CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITO DO CONSUMIDOR
CONSUMIDOR
AERONAVES
ACIDENTE DE AVIAÇÃO
CÁLCULO
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO
REEMBOLSO DE DESPESAS
SUBSTITUIÇÃO
VALOR DE MERCADO
DANO PATRIMONIAL
DANO EMERGENTE
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário


I – O legislador optou por atribuir primazia à restauração natural face à restauração por equivalente, sendo esta apenas de equacionar se a reconstituição natural não for possível ou não se mostrar suficiente para reparar integralmente os danos ou ainda se se mostrar excessivamente onerosa para o devedor.
II – As faculdades indicadas no art. 4.º do DL n.º 67/2003, de 08-04, não obedecem a uma hierarquia, competindo ao consumidor escolher a opção que melhor satisfaz os seus interesses.
III – Para além da reparação, substituição, redução e resolução, ao consumidor assiste, em qualquer caso, o direito à indemnização por danos sofridos.
IV – Optando o consumidor pelo direito à indemnização, competirá à parte contrária demonstrar que a reparação é possível ou ainda que a atribuição de uma indemnização ao autor se afigura excessivamente onerosa, por tal matéria se reconduzir à exceção do abuso do direito.
V – Para o efeito de cálculo do dano patrimonial, importa avaliar em concreto o valor do bem destruído no quadro do património do lesado.
VI – A doutrina existente em matéria de acidentes de viação tem utilizado o critério do valor de substituição como critério para a fixação do valor da indemnização por equivalente.
VI – O dano da privação de uso é um dano autónomo, consistindo em o proprietário ficar temporária ou transitoriamente impedido de retirar do bem as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais, que o bem lhe proporcionaria.

Texto Integral

Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra ALPI AVIATION, SRL e BB1 pedindo a condenação da 1ª ré a pagar-lhe as seguintes quantias:

a) 80 000,00€, referentes ao valor do avião, antes das intervenções da ré;

b) 18 042,67€, referentes aos custos das reparações e transportes;

c) 60,00€ por dia, contabilizados desde a data do acidente, a título de custo da privação do uso da aeronave, bem como no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de mora no cumprimento do sentenciado2.

Subsidiariamente, a condenação da 1ª ré ao pagamento da quantia equivalente ao valor da perda total do avião, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação, como valor de compensação pela perda do gozo do aparelho.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo a ré de todos os pedidos e, julgou a reconvenção parcialmente procedente, condenando o autor, reconvindo, a pagar à ré, reconvinte, a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, correspondente às despesas atinentes ao transporte e recolha da aeronave nas suas instalações, absolvendo o autor do demais pedido.

O autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Interposto recurso de revista (excecional), o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão em que dando provimento ao recurso, determinou a remessa dos autos ao tribunal a quo, para aí ser conhecida a questão relativa à determinação dos direitos do autor, no quadro do regime legal do DL n.º 67/2003.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu novo acórdão que julgando parcialmente a ação, condenou a ré a pagar ao autor uma indemnização no valor de 9100,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003 de 8 de abril e arts. 559./1, 804.º, 805.º e 806.º do CCivil), contados do presente acórdão (cfr. AUJ do STJ n.º 4/2002, publicado no D.R. n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, páginas 5057 – 5070), para além dos juros sancionatórios previstos no art. 829.º-A/4, do CCivil, que apenas serão devidos a contar do trânsito em julgado desta decisão, absolvendo a ré dos demais pedidos.

Inconformado, veio o autor interpor recurso de revista, deste acórdão, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes

CONCLUSÕES:

1.ª Por força do Acórdão do STJ que declarou verificada a culpa-responsabilidade da Ré, nos termos e para os efeitos do disposto, designadamente, nos artigos 3º e 4º do DL 67/2003 (na redação do DL 84/2008), ficaram prejudicadas todas as demais questões que o Autor-recorrente colocara ao Supremo, contra a decisão da Relação, de Janeiro de 2024 – como consta expressamente declarado no próprio Acórdão do STJ.

2.ª Nas conclusões 28ª à 30ª daquela revista, o A./recorrente alegou que a reconvenção deveria improceder – porque, com os atos/despesas ali em causa, por um lado, a Ré limitou-se a cumprir uma pequena parte dos seus deveres de minimizar danos, após o sinistro, como o teor de n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 4º do DL 67/2003, lhe impunham, e por outro lado, porque a Relação havia condenado o Autor sem base factual suficiente.

3.ª A decisão a quo, tácita mas inequivocamente, não apreciou esta matéria, porque a considerou transitada em julgado – contra a expressa decisão do Supremo; portanto, logo aqui violou o disposto no artigo 152º n.º1 do CPC e o artigo 4º da Lei do Sistema Judiciário (dever de cumprir as decisões dos tribunais superiores).

4.ª Assim, deve agora apreciar-se aquela condenação do Autor – e a mesma deve ser revogada, pois, verificada a culpa-responsabilidade da Ré pelo acidente, então, conforme o regime dos direitos do consumidor, desde logo, o teor de n.º 1 e n.º3 do artigo 4º do DL 67/2003, o Autor, lesado, não é responsável por “despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material” (n.º 3 artigo 4º DL 67/2003).

5.ª Acresce que, a decisão condenatória do Autor – tomada na Relação, no seu Acórdão de Janeiro de 2024, agora dado como julgado em definitivo, e por isso, repristinada como vigente –, baseia-se em imaginações e invenção pelo Tribunal, do que seria o melhor interesse do Autor. Portanto, a Relação, ao inventar este tema factual novo, viola o disposto no n.º 3 do artigo 607º, aplicado por remissão do n.º 2 do artigo 663º, ambos do CPC – preceito que impõe a regra de o Julgador se limitar aos factos provados.

6.ª Portanto, seja por esta ordem de razões ou com base na antecedente, deve absolver-se o Autor da condenação naquela parte do pedido reconvencional, revogando-se:

- o entendimento da decisão a quo de que o 1º acórdão da Relação estaria transitado em julgado nesta matéria;

- declarando-se que a Relação, nesta parte, viola os preceitos legais que impõem julgar apenas os factos provados;

- e que, nesta parte, a sua fundamentação jurídica é oposta ao seu dever de cumprir totalmente o Ac. do STJ e, por consequência, os preceitos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 4º do DL 67/2003 impõem, logicamente, a absolvição do pedido reconvencional, sob pena de contradição entre a declaração de culpa da Ré e aquele pedido.

7.ª No cálculo, do dano da privação do uso do avião, com base em equidade, a decisão recorrida exprime um erro sobre culpa, ao atribuir ao Autor a responsabilidade pelo alegado “impasse” na situação após o sinistro, além de que, a decisão desrespeita o mencionado Acórdão do STJ – ignorando que é sobre a Ré que recaem os deveres de tudo fazer para ressarcir o Autor, conforme o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 4º do DL 67/2003, lhe impõem.

8.ª Portanto, é manifesto que ocorre mora da Ré e não do Autor, e, por conseguinte, o valor tem de ser atribuído desde a data do sinistro, até à data do cumprimento integral do ressarcimento – e, não limitado a um ano, como arbitrária e com errado pressuposto (a culpa do A.), a decisão recorrida fez.

9.ª De resto, a mora da Ré não tem efeitos apenas civis, mas também constituiu um ilícito contraordenacional, conforme o n.º1 do artigo 12-A do DL 67/2003 estabelece, implicando, no diploma atual que substituiu aquele, uma “contraordenação económica grave” (artigo 48º do DL 84/2021).

10.ª Assim, por força do princípio da igualdade dos cidadãos e perante o dever de o STJ aplicar uniformemente o Direito, de acordo com os valores que a jurisprudência tem atribuído na privação de veículos – que são, tal como o avião no caso do Autor, para uso de recreio e para utilidade prática –, bem como de acordo com o princípio da proporcionalidade entre o preço do bem e o preço do avião em novo ou em usado, deve fixar-se equitativamente este dano em 60€/dia, tal como vinha peticionado.

11.ª O erro jurídico da Relação, ao considerar, contra o Acórdão do STJ, que o Autor é culpado pelo “impasse” verificado na violação pela Ré dos seus deveres de ressarcir, impõe que seja o Supremo a, corrigindo este pressuposto de direito, estabelecer equitativamente o valor da indemnização por privação do uso do avião – nos termos acima enunciados.

12.ª Quanto ao ressarcimento dos danos relativos aos efeitos do sinistro sobre o avião, face ao teor da obrigação de indemnizar, que o n.º 1 artigo 4.º do DL 67/2003, e artigos 1222.º bem como o disposto no artigo 566º do Código Civil impõem, haja ou não a “resolução do contrato”, a Relação tinha a obrigação de cumprir uma destas alternativas:

- ou condenava a Ré a reparar o avião com a substituição da estrutura do mesmo, como começou por sugerir;

- ou, em alternativa, condenava no ressarcimento da perda total do aparelho, como o A. peticiona – e não há qualquer contradição, quando muito redundância nos pedidos do Autor, mas que não afeta a substância do que está em causa;

- ou ainda, usava o critério de equidade que o n.º 1 do artigo 566.º do Cod. Civ. impõe: “[s]e não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver provados”.

13.ª Ao absolver completamente a Ré de restaurar o status quo ante do Autor, a decisão a quo violou, desde logo, como primeiro vício do seu raciocínio, o dever de considerar a totalidade da matéria de facto provada na sentença – nomeadamente, na sua motivação explicativa e contextualizadora, onde se declara que o sinistro tem de considerar-se, quanto ao avião, uma perda total, pois como ali se concluiu, a reparação dos danos exige substituir a estrutura do avião, mas “o desmantelamento da estrutura não se apresenta economicamente razoável para além da dificuldade técnica que tal implicaria” (sic, motivação da sentença nos temas de prova em causa).

14.ª Esta temática jurídico-factual daquele tema de prova corresponde ao conceito jurídico-legal de perda total, enunciado na alínea b) do artigo 41º do DL 291/2007, aplicável aqui não só dado o teor literal do afirmado na sentença, mas a evidente analogia.

15.ª Portanto, a Relação, por força das normas mencionadas supra conclusão 12.ª, e por força de dar cumprimento integral ao Ac. do STJ nestes autos proferido, ou condenava a Ré a reparar o aparelho com a substituição da estrutura, ou condenava a ressarcir por um valor equivalente ao seu preço, ou se faltassem factos para este efeito, socorria-se do critério de equidade.

16.ª O Supremo deve substituir-se ao tribunal recorrido, conforme lhe impõe o poder-dever estabelecido no n.º 3 de artigo 674º, artigos 682º e 683º do CPC – porquanto, nesta parte, a Relação violou as regras legais sobre a força dos meios de prova implicados no juízo de equidade imposto no n.º 1 do artigo 566º do Cód. Civil, bem como o dever jurídico de, em boa-fé, dar integral cumprimento ao decidido no STJ quanto à exclusiva culpa-responsabilidade da Ré no sinistro em causa.

17.ª Quanto ao valor a fixar em juízo de equidade, mas também com base em confissão processual, por não ter sido impugnado o facto alegado nem o respetivo documento – conforme artigo 574º n.º 1 e 2 do CPC bem como artigo 376º/1 do Cód. Civil – verifica-se que o Autor recebeu uma proposta de compra do avião, para revenda, por parte da funcionária da Ré, com o preço de 65.000€, três anos antes do acidente.

18.ª É lógico que o revendedor obteria um lucro e, portanto, este valor é totalmente compatível também com o facto confessado e documentado expressamente pela Ré, de que um avião similar ao do Autor valia “seguramente” (sic, Ré) 70.000€ – como alega em seu artigo 212º e, adita que o Autor usava o avião “uma média de 10 horas por ano” (artigo 217º daquele articulado).

19.ª Deste modo, com base em correção aos temas de prova ou dos “factos” ou com base em juízo de equidade, deve estabelecer-se que a perda total liquida-se/compensa-se com o preço de 70.000€ e juros legais desde 18 de janeiro de 2019 (data do sinistro, senão, desde a data da citação).

20.ª Nos termos do disposto em n.ºs 2 e 4 do artigo 4º do DL 67/2003, e artigos 562º acresce que, conforme o teor de artigos, por esta ordem hierárquica de aplicação (a lei especial derroga a geral, como é sabido), os n.ºs 2 e 4 do artigo 4.º do DL 67/2003, o artigo 1223.º e artigos 562.º (princípio geral da obrigação de indemnizar), artigo 564.º (cálculo da indemnização) e 566.º do Cód. Civil, estabelecem o dever de ressarcir o lesado das despesas ocasionadas com intervenção da Ré e que foram presumidamente mal efetuadas, tendo causado o perecimento do aparelho.

21.ª Além do mais, do teor da p.i. resulta tácita e inequivocamente – nos termos do n.º 1 do artigo 217º do Cód. Civil –, uma declaração de resolução do contrato em causa, uma vez que o Autor em caso algum admitiu a reparabilidade do avião.

22.ª

23.ª Com a resolução, por culpa-responsabilidade da Ré, ocorre o efeito de devolver ao Autor o pagamento que dele recebeu, conforme estabelece, desde logo, o teor de artigos 1222º/1 e 1223º, bem como artigo 434º/1, do Cód. Civil.

24.ª Quanto às despesas de transporte do aparelho, para fábrica da Ré e no retorno a Portugal, a perda da sua utilidade apresenta um óbvio nexo causal com a culpa-responsabilidade da Ré no acidente. A sua causa originou-se nos trabalhos que cabiam à Ré, e a sua perda foi também ocasionada por ela. O não ressarcimento das mesmas seria beneficiar o infrator e sancionar o lesado. A decisão negadora desta parte dos custos do Autor incumpre o dever de indemnizar conforme a extensão que o disposto em artigo 564.º do Cód. Civil lhe impõe.

Consequentemente, deve revogar-se a decisão e,

a) absolver-se o Autor da condenação no pedido reconvencional;

b) condenar-se a Ré a indemnizar o Autor a título de privação da utilização do avião, à razão de 60€/dia, desde a data do acidente (18 de janeiro de 2019), até ao integral cumprimento de todo o julgado;

c) condenar-se a Ré a ressarcir o Autor, por perda total do avião, no valor de 70.000€, com juros legais desde a data do acidente, senão, desde a data da citação;

d) condenar-se a Ré a devolver ao Autor o custo dos trabalhos efetuados, no montante de 15.143,16€, acrescido das despesas de transporte, no montante de 4.000€, com juros legais desde a data do acidente, senão, desde a data da citação.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos3, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

I - Do incumprimento pelo tribunal a quo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2025.

II – Do cálculo da indemnização pela perda do avião.

III – Da devolução dos montantes pagos pela reparação levada a cabo pela ré e pelas despesas relativas ao transporte do avião de Portugal para Itália e de Itália para Espanha.

IV – Do dano pela privação do uso.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1.2. - A R. dedica-se a projetar, fabricar e vender aviões ultraligeiros, designadamente com a marca própria Pioneer, fazendo a respetiva manutenção e reparação em Itália.

1.3. - A R. tem um vendedor por ela autorizado em Portugal, a “Aerolezíria”.

1.4. - Em 2008 a “VA5 - Comércio e Bussaco Pareira de” comprou à R. um avião ultraligeiro ou ultraleve fabricado por aquela, com dois lugares, peso máximo à descolagem de 450 kg, marca e modelo Pioneer 330.

1.5. - O veículo encontra-se registado em nome do A., conforme doc. de fls. 22.

1.6. - No decurso do ano de 2017, o A. incumbiu a R. de proceder à manutenção geral do avião e outros trabalhos.

1.7. - A R. efetuou no avião os trabalhos elencados a fls. 27 verso e 28, pelos quais pediu ao A. o valor de €15 143, 16 (fatura que consubstancia o doc. 11 junto com a petição inicial).

1.8. - A R. solicitou o pagamento ao A., conforme e-mail de que se mostra junta cópia a fls. 27, datado de 14 de dezembro de 2018, tendo o A. pago.

1.9. - No decurso da viagem de Itália para Portugal o motor da aeronave parou em pleno voo e, em consequência, o piloto teve de fazer uma aterragem de emergência em Espanha, perto de Badajoz44.

1.10. - O avião era pilotado por BB.

1.11. - A R. desmontou e transportou o avião para as suas instalações em Itália.

1.11. - O avião continua em Itália, no hangar da R..

2.1. - A aterragem de emergência provocou fissuras, torções e roturas nos materiais da estrutura do aparelho. (2 TP)

2.2 - Esses estragos são suscetíveis provocar a destruição do aparelho e a morte dos ocupantes ou de terceiros. (3 TP)

2.3. – A forma técnica e economicamente mais viável de reparar os estragos na estrutura consiste na sua substituição integral. (4 TP)

2.3-A – O A. pagou €4000,00, em dinheiro entregue diretamente ao piloto, de custos com a pilotagem do avião de Lisboa para Itália e de Itália para Lisboa5.

2.4. - O A. destinava a aeronave ao seu recreio pessoal e da família. (8 TP)

2.5. - O A. dava prática de pilotagem ao seu filho CC, estudante de pilotagem para fins profissionais. (9 TP)

2.6. - O A. deu a sua aquiescência à R. para guardar e transportar o avião para Itália6.

2.7. – O custo das operações de recolha e transporte do avião para Itália após a aterragem forçada em Espanha importou em valor não concretamente apurado. (13 TP)

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

3.1. O valor do avião, aquando da sua entrega à R. para manutenção, era de cerca €80 000,00.

3.2. - O valor do arranjo necessário é superior a €80 000,00. (5 TP)

3.3. - O custo das reparações é de cerca de €19.292,00, a que acresce IVA (doc. de fls. 169 - doc. 12 junto com a contestação) (6 TP)

3.4.7

3.5 - Por força do ocorrido, o A. aluga um avião idêntico 5 horas por semana, com um custo de 2250,00 € (5 horas x € 450/hora). (10 TP)

3.6. - A R. impediu que as autoridades competentes em Espanha procedessem à averiguação das causas da aterragem. (11 TP)

3.7. - A solicitação do A., a R. afetou recursos à estimativa de reparação e reconstrução do avião, conforme doc. 11 junto com a contestação. (14 TP)

3.8. - O custo desses recursos corresponde a €1200,00. (15 TP)

3.9. - O custo da ocupação da aeronave do A. no hangar da R., com limitação do espaço para outras aeronaves, é de €300,00 mensais.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso8 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

I - DO INCUMPRIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO DO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 28-01-2025.

O recorrente alegou que “a decisão a quo, tácita mas inequivocamente, não apreciou esta matéria, porque a considerou transitada em julgado – contra a expressa decisão do Supremo; portanto, logo aqui violou o disposto no artigo 152º n.º 1 do CPC e o artigo 4º da Lei do Sistema Judiciário (dever de cumprir as decisões dos tribunais superiores)”.

Entende, assim, o recorrente que estava o tribunal da Relação obrigado a pronunciar-se sobre a sua pretensão, na parte em que colocou em causa a sua condenação no pedido reconvencional formulado pela ré.

Lido o acórdão do tribunal da Relação resulta manifesto que, de facto, tal matéria não foi objeto de tratamento por se ter considerado, em suma, que tal matéria se encontrava, face ao teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2025, resolvida em definitivo.

A resposta a esta questão impõe que analisemos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2025 e, naturalmente, à decisão tomada pela Formação ao abrigo do disposto no art. 672.º/3, do CPCivil.

Nestas decisões reside a resposta à questão de saber se tal matéria foi objeto de decisão (ainda que o seu conhecimento tenha resultado prejudicado) ou se, pelo contrário, se considerou tal decisão, em definitivo, resolvida.

Vejamos.

Não há dúvida de que o recorrente colocou em crise a sua condenação no pedido reconvencional em sede de apelação e que tal matéria foi colocada à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça , no âmbito do recurso de revista (excecional) interposto em 24-04-2024 (cfr. conclusões de recurso 28.ª e ss.).

Recorde-se que o autor havia sido, em 1.ª instância, condenado a pagar à ré a quantia que se viesse a apurar em incidente de liquidação, correspondente às despesas atinentes ao transporte e recolha da aeronave nas suas instalações, absolvendo o autor do demais pedido, decisão essa, confirmada em sede de recurso de apelação.

A Formação, debruçando-se sobre a pretensão recursória do recorrente, considerou verificado o pressuposto da relevância jurídica e social apenas quanto à questão de saber “se a desconformidade da aeronave em causa com o objeto do contrato de empreitada, se presume, cabendo à ré alegar e provar que a falta de funcionamento do motor em pleno voo não deriva de qualquer defeito do aparelho e não é da sua responsabilidade, ou se compete ao aqui autor o ónus de alegação e de prova dos concretos defeitos existentes no avião”.

Neste seguimento, o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 28-01-2025, entendeu que “O recorrente, alegou que “os atos da ré, de desmontagem e guarda do avião, enquadram-se exclusivamente, no âmbito do cumprimento das suas obrigações legais de minimizar os prejuízos causados ao autor”. Assim, concluiu que “a reconvenção deve ser julgada improcedente”. Vejamos a questão. Em primeiro lugar, porque se verificou dupla conforme nos fundamentos da reconvenção, conforme já decidido em acórdão proferido nos autos, e o acórdão da Formação cingiu a questão a decidir relativamente à causa de pedir atinente à ação, e não à causa de pedir da reconvenção. Em segundo lugar, ao contrário do que o autor alega, a procedência da ação não determina automaticamente a improcedência da reconvenção, porquanto não foi essa a fundamentação que determinou a procedência da reconvenção. A reconvenção foi considerada procedente porque se entendeu que a ré procedeu à recolha e transporte da aeronave para Itália com o consentimento do autor e no seu interesse, com fundamento nas regras da gestão de negócio (arts. 464.º e 468.º do CCivil), e não porque a improcedência da ação determinasse a procedência da reconvenção. A relação jurídica, de acordo com a factualidade provada, que se estabeleceu entre as partes na ação é distinta daquela que resulta do pedido reconvencional, pelo que inexiste entre uma e outra qualquer relação de precedência entre elas. Temos, assim, que esta matéria da reconvenção não pode integrar o objeto do presente recurso de revista (excecional)”.

Consequentemente, entendeu-se que “emerge das conclusões de recurso (excecional) apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão: 1) Saber a quem compete o ónus da prova da falta de conformidade do bem em matéria de direitos dos consumidores e, quais os direitos do autor no caso de procedência desta pretensão”.

Esta decisão transitou em julgado, não podendo já, nesta fase, ser colocada em crise.

Analisado tais elementos, resulta que a matéria referente ao pedido reconvencional não foi conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça que a considerou, em definitivo, julgada em função da verificação de uma situação de dupla conforme e em face do teor do acórdão da Formação.

Resulta, assim, que a decisão respeitante ao pedido reconvencional se manteve incólume na nossa Ordem Jurídica, encontrando-se, assim, definitivamente decidida pelo acórdão do Tribunal da Relação proferido em 23-01-2024.

Subscreve-se, assim, o entendimento do Tribunal da Relação quando procede à revogação da sentença da 1.ª instância na parte que absolveu a ré de todos os pedidos, “sem prejuízo do mais que já foi decidido no acórdão de 23 de janeiro de 2024, que não foi revogado pelo acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 28 de janeiro de 2025”.

Deste modo, não se impunha ao Tribunal da Relação o conhecimento do recurso na parte atinente ao pedido reconvencional, encontrando-se esta matéria definitivamente julgada pelo acórdão do Tribunal da Relação proferido em 23-01-20249.

Concluindo, independentemente das razões da discordância do recorrente face ao teor do acórdão do Tribunal da Relação, de que não cumpre conhecer, consideramos que a pretensão terá de improceder nesta parte.

II – DO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO POR PERDA DO AVIÃO.

Insurge-se o recorrente contra o acórdão do Tribunal a quo na parte em que concluiu pela absolvição da ré do pedido de condenação no pagamento do valor da aeronave.

Para o efeito, o Tribunal da Relação entendeu que “o argumento sustentado na petição inicial seria, portanto, no sentido de que a constituição natural seria, no caso excessivamente onerosa, porque o custo da reparação dos danos era superior ao valor comercial da aeronave, o que justificaria a razoabilidade do pedido de indemnização em dinheiro, como correspondente à reparação efetiva do prejuízo e ao interesse do lesado. Sucede que, não se provou qual o valor comercial do avião (cfr. facto não provado no ponto 3.3.1). Mas, mais relevante, não se provou que o valor da reparação era superior a esse alegado valor comercial (cfr. facto não provado no ponto 3.3.2.), sendo certo que também não se provou que o valor da reparação fosse claramente inferior (cfr. factos não provados 3.3.3., 3.37. e 3.3.8). Por outro lado, nada nos permite concluir que, sem margem para qualquer dúvida, a aeronave não seja reparável. Aliás, a reparabilidade da aeronave está indiciariamente demonstrada no ponto 3.2.3 dos factos provados, pelo que, nessa medida, não vemos motivos para afastar a regra geral prevista nos Art.s 562.º e 566.º n.º 1 do C.C.. Sem prejuízo, o que não existe, certamente, é factualidade provada que possa sustentar a pretensão de reparação pelo pagamento do valor comercial do bem, pois esta pressupunha a demonstração de que havia perda total, que não se pode concluir da matéria de facto provada. Mesmo que esteja provado que a forma técnica e economicamente mais viável de reparar os estragos verificados seja a sua substituição integral (cfr. facto provado 3.2.3.), a verdade é que se desconhece o valor dessa reparação. Ora, quanto a este ponto, porque se trata da prova de um dos concretos direitos pretendidos fazer valer pelo A., sobre o qual não há presunção legal, competia ao lesado o ónus de prova dos respetivos pressupostos de facto (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.C.). Como não cumpriu esse ónus, o direito a indemnização por perda total da aeronave necessariamente improcede”.

Vejamos a questão.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – art. 562.º do CCivil.

A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566.º/1 do CCivil.

Temos, pois, que o nosso legislador optou por atribuir primazia à restauração natural face à restauração por equivalente.

Esta última é apenas de equacionar se a reconstituição natural não for possível ou não se mostrar suficiente para reparar integralmente os danos ou ainda se se mostrar excessivamente onerosa para o devedor.

A reconstituição natural utiliza como referência o dano real, ou seja, física da lesão verificada. É a inutilização do automóvel em virtude do acidente. É a privação do relógio furtado. A indemnização em dinheiro tem como referência o dano de cálculo, isto é, o reflexo da lesão no património do ofendido10.

No domínio dos acidentes de viação, a que nos socorremos atentas as semelhanças com o caso dos autos, a reparação natural reconduz-se, em regra, à condenação da seguradora na reparação do veículo, sendo que a condenação no pagamento ao lesado da quantia necessária para que este suporte os custos da reparação se considera ainda uma forma de reconstituição natural11.

Acontece, por vezes, que a restauração natural (reparação do veículo) não se considera viável, o que sucederá sempre que aquela seja impossível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Nos autos, o autor optou pela indemnização, peticionado o pagamento de montante equivalente ao valor de mercado do avião em momento anterior ao sinistro, optando, assim, pelo pagamento de uma indemnização.

E podia fazê-lo.

Conforme entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça nestes autos, estamos perante uma empreitada de consumo, a que é plenamente aplicável o disposto no DL nº 67/2003, de 08-04.

Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – art. 4.º/1, do DL nº 67/2003, de 08-04.

O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais – art. 4.º/5, do DL nº 67/2003, de 08-04.

As faculdades indicadas no art. 4.º do DL n.º 67/2003, de 08-04, republicado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05, não obedecem a uma hierarquia, competindo ao consumidor escolher a opção que melhor satisfaz os seus interesses12.

Enquanto no regime do CCivil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidiariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito das empreitadas a que são aplicáveis as normas especiais contidas na Lei 24/96 (LDC) e no DL 67/2003, os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003)13.

Enquanto no regime do C.C. vigoram regras rígidas que estabelecem várias relações de precedência e subsidiariedades entre aqueles direitos, que condicionam severamente o seu exercício, no âmbito do D.L. n.º 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso do direito (art. 4.º/5, do D.L. n.º 67/2003). Em princípio, perante a existência de faltas de conformidade na obra realizada, o dono desta pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art. 4.º/1 do D.L. n.º 67/2003. Essa liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses deve, contudo, respeitar os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art.° 334.°, do CC)14,15.

Temos, pois, que para além da reparação, substituição, redução e resolução, ao consumidor assiste, em qualquer caso, o direito à indemnização por danos sofridos.

Este direito resulta do art. 12.º/1, da Lei n.º 24/96, de 31-07, que dispõe que “o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos”.

Na verdade, a sua consagração especial na LDC permite que ele se escape ao rigor das regras de articulação dos direitos conferidos ao dono da obra pelo C.C., devendo o seu exercício respeitar, tal como qualquer outro direito, as exigências da boa fé, dos bons costumes e a sua finalidade económico-social. Desde que as circunstâncias em que este direito de indemnização é exercido não revelem uma ofensa àqueles princípios, pode o dono da obra utilizá-lo sem que primeiro tenha esgotado os outros meios de satisfazer os seus interesses16.

Este direito à indemnização não se mostra, assim, configurado como de exercício subsidiário; o mesmo é dizer, pode ser livremente exercido pelo consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade socioeconómica, ou seja, desde que sejam respeitados os limites impostos pelo abuso do direito.

Resulta, assim, que pode o consumidor optar, livremente, entre o direito à reparação ou à substituição, ou ainda pelo direito à indemnização, de acordo com o seu melhor interesse.

Neste conspecto, cumpre deixar expresso que não tem aplicação a norma ínsita no art. 566.º do CCivil, que pressupõe uma hierarquia normativa entre as soluções ao dispor do lesado.

De facto, sendo essa hierarquia afastada pelas normas de proteção do consumidor, há que buscar nestas normas a correta distribuição do ónus da prova.

Em coerência, optando o consumidor pelo direito à indemnização parece-nos inequívoco que competirá à ré demonstrar que a reparação é possível ou ainda que a atribuição de uma indemnização ao autor se afigura excessivamente onerosa, por tal matéria se reconduzir à exceção do abuso do direito (cfr. art. 342º/2, do CCivil).

Não é, assim, ao autor que compete provar que o exercício do seu direito não é abusivo, devendo tão-só demonstrar os factos constitutivos do direito que pretende exercer.

Feito este enquadramento, cumpre apreciar o caso vertente.

Nos autos, temos por manifesto que o autor optou pelo direito à indemnização, não se nos afigurando, face aos contornos do caso concreto, tal opção atentatória das exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade socioeconómica.

Efetivamente, não é possível ignorar que estamos perante um bem móvel muito específico (cujo correto funcionamento e estado de conservação se mostra essencial para a segurança dos seus ocupantes), tendo resultado demonstrado que a reparação não se mostra técnica ou economicamente viável e sendo manifesto que a substituição de um bem tão específico como uma aeronave é, notoriamente, inviável, face à dificuldade de se garantir a entrega de um bem equivalente (com o mesmo estado de conservação, mesma concreta utilização realizada e mesmo número de proprietários).

Está provado que:

2.1. - A aterragem de emergência provocou fissuras, torções e roturas nos materiais da estrutura do aparelho. (2 TP)

2.2 - Esses estragos são suscetíveis provocar a destruição do aparelho e a morte dos ocupantes ou de terceiros. (3 TP)

2.3. – A forma técnica e economicamente mais viável de reparar os estragos na estrutura consiste na sua substituição integral. (4 TP)

Perante estes factos, impor ao consumidor a opção da reparação é uma solução que não garante o seu direito ao integral ressarcimento dos danos sofridos, até porque, reitera-se, resultou demonstrada que a reparação não se afigura a solução técnica mais viável.

Ademais, resulta que, independentemente de não ter resultado demonstrado o custo da reparação, não há como ignorar que resultou demonstrado que a reparação não se mostra economicamente viável, podendo, em tese, ser contrária ao direito da lesante.

Seja como for, competia à ré demonstrar que era capaz de reparar o avião danificado e que tal reparação, para além de possível, se mostrava menos onerosa, tornando o exercício do direito à indemnização abusivo e contrário à boa-fé.

Essa demonstração não foi lograda nos autos.

Não se nos afigura, assim, tudo visto, abusiva a opção do autor, na qualidade de consumidor.

Se assim é, não se nos afigura de subscrever a posição do Tribunal da Relação, quando entende que não é possível arbitrar uma indemnização ao autor porque este não provou o valor comercial do avião, nem que o custo da reparação era superior àquele valor comercial ou ainda que o avião não é reparável.

Os factos dados como provados, muito embora se nos afigurem parcos e, em abono da verdade, em grande medida conclusivos, são suficientes para que se conclua pela existência de um dano e pela justeza da pretensão do autor a uma indemnização que repare integralmente aquele dano, reintegrando o seu património com o valor do avião de que se encontra privado desde 2019.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – art. 562.º do CCivil.

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 563.º do CCivil.

Ora, o princípio da compensação integral dos danos, ínsito no art. 562.º do CCivil, determina que o obrigado deve compensar, na íntegra, o dano do lesado.

Para o efeito de cálculo do dano patrimonial, importa avaliar em concreto o valor do bem destruído no quadro do património do lesado.

Neste conspecto, importa salientar que a doutrina existente em matéria de acidentes de viação, a que recorremos atentas as semelhanças com o caso concreto, tem utilizado o critério do valor de substituição como critério para a fixação do valor da indemnização por equivalente.

Efetivamente, o valor de substituição pode não coincidir com o valor venal do veículo (sendo, em regra, superior), pois que o primeiro tem em consideração a situação específica do veículo sinistrado e a posição que o mesmo ocupa no património do lesado.

Trata-se, assim, de “avaliar o custo de substituição do veículo de forma a acautelar a satisfação do interesse do lesado. A ponderação deste interesse implica que se convoquem os seguintes fatores; estado de conservação, incluindo eventuais beneficiações, do veículo sinistrado (que, frequentemente, fará com que o seu valor seja superior ao que consta das tabelas gerais de veículos usados); custos próprios da procura e aquisição de um veículo de substituição; custos adicionais se esta substituição tiver de ser feita com urgência; possíveis desvantagens que resultam da impossibilidade de obter um veículo idêntico como, por exemplo, um consumo superior de combustível do veículo substituto”17.

Valor de substituição, justamente porque e na medida em que só ele permite reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização. (…) Dito de outro modo, o valor de substituição do veículo totalmente perdido no acidente será o valor pecuniário de um veículo de substituição de características semelhantes ao sinistrado no momento anterior ao acidente, por forma que com esse valor o lesado possa adquirir, no mercado (normalmente mercado de ocasião ou mercado de usados), um veículo que lhe permita continuar a circular e assim satisfazer as necessidades do giro pessoal-familiar ou giro profissional, o seu verdadeiro interesse (inter est: quid entre o sujeito e o objeto). Deste modo (mas só deste modo) se reconstituirá a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização, com o lesado a ser (re)posto na situação em que estaria sem a lesão (indemne), como é da mais elementar justiça comutativa (suum quique tribuere)18.

Está, assim, em causa aferir o valor de substituição do avião sinistrado, que corresponde ao valor pelo qual um veículo idêntico ou equivalente seria adquirido na data do acidente, só assim se garantido o integral ressarcimento dos danos.

No caso dos autos, como resulta do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28-01-2025, resulta manifesto que a desconformidade do bem (paragem do motor), que é o incumprimento da ré, determinou a necessidade de recorrer a uma aterragem de emergência.

Ademais, inexistem dúvidas de que essa paragem de emergência foi causa dos danos sofridos na aeronave.

Como é evidente, atenta a especifica natureza do bem em causa nos autos, a paragem do motor de um avião em pleno voo é causa adequada dos danos causados, sendo estes inteiramente previsíveis.

O autor ficou assim privado do avião, cujo valor patrimonial se encontrava inscrito na sua esfera jurídica.

Como é evidente, o autor apenas será ressarcido integralmente dos danos sofridos acaso lhe seja atribuída uma indemnização equivalente ao valor de aquisição de um avião equivalente, valor esse que não se mostra apurado nos autos.

Foi, de resto, esse valor patrimonial de que o autor se viu privado.

Não se mostra, igualmente, apurado qual o valor do salvado, que permanece propriedade do autor e que terá, segundo o mesmo, algum valor residual, podendo ser vendido integralmente ou ser desmantelado para venda de peças.

Ora, não tendo este Supremo Tribunal de Justiça dados para fixar, em concreto, o montante da indemnização equivalente ao valor de mercado do avião à data do sinistro, reduzido do montante do salvado, há que relegar tal apuramento para execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º/2, do CPCivil.

Esta quantificação do montante do dano deve ter por limite a quantia de 80 000,00€, correspondente ao valor peticionado nos autos, devendo, no entanto, ser fixado um prazo razoável para que a ré proceda ao pagamento da quantia a determinar.

III – DA DEVOLUÇÃO DOS MONTANTES PAGOS PELA REPARAÇÃO LEVADA A CABO PELA RÉ E PELAS DESPESAS RELATIVAS AO TRANSPORTE DO AVIÃO DE PORTUGAL PARA ITÁLIA E DE ITÁLIA PARA ESPANHA.

Invoca, ainda, o recorrente a sua discordância face à decisão do Tribunal da Relação na parte em que improcedeu a pretensão de ressarcimento dos montantes liquidados com os trabalhos de manutenção e de melhorias no avião, bem como as despesas relativas ao transporte.

Pretende, assim, o autor o reembolso das quantias despendidas para efeitos de reparação e manutenção do avião e ainda de transporte do avião, em momento anterior ao sinistro dos autos.

Sobre esta matéria o Tribunal da Relação entendeu que “Esses trabalhos correspondem à prestação da R. que, presumidamente, foi realizada de forma defeituosa, conforme o Supremo Tribunal de Justiça já estabeleceu definitivamente. Nessa medida, se a prestação da R. é tida por defeituosa, não é devido o pagamento do preço correspetivo, violado que está o sinalagma funcional subjacente à existência dessa dívida e ao equilíbrio económico das contraprestações recíprocas consideradas (cfr. Art. 406.º n.º 1, 428.º n.º 1, 762.º, 763.º, 1207.º, 1208.º e 1123.º do C.C.). No entanto, não decorre dos autos factualidade donde resulte que o A. tenha resolvido o contrato de empreitada e, nessa medida, a R. ainda está vinculada à realização da obra em termos que correspondam ao cumprimento integral e pontual da sua prestação (cfr. Art.s 406.º n.º 1, 762.º, 763.º e 1208.º do C.C.). Julgamos que, apesar de todas as contingências que decorrem da factualidade provada nos autos, não poderemos presumir a resolução do contrato de empreitada, mesmo que se possa admitir que o A. possa vir a manifestar a perda de interesse na prestação da R. e até possa ter motivos bastantes para tal (cfr. Art.s 808.º e 801.º n.º 2 do C.C.). Pelo que, se subsiste a relação contratual de empreitada, como pensamos que os factos provados ainda permitem concluir, ainda que com presumido cumprimento defeituoso da prestação devida pela R., temos de partir do pressuposto de que esta última está, apenas e só, em mora (cfr. Art. 804.º n.º 2 do C.C.) e o preço pago pode ser devido logo que a R. proceda à reparação efetiva e perfeita da aeronave, salvo se o A., entretanto, resolver o contrato de empreitada por incumprimento definitivo da R.. Só no caso de incumprimento definitivo da R. é que a obrigação de pagamento do preço perderia a sua causa e, em consequência, a subsistência desse valor na esfera jurídica da R. não poderia subsistir, desde logo, quanto mais não fosse, pelas regras do enriquecimento sem causa (cfr. Art.s 473.º e ss. do C.C.). Assim sendo, falha um pressuposto de facto e de direito (v.g. a resolução do contrato) que poderia justificar o merecimento do pedido indemnizatório relativo ao reembolso do pagamento do preço pago pela realização duma obra que se presume ter sido realizada de forma defeituosa. Em consequência, também esta parte do pedido formulado improcede. Passando agora ao reembolso dos €4.000,00 de despesas com combustível e pilotagem do avião de Lisboa para Itália e vice-versa, temos que ficou provado que o A. pagou esse valor (cfr. facto provado 3.2.3-A – aditado pelo acórdão de 23 de janeiro de 2024), sendo que o avião foi pilotado por BB (cfr. facto provado 3.1.10), que era o 2.º R. nesta ação, até o A. ter desistido da instância relativamente ao mesmo. Sucede que, não ficou provado que a 1.ª R. tenha qualquer intervenção direta na execução dessa despesa. Esse negócio, que motivou essa despesa, terá sido, em princípio, acordado apenas entre o A. e BB e referia-se à deslocação da aeronave para reparação nas instalações da R. e, depois, para realização da viagem de regresso. Essa despesa foi realizada a pedido, no interesse exclusivo do A. e a suas expensas. Mais, teria sido sempre realizada, tivesse a R. realizado a sua prestação de forma correta ou defeituosa. Pelo que, a R. não deu causa a essa despesa (cfr. Art. 563.º do C.C.) e, por isso, não pode ser responsabilizada pelo seu reembolso. Julgamos assim que, também nesta parte, improcede o pedido do A. e as conclusões que sustentam o contrário do exposto”.

Neste particular, não podemos deixar de subscrever o entendimento do Tribunal da Relação.

Vejamos.

Como é consabido, a “resolução determina a imediata cessação do vínculo, produzindo o efeito extintivo logo que a declaração chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (art.º 224º, nº 1, do CC). Depois de recebida (ou de ser conhecida) a declaração negocial de resolução do vínculo não poderá ser revogada, admitindo-se, porém, que aquele que resolveu o contrato proponha ao destinatário da declaração (contraparte) a repristinação do negócio judicio, sendo, então, necessário o consentimento deste. Em suma, a resolução funda-se num direito potestativo, mas a sua revogação pressupõe o acordo”19.

A resolução dá origem a uma relação de liquidação, que impõe o dever de restituir tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do disposto no art. 289.º do CCivil aplicável ex vi art. 433.º do mesmo código.

Assim, apenas no cenário de resolução do negócio existe fundamento jurídico para a devolução das prestações realizadas pelas partes, pois, caso contrário, o negócio jurídico subsiste e a causa das prestações realizadas permanece incólume na Ordem Jurídica.

No caso que nos ocupa, não resulta, sequer remotamente, que o autor tenha procedido à resolução (extrajudicial ou judicial) do contrato, sendo manifesto que inexiste qualquer fundamento para a devolução das quantias pagas de acordo com o programa contratual delineado entre as partes.

De resto, atribuir ao autor o valor de mercado do avião antes do acidente (já com a reparação realizada) e o valor da sua contraprestação poderia implicar um enriquecimento daquele, que se veria na circunstância receber um valor equivalente ao valor de mercado do avião – já beneficiado com a reparação – e receber o montante relativo ao preço acordado com a ré.

Ficaria a ré, por seu turno, excessivamente onerada com a imposição do pagamento do valor de mercado do avião reparado e do pagamento do montante auferido com a reparação.

Como esclarece MOTA PINTO20, “a proibição de cumulação do ressarcimento correspondente ao interesse contratual negativo com o do interesse positivo depende, assim, também do princípio de que a prestação ressarcitória não deve deixar o lesado em melhor situação do que aquela em que teria estado se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – isto é, do discutido principio da “proibição do enriquecimento” do lesado, que exprime uma das faces da função compensatória e um limite da ideia de justiça correctiva. Se o negócio em causa tivesse sido concluído e cumprido (ou se as expectativas fossem correspondidas), a contraparte não poderia certamente queixar-se do facto de ter suportado as despesas necessárias para a sua celebração ou para a execução da contraprestação, que deveriam ficar a cargo, nem do facto de ter aberto mão de outras oportunidades de negócio”.

Inexiste, assim, qualquer fundamento para a atribuição ao autor do montante pago a título de contraprestação acordada no âmbito do contrato celebrado.

De qualquer modo, mesmo que porventura se equacionasse a existência de um direito a esta restituição, sempre tal valor deveria ser abatido ao montante a arbitrar pela perda do avião, pois que, caso contrário, estaríamos perante um potencial enriquecimento do autor que veria o seu património integrado com o valor de um avião reparado (sem patologias) e o valor pago pela reparação.

O que ficou dito vale, mutatis mutandis, para a pretendida devolução da quantia de 4000,00€, na medida em que para além de tal valor ter sido pago a outra pessoa, que não a ré, foi pago no quadro de um programa contratual que não se mostra extinto e que continua a configurar a causa de tais disposições patrimoniais.

Concluindo, a pretensão do recorrente improcede nesta parte.

IV - DO DANO PELA PRIVAÇÃO DO USO.

Considera o recorrente que a decisão do Tribunal da Relação erra ao considerar o “impasse” relativo à resolução do litígio lhe é imputável e, por esse motivo, o valor tem de ser atribuído desde a data do sinistro, até à data do cumprimento integral do ressarcimento – e, não limitado a um ano.

Vejamos a questão.

Não custa a compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização21.

Como é evidente, na sequência da imobilização de qualquer veículo, seja ele qual for, resultam (ou podem resultar) diversos tipos de danos, entre os quais, e no que aqui releva, o dano pela privação do uso do veículo, que decorre da impossibilidade de o seu proprietário dispor livremente do bem imobilizado, fruindo-o ou aproveitando-o como bem entendesse.

Nesta sede, importa, ainda que de forma sumária, consignar que se debatem no Supremo Tribunal de Justiça dois entendimentos acerca da ressarcibilidade do dano pela privação do uso.

De facto, há quem entenda que o dano pela privação do uso é ressarcível sem que se mostre necessário a prova direta e concreta dos prejuízos sofridos ou do uso que ficou inviabilizado22.

Por outro lado, há quem entenda que a ressarcibilidade do dano de privação do uso depende da alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo, de proceder à utilização da coisa, não bastando a mera privação do uso sem a alegação e a prova de (outros) danos específicos que sejam consequência dessa privação23.

No caso que nos ocupa, a solução a propugnar não passa pela tomada de posição nesta controvérsia, na medida em que, como resulta dos factos provados, ficou demonstrado que:

2.4. - O A. destinava a aeronave ao seu recreio pessoal e da família. (8 TP)

2.5. - O A. dava prática de pilotagem ao seu filho CC, estudante de pilotagem para fins profissionais. (9 TP)

Como é evidente, e o Tribunal da Relação não o coloca em causa, foi este concreto uso de que o recorrente ficou privado por força do sinistro descrito nos autos, sendo notório que foi esta concreta utilização que deixou de ser possível e que justifica a atribuição de uma indemnização pela privação do uso.

De resto, resultou provado que “o avião sofreu fissuras, torções e rutura de materiais da estrutura do aparelho que não permitem o seu uso (cfr. factos provados 3.2.1 e 3.2.2.)”.

Inexistem, assim, dúvidas de que o autor utilizava o avião para recreio pessoal e da família e que dava aulas ao seu filho e que, após o acidente, ficou privado de fazer tal utilização.

É manifesta a verificação de um dano pela privação do uso.

Ora, a questão que nos autos, verdadeiramente, se coloca é a de saber, face à factualidade provada, em que termos deve a indemnização ser calculada.

Como é evidente, o dano pela privação do uso apenas pode ser calculado a partir do momento em que se imponha ao lesante uma concreta atuação, no sentido de aceitar a responsabilidade ou de rejeitá-la.

A reparação ou substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina – art. 4.º do DL 67/2003.

Ora, a atuação que se impõe ao lesante depende do conhecimento do dano e do exercício de um concreto direito, sendo manifesto que, para esse efeito, o lesado deve comunicar a sua concreta intenção, interpelando o devedor e deixando expresso quais os direitos que pretende exercer.

Em coerência, apenas após tal interpelação é possível equacionar a existência de um dever de agir e um atraso na resolução do litígio.

Só após tal interpelação é possível impor ao lesante que indemnize o lesado pela privação do uso, até porque, no plano das hipóteses, o lesado pode não querer exercer qualquer direito.

Na verdade, a celeridade que se impõe ao lesante reporta-se a uma tomada de posição o que, por seu turno, exige que o lesado proceda de forma a deixar expressa a sua intenção.

O mesmo é dizer: existindo um sinistro, o silêncio mais ou menos longo do segurado não pode deixar de se repercutir na sua esfera jurídica, inexistindo qualquer obrigação de atuar sem a verificação de uma manifestação de vontade pelo lesado.

Consideramos que este entendimento vale para a reparação, pagamento de indemnização (substituição) e para o pagamento de qualquer outra indemnização, nomeadamente pela privação do uso.

No caso sub judice, não resultaram demonstradas quaisquer comunicações existentes entre o autor e ré em momento anterior à data de entrada em juízo da petição inicial (em 18-01-2019).

Como é evidente, com a entrada em juízo da petição inicial a ré tomou conhecimento de que o autor pretendia ser ressarcido, por via do pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do avião e uma indemnização pela privação do uso.

Devidamente citada, a ré, em sede de contestação apresentada em 17-12-2019, rejeitou qualquer responsabilidade pelo sucedido, tendo tomado posição definida no âmbito deste litígio.

Não assiste, assim, razão ao Tribunal da Relação quando afirma que “Até ao momento o A. não decidiu se pretende obter a reparação a aeronave ou adquirir outro aparelho. Por sua vez, a R. está à espera que o A. decida o que tiver por conveniente, pois no final de contas é ele o proprietário”. É esta situação de impasse que motivou o pedido reconvencional formulado pela ré, que veio a ser deferido na sentença recorrida nos termos que dela constam, tendo esse julgamento sido confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de 23 de janeiro de 2024”.

Como é evidente, inexiste qualquer situação de “impasse”, sendo manifesto que o autor, na qualidade de lesado, deixou expresso qual o direito de pretendia exercer, estando privado do veículo desde janeiro de 2019 e tendo exercido aquele direito, mediante a propositura da presente ação, em setembro de 2019 (há 6 anos).

Veja-se que o autor exerceu, judicialmente, o seu direito em setembro de 2019, ou seja, menos de um ano após o acidente dos autos, o que demonstra que não se colocou numa situação de inércia, não pretendendo – face aos dados dos autos – beneficiar de uma qualquer inércia face à ré.

Dito isto, importa recorrer à equidade para encontrar um valor justo e adequado ao caso concreto, sendo de considerar o tempo já decorrido desde a entrada em juízo, as posições das partes assumidas nos autos e ainda que é necessário encontrar um valor equilibrado e que não se mostre excessivamente oneroso para o lesante.

Assim, de acordo com um juízo equitativo, o critério utilizado pelo Tribunal da Relação pode ser aproveitado quanto ao modo de cálculo do valor anual pela privação do uso, sem, contudo, de poder restringir tal indemnização ao período de um ano, quando é manifesto que o autor se encontra privado da utilização do avião há já 6 anos.

Deste modo, considerando que a privação do uso dura já há 6 anos e que o valor anual devido por tal privação ronda os 9100,00€, consideramos adequada a fixação do valor da indemnização em 54 600,00€, acrescido do montante de 175,00€ por cada semana de atraso no pagamento da indemnização a fixar, nos termos supra determinados.

A contagem de juros deve ser realizada de acordo com o que ficou decidido no acórdão da Relação.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em dar provimento parcial à revista e, consequentemente:

a) Condenar a ré no pagamento do valor correspondente à aquisição de avião equivalente ao dos autos, na data do sinistro (com o limite do montante de 80 000,00€ peticionado nos autos), reduzido do montante do salvado, relegando tal apuramento para execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º/2, do CPCivil;

b) A decisão a proferir em incidente de liquidação deverá fixar um prazo razoável para que a ré proceda ao pagamento da quantia a fixar;

c) Condenar a ré no pagamento ao autor da quantia de 54 600,00€, acrescido do montante de 175,00€ por cada semana de atraso no pagamento da indemnização a fixar nos termos do ponto supra;

d) Absolver a ré do demais peticionado pelo autor.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelo recorrente e pela recorrida, na proporção de 1/4 e 3/4, respetivamente, do que for devido.

Lisboa, 2025-09-3024,25

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Jorge Leal) – 1º adjunto

(Maria Clara Sottomayor) – 2º adjunto

_______________________________

1. O autor desistiu da instância quanto a este réu.

2. Alteração decorrente do pedido e admitida por despacho de 02-11-2022.

3. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.

4. Alterado pelo Tribunal da Relação.

5. Aditado pelo Tribunal da Relação.

6. Alterado pelo Tribunal da Relação.

7. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

8. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.

9. “É esta situação de impasse que motivou o pedido reconvencional formulado pela R., que veio a ser deferido na sentença recorrida nos termos que dela constam, tendo esse julgamento sido confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de 23 de janeiro de 2024” – Acórdão do tribunal a quo .

10. HENRIQUE SOUSA ANTUNES, Comentário ao Código Civil, Das Obrigações em Geral, UCP, 2019, pp. 566 e ss.

11. Neste sentido, entre outros, MARIA DA GRAÇA TRIGO, “Excessiva onerosidade da reconstituição natural (no domínio dos acidentes de viação)”, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, UCP, pp. 41 e ss. e, JÚLIO GOMES, “Custo das reparações, valor venal ou valor de substituição?”, anotação ao Ac. do STJ de 27/02/2003, Cadernos de Direito Privado, n.º 3 Julho/Setembro 2003, p. 58.

12. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-09-10, Relatora: FÁTIMA GOMES, Processo: 2627/12.9T2SNT.L1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.

13. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-09-10, Relator: BARATEIRO MARTINS, Processo: 497/19.5T8TVD.L1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.

14. CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2005, p. 233.

15. Neste mesmo sentido, pronunciou-se CALVÃO DA SILVA (Venda de Bens de Consumo, Almedina, 3.ª edição, pp. 80 e ss.), deixando expressa, igualmente, uma preocupação com a necessidade de fazer respeitar o princípio da boa-fé.

  Também MENEZES LEITÃO constata que “o regime constante do art. 4.º, n.º 5, do DL 67/2003 não efetua, porém, a mesma hierarquização que consta da Diretiva, referindo que o consumidor pode exercer qualquer dos quatro direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito” – Direito das Obrigações, Vol. III, Almedina, 11.ª edição, p. 154.

16. CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2005, p. 234.

17. MARIA DA GRAÇA TRIGO, “Excessiva onerosidade da reconstituição natural (no domínio dos acidentes de viação)”, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, UCP, pp. 41 e ss.

18. CALVÃO DA SILVA, Venda de Bens de Consumo, Almedina, 3.ª edição, pp. 80 e ss.

19. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, Almedina, 3º Ed., p. 176.

20. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, p. 1005.

21. ABRANTES GERALDES, Indemnização do Dano Privação do Uso, páginas 39-41.

22. Nesse sentido, pronunciaram-se os acórdãos do STJ de 07-02-2008 (proc. 4505/07, Rel. SOUSA LEITE), de 17-04-2008 (proc. 478/08, Rel. SERRA BAPTISTA), de 03-07-2018 (proc. 36/12.9T2STC.E1.S1, Rel. FONSECA RAMOS) e de 20-02-2020 (proc. 19475/17.2T8LSB.L1.S1, Rel. OLIVEIRA ABREU), não publicados nas bases de dados.

23. Acórdãos de 30-10-2008 (proc. 2131/07, Rel. SALVADOR DA COSTA), de 09-12-2008 (proc. 3401/08, Rel. MOREIRA ALVES), de 13-01-2009 (proc. 3575/08, Rel. MÁRIO CRUZ), de 30-04-2019 (proc. 1721/12.0TBMGR.C2.S1, Rel. ACÁCIO DAS NEVES), de 19-05-2020 (proc. 554/13.1TVPRT.P1.S1, Rel. ANTÓNIO MAGALHÃES), não publicados nas bases de dados disponíveis e de 26-01-2021 (proc. 6122/17.1T8FNC.L1.S1, Rel. JOSÉ RAÍNHO), disponível em www.dgsi.pt.

24. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.

25. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página