/MAX Vantagem. 3 - Durante a vigência do presente contrato, o Técnico de Recursos Humanos não poderá prestar serviços cujo objecto seja o estabelecido no presente para outra entidade que não a RE/MAX Vantagem. Artigo 4º UTILIZAÇÃO DA MARCA 1. - A RE/MAX Vantagem autoriza o Técnico de Recursos Humanos a utilizar cartões, envelopes e demais materiais utilizados no estabelecimento de mediação imobiliária sob as marcas, logótipos e demais sinais distintivos, designadamente “RE/MAX, the RE/MAX Balloon and Design, the RE/MAX Red-over-Whfte-over-Blue Horizontal Bar Design, e outras marcas, serviços, logótipos desenhadas pela RE/MAX International ou RE/MAX Europe e aprovadas pela RE/MAX Portugal. 2 - O Técnico de Recursos Humanos poderá utilizar as marcas referidas desde que: a) observe as regras de utilização propostas pela RE/MAX Vantagem, RE/MAX Portugal, RE/MAX Europe e/ou RE/MAX International; b) respeite e aplique as regras de qualidade propostas pela RE/MAX Vantagem, RE/MAX Portugal, RE/MAX Europe e/ou RE/MAX International; c) continue associado nos termos do presente contrato. 3 - O Técnico de Recursos Humanos reconhece e aceita que a RE/MAX International seja a única e exclusiva proprietária das marcas referidas, devendo, por isso, o Técnico de Recursos Humanos cessar o uso das mesmas quando se verifique resolução ou a verificação do termo do presente contrato. Artigo 5o EXCLUSIVIDADE E CONFIDENCIALIDADE 1- O Técnico de Recursos Humanos exercerá as suas funções em regime de dedicação exclusiva à Empresa. 2 - O Técnico de Recursos Humanos obriga-se a não exercer ou coordenar, total ou parcialmente, por si ou por interposto pessoa ou entidade, quaisquer atividades a que se obriga no âmbito do presente contrato, no prazo de dote anos a contar da cessação do presente contrato, pois face à especial função que exerce tal acarretaria elevados prejuízos para a empresa, a que se atribui, desde Já, um valor mínimo de 100.000 Euros, não obstante este valor ser aumentado em função dos prejuízo efetivamente causados e devidamente liquidados. 3 - Mais se obriga, compensado que será por formação e Know-How que lhe será ministrado ao longo do seu percurso profissional nesta empresa, a manter a obrigação descrita no número anterior até 2 anos após a cessação do vínculo laboral entre ambos. 4 - O Técnico de Recursos Humanos obriga-se a não divulgar, durante o período de vigência do presente contrato de trabalho bem como após a sua cessação, quaisquer Informações de natureza confidencial relativas à empregadora, designadamente informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios, clientela, propriedade industrial e direitos de autor ou de que tenha conhecimento no decurso da sua actividade ao serviço da Empresa. Artigo 6o CONDIÇÕES DE REMUNERAÇÃO 1 - O Técnico de Recursos Humanos receberá o valor da sua prestação de serviços, pago pela Empresa, de acordo com o anexo i deste contrato de prestação de serviços. Artigo 7o TERMO DO CONTRATO 1 - Este contrato deixará de produzir efeitos quando se verifique a intenção de o terminar, quer pela RE/MAX Vantagem, quer pelo Técnico de Recursos Humanos. 2 - Quer a RE/MAX Vantagem, quer o Técnico de Recursos Humanos poderão terminar o contrato, independentemente da causa, desde que notifique a outra parte com pelo menos 15 dias de antecedência da verificação do termo. (…) Artigo 10° FORO COMPETENTE Fica, desde já, expressamente convencionado entre as partes que o foro competente para dirimir qualquer litígio emergente do presente contrato será o da Comarca de Loures, com exclusão de qualquer outro. O Técnico de Recursos Humanos TEVE OPORTUNIDADE DE REVER ESTE CONTRATO E COMPREENDE OS TERMOS, CONDIÇÕES E OBRIGAÇÕES CONTIDAS NO MESMO.
3.2. – Do acordo celebrado a 30 de Junho de 2021 entre autora e réu, e referido no relatório do presente acórdão, consta o seguinte : CONTRATO DE RESCISÃO AMIGÁVEL DE TÉCNICO DE RECURSOS HUMANOS Entre A, Pessoa Colectiva n,° 508 117 623, com sede na Rua Alexandre Herculano, n°50 r/c Esq., em Lisboa, com o capital social de € 50.000 (cinquenta mil euros), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sobral Monte Agraço, detentora da licença AMI n.° 7772, emitida pelo InCI, adiante designada como RE/MAX Vantagem , E B, residente Rua … n°… - …, … Castanheira Do Ribatejo, Vila Franca de Xira portador do Cartão de Cidadão n° …., com número de contribuinte fiscal …, adiante designado por Técnico de Recursos Humanos, Considerando: I - Que o Técnico de Recursos Humanos exerceu até à presente data as funções de acordo com as necessidades reais inerentes à sua atividade de recrutador e seleção, sujeita à autoridade ou direção da RE/MAX Vantagem; II - Que o Técnico de Recursos Humanos pretende cessar a sua colaboração com a RE/MAX Vantagem; É celebrado livremente e de boa-fé o presente Contrato de Rescisão Amigável que se rege pelas cláusulas seguintes: Cláusula l.a Rescisão A RE/MAX Vantagem e o Técnico de Recursos Humanos acordam em celebrar o presente Contrato de Rescisão Amigável, com efeitos a partir da presente date, pondo teimo à colaboração referida no considerando I. Cláusula 2.ª Dívidas posteriores Fica expressamente acordado entre os outorgantes que toda e qualquer dívida que tenha sido contraída peio Técnico de Recursos Humanos e que venha a ser apresentada à RE/MAX Vantagem em data posterior à da assinatura deste acordo, é da exclusiva responsabilidade do Técnico de Recursos Humanos que autoriza desde já a RE/MAX Vantagem a efectuar todas as diligências que se mostrem necessárias para que a divida seja paga. Cláusula 3.a Obrigações do Técnico de Recursos Humanos 1. O Técnico de Recursos Humanos deverá entregar à RE/MAX Vantagem todo o material publicitário que esteja na sua posse e fica impedido de utilizar a marca RE/MAX Vantagem.
2. O Técnico de Recursos Humanos deve igualmente devolver toda a documentação e informação que tenha obtido durante o desenvolvimento da sua actividade profissional na RE/MAX Vantagem.
3. O Técnico de Recursos Humanos após o término deste contrato terá 2 anos sem exercer ou coordenar, total ou parcialmente, por si ou por interposta pessoa ou entidade, qualquer atividade a que se obriga no âmbito das mesmas funções exercidas na RE/MAX Vantagem. Caso exerça tais funções terá uma penalização de 100.000 Euros. Lisboa, 30 de Junho de 2021
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4. - Motivação de Direito
4.1 - É, ou não, o tribunal a quo, o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção pela apelante A., com sede em Lisboa, intentada contra o apelado B .
Como vimos supra, importa tão só apreciar no âmbito da presente instância recursória da competência em razão da matéria do tribunal a quo para conhecer da acção pela apelante intentada contra o apeladoB, importando pois aferir da efectiva verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção esta que, podendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal ( cfr. artº 97º, nº1, do CPC), foi in casu conhecida pelo tribunal a quo no seguimento de pertinente arguição – na contestação - pelo réu/apelado.
Em rigor, em causa está tão só aferir se, em razão do requerido/pedido pela apelante deduzido na petição inicial [ ser o Réu condenado a pagar à autora o montante de €100.000,00, a título de indemnização, acrescida de juros de mora contados desde a sua citação] e da causa petendi que prima facie o alicerça/sustenta, deve a decisão apelada manter-se, ou , ao invés, deve ser revogada, tal como o reclama a apelante.
A amparar a decisão apelada, recorda-se, discorreu o tribunal a quo nos seguintes termos :
“(…) Como bem refere a autora, a competência dos tribunais, em razão da matéria, é um pressuposto processual que se determina pela «forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos» Ou seja, a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento de determinada pretensão é aferida a partir da pretensão e dos fundamentos em que a mesma se apoia. Nos presentes autos, a autora vem pedir a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 a título de indemnização, acrescida de juros de mora ,desde a sua citação até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que: 1. celebrou com o réu um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual este se obrigou a recrutar e selecionar consultores imobiliários, e a prestar os serviços conexos com estas atividades,(artigos 4.º e 40.º da p. i.); 2. tudo mediante retribuição mensal composta por um valor fixo, um valor por recrutamento e um valor variável (artigos 16.º, 24.º e 41.ºda p. i.); 3. o autor exercia as suas funções em regime de exclusividade(artigo 12.º da p. i.); 4. o autor recebeu formação, interna e externa, pelo menos 15 dias por ano, juntamente com outros prestadores e funcionários da autora (artigos 17.º e 18.º da p. i.); 5. o autor «teve acesso a todo o tipo de informação, planos ( ex. plano de recrutamento, plano de integração, plano de formação e plano de acompanhamento de consultores), de procedimentos de aprendizagem de formação geral e específica da atividade, e de contactos», tendo ficado «na posse de todo o know-how da autora» (artigos 20.º e 21.º da p. i.); 6. as partes incluíram nesse contrato, e na rescisão amigável do mesmo, cláusulas de não concorrência (artigos 13.º, 14.º, 28.º,43.º da p. i.), com o intuito de «proteção do saber fazer transmitido ao réu» que foi compensando «com todo o conhecimento, formação interna e externa, que lhe foi proporcionado pela autora, durante a execução do contrato de prestação de serviços» (artigo 45.º da p. i.),concluindo que, como o réu «violou ostensivamente a cláusula de não concorrência, a que se obrigou, quer quando celebrou o contrato de prestação de serviços, quer quando este cessou, e conforme foi livremente estipulado entre as partes, deverá ser condenado no pagamento à autora» da mencionada quantia de €100.000,00. Ora, salvo melhor opinião, é com base nestas alegações que este Tribunal entende que não é o competente, em razão da matéria, para prosseguir com os presentes autos, mas sim os Tribunais de Trabalho. Explicitando. Dispõe o artigo 12.º, n.º 1, do Código de Trabalho que se presume a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes caraterísticas: a) a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade como contrapartida da mesma; e) o prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. Este preceito legal estabelece uma presunção de laboralidade, bastando a verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas suas alíneas a) a e) para operar o funcionamento da presunção ( juris tantum – artigo 350.º do Código Civil). Ora, as alegações da autora, descritas acima sob os pontos 2. e 5., são reveladoras de duas das características descritas no citado artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, designadamente, nas suas alíneas b) e d). Dito de outra forma: tal como a autora configura a causa de pedir, mostram-se verificadas, pelo menos, duas características que permitem a este Tribunal concluir pela presunção da existência de um contrato de trabalho que a unia ao réu, como aliás este alega em exceção. É quanto basta para que se conclua que este Tribunal não é o competente, em razão da matéria, para prosseguir com os presentes autos. De facto, dispõe o artigo 126.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que «compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível (…) das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho». A Jurisprudência tem procurado analisar as “questões” que cabem no âmbito deste segmento normativo, referindo que o que importa para a determinação da razão de ser da norma é que «o direito que se pretenda ver tutelado através do exercício do direito de ação judicial contra o empregador provenha (seja emergente)da violação de obrigações que para este resultem de uma relação jurídico-laboral, mormente do contrato de trabalho – esteja, ou não, extinta a relação de trabalho subordinado. Se for esse o caso, será competente, em razão da matéria, o tribunal de trabalho»
(…) Ora, reitera-se, atenta a forma como a autora configura a presente ação ( e ao contrário do que a mesma defende ), a causa de pedir revela a existência, presumida, de um contrato de trabalho que uniu autora ao réu, e não a existência de um contrato de prestação de serviços. De tudo o acima exposto, conclui este Tribunal que a apreciação e julgamento da presente ação é da competência dos Tribunais de Trabalho, por forçado disposto no mencionado artigo 126.º, n.º 1, alínea b), da LOSJ. A infração das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal (artigo 96.º, alínea a) do Código de Processo Civil), a qual configura uma excepção dilatória que dá lugar à absolvição da instância(artigo 278.º, n.º 1, alínea a), artigo 576.º, n.º 1 e n.º 2 e artigo 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil) e que é, aliás, de conhecimento oficioso (artigo 97.º n.º1 do mesmo diploma legal). Nestes termos, e ao abrigo de todas as disposições legais acima mencionadas, julga-se este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação e, em consequência, absolve-se o réu da instância.”.
Em suma, no entender do primeiro Grau, certo é que para conhecer/julgar da acção pela apelante intentada é claramente competente em razão da matéria o Tribunal do trabalho – “atenta a forma como a autora configura a presente ação ( e ao contrário do que a mesma defende ), a causa de pedir revela a existência, presumida, de um contrato de trabalho que uniu autora ao réu, e não a existência de um contrato de prestação de serviços” - que não o tribunal a quo ( como o continua a entender a autora/apelante ) . Quid Juris ?
Antes de mais, e começando pela “nossa” Lei Fundamental [ CRP ] , certo é que nos diz o artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe de “Categorias de tribunais“ que «1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; c) O Tribunal de Contas.”
No Plano interno, o poder jurisdicional começa assim por ser dividido por diferentes categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas, existindo assim e vg tribunais administrativos, tribunais fiscais, tribunais judiciais, tendo cada uma destas categorias competência para determinadas matérias do Direito, ou seja, a primeira classificação dos tribunais assente na competência em razão da matéria, é a que distingue entre tribunais judiciais e os tribunais especiais (1)
Já os tribunais judiciais, como é consabido, constituem a regra dentro da organização judiciária, razão porque gozam consequentemente de competência não discriminada ou de competência genérica, enquanto os restantes tribunais, constituindo a excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas (2)
Quer isto significar, como ensinam ainda Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora (3), que todas as acções, que exorbitem das matérias especificamente conferidas aos tribunais especiais ( hoc sensu ), cabem na esfera (geral) da competência indiscriminada dos tribunais judiciais, sendo que, igualmente dentro da vasta categoria destes últimos, e no tocante à competência em razão da matéria, a lei distingue entre tribunais de competência genérica e tribunais de competência especializada, nestes últimos se incluindo v.g. os tribunais cíveis, os tribunais criminais, os tribunais de família e de menores e os tribunais do trabalho.
Em suma, e como é consabido, a competência dos tribunais, na ordem jurídica interna, reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, e fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei ( cfr. artºs 37º e 38º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO – e artº 60º, do Código de Processo Civil).
Depois, pacífico é também que, nos termos do artigo 40º, nº1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, a competência dos tribunais da ordem judicial é residual [ os tribunais judiciais são competentes para as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional ], o que decorre outrossim do disposto no artº 64º, do Código de Processo Civil, ao estabelecer que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídos a outra ordem jurisdicional “.
Postas estas breves considerações de natureza legal e relacionadas com o thema decidendum da competência do tribunal, importa de seguida deixar claro que, como é entendimento uniforme da melhor doutrina (4) e outrossim da jurisprudência consensual, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é outrossim pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (5)
Ou seja, pacífico é, nesta matéria, que determinando-se a competência do tribunal para de específica acção apreciar com base no pedido do autor ou pretensão que através daquela tem por desiderato alcançar, e outrossim pelos respectivos fundamentos, para o referido efeito não importa já averiguar qual a viabilidade da aludida pretensão, pois que a competência é questão prévia a tal apreciação, a decidir independentemente do mérito e ou demérito da acção.
Em suma, e em sede de síntese conclusiva (6), sendo necessariamente em atenção à matéria da lide, ao acto jurídico ou facto jurídico de que a acção emerge, que importará aferir se deve a acção correr termos pelo tribunal comum ou judicial (7), ou , antes , por um tribunal especial, e , no âmbito dos tribunais judiciais, se deve correr termos em Juízos de competência genérica ou em juízos de competência especializada [ cfr. artºs 40º, nºs 1 e 2 , 80º, nº 2 e 81º,nº1, todos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO ], e sendo os primeiros, respectivamente, os tribunais e os juízos regra [ porque gozam de competência não discriminada, incumbindo-lhe apreciar e decidir todas as causas que não forem atribuídas pela lei a alguma jurisdição especial ou outra ordem jurisdicional, ou juízos de competência especializada ], então a competência dos tribunais judiciais e dos juízos de competência genérica determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes [ não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência de algum tribunal especial, ou juízos de competência genérica, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial e juízo de competência genérica ] .
Aqui chegados, e importando in casu aferir sobretudo [ em razão dos fundamentos pela autora invocados e a alicerçar a sua pretensão ] da competência material do Tribunal do Trabalho ( em razão outrossim dos fundamentos invocados pela apelante e que no seu entender obrigam à alteração do julgado ), certo é que nos revela o artº 126º, nº1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto , que :
“ Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho que não revistam natureza administrativa; b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(…) f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho; (...) n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;
(...) ”.
E, perante a referida disposição legal, o que importa de imediato aferir é se, efectivamente , pertinente é integrar o facto jurídico [ cfr. artº 581º, nº 4, do CPC ] no qual se ampara a pretensão da demandante/apelante em fattispecie passível de integrar a previsão designadamente das alíneas b) ou f), estando assim fixada a competência material do Tribunal do Trabalho para da presente acção conhecer.
Ou seja, mais exactamente, importa partir do pedido formulado pela autora e, bem assim, dos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e , tal como de resto se mostra a relação jurídica pela própria autora delineada no requerimento inicial ( quid disputatum ou quid decidendum ), apreender se o efectivo facto jurídico ou causa petendi da pretensão deduzida respeita [ e independentemente de qualquer juízo de prognose sobre a procedência ou improcedência da ação ] a questão emergente de relação de trabalho subordinado.
Ora, no seguimento de tudo o acabado de expor e, incidindo sobre a factualidade pela autora alegada na petição inicial, recorda-se que na referida peça processual alega/invoca a autora que no âmbito de vínculo com o réu outorgado a 1 de Fevereiro de 2018 e com o nomen juris por ambas atribuído de “contrato de prestação de serviços”, se obrigou o réu a prestar-lhe a actividade de recrutamento e seleção de consultores imobiliários, de modo autónomo e independente, bem como à prestação de serviços conexos com a referida actividade.
Outrossim da documentação junta com a petição inicial – dois contratos entre Autora e Réu outorgados - , certo é que, para além do já aludido nomen juris, decorre igualmente que em termos de clausulado são os outorgantes concludentes em estabelecer que a “ RE/MAX Vantagem e o Técnico de Recursos Humanos acordam que, pelo facto de serem entidades juridicamente autónomas e não existir qualquer relação de trabalho, antes existe e apenas, a de prestação de serviços, o Técnico de Recursos Humanos é o único e exclusivo responsável pelos pagamentos e contribuições relativas a Impostos, segurança social, seguros de acidentes de trabalho ou outras importâncias devidas e inerentes à sua actividade de profissional liberal (ou empresário em nome individual), salvo disposições legais em contrário”, e , bem assim, que em sede de remuneração, passa o réu a ter direito a um montante mensal mínimo fixado , é vero, mas ficando o mesmo dependente de lograr o réu alcançar concretos objectivos e/ou resultados.
Por último, da documentação anexa pela autora à petição inicial, decorre também que todas as remunerações pagas ao autor deram origem a recibos verdes pelo réu subscritos, ou seja, a recibos de trabalho independente pelo réu assinados.
Em face de tudo o acabado de expor, estamos em crer que pertinente não é – bem antes pelo contrário – concluir-se que no âmbito da petição inicial configurou a autora a relação controvertida com o réu estabelecida e a pretensão naquela deduzida - incluindo os respectivos fundamentos - em vínculo jurídico equivalente a um contrato de trabalho , que não a um contrato de prestação de serviços.
Não se olvida que, não obstante o nomen juris pelas partes atribuído aos instrumentos vinculativos por ambos subscritos, nada obsta a que, em face da prova de circunstâncias provadas e relacionadas com o desenrolar/desenvolvimento – em termos práticos – do vínculo entre ambas estabelecido, se justifique concluir em sede de sentença pela efectiva existência de uma subordinação jurídica do réu perante a autora, o que o mesmo é dizer, pela existência de um contrato de trabalho, que não de prestação de serviços .
É que, como é jurisprudência consensual e uniforme do Tribunal dos Conflitos (8), o que relava para efeitos de competência em razão da matéria é os termos como a acção é pelo autor proposta, ou seja, para decidir se incumbe aos tribunais judiciais comuns ou aos tribunais judiciais do trabalho o conhecimento da acção, importa sobremaneira caracterizar a relação estabelecida entre o Autor e o Demandado e tal como é a mesma apresentada por aquele, sendo, que, alegando v.g. o autor ter outorgado com o réu um contrato de prestação de serviços, para o acima referido efeito – o da fixação da competência - não obsta o facto de o Réu sustentar tratar-se ao invés o alegado vínculo de um contrato de trabalho , pois decidir esta questão é já entrar no conhecimento do mérito.
Em suma, invocando – tal como ocorre nos presentes autos - o autor como causa petendi da pretensão deduzida na acção a outorga entre si e o réu de um contrato de prestação de serviços, mais exatamente de uma relação jurídica autónoma da qual não resultou a sujeição do réu a uma qualquer subordinação jurídica , versão esta que – em face dos elementos existentes à data da decisão apelada – nada justifica afastar e contrariar em face da discordância do réu [ pois que a indagação de qual o entendimento acertado é tarefa que se inscreve já na problemática do próprio mérito da causa e não da competência do tribunal para a sua apreciação ] , tanto basta para concluir que bem andou a apelante em propor a acção no tribunal comum, que não no Tribunal do Trabalho.
Ademais, como se concluiu em acórdão do Tribunal de Conflitos proferido em 1-10-2015 (9), “A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável”, razão porque tem o Tribunal dos Conflitos “ reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo”, e ,onsequentemente, é o “ juízo central cível o competente, em razão da matéria, para o conhecimento de uma relação contratual que o demandante considere, ainda que erradamente, como contrato de prestação de serviços”. (10)
Em conclusão, tudo visto e ponderado, e dissentindo do entendimento sufragado pelo Primeiro Grau, é pois nossa convicção que a competência para conhecer da presente ação não se inscreve, por isso, nos tribunais do trabalho, mas nos restantes tribunais de competência cível exclusiva ou não, na espécie no tribunal da primeira instância onde a ação em análise foi intentada.
Em suma, a apelação só pode e deve proceder.
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4.- Concluindo ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC)
I - A competência em razão da matéria é um pressuposto processual que se determina atendendo a como o autor configura o pedido e a causa de pedir na petição inicial, o que significa que a questão terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção.
II - É da competência dos Tribunais Judiciais conhecer de um litígio no qual uma pessoa colectiva demanda um seu anterior colaborador e com fundamento em responsabilidade civil, considerando designadamente que no momento da propositura da acção, face aos termos em que a autora configurou, na petição inicial a causa de pedir, o pedido e o réu que demandou, estar-se-á perante um litígio de natureza tipicamente civilística, e não perante uma questão emergente de relação de trabalho subordinado.
III – Ao referido em II não obsta a circunstância de , aquando da qualificação jurídica da relação que serve de fundamento à ação incorra o autor em erro , considerando v.g. que outorgou com o réu um contrato de prestação de serviços, que não um contrato de trabalho, pois que o erro do autor na qualificação jurídica não releva para efeitos de competência em razão da matéria. ***
5- Decisão
Pelo exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, na sequência dos fundamentos supra aduzidos, em conceder provimento à apelação de A, e, consequentemente decidem :
5.1. - Revogar a sentença apelada ;
5.2.- Declarar a competência absoluta do tribunal recorrido [ Juízo Central Cível de Loures ] para da acção conhecer e, consequentemente, determinam o prosseguimento dos autos.
Tendo a Ré ficado vencida na apelação, suportará a mesma as respectivas e devidas custas [ cfr. artº 527º,nºs 1 e 2, do CPC ] .
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Lisboa, 09/10/2025 António Manuel Fernandes dos Santos Teresa Pardal João Brasão
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(1) Cfr. os Profs. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 197.
(2) Cfr. os Profs. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 197.
(3) Ibidem, pág. 199.
(4) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.
(5) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1, e o Ac de 25.06.2015, do Tribunal dos Conflitos , proferido no Processo nº 08/15, ambos in www.dgsi.pt.
(6) Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(7) Reza o artº 211º,nº1, da CRP, que “ Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais ”.
(8) Cfr. v.g. o Ac de 5.02.2003, do Tribunal dos Conflitos, proferido no Processo nº 06/02, e in www.dgsi.pt .
(9) Cfr. v.g. o Ac de 1.10.2015, do Tribunal dos Conflitos, proferido no Processo n.º 8/14 e publicado em www.dgsi.pt.
(10) Cfr. v.g. o Ac de 28.02.2023, do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 2489/22.8T8CBR.C1, e in www.dgsi.pt .