INVENTÁRIO
HERDEIRO LEGITIMÁRIO
REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE
Sumário

Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator):
I - A deixa de usufruto de todos os bens que integram a herança, pelo testador, a um dos herdeiros legitimários, está sujeita, na sede própria do processo de inventário, à possibilidade do herdeiro legitimário que sinta a sua legítima ofendida, pedir a redução do legado por inoficiosidade.
II - Sem demonstração da extensão do direito de usufruto, não é possível conseguir em acção autónoma, a condenação de co-herdeiro legitimário na entrega dos bens sobre os quais recaiu o usufruto.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
AA, nos autos m.id., veio interpor contra BB, Cantinho dos Amigos, Indústria Hoteleira, Ldª e CC, todos nos autos melhor identificados, a presente acção declarativa, peticionando a final que:
- «[Sejam] (…) todos os RR. obrigados a celebrar contratos de arrendamento com o autor na qualidade de usufrutuário por uma renda no valor de €2500.00 referente ao restaurante / fracção A. Relativamente à fracção C a renda será de 550.00 euros.
- Caso não seja celebrado contrato de arrendamento com o usufrutuário, [sejam] condena[dos] todos os RR. a entregarem imediatamente ao autor todas as fracções de que este é usufrutuário.
- Todos os RR. (…) [sejam] condenados a reconhecer o autor como Usufrutuário das aludidas fracções, a abrir mão delas e entregá-las livre e devolutas de pessoas e bens.
- [Sejam] os RR. condenados a pagar ao autor a título de indemnização a quantia de 30.000.00 euros.
- Fixando-se na sentença uma sanção pecuniária compulsória no mínimo de €50,00 por cada dia de atraso na entrega das fracções.
- [Sejam] os RR. (…) [condenados a] entregar imediatamente ao autor o veículo automóvel de marca Volkswagen matricula ..-..-TS e caso não o entreguem deverá o mesmo ser apreendido.
- [Sejam] os RR. (…) [condenados a] entregar todos os bens móveis que compõem a fracção C».
Em síntese, alegou que, com sua cônjuge DD, entretanto falecida, adquiriram quatro fracções autónomas e vários bens móveis, entre eles um veículo automóvel. Cada um dos cônjuges outorgou, em 27/10/2008, testamento público, instituindo o outro herdeiro da quota disponível do seu património e usufrutuário de todos os bens da herança. A cônjuge veio a falecer em 05/09/2011, pelo que o A. adquiriu, por testamento, o direito de usufruto sobre todos os bens da herança, que integra os bens ora reclamados. Sucede que o 1.º R., único filho de ambos, com quem o A. sempre teve uma má relação, a 2.º R. (sociedade comercial que, após a morte da mulher, constituiu com o filho) e a 3.º R. (mulher do 1.º R) apoderaram-se de todos os bens da herança, passando a residir na fracção A, que era a casa de morada de família do A. e da sua mulher, a utilizar todo o recheio existente nesse imóvel, a explorar um estabelecimento de restauração na fracção C, sem pagar qualquer contrapartida, e a circular no referido veículo automóvel.
Os RR. contestaram, defendendo que o A. é parte ilegítima e impugnando os factos invocados como causa de pedir. Alegaram que, estando a herança aberta por óbito de DD ainda indivisa, o A. não é proprietário e usufrutuário dos concretos bens que integram aquele património hereditário, tendo, ao invés, apenas uma expectativa de vir a adquirir essas qualidades, expectativa que só se poderá concretizar no processo destinado a pôr termo a essa comunhão hereditária, o processo de inventário.
O A. respondeu à excepção de ilegitimidade, pugnando pela sua improcedência.
Após a fase dos articulados, realizou-se a audiência prévia, com prolação do despacho saneador – que julgou improcedente a referida excepção dilatória –, e do despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, a que alude o n.º 1 do artigo 596.º do CPC, que não mereceu reclamação das partes.
Após diligências diversas, realizou-se a audiência final, no decurso da qual o A. desistiu do primeiro pedido formulado na PI (condenação dos RR. a celebrar com o A. contratos de arrendamento tendo por objecto as fracções A e C) e ampliou para €90.000,00 o pedido indemnizatório formulado na PI. A desistência do pedido foi homologada por sentença, transitada em julgado, e o requerimento de ampliação do pedido deferido.
Concluído o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. de todos os pedidos e condenando o A. nas custas.
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Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
- A disposição testamentária que institui o cônjuge herdeiro da quota disponível de todos os bens da herança, a preencher em primeiro lugar pelo usufruto de todos os bens da herança, destina-se a proteger o cônjuge sobrevivo, sendo inquestionável e corrente na prática notarial;
- O legado de usufruto, nas condições descritas nos presentes autos, constitui um pré-legado, previsto no artigo 2264º do Código Civil, que recai sobre a quota disponível e não sobre a legítima;
- Caso o pré-legado afete a legítima do herdeiro legitimário e ponha em causa o recebimento da “herança limpa”, este pode reagir através do pedido de redução da liberalidade, previsto no artigo 2169º do Código Civil e que não é de conhecimento oficioso;
- O 1º R. não pediu em reconvenção a redução da liberalidade nem sequer aflorou excesso da quota disponível;
- O artigo 2164º do Código Civil (cautela sociniana) apenas se aplica a onerações em que há um terceiro beneficiário, o que não sucede no presente caso, em que o legatário é também herdeiro legitimário e não um terceiro;
- A possibilidade de o herdeiro legitimário recusar o encargo do usufruto apenas se aplica quando o testador já dispôs da integralidade da quota disponível e institui um encargo suplementar a favor de um terceiro;
- Não existe nenhuma presunção de que o pré-legado de usufruto de todos os bens da herança exceda a quota disponível;
- Apenas depois de apurados o valor do usufruto e o valor da herança se torna possível concluir se ocorre excesso da quota disponível e violação da legítima;
- Havendo excesso, mesmo que não estivesse previsto o mecanismo da redução da liberalidade, o 1º R. nunca seria afetado, pois a sua quota na herança é de apenas 33,33%, sem que o valor do usufruto atinga essa percentagem;
- Mesmo que excedesse a quota disponível, como o apelante também é herdeiro legitimário, o encargo recairia sobre a sua legítima e não sobre a legítima do 1º R.;
- O testamento não impõe, assim, qualquer encargo sobre a legítima do 1º R, devendo ser respeitada a vontade real da testadora, que corresponde à vontade expressa no instrumento notarial;
- O apelante alegou na petição inicial ser proprietário e usufrutuário;
- A causa de pedir distingue-se do pedido;
- A douta sentença aplicou de forma errada normas legais, designadamente os artigos 2164º, 2264º, 2169º do Código Civil e o artigo 552º, nº1, alínea d) do CPC;
- Pelo que deve ser revogada a douta sentença;
- No entendimento do apelante, deviam ser aplicados os artigos 2264º (pré-legado), 1446º (direitos do usufrutuário), 1311º (ação de reivindicação), e 483º (responsabilidade por factos ilícitos), do Código Civil;
-- O processo contém todos os elementos para que o Tribunal da Relação considere procedentes os seguintes pedidos, o que se requer:
a) pedido de condenação dos RR a reconhecerem o apelante como usufrutuário das frações do prédio;
b) pedido de condenação dos RR a entregar a fração A, livre e devoluta de pessoas e bens;
c) pedido de condenação dos 1º e 3ª Ré a entregar a fração C, livre e devoluta de pessoas e bens e o veículo automóvel de marca Volkswagen matricula ..-..-TS;
d) pedido de condenação dos RR no pagamento ao A. da indemnização de €90.000,00.
e) pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória de € 50,00 por cada dia de atraso na entrega das frações”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil – a única questão a decidir é a de saber se devem proceder integralmente os pedidos formulados pelo A.
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III. Matéria de facto
O tribunal de primeira instância fixou a seguinte matéria de facto, provada e não provada, que não vem posta em causa no recurso:
“Estão provados, com relevância para o julgamento das enunciadas questões de direito, os seguintes factos:
1. Pela Ap. 17 de 1990/07/13, encontra-se registada a favor de AA, ora A., «casado com DD no regime de comunhão geral de bens», a aquisição, por compra, do prédio urbano sito em R. …, nº X, Cascais, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de Cascais, e inscrito na matriz predial urbana n.º … da união de freguesias Cascais e Estoril, constituído em regime de propriedade horizontal e composto por quatro fracções autónomas, designadas pelas letras “A”, “B”, “C” e “D”.
2. Na vigência do casamento, A. e mulher adquiriram ainda, com o produto do seu trabalho, o veículo automóvel de matrícula ..-..-TS e os bens móveis que integram o recheio da fracção “C” do prédio acima identificado, onde ambos residiam.
3. No dia 27/10/2008, no Cartório Notarial de Cascais, DD outorgou testamento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, declarando que «institui herdeiro da quota disponível de todos os seus bens, seu marido AA, a preencher em primeiro lugar pelo usufruto de todos os bens da herança».
4. Na mesma data, o A. outorgou, nesse mesmo Cartório Notarial, testamento com o mesmo conteúdo, a favor do seu cônjuge, DD.
5. DD faleceu em 05/09/2011, deixando como únicos herdeiros o cônjuge sobrevivo, AA, ora A., e o filho de ambos, BB, ora 1.º R.
6. Em 01/03/2016, o A. e o 1.º R. constituíram a sociedade Cantinho dos Amigos, Indústria Hoteleira, Lda., ora 2.ª R, com sede em R. …. nº X-A, Cascais, que corresponde à fracção “A” do prédio urbano identificado em 1. supra, sendo o 1.º R. sócio gerente.
7. A referida sociedade comercial explora, desde então, a actividade de restauração nessa fracção autónoma, sem ter outorgado para tanto qualquer contrato de arrendamento ou outro, nem pagar qualquer contrapartida por essa utilização.
8. O 1.º R. e sua mulher, ora 3.º R., passaram a residir, após a morte de DD na fracção “C” do prédio identificado em 1. supra (1.º andar), e a utilizar os bens móveis que aí se encontravam, sem pagar qualquer contrapartida por essa utilização.
9. O A. foi encontra-se a residir, desde então, no R/C do mesmo prédio, que corresponde à fracção “B”.
10. Os RR. utilizam, na sua vida diária, o veículo automóvel referido em 1. dos factos provados.
11. Em 18/06/2018, na sequência de desavenças com o filho, o A. interpelou os RR., por carta registada com aviso de recepção, pedindo que estes desocupassem as fracções “A” e “C” do prédio acima identificado, mas sem resultado.
12. Por isso, em 15/11/2019, o A., invocando a qualidade de proprietário e usufrutuário dos bens, interpelou a R. sociedade comercial e os restantes RR., por notificação judicial avulsa, para, além do mais, celebrarem, respectivamente, um contrato de arrendamento, tendo por objecto as fracções “A” e “C” do prédio identificado em 1. supra, fixando como valor das rendas €2.500,00 e €550,00, respectivamente, sob pena de terem de proceder à sua entrega, e os dois últimos RR. para entregarem os bens móveis que se encontram dentro da fracção “C” e o veículo automóvel referido em 1. supra.
13. Entre Janeiro de 2018 e Abril de 2023, a fracção “A” do prédio urbano referido em 1. supra tinha os seguintes valores locatícios: €1.688,62 (Janeiro de 2018), €1696,58 (Janeiro de 2019), €1.709,94 (Janeiro de 2020), €1.715,04 (Janeiro de 2021), €1.722,23 (Janeiro de 2022) e €1.970,00 (Abril de 2023).
14. Entre Janeiro de 201 Abril de 2023, a fracção “C” do prédio urbano referido em 1. supra tinha os seguintes valores locatícios: €797,17 (janeiro de 2018), €800,92 (Janeiro de 2019), €807,23 (Janeiro de 2020), €809,64 (Janeiro de 2021), €836,64 (Janeiro de 2022) e €930,00 (Abril de 2023).
15. À data da outorga dos testamentos referidos em 3. e 4. supra, o A. e o 1.º R. estavam de relações cortadas.
4.2. Factos não provados
Os RR. estão na posse das fracções “D” e “B” do prédio referido em 1. dos factos provados e recusam-se a entregá-las ao A.”.
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IV. Apreciação
A sentença recorrida considerou, na sua fundamentação jurídica, e citamos:
“(…) cumpre apreciar os restantes pedidos, a saber: (a) condenação dos RR. a reconhecer que o A. é usufrutuário de todos os bens que integram a herança aberta por óbito de DD, melhor identificados no artigo 12.º da PI; (b) condenação na entrega desses mesmos bens ao A.; (c) condenação no pagamento ao A. de uma sanção pecuniária compulsória, no valor mínimo de €50,00, por cada dia de atraso na entrega desses bens; e, finalmente, (d) condenação no pagamento de uma indemnização ao A., no valor de €90.000,00, pela privação do gozo desses bens.
(…) O A. invoca, pois, um direito de usufruto sobre todos os bens da herança, constituído a seu favor por testamento, e a violação, pelos RR., dos poderes que integram o conteúdo (imediato) desse direito. Com efeito, muito embora o A. faça incidentalmente também alusão à qualidade de proprietário (cfr. artigos 5.º, 15.º, 31.º, 46.º, 49.º da PI), pede a final que se condenem os RR. a reconhecê-lo como usufrutuário dos bens reclamados, baseando essa sua pretensão, e todas as restantes, como referido, precisamente no testamento outorgado a seu favor pela mulher, falecida em 05/09/2011 (cfr. artigos 8.º, 10, 12.º, 13.º, 14º, 21.º, 22.º, 23.º, 29.º e 41.º da PI).
É, pois, à luz dessa causa de pedir que deverão ser apreciados os pedidos formulados na presente acção. Estando em causa matéria que simultaneamente releva do direito sucessório e dos direitos reais, são de convocar para o julgamento da acção, no que respeita directamente ao aspecto sucessório da causa, as normas dos artigos 2024.º, 2026.º, 2027.º, 2030.º, n.º 4, 2068.º, 2156.º, 2157.º, 2163.º, 2164.º, 2179.º, 2187.º, 2258.º e 2264.º do Código Civil (CC), e, no que ao usufruto respeita, as normas dos artigos 1439.º, 1440.º e 1446.º do mesmo Código.
Provou-se que DD faleceu em 05/09/2011, deixando como únicos herdeiros o A., com quem era casada em regime de comunhão geral de bens, e o 1.º R., filho de ambos. Provou-se ainda que DD outorgou testamento público em 28/10/2008 (artigo 2205.º do CC), onde declarou que «institu[ia] herdeiro da quota disponível de todos os seus bens, seu marido AA, a preencher em primeiro lugar pelo usufruto de todos os bens da herança».
Com a morte de DD, abriu-se a sua sucessão (artigos 2024.º e 2031.º do CC), sendo chamados a suceder à titularidade das relações jurídicas patrimoniais daquela o A. e o 1.º R. (artigos 2032.º, n.º 1, do CC), sendo a sucessão do primeiro simultaneamente deferida por lei – pelo facto de ser cônjuge da de cujus, à data do óbito, e, por isso, herdeiro legitimário (artigos 2024.º, 2026.º, 2027.º, 2032.º, 2156.º e 2157.º do CC) – e por testamento (artigos 2024.º, 2026.º e 2179.º do CC), e a sucessão do segundo, o 1.º R., apenas deferida por lei, pelo facto de também ser herdeiro legitimário da de cujus (artigos 2024.º, 2026.º, 2027.º, 2032.º, 2156.º e 2157.º do CC).
Deve começar por sublinhar-se que, por força do regime matrimonial de bens no caso aplicável (comunhão geral de bens), a herança aberta por óbito de DD inclui, tão-somente, o direito à sua meação no património comum do casal (artigo 1732.º do CC), que integra os bens descritos nos pontos 1. e 2. dos factos provados.
Como decorre do n.º 2 do artigo 1685.º do CPC e foi sublinhado pelo Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 13/06/2013, «por se tratar de um património comum aos cônjuges nenhum dos seus titulares dispõe de um direito sobre coisas certas e determinadas ou sequer de um direito a uma quota sobre qualquer das coisas comuns e, portanto, do direito de dispor livremente de qualquer dessas coisas» (processo n.º 159/12.4TBALJ.P1).
O citado artigo 1685.º do CC reconhece, contudo, a cada um dos cônjuges, no seu n.º 1, «a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários» (sublinhado acrescentado). Cada um dos cônjuges pode, pois, dispor para depois da morte, designadamente por testamento, do seu direito à meação no património comum, mesmo em benefício do outro (artigo 1685.º, n.º 4, do CC), desde que respeite a legítima dos herdeiros legitimários.
No caso, DD declarou, no testamento, que «institu[ia] herdeiro da quota disponível de todos os seus bens, seu marido AA, a preencher em primeiro lugar pelo usufruto de todos os bens da herança».
O testamento é um negócio jurídico unilateral mortis causa (artigo 2179.º, n.º 1, do CC), que está sujeito a um regime próprio de interpretação, com fortíssima prevalência do elemento subjectivo. Com efeito, de acordo com o artigo 2187.º do CC, aplicável, deve observar-se, na interpretação das disposições testamentárias, «o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento» (n.º 1), sendo admissível, para o efeito da reconstituição da vontade daquele, o recurso a prova complementar (n.º 2).
O testamento outorgado por DD, na parte em que esta declara que institui o seu marido herdeiro da quota disponível da herança não oferece dúvidas interpretativas; porém, a conjugação dessa parte da declaração da testadora com o segmento em que esta determina que tal quota deve ser preenchida «em primeiro lugar pelo usufruto de todos os bens da herança», parece encerrar uma contradição lógica.
De facto, a quota disponível da herança, que corresponde, no caso, a apenas 1/3 desta (artigo 2159.º, n.º 1, do CC), não pode ser preenchida pelo usufruto de todos os bens da herança, incluindo também os restantes 2/3 respeitantes à legítima do cônjuge e dos filhos.
O citado artigo 2187.º do CC, ao admitir a possibilidade de recorrer a prova complementar para determinação da vontade do testador, permite resolver essa aparente contradição.
Apurou-se que, à data em que o A. e a sua mulher outorgaram os testamentos, em seu benefício recíproco, o primeiro estava de relações cortadas com o 1.º R, incidência familiar de natureza conflitual que também terá afectado negativamente as relações entre o 1.º R. e sua mãe (DD), como sugere fortemente a disposição testamentária da totalidade da quota disponível por esta efectuada a favor do seu marido. Ora, considerando estes dados contextuais – que têm na origem um conflito familiar entre pai e filho –, afigura-se que ambos os cônjuges pretendiam, com a outorga dos testamentos, assegurar que, falecendo um deles, o cônjuge sobrevivo usufruiria, até à sua morte (artigo 1443.º do CC), de todos os bens da herança, nesta se incluindo a meação nos bens comuns do de cujus.
Relendo as declarações de DD, exaradas no testamento, em conformidade com a sua vontade, facilmente se conclui que o mesmo contém, na verdade, duas disposições patrimoniais autónomas a favor do A, seu marido. Com efeito, através deste negócio jurídico, a de cujus instituiu o A. herdeiro da quota disponível da herança e, simultaneamente, usufrutuário da totalidade do património hereditário, opção que, embora desequilibre, em favor do A. e detrimento do 1.º R., a posição relativa dos herdeiros legitimários, corresponde exactamente, como vimos, à vontade da testadora. Esta vontade, embora imperfeitamente expressa, tem ainda projecção no texto do testamento, como exigido pela segunda parte do n.º 2 do artigo 2187.º do CC, na parte em que precisamente se faz recair o usufruto sobre «todos os bens da herança». O testamento deve, pois, ser interpretado com esse sentido.
A lei define o usufruto como «o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância» (artigo 1439.º do CC), podendo ser constituído «por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei» (artigo 1440.º do CC). O usufruto constituído por testamento, mesmo que tenha por objecto a totalidade ou uma quota do património hereditário, e não um bem determinado, como sucedeu no caso concreto, é considerado, para todos os efeitos, por força do disposto no n.º 4 do artigo 2030.º do CC, um legado.
O A. é, assim, simultaneamente, herdeiro (legitimário e testamentário) e legatário, qualidades que, como decorre do artigo 2264.º do CC – que precisamente prevê a possibilidade de se fazer um legado, o chamado «pré-legado», a favor de um dos co-herdeiros – podem concorrer na mesma pessoa.
Contrariamente ao que sustentam os RR., da circunstância de o legado de usufruto (assim se lhe refere o artigo 2258.º do CC) recair sobre a totalidade do património hereditário, e não sobre bens concretos e determinados, não decorre que o usufruto só se constituirá na esfera jurídica do legatário após a partilha da herança. Como explica Rabindranath Capelo de Sousa, «o usufrutuário da herança não sucede na totalidade ou numa quota do património hereditário mas apenas adquire ‘mortis causa’ um direito (…) determinado, que, embora possa abranger um número indeterminado de bens, não abrange o direito de propriedade sobre a raiz desses bens, adquirindo pois o usufrutuário um certo direito (de usufruto) com exclusão de quaisquer outros direitos» (Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1990, p. 79).
A aquisição do direito de usufruto ocorre, pois, com a aceitação do legado (neste sentido, ainda que a respeito da generalidade dos legados de usufruto, invocando as normas conjugadas dos artigos 2249.º, 2050.º, 2031.º, 2265.º e 2279.º do CC, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13/06/2018, proferido no processo n.º 932/05.TBOAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Todo o legado, incluindo o designado pré-legado de usufruto, é um encargo da herança (artigo 2068.º do CC), que os herdeiros são obrigados a satisfazer pela ordem prevista neste artigo.
Porém, concretizando, na sua vertente qualitativa, o princípio da intangibilidade da legítima, determina o artigo 2163.º do CC que «o testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro». Nas palavras de Oliveira Ascensão, o herdeiro legitimário tem, pois, «direito à legítima limpa» («O herdeiro legitimário», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57, Janeiro 1997, pp. 5-25 /p. 17; cfr. sobre o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito das Sucessões Contemporâneo, AAFDUL Editora, 2.ª edição, Lisboa, 2017, pp. 166 e 307-312, e Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, 2.º edição, Quid Juris?, Lisboa, 2001, pp. 404 e 406-407).
No caso concreto, a de cujus outorgou testamento, instituindo o seu marido, ora A., usufrutuário da totalidade da herança, atingindo, desta forma, a legítima do 1.º R. Com efeito, ao fazer recair sobre a totalidade do património hereditário um legado de usufruto a favor do A., impôs ao 1.º R., que é herdeiro legitimário (artigos 2156.º e 2157.º do CC), um encargo sobre a legítima deste, que corresponde a 1/3 ou 33,333% da herança aberta por óbito daquela (artigo 2139.º, n.º 1, do CC).
Ora, o 1.º R contestou a presente acção – através da qual o A. visa precisamente obter o reconhecimento e a efectivação do direito de usufruto emergente do testamento – refutando a existência jurídica deste direito, o que não pode deixar de valer, para efeitos do disposto no citado artigo 2163.º do CC, como não aceitação do correspondente encargo.
O artigo 2164.º do CC, no segmento aqui relevante, regula precisamente o conflito entre o legatário de usufruto e o herdeiro legitimário que vê a sua legítima atingida pela deixa de usufruto, conferindo a este último duas opções: cumprir o legado, como determinam as normas dos artigos 2068.º e 2070.º, n.º 2, do CC, ou entregar ao legatário tão-somente a quota disponível, reservando para si a legítima desonerada desse encargo (legítima limpa).
Contudo, para o exercício desta faculdade legal, designada por cautela sociniana, é indispensável que a quota disponível da herança esteja total ou parcialmente livre (neste sentido, cfr. Jorge Duarte Pinheiro, ob. cit., p. 310 e, com maior desenvolvimento, Oliveira Ascensão, idem, pp. 17-19).
Colocando a hipótese de tal não suceder, escreve este autor: «Que acontece porém se o testador tiver disposto da quota disponível em benefício de terceiros? O artigo 2164.º não pode funcionar. Mas o legitimário terá de aceitar o encargo? Não: o princípio mais forte é o de que o legitimário tem direito à legítima limpa. O que acontece é que estamos numa situação análoga à do art. 2163.º: o testador, considerando a mera legítima, impôs-lhe encargos. O elemento de diversificação está em esses encargos serem em benefício de um terceiro. A analogia com o art. 2163.º funciona. O legitimário tem direito à legítima e não é obrigado a cumprir o encargo» (idem, pp. 18-19).
Ora, o 1.º R. opôs-se, como dissemos, ao encargo que a testadora fez recair sobre a sua legítima em benefício do A. e não é exequível o exercício, por aquele, da faculdade de opção prevista no citado artigo 2164.º do CC, pelo facto de a testadora ter já disposto de toda a quota disponível também em favor do A. Assim sendo, deve prevalecer, como sustentado por Oliveira Ascensão, na passagem acima transcrita, o direito do 1.º R. à legítima limpa, expressamente consagrado no artigo 2163.º do CC.
O direito de usufruto ora invocado pelo A., beneficiário dessa deixa testamentária, tornou-se assim inoperante, quer em relação ao 1.º R., quer em relação ao 2.º e 3.º RR, cuja posição subjectiva é condicionada pelo resultado da acção em relação ao primeiro. Lembre-se que a 2.ª R. é uma sociedade comercial que tem por sócio gerente o 1.º R. e a 3.ª R. é mulher deste; neste contexto, impor aos demais RR. a entrega ao A. de todos os bens da herança, permitiria, na prática, atenta a relação existente entre todos, a produção do resultado vedado pelo citado artigo 2163.º do CC.
Improcedem, pois, todos os pedidos formulados na acção, incluindo o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização. Com efeito, não sendo operante o direito de usufruto invocado pelo A., pelas razões acima invocadas, não se pode concluir que os RR. violaram esse direito, que é o primeiro pressuposto da responsabilidade por facto ilícito previsto no artigo 483.º do CC.”. (fim de citação).
Percorrendo o corpo da alegação de recurso, encontramos a adesão do recorrente a muitos dos segmentos da dissertação jurídica que acabamos de transcrever.
Assim, o recorrente aceita as considerações sobre o regime de bens do casal, concluindo que “do património comum do casal, o A. tem direito à sua meação, correspondente a metade, acrescido de um sexto (correspondente à sua legítima na herança da mulher) e ainda a outro um sexto (correspondente à quota disponível na herança da mulher) e o 1º R. a apenas um sexto (um terço da herança de sua mãe)”. Concorda ainda com o segmento em que, indeferindo a tese dos RR., a sentença concluiu que “a aquisição do direito de usufruto ocorre, pois, com a aceitação do legado”. Concorda com o segmento da sentença na parte em que interpretou a vontade da testadora, a saber “Apurou-se que, à data em que o A. e sua mulher outorgaram os testamentos, em seu benefício recíproco, o primeiro estava de relações cortadas com o 1º R., incidência familiar de natureza conflitual que também terá afetado negativamente as relações entre o 1º R. e sua mão (DD) como sugere fortemente a disposição testamentária da totalidade da quota disponível por esta efetuada a favor do seu marido. Ora, considerando estes dados contextuais- que têm na origem um conflito familiar entre pai e filho-, afigura-se que ambos os cônjuges pretendiam, com a outorga dos testamentos, assegurar que, falecendo um deles, o cônjuge sobrevivo usufruiria, até à sua morte (artigo 1433º do CC), de todos os bens da herança, nesta se incluindo a meação nos bens comuns do de cujus.” Concorda com a conclusão de licitude do legado: “O legado de usufruto é lícito, como reconhece a douta sentença, que não põe em causa a sua legalidade, mencionando que se trata de um legado (a favor de herdeiros legitimário), previsto no artigo 2264º do Código Civil e denominado pré-legado”.
Aceitando as considerações teóricas do Professor Oliveira Ascenção, citadas na sentença, sobre o legado não poder ofender a legítima (por exceder a quota disponível) pergunta-se o que é que acontece, e indica a disciplina do artigo 2169 º do Código Civil, “que, sob a epígrafe “Redução”, estatui: “As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legitima seja preenchida, afirmando em seguida que os RR. (o 1º R.) não reconvieram assim peticionando.
Pronunciando-se sobre a aplicação do instituto da cautela sociniana (artigo 2164º do Código Civil) pelo tribunal, a partir da consideração de que “estando a quota disponível já preenchida a favor do A., o 1º R., tinha o direito de recusar o encargo, a fim de receber a “legítima limpa”, recusa o recorrente que se possa extrair do estudo do Professor Oliveira Ascenção, a que a sentença se refere e que o recorrente junta na íntegra, que tal disciplina se aplique no presente caso, porque não está em causa um legado a terceiro, mas sim a (um outro) herdeiro legitimário e neste caso legatário. Conclui, pois, que “A douta sentença incorreu em erro manifesto na aplicação do direito, ao considerar que a situação dos autos se subsume no referido artigo n.º 2164º (cautela sociniana), não tendo em consideração que legado de usufruto não beneficia terceiro mas sim um herdeiro legitimário, podendo o 1º R. pedir a redução do legado caso concluísse que estaria a ser afetado na sua legítima”.
Pronunciando-se, mesmo que não se entende pela não aplicação referida no parágrafo anterior, pela conclusão do excesso que ofende a legítima, recusa a mera conclusão do excesso a partir do facto do legado recair sobre uma universalidade (no caso, todos os bens da herança), apelando a Rabindranath Capelo de Sousa nas suas “Lições de Direito das Sucessões” Coimbra Editora, volume II, 1980, pág.º 152, para defender a necessidade de avaliar ou estimar o valor dos bens da herança, e para apurar o valor do usufruto do seguinte modo: “No que respeita ao usufruto, uso e habitação vitalícios, o respetivo valor obtém-se multiplicando por 10 o rendimento anual, mas o produto pode ser corrigido para mais ou para menos consoante a duração provável do respetivo direito”. Mais afirma que “A multiplicação ou diminuição referidas nesta alínea baseiam-se na duração provável da vida do usufrutuário ou usuário, donde resulta que o usufruto a favor de uma pessoa que tenha 70 anos não pode ser valor igual ao que se estabelece a favor da que não ultrapasse os 30 anos de idade, embora seja doente” (pág.ª 31)”, e lembra que o mesmo autor aponta “critério orientador as regras matemáticas do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações” a indicar que, “ quando a pessoa de cuja vida dependa a respetiva duração tenha respetivamente 20, 30, 40, 60, 70, 80 ou mais anos, valerão também, respetivamente, 80%, 70%, 60%, 40%, 30%, 20% e 10% desse valor”. Finalmente, sustenta que o “atual Código do IMT contempla, no artigo 13º, regras especiais idênticas, para o cálculo do valor da propriedade separada do usufruto e para o cálculo do usufruto, sendo o valor do usufruto, para uma pessoa que tenha mais de 70 anos, correspondente a 30 % do valor da propriedade plena”.
Assim munido, o recorrente conclui, pela sua idade ao tempo da abertura da sucessão, que o valor do usufruto que lhe foi constituído será de 30% do valor da nua propriedade, 30% que são abaixo dos 33,3% do valor dos bens da herança que constituem a legítima do 1º R., que assim não se demonstra ser ofendida.
Donde, em termos sucessórios, propriamente ditos, as questões sobre as quais o recorrente não concorda com a sentença, resumem-se a duas: - não se aplica o artigo 2164º do Código Civil ao caso dos autos, porque não há pré-legado a favor de terceiro, e não há excesso que ofenda a legítima do 1º R.
Por fim, o recorrente, reconhecendo que se poderia ter exprimido melhor na petição inicial, invoca que também é causa de pedir o seu direito de propriedade, e que o pedido de entrega dos bens da herança também devia ter sido apreciado com base nesse fundamento.
Termina relembrando os valores locatícios e o uso do veículo pelos RR. e a duração da sua privação deles, para concluir não só pela procedência do pedido de entrega, como pela procedência do pedido de indemnização de €90.000,00.
Que dizer?
Primeiro, o recorrente não veio reclamar a entrega dos bens por ser proprietário de metade deles, mas sim por ser usufrutuário, sendo que decorre dos artigos 1688º e 1689º do Código Civil que, o que o cônjuge sobrevivo recebe, por efeito da dissolução da comunhão conjugal, em partilha, é a sua meação, o que significa que não são recebidos bens determinados. Assim, a pretensão de que a presente acção deveria proceder porque o recorrente também é proprietário não tem sentido (e aliás, mesmo que fosse, sempre seria preciso proceder a sua pretensão a partir do legado que lhe conferiu usufruto sobre todos os bens integrantes – quando o fossem – da meação da falecida), donde, não estamos perante um argumento viável.
Em segundo lugar, concordamos que a cautela sociniana está prevista para favorecer/salvaguardar o herdeiro legitimário, conferindo-lhe, perante legado que ofenda a sua legítima, a possibilidade de operar uma substituição/acomodação da vontade do testador, mediante o oferecimento da quota disponível a terceiro em lugar do cumprimento do legado.
Isto, porém, não adiante ao bem ou mal fundado da decisão recorrida, precisamente porque o recorrente reconhece que, quando o legado a um herdeiro legitimário excede/ofende a legítima de outro, o remédio é o pedido de redução do legado por inoficiosidade. Vejam-se os artigos 2168º e 2169º, ambos do Código Civil. Ou seja, quando o testador faz legado a um herdeiro legitimário que ofende a legítima dum outro herdeiro legitimário – leia-se, basicamente, afecta as legítimas de ambos, mas o primeiro é largamente compensado pelo legado – a lei prevê uma defesa para a legítima ofendida – a possibilidade da sua redução. Quer isto dizer, vamos sempre cair ao direito à legítima limpa de que fala o Professor Oliveira Ascenção, em consonância aliás com o previsto no artigo 2163º do Código Civil – “O testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro”.
Não secundamos a ideia do recorrente de estar afastada a redução do legado por o 1º Réu a não ter pedido nesta acção, por via reconvencional nem excepcional.
De acordo com o artigo 1118º nº 1 do Código de Processo Civil, inserido na regulamentação processual do inventário, Título XVI, artigos 1082º e seguintes, “Qualquer herdeiro legitimário pode requerer, no confronto do donatário ou legatário visado, até à abertura das licitações, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade”.
Repare-se que sendo este regime introduzido pela Lei 117/2019 de 13 de Setembro, e afirmando o recorrente que foi requerido, em 2019 “inventário notarial, que esteve parado até novembro de 2022, razão pela qual solicitou, nesse mês, a sua remessa a Tribunal de Cascais (onde também se encontra parado)”, aquele preceito será aplicável, sendo, em todo o caso, que no regime do inventário notarial, introduzido pela Lei 23/2013 de 5 de Março, se previa também a possibilidade de se levantarem as questões relativas à redução de legados por inoficiosidade.
Assim, em qualquer caso, o pedido de redução de legados por inoficiosidade só pode ser deduzido em processo de inventário, e não numa acção como a presente, o que se compreende pois que de acordo com o artigo 2162º nº 1 do Código Civil: “Para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança”, e todas as questões relacionadas com a identificação e avaliação dos bens pertencem também ao processo de inventário.
Vem isto a dizer duas coisas: - por um lado, que a sentença não tem razão quando afirma que o legado de usufruto sobre todos os bens da herança atinge a legítima (de qualquer dos herdeiros, mas em concreto do 1º Réu), pois que os bens existentes no património do autor da sucessão não estão avaliados/valorados, e consequentemente não é possível também avaliar o valor do usufruto instituído sobre todos eles, e chegar à conclusão da ofensa ou da não ofensa, e por outro lado, que não podendo tais questões ser resolvidas neste processo, e continuando a ser possível ao 1º Réu pedir no inventário a redução, não conseguiu o Autor fazer nestes autos a prova da extensão do usufruto que reclama, pressuposto do reconhecimento do direito que reclamou e da consequência pedida, de entrega dos bens.
Finalmente, não tendo sido demonstrada a extensão do direito reclamado, não é possível afirmar a sua violação pelo comportamento dos Réus, e menos ainda a ilicitude desse comportamento, enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar pela privação dos rendimentos que podiam ter sido auferidos pelo A. com o usufruto de todos os bens. Do mesmo modo, não se podendo ordenar aos Réus a entrega de todos os bens da herança ao Autor, não podem os mesmos ser condenados em sanção pecuniária compulsória.
Em suma, improcede o recurso, ainda que por fundamentação parcialmente diversa da usada na sentença recorrida.
Custas pelo recorrente – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a sentença recorrida, ainda que por fundamentação parcialmente diversa.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 09 de Outubro de 2025
Eduardo Petersen Silva
Adeodato Brotas
Carlos Santos Marques
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator