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CONTRATO DE SEGURO DE DANOS PRÓPRIOS
MEDIADOR
DEVER GERAL DE INFORMAÇÃO DO SEGURADOR
TAXA DE ALCOOLÉMIA
Sumário
I - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas. II - Os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir em que o autor sustenta o pedido que formula contra o réu ou que integram a exceção oposta pelo réu ao exercício desse direito pelo autor e carecem de ser alegados, respetivamente, pelo autor na petição inicial e pelo réu na contestação. III - O recurso a mediador não isenta o segurador do respetivo dever geral de informação (art.º 29.º do RJCS: a existência de deveres de informação análogos a cargo do mediador não implica a substituição dos deveres do segurador pelos do mediador). IV – A cláusula contratual que, no seguro automóvel facultativo, exclui a responsabilidade da seguradora por danos no próprio veículo, quando o agente conduz sob o efeito de uma TAS superior à legalmente permitida, não carece de ser comunicada ao aderente por estar estabelecida em conformidade com a realização de princípios fundamentais da ordem pública do Estado Português que impedem que o seguro cubra situações de contrariedade a normas legais proibitivas típicas do direito criminal. V - Por isso, embora tratando-se de uma cláusula contratual geral, a falta de comunicação ao segurado do teor dessa cláusula, ou a falta de informação sobre o seu concreto alcance e significado, não envolve a exclusão dessa cláusula, ao abrigo do art.º 8.º, al. a) e b), do Dec. Lei nº 446/85.
Texto Integral
Processo nº 1227/19.7T8VCD.P1-Apelação
Origem- Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Vila do Conde-J2
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. Miguel Baldaia de Morais
2º Adjunto Des. Dr.ª Eugénia Marinho da Cunha
5ª Secção Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO A..., Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Av. ..., ..., ..., ... Vila do Conde, veio propor a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra B..., Companhia de Seguros, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede no Largo ..., ... Lisboa, peticionando o pagamento da Ré do valor de € 18.115,10, acrescidos de juros desde 05/10/2019 até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que celebrou com a Ré, em 28/11/2018, um contrato de seguro automóvel abrangendo riscos próprios, tendo como objeto o veículo de marca e modelo Renault ..., de matrícula ..-RJ-..; que, no dia 5 de Março de 2019, pelas 3h00 horas, na Auto Estrada ..., ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente a viatura segurada pela Autora; que, no momento do acidente, a viatura encontrava-se a ser conduzida por um trabalhador da Autora; que o aludido trabalhador havia, na tarde do dia 4 de Março de 2019, subtraído a viatura sem autorização da Autora; que, em consequência do acidente, a viatura ficou danificada, ascendendo a reparação a € 19.879,91; que o valor comercial da viatura segura era de € 21.000,00; que a Autora vendeu o salvado pelo valor de € 3.300,00; que a Ré se recusa a proceder ao pagamento da indemnização devida, invocando que o condutor, no momento do acidente, conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida; e que a Ré recusa o pagamento, não obstante o veículo ter sido furtado previamente à sua utilização pelo condutor.
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Citada, veio a Ré apresentar contestação, confirmando a existência do contrato de seguro, mas referindo que, no momento do acidente, o condutor encontrava-se com uma taxa de alcoolémia superior à permitida, o que constitui uma causa de exclusão da apólice; que, aquando da participação, a Autora não comunicou à Ré a ocorrência de qualquer furto; que, de qualquer modo, a subtração da viatura ficou a dever-se a uma conduta negligente da Autora, o que corresponde a uma causa de exclusão da responsabilidade por furto; e que o valor da viatura à data do acidente era de € 14.000,00 e não de € 21.000,00.
Mais requereu a intervenção acessória do condutor do veículo no momento do acidente, AA, por ter direito de regresso quanto ao mesmo caso fosse condenada no pagamento de uma indemnização.
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A Autora respondeu, referindo que a participação do seguro foi assinada pelo Mediador com quem a Autora trabalha, tendo esta assinado sem ler o respetivo teor; que, tendo a Ré contratado e aceite que o valor da viatura era de € 21.000,00, e que o prémio teve por base tal valor, não poderia invocar um valor inferior a título de ressarcimento; e que não existiu qualquer dolo ou negligência de sua parte tendente a causar a subtração da viatura.
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Por despacho de 09/01/2020, foi admitida a intervenção acessória provocada de AA.
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Citado o Chamado, o mesmo não apresentou contestação.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa, o objeto do litígio e os temas de prova.
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No início da data agendada para realização do julgamento, pelo Chamado AA foi arguida a nulidade por falta da sua citação, tendo, após produção de prova, sido a mesma sido julgado improcedente.
Perante a pendência do processo crime n.º ..., em que se discutia a existência do furto invocado pela Autora nestes autos, foram os mesmos suspensos até ao trânsito da decisão do processo-crime.
Transitada tal decisão, prosseguiram os autos para julgamento, tendo a respetiva audiência decorrido sob observância de todo o formalismo legal, conforme resulta das respetivas atas.
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Fixada a matéria de facto pela forma que dos autos consta foi, a final, proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Face ao exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Condenar a Ré, B..., Companhia de Seguros, S.A., no pagamento à Autora, A..., Unipessoal, Lda., do valor de € 17.450,00 (dezassete mil, quatrocentos e cinquenta euros), acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de citação da Ré até efetivo e integral pagamento; b) Absolver a Ré do demais peticionado; e c) Declarar que a Ré B..., Companhia de Seguros, S.A., fica sub-rogada nos direitos da Autora perante o Chamado AA, na medida do valor que venha a pagar àquela”.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a Ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1. A Ré discorda da decisão do Tribunal recorrido no que concerne aos factos nº 11 dos factos dados como provados e a o facto nº 6 dos factos dados como não provados. 2. Tendo em os seguintes meios de prova: - depoimento gravado da testemunha BB e - o teor da participação do acidente, junta com a contestação e constante de fls…dos autos, outra deveria ser a decisão quanto à matéria fáctica referida nos citados números dos factos provados e não provados. 3. Perante tais elementos de prova, a Ré entende que o facto constante do nº 11 dos factos dados como provados deve ter a seguinte redação: “A apólice referida nos números precedentes foi negociada entre a Autora e o mediador CC“. 4. Do mesmo passo que deve ser eliminado o facto nº 6 dos factos não provados. 5. É o que se requer nos termos do art.º 662.º do CPC. Sem prescindir, 6. Ocorre nulidade de sentença na decisão do Tribunal recorrido, quanto ao que deu como provado e não provado nos nºs 11 dos factos dados como provados e no nº 6 dos factos dados como não provados. 7. Na verdade, não só existe contradição na fundamentação dos dois factos (num, a fundamentação é a convicção do Tribunal; noutro, a fundamentação é a falta de prova), quando o certo é que os dois factos se referem à mesma realidade jurídico-factual, 8. Como ainda a fundamentação para o facto nº 11 dos factos dados como provados não é nenhum facto alegado pelas partes e tão pouco nenhum meio de prova, posto à disposição do Tribunal, mas apenas e tão só a convicção do Tribunal. 9. Assim, e atento o disposto nos arts. 5º e 651º do CPC, como ainda no art.º 351º do CCV, deve considerar-se nula a douta sentença recorrida no que concerne à decisão quanto ao facto do n º 11 dos factos dados como provados, eliminando-se tal facto. 10. Admitindo que não procede tudo quanto consta das anteriores conclusões, o certo é que a invocada nulidade da cláusula de exclusão das garantias do seguro quando o condutor do veículo seguro o conduz sob efeito do álcool é ineficaz em relação à Ré, por violação do dever de informação. 11. É que o contrato de seguro, em causa nos presentes autos, foi celebrado com intervenção de um mediador de seguros–por isso, o dever de informação é do dito mediador. 12. E se ele violou o dever de informação, tal facto é ineficaz em relação à Ré seguradora. 13. Por isso, ao condenar a Ré, porque houve violação do dever de informação da cláusula acima referida (conclusão 10ª), o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 31.º e 32.º da Lei nº 7/2019, de 16 de janeiro. 14. Mas mesmo que se entenda que o dever de informação é do segurador, apesar da intervenção de um mediador de seguros, o certo é que a violação de tal dever não tem a consequência prevista nos arts. 5.º e 8.º da DL 446/85. 15. Ao caso aplica-se a regra do art.º 23.º do RJCS (DL nº 72/2008, de 16 de Abril), que por ser uma norma que consagra um regime especial tem precedência sobre as normas gerais. 16. E face a tal norma e porque a Autora não pediu a resolução do contrato no prazo de 30 dias a contar da data da apólice que é a data de receção da mesma pela Autora, a dita cláusula de exclusão tem eficácia absoluta. 17. Assim, por força do disposto no art.º 23.º do RJCS, que se mostra violado, a ação tem de improceder e, consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada. 18. Mas ainda mesmo que se considere que ao caso dos autos se aplicam as normas dos arts. 5º e 8º do citado DL nº446/85, sempre é preciso ter presente o disposto no art.º 9.º do mês diploma, que impõe que se o segurado não aceita as cláusulas de exclusão, tal facto confere ao segurador o direito de não aceitar o contrato de seguro na sua totalidade. 19. É que estamos no domínio do seguro facultativo e ninguém de bom senso aceita segurar um veículo pelo risco de choque, colisão e capotamento quando o respetivo condutor o conduz sob efeito do álcool. 20. Aceitar a ineficácia de uma tal cláusula, por falta do dever de informação, é potenciar a condução sob efeito do álcool e violar as regras da razoabilidade e de proporcionalidade. 21. Assim, por força do disposto no art.º 9º do DL nº 446/85, que se mostra violado, a ação tem de improceder e, consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada. 22. Em conclusão, a referida cláusula de exclusão é válida e eficaz na relação jurídica estabelecida entre Autora e Ré, pelo que, sob pena de violação do art.º 1.º do RJCS e dos arts. 397.º, 398.º, 405.º e 406.º do CCV, a ação tem de improceder e, consequentemente, a douta sentença recorrida deve ser revogada. 23. A não se considerar procedente tudo quanto consta das anteriores conclusões, nunca a Ré podia ser condenada no valor que consta da douta sentença recorrida. 24. É que ficou provado que o bem segura valia na data do acidente 14.000,00 € que o salvado valia 3,300,00 € e que ficou acordada uma franquia de 250,00 €. 25. Por isso, se condenação fosse admissível–e não é, pelas razões já expostas–nunca a mesma podia ultrapassara a quantia de 10.450,00 €. 26. É que a seguradora só pode ser obrigada a indemnizar os eu segurado pelo valor do bem seguro e se o valor do contrato é superior ao valor do bem, o segurado pode pedir a redução do prémio 27. Ora, o valor do bem, como ficou provado, era de 14.000,00 €. 28. Mas como o segurado vendeu o salvado por 3.300,00 €, o valor a pagar é reduzido nesse montante. 29. Mas como ficou contratada uma franquia de 250,00 € e como a franquia é da responsabilidade do segurado, ao valor a pagar tem também de se reduzir esse montante. 30. Assim, a condenação em quantia superior aos referidos 10.450,00 € viola os arts. 1º, 123º, 128º, 130º e 132º do já citado RJCS, pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada e deve a Ré ser absolvida do pedido.
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Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir no presente recurso: a) saber se a decisão padece da nulidade constante da al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil; b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto; c)- decidir em conformidade face à pretendida alteração factual, ou sendo julgada improcedente a pretendida alteração, saber se o tribunal fez ou não uma correta subsunção jurídica dos factos que nos autos se mostraram assentes.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada:
1. A Autora celebrou com a Ré, com início em 28/11/2018, um contrato de seguro automóvel, tendo por objeto o veículo automóvel ligeiro de passageiros; matrícula ..-RJ-.., sua propriedade; ano de fabrico 2016, data da 1.ª matrícula 2016-05-31; marca RENAULT, ...; a Diesel; Valor seguro 21.000,00 €, titulado pela apólice seguro automóvel n.º ....
2. Esse contrato de seguro automóvel denominado ... incluía a cobertura da RESPONSABILIDADE CIVIL obrigatória e a facultativa DANOS AO VEÍCULO.
3. A cobertura DANOS AO VEÍCULO cobria, entre outras coisas: Choque, Colisão ou capotamento, capital de 21.000,00 €, com franquia de 250,00 €; Furto ou Roubo, capital de 21.000,00 €, sem franquia.
4. A cláusula 2.ª da cobertura de furto ou roubo define o mesmo como: “a subtração ilegítima do veículo seguro, dos seus componentes, acessórios ou extras, por motivo de roubo, furto ou furto de uso, na sua forma tentada, frustrada ou consumada”.
5. Por seu turno, a cláusula 3.ª da cobertura de furto ou roubo garante “o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro resultantes do seu desaparecimento, destruição ou deterioração em consequência de roubo, furto ou furto de uso, na sua forma tentada, frustrada ou consumada”.
6. Nos termos da cláusula 4.ª da cobertura de furto ou roubo, está excluído da garantia do seguro qualquer dano no veículo seguro “…que seja devido a dolo, culpa grave ou negligência grosseira do tomador do seguro, do segurado, do condutor ou de pessoas que com eles coabitem, deles dependam economicamente, incluindo assalariados…”.
7. De acordo com a cláusula 2.ª da cobertura de choque, colisão ou capotamento, “choque” encontra-se definido como “embate do veículo contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele quando imobilizado.” e “capotamento” como “Acidente em que o veículo perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão”.
8. Por seu turno, a cláusula 3.ª da cobertura de choque, colisão ou capotamento “garante ao Segurado, nos termos constantes das Condições Particulares, o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro em virtude de choque, colisão ou capotamento”.
9. Nos termos da cláusula 4.ª, n.º 2, da aludida cobertura, “encontram-se excluídos do âmbito da presente Condição Especial os danos sofridos pelo veículo seguro enquadráveis nas Condições Especiais de “Furto ou Roubo”, “Incêndio, Raio ou Explosão”, “Fenómenos da Natureza” ou “Riscos Sociais e Políticos””.
10. De acordo com a alínea d) do n.º 1 do art.º 5.º das condições gerais do seguro automóvel facultativo, aplicável a todas as coberturas estabelecidas, nomeadamente as referentes ao choque, colisão e capotamento, e ao furto ou roubo, estão excluídos da garantia do seguro: “os danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…”.
11. Tais cláusulas não foram objeto de prévia negociação particular entre a Autora e a Ré, sendo que a Autora se limitou a aceitar as mesmas.
12. No dia 5 de março de 2019, cerca das 3:00 horas da madrugada, o Chamado AA conduzia o referido veículo automóvel na ..., onde sofreu um acidente, na madrugada do dia, sentido ... - ..., na freguesia ..., antes de chegar à estação de serviço, tendo perdido o controle da viatura e, consequentemente, embatendo a mesma contra os rails de proteção da via automóvel e capotando.
13. Ao ser submetido ao teste de álcool pelo ar expirado, o Chamado AA acusou uma taxa de alcoolemia de pelo menos 1,14 g/litro, correspondente a uma TAS de 1,083 g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível, não tendo o mesmo solicitado a realização de uma contraprova.
14. Em tal data, o Chamado AA era trabalhador da Autora.
15. O Chamado AA tinha instruções expressas para entregar as chaves da aludida viatura nas instalações da Autora no fim do seu horário de trabalho, o que ocorria entre as 18h30 e as 19h00 horas.
16. No dia 4 de março de 2019, o Chamado AA, em desobediência das instruções da Autora, não entregara as chaves nas instalações desta, mantendo o veículo em seu poder e continuando a utilizar o mesmo após o seu horário laboral.
17. Em consequência do acidente, o veículo da Autora ficou totalmente danificado, ascendendo o valor da reparação a € 19.879,91, motivo pelo qual foi considerado perda total.
18. À data do acidente, o valor da viatura era de € 14.000,00.
19. A Autora participou à Ré o acidente de viação, ocorrido pelas 3 horas do dia 5 de março de 2019, em que interveio o dito veículo automóvel ..-RJ-.., conduzido por AA, nos termos seguintes: “Ao circular na A-28, foi embater c/ a lat. esq. nos rails, tendo ido embater com a frente nos rails dtos”.
20. Na dita participação de acidente de viação, a Autora não informava a Ré de que o condutor do ..-RJ-.. havia furtado o aludido veículo e que o conduzia na sequência do furto.
21. A Autora aceitou a indicação do melhor valor para os salvados, indicado pela Ré, e vendeu-os, em 02/05/2019, à C... Lda., por € 3.300,00.
22. A Autora apresentou a competente queixa-crime contra o AA, tendo a mesma corrido sob o proc. n.º ....
23. A Ré recusou o ressarcimento dos danos à Autora, com fundamento na condução, pelo Chamado, de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida no momento do acidente.
24. Após tal comunicação pela Ré à Autora, esta informou aquela que o veículo tinha sido furtado pelo Chamado AA, juntando para o efeito a respetiva queixa-crime.
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Factos não provados
Não se provou:
1. Que no dia 4 março de 2019, entre as 18:30 horas e as 19:00 horas, o Chamado AA, no final do dia de trabalho, tenha estacionado o aludido veículo automóvel em frente ao estabelecimento da Autora, mas não entregou a esta as chaves da viatura.
2. Que, mais tarde nesse dia, o Chamado AA tenha acedido ao aludido veículo automóvel e conduziu-o sem autorização e contra a vontade da Autora.
3. Que o Chamado AA tenha subtraído o aludido veículo naquelas circunstâncias com a intenção de apropriação para si.
4. Que tenha sido o agente de seguros da Autora que tenha preenchido a participação de acidente, sem que o seu legal representante tenha tido conhecimento da mesma antes de a assinar.
5. Que, em tal data, o legal representante da Autora não soubesse que o Chamado AA, no momento do acidente, conduzia a viatura com uma taxa de álcool no sangue superior à permitida.
6. Que a Ré tenha lido e explicado à Autora o conteúdo das cláusulas da apólice.
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III- O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso prende-se com: a) saber se a decisão padece da nulidade constante da al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Nas conclusões 6ª a 9ª a apelante vem alegar que a decisão recorrida padece de nulidade.
Importa, desde logo, salientar que, salvo o devido respeito, sob este conspecto, as conclusões não primam pela clareza.
Na verdade, não obstante, na motivação recursiva a apelante se refira a al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil, o certo é que nas conclusões omite essa referência alegando apenas que ocorre nulidade de sentença quanto ao que deu como provado e não provado nos nºs 11 dos factos dados como provados e no nº 6 dos factos dados como não provados, ou seja, não se percebe de que nulidade padece, a final, a decisão recorrida.
Às nulidades da decisão refere-se taxativamente o artigo 615.º do CPCivil.
Acontece que, o vertido nas citadas conclusões 6ª a 9ª não contende com qualquer das nulidades a que se refere o citado inciso e, concretamente, com al. d) do nº 1 do citado artigo 615.ºao, mas antes com a impugnação da matéria de facto.
Preceitua a citada al. d) do nº 1 do artigo 615.º que a sentença é nula sempre que: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração ao disposto no artigo 608.º, nº 2.
Ou seja, a nulidade prevista na alínea d) está diretamente relacionada com o nº 2 do artigo 608.º, referido, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, não vemos como o vertido nas referidas conclusões caiba na factie species da citada alínea, mesmo que o ponto 11. dos factos provados não tenha sido alega por qualquer das partes como refere a apelante, o que nem sequer corresponde à verdade, atento o que consta dos artigos 11º e 12º da resposta apresentada pela Autora/apelada. *
Diante do exposto, torna-se evidente não sofrer a decisão recorrida da nulidade nos termos invocados pela apelante, improcedendo, assim, as conclusões 6ª a 9ª formuladas pela apelante.
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A segunda questão que posta no recurso consiste em a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões a Ré/apelante abrange, com o recurso interposto, a impugnação da decisão da matéria de facto, não concordando com o ponto 11. dos factos provados e 6. os factos não provados, sendo que, observa, de forma satisfatória, os ónus que sobre si recaem, não havendo, assim fundamento para o seu não conhecimento.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Efetivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância.
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[1]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetividade, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[2]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[3]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos então da bondade das alegações recursivas, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos pretendidos pela apelante.
O ponto 11. da resenha dos factos provados tem a seguinte redação: “Tais cláusulas não foram objeto de prévia negociação particular entre a Autora e a Ré, sendo que a Autora se limitou a aceitar as mesmas”.
Por sua vez o ponto 6. dos factos não provados é do seguinte teor: “Que a Ré tenha lido e explicado à Autora o conteúdo das cláusulas da apólice”.
Propugna a apelante que os referidos factos devem constar de um único facto com a seguinte redação: “A apólice referida nos números precedentes foi negociada entre a Autora e o mediador CC”.
Para a pretendida alteração a apelante convoca o depoimento da testemunha CC e a participação do acidente junta com a contestação.
Importa, desde logo, enfatizar que a alteração que a apelante pretende introduzir no quadro fatual nos termos acima referidos se refere a um facto que não foi alegado em nenhures por qualquer das partes nos articulados que apresentaram, ou seja, será um facto que terá resultado da instrução da causa e, concretamente, do depoimento da testemunha CC.
Ora, o citado facto é, na perspetiva da apelante, um facto essencial, pois que, através dele pretende que se conclua que não era sobre si que impendia o dever comunicação e informação das cláusulas contratuais, mas sim sobre o mediador do contrato.
Acontece que, o artigo 5.º do CPCivil define em sede de matéria de facto o que constitui o ónus de alegação das partes e como se delimitam os poderes de cognição do tribunal.
Assim, nos termos do seu n.º 1, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, o que está, aliás, em consonância com o estatuído nos artigos 552.º, n.º 1, al. d) (com a seguinte redação: “Na petição, com que propõe a ação deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”) e o 572.º, al. c) (com a seguinte redação: “Na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”).
Nestes termos torna-se evidente que sendo o facto em causa essencial em termos excetivos, devia ter sido alegado pela apelante na respetiva contestação coisa que, manifestamente, não fez.
Em relação aos factos essenciais, continua, assim, a vigorar, em pleno, o princípio do dispositivo, pelo que às partes incumbe alegar esses factos, sob pena de o juiz não poder dar como provados os mesmos em sede de sentença e isto ainda que esses factos venham a ser demonstrados por prova documental ou de outra natureza qualquer carreada para os autos na sequência da instrução da causa.
Precise-se, aliás, que em relação aos factos essenciais funciona plenamente o princípio da preclusão, pelo que não cuidando o autor em alegá-los em sede de petição inicial ou o réu, em sede de contestação, não pode vir alegá-los em posterior articulado.[4]
E, não tendo o facto em causa sido objeto de alegação pela apelante, não pode ser ele tomado em consideração no quadro factual constante dos autos por este tribunal “ad quem”, nem pode ser ele objeto de prova.
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Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 5ª formuladas pela apelante.
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Permanecendo inalterada a fundamentação factual a segunda questão que vem posta no recurso prende-se com: c)- saber se o tribunal fez ou não uma correta subsunção jurídica dos factos que nos autos se mostraram assentes.
a)- a questão do dever de informação
Alega a recorrente que a invocada nulidade da cláusula de exclusão das garantias do seguro, quando o condutor do veículo seguro o conduz sob efeito do álcool não lhe é oponível pela razão simples de que o contrato de seguro, em causa nos presentes autos, foi celebrado com intervenção de um mediador de seguros e, como tal, o dever de informação é do dito mediador e não seu.
Acontece que, não tendo sido alterada a fundamentação factual por a impugnação da matéria de facto ter sido julgada improcedente, o que esta assente nos autos é que: “A Autora celebrou com a Ré, com início em 28/11/2018, um contrato de seguro automóvel, tendo por objeto o veículo automóvel ligeiro de passageiros; matrícula ..-RJ-.., sua propriedade; ano de fabrico 2016, data da 1.ª matrícula 2016-05-31; marca RENAULT, ...; a Diesel; Valor seguro 21.000,00 €, titulado pela apólice seguro automóvel n.º ...” (cf. ponto 1. da fundamentação factual que nem sequer foi objeto de impugnação), ou seja, não vem provado que o referido contrato foi celebrado com intervenção de um mediador de seguros.
Mas ainda que assim não fosse e que, portanto, se tivesse dado como provado que o mencionado contrato foi celebrado com a intervenção de um mediador de seguros, nunca a pretensão da apelante podia proceder.
Na verdade, além dos referidos deveres impenderem sobre o mediador, os mesmos recaíam também sobre a Ré/Recorrente, ou seja, o incumprimento destes deveres de informação, ainda que por intermediação do mediador, repercute-se na esfera jurídica da seguradora, sendo esta responsável perante a Autora/segurada pelos danos causados pela sua violação.
Analisando.
Segundo o art.º 18.º, al c), do RJCS[5], “Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente: c) Das exclusões e limitações de cobertura (…)”. Conforme o art.º 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, “As informações referidas nos artigos anteriores devem ser prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular”. Nos termos do art.º 23.º, n.º 1, “ O incumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento previstos no presente regime faz incorrer o segurador em responsabilidade civil, nos termos gerais”.
O legislador, no RJCS, estabelece, pois, o dever geral do segurador de informar e esclarecer o tomador do seguro ou segurado sobre o âmbito do risco que se propõe cobrir e sobre as exclusões e limitações de cobertura, de um lado e, de outro, o dever especial, também do segurador, de esclarecimento.
Ora, os deveres de informação do segurador, que têm fonte legal, cumprem-se individualmente perante cada um dos tomadores de seguro-clientes, dirigindo-se à proteção da correta formação da sua vontade: é esta o bem jurídico tutelado.
Como assim, ainda que o contrato de seguro seja concluído com intervenção de mediador, ressalvando a hipótese do art.º 22.º, n.º 4, do RJCS, os deveres de informação permanecem na esfera do segurador.
Efetivamente preceitua o artigo 29.º do RJCS que: “Quando o contrato de seguro seja celebrado com intervenção de um mediador de seguros, aos deveres de informação constantes da secção ii do presente capítulo acrescem os deveres de informação específicos estabelecidos no regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros”.
Portanto, o segurador pode servir-se do mediador para o cumprimento desses deveres, mas não se exime à responsabilidade pela atuação dos sujeitos de que se sirva para o seu cumprimento tendo, então, de se lançar mão do regime previsto no art.º 800.º do CCivil, ou seja, tudo se passa como se os atos do auxiliar fossem os atos do devedor, o que resulta até do 31º do RJCS cuja redação é a seguinte:
Artigo 31.º Comunicações através de mediador de seguros
1 - Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do tomador do seguro, as comunicações, a prestação de informações e a entrega de documentos ao segurador, ou pelo segurador ao mediador, produzem efeitos como se fossem realizadas pelo tomador do segurado ou perante este, salvo indicação sua em contrário.
2 - Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizados.
Daqui resulta que a existência de deveres de informação análogos a cargo do mediador não implica a substituição dos deveres do segurador pelos do mediador.
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Todavia a questão que agora se coloca é se se tornava imperativo a comunicação da cláusula em questão que, recordemo-lo, é do seguinte teor: estão excluídos da garantia do seguro: “os danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…”.
Analisando.
No seguimento do que supra já se referiu uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo e de um número significativo de contratos-dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna-é a de serem celebrados em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (o proponente, ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão; fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré-formuladas por outrem.
Nesta noção, avultam três características essenciais na definição dos contratos de adesão em sentido estrito: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez.
São contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou condições gerais previamente redigidas. Por isso, a aludida predisposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, hoc sensu, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas. O aderente limita-se a aceitar o texto que a outra parte contratual lhe oferece, sem qualquer possibilidade de alteração.
Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de seguro automóvel facultativo, mais concretamente um seguro de danos próprios do veículo, neles incluída a cobertura de danos emergentes de despiste e de capotamento (cf. pontos 1. a 7. dos factos provados).
Como noutro passo já se sublinhou, aquele contrato é um contrato de adesão, como se verifica pela simples análise das condições gerais, constantes do documento contratual junto aos autos e para as quais remete, como parte integrante, a apólice de seguro aqui em causa, sendo apenas os elementos desta constantes que distinguem os elementos contratuais efetivamente negociados com a Autora.
Como se evidencia da petição inicial a Autora apelada pretende ser indemnizada relativamente a danos causados no seu veículo, em consequência de um despiste, quando conduzido por um seu trabalhador (cf. pontos 13. e 14. os factos provados).
Acontece que, como já acima se referiu, a discussão gira em torno da cláusula de exclusão de responsabilidade prevista nas condições gerais do seguro facultativo, que exclui a cobertura do seguro quando o veículo é conduzido pelo condutor com uma TAS proibida por lei.
Como se evidencia da decisão recorrida o tribunal a quo entendeu que a referida cláusula devia ser excluída do contrato [cf. art.º 8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro], por não ter sido comunicada à Autora?
Será assim?
A resposta é, salvo o devido respeito, negativa.
A cláusula incluída nas Condições Gerais de um contrato de seguro, segundo a qual não são objeto de cobertura os riscos devidos a ação da pessoa segura influenciada pelo álcool (ou seja, com mais de 0,5 g/l de álcool no sangue) encontra-se em consonância, no que toca à condução sob o efeito do álcool, com normas legais prescritivas e de ordem pública definida pelo direito positivo português.
A lei aplicável aos contratos de seguro que cubram riscos situados em território português não poderá envolver ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública do Estado Português-cf. art.º 192.º, nº 1, do Dec. Lei 94-B/98, de 17 de abril.
E são tidos como contrários à ordem pública os contratos de seguro que garantam, designadamente, o risco de responsabilidade criminal–cf. art.º 192.º, nº 3, al. a), do mesmo diploma.
Como assim, não obstante se trate de uma cláusula contratual geral, a falta de comunicação ao segurado do teor dessa cláusula, ou a falta de informação sobre o seu concreto alcance e significado, não envolve a exclusão dessa cláusula, ao abrigo do art.º 8º, alíneas a) e b), do Dec. Lei 446/85.[6]
Por ser criminalmente punível a condução de veículo em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, como decorre do art.º 292.º do Código Penal, ou por constituir contraordenação a condução sob a influência de álcool, sempre que o condutor apresente uma taxa de álcool superior a 0,5 g/l, nos termos do art.º 81.º do Código da Estrada, a assunção de responsabilidade pela seguradora sempre seria nula por contrariar a lei (art.º 280.º, n.º 1, do Código Civil).
Por essa razão vem-se considerando que, não podendo segurar-se uma atividade ilícita e criminosa, tal cláusula de exclusão de responsabilidade não está sequer incluída nos deveres de comunicação e de informação nos termos dos art.ºs 5.º e 6.º, para efeitos do art.º 8º do decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro.[7]
Os danos sofridos no veículo estão excluídos do seguro obrigatório; no caso, foram os mesmos contratualmente abrangidos pelo denominado seguro automóvel facultativo. Ocorrendo a condução sob relevante influência do álcool, aqueles danos sofridos no veículo são excluídos da apólice, nos termos da exclusão consignada na referida cláusula 5ª, nº 1, al. d) das Condições Contratuais Gerais do seguro facultativo.
Diante do exposto, torna-se evidente que no âmbito facultativo do contrato de seguro celebrado, a Ré/apelante não está constituída na obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo veículo seguro, uma vez que a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida é causa de exclusão da responsabilidade contratual daquela.
Exclusão essa que, aliás, funciona independentemente de se verificar a existência de nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool, o acidente e os danos causados.
Importa ainda salientar que, tendo o seguro de danos próprios caráter facultativo, não estando em causa a proteção social e interesses de terceiro vítima de acidente, o tomador é livre de o celebrar e de escolher as coberturas a estar abrangidas pelo contrato. Uma vez celebrado o contrato de seguro, o autor ficou obrigado a cumprir todas as cláusulas que subscreveu, nomeadamente, a que prevê a exclusão dos danos causados ao veículo em caso de condução com TAS proibida por lei.[8]
Sob este conspecto escreveu-se no acórdão da Relação do Porto de 20/01/2005[9], citando Dario de Almeida: “foram considerações de justiça social, num Estado de Direito Social, que levaram à instituição do seguro obrigatório no ramo automóvel. Fala-se, a propósito, numa “socialização do dano» e numa «socialização ou colectivização do risco e do dever de indemnizar”. Na área do seguro facultativo, só em sentido impróprio se poderá falar em socialização, levando esta palavra a dar a ideia de que o risco e a culpa, nas suas várias situações concretas, se reduzem a um fenómeno de carácter colectivo ou de responsabilidade colectiva, uma vez transferido por todos os respectivos responsáveis virtuais, através do prémio, para a esfera das sociedades seguradoras, onde a gestão e aplicação desses prémios funciona a favor de todos os segurados. (…) O seguro facultativo com as cláusulas que as partes nele queiram inserir corresponde mais à concretização do princípio da liberdade contratual consagrada no art.º 405.º do CC, tendo uma função complementar em relação ao seguro obrigatório. É no seguro facultativo que as partes podem completar a cobertura dos diferentes danos que ficam cobertos pelo seguro obrigatório. (…)”.
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Decorre do exposto que a referida cláusula de exclusão de responsabilidade não pode deixar de ser oponível à Autora/apelada, pois que, a sua exclusão seria contrária à ordem pública do Estado português.
E contra isso de nada vale dizer-se que o veículo em questão era conduzido por um trabalhador da Autora/apelada chamado AA e que o mesmo tinha instruções expressas para entregar as chaves da aludida viatura nas instalações da Autora no fim do seu horário de trabalho, o que ocorria entre as 18h30 e as 19h00 horas, ou que não ocorreu no dia do acidente (cf. pontos 12. a 16. da resenha dos factos provados).
Na verdade, para o efeito em questão, não tem sentido estabelecer diferenças a partir da determinação de quem pratica o ato (condução sob a influência do álcool), conforme seja o próprio segurado ou um seu empregado, pois que, a exclusão da responsabilidade, conforme clausulado, abrange os sinistros resultantes da atuação do condutor sob a influência de álcool.
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Cumpre ainda salientar que a exclusão da responsabilidade da Ré/apelada nos termos exarados é de conhecimento oficioso (cf. artigos 280.º e 286.º do CCivil).
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Diante do exposto é de meridiana clareza de que a Ré recorrente não está obrigada a indemnizar a Autora apelada nos termos decididos, impondo-se a sua absolvição dos pedidos formulados.
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Face ao supra decidido prejudicadas ficam as demais questões colocadas no recurso.
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IV-DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando a decisão recorrida absolvem a Ré apelante dos pedidos contra ela formulados pela Autora apelada.
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Custas pela Autora apelada (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 29 de setembro de 2025.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Eugénia Cunha
________________ [1] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 348. [2] Cf. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1. S1, disponível em www.dgsi.pt. [3] Cf. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt. [4] Cf. Abrantes Geraldes, in “Sentença Cível”, pág. 11. [5] Regime Jurídico do Contrato de Seguro. [6] Cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2008-Processo Proc. 07A4318, de 13/07/2004- Proc. 04B2331, consultáveis em www.dgsi.pt e de 14/12/2004, publicado na Coletânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, 146. e ainda, das Relações, o acórdão da Relação de Coimbra de 29/05/2007, proc. 9/04.5TBTCS.C1, e da Relação do Porto de 19/12/2010, proc. 1376/10.7TBPFR.P1, consultáveis em www.dgsi.pt.. [7] Cf., entre outros, o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, proc. 04B2331 e o acórdão da Relação de Coimbra de 29.5.2007, proc. 9/04.5TBTCS.C1, consultáveis em www.dgsi.pt.. [8] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 07/11/2011, proc. 1164/09.3TBAMT-A.P1, consultáveis em www.dgsi.pt.. [9] Proc. 0436988, consultável em www.dgsi.pt..