IMEDIAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário

I. A imediação permitida pelo julgamento realizado na 1.ª instância, com a presença das pessoas de carne e osso, com o seu modo de ser revelado na dinâmica da produção de prova e na confrontação contraditória de cada momento da audiência, fornecem ferramentas de análise e de ponderação que estão inacessíveis em sede de recurso, e fornecem ao tribunal de 1.ª instância mais elementos para encontrar a medida justa e equilibrada.
II. Em sede recursal, cabe, no essencial, analisar se o tribunal recorrido incumpriu alguma etapa ou algum critério legal essencial e o tenha levado a definir uma pena desajustada ao caso concreto.
III. Perante as molduras abstractas dos crimes de violência doméstica e de furto qualificado que prevêem, respectivamente, um mínimo de prisão de 1 ano e um máximo de 5 anos e de 2 anos e 8 anos, entendemos que as penas concretas de 1 anos e 3 meses de prisão e de 2 anos e 6 meses (portanto, muito próximo dos mínimos legais) se revelaram proporcionais e cumpridoras do espírito do legislador enunciado no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, pois permite reafirmar a validade da norma violada e, por outro lado, a reintegração social da arguida.
IV. Em cúmulo jurídico, a pena única de 2 anos e 8 meses (portanto, quase o mínimo permitido), associada ao regime de substituição de execução suspensa da pena, sujeita a regime de prova e num plano de reinserção social e a regras de conduta, revela-se equilibrada e isenta de censura.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
No processo comum singular n.º 99/23.1PBVLS do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Competência Genérica de Velas, à arguida AA (filha de BB e de CC, natural de ..., nascida a ... de ... de 1990, solteira, portadora do cartão de cidadão número ..., ..., residente na ...) estava imputada a prática, como autora material, na forma dolosa e consumada (artigo 14.º, n.º 1 e artigo 26.º, ambos do Código Penal), um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 a), ambos do Código Penal; como autora material, na forma dolosa e consumada (artigo 14.º, n.º 1 e artigo 26.º, ambos do Código Penal), dois crimes de dano previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal; - como autora material, sob a forma consumada e dolosa, (artigo 14.º, n.º 1 e artigo 26.º, ambos do Código Penal) de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte e 203.º, n.º 1, 204.º n.º 2, al. e) todos do Código Penal.
Na sequência da audiência de discussão e julgamento foi a seguinte o teor da decisão proferida:
Em face do exposto, julgando a acusação pública procedente, por provada, decide-se:
1. Condenar a arguida AA pela prática, como autora material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) Código Penal, numa pena de 1 (ano) ano e 3 (três) meses de prisão;
2. Condenar a arguida AA pela prática, como autora material e sob a forma consumada de um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 203 º n º 1 e 204 º, n º 2 alínea e) todos do Código Penal numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
3. Condenar a arguida AA, após cúmulo jurídico das penas aplicadas em 8.1 e 8.2 na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
4. Suspender a pena de prisão fixada em 7.3) pelo período de 3 (três) anos, suspensão essa sujeita às seguintes condições:
1. a regime de prova assente num plano de reinserção social a incidir, entre o mais que for conveniente para a ressocialização da arguida, na aquisição de competências sociais básicas direcionadas para a prevenção de comportamentos de agressão por violência doméstica e na frequência de programa relacionado com violência de género (conjugal) e filial, o qual deverá incluir o dever e as regras de conduta fixadas infra, a executar e vigiar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 53.º e 54.º do Código Penal),;
2. às regras de conduta de afastamento da arguida do ofendido DD, da sua residência ou local de trabalho, bem como a proibição de contactos com o ofendido, por qualquer meio, com exceção dos contactos necessários para tratar dos assuntos relacionados com as filhas de ambos (artigo 34.º B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e artigo 52.º, n.º 2, do Código Penal).
5. Condenar a arguida AA pela prática, como autora material e sob a forma consumada, de dois crimes de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º n º 1 do Código Penal, numa pena de 100 (cem) dias de multa para cada um dos crimes;
6. Em cúmulo jurídico das penas de multa referidas em 7.5), condenar a arguida AA numa pena única de multa de 140 (cento e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz o total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).
7. Arbitrar uma indemnização à vítima DD, nos termos do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, no valor de €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual de 4,00% (ou outra que venha a estar em vigor), desde a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento;
7.8) Condenar a arguida AA nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C. (duas unidades de conta) - (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais);
7.9.) Remeter, após trânsito, boletim aos Serviços de Identificação Criminal (artigo 6.º, alínea a), da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, e artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 171/2015, de 25 de Agosto).
II- Fundamentação de facto:
Inexistindo factos não provados, na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. “A arguida e DD, iniciaram um relacionamento amoroso em ... de 2016 e, nessa sequência, começaram a viver em comunhão de mesa, leito e habitação, o que sucedeu desde ... de 2017 até ... de 2021, em locais concretamente não apurados, que se situaram nos ... e no ....
2. Do relacionamento amoroso entre arguida e ofendido, nasceu EE, em .../.../2018 e FF, em .../.../2019.
3. Em ... de 2021, a arguida e o ofendido terminaram a relação amorosa.
4. No dia ... de ... de 2023, pelas 12 horas ao sair da sua casa, o ofendido, visualizou a arguida na mesma via pública, sita ..., junto à sede do ....
5. Após o que, virou as costas e seguiu o seu caminho, tendo ainda assim, sido interpelado pela ora arguida.
6. Ignorando a sua presença, continuou a caminhar, quando sem que nada o fizesse prever, a aqui arguida, puxou pela bolsa que o ofendido tinha a tira colo, assim como pelos calções que trajava, acabando por rasgá-los.
7. Em ato contínuo, o ofendido dirigiu-se à ..., tendo sido seguido pela arguida.
8. Na ... e, após relatar a factualidade atrás elencada, tentou abandonar a dita esquadra, sendo de imediato seguido e impedido pela arguida.
9. O que malogradamente, a arguida não logrou conseguir, em virtude da intervenção dos agentes da PSP GG e HH, que prontamente impediram a arguida de continuar o seu propósito e encaminharam o ofendido para a garagem da referida Esquadra, de modo a que o mesmo, pudesse abandoná-la sem ser seguido, tendo a arguida abandonado a referida Esquadra pelas 13 horas e 20 minutos.
10. Em data não concretamente apurada, mas antes de ... de ... de 2023, a arguida telefonou de forma repetida e reiterada ao ofendido (11 vezes às 09:06 e 9 vezes às 11:34), quer do seu número, quer de um número privado, que só pode pertencer à mesma pela quantidade anormal de chamadas, a saber 1942 vezes às 06:58.
11. Em data não concretamente apurada, mas antes de ... de ... de 2023, a arguida enviou mensagens ao ofendido, escrevendo entre outras a seguinte expressão «NUNCA VAIS USAR AS MINHAS FILHAS ENQUANTO ESSA PUTA EXISTIR.»
12. Com as condutas acima descritas, a arguida quis limitar a liberdade pessoal e de deslocação do ofendido, ao fazê-lo sentir-se vigiado, perseguido e temendo pela sua integridade.
13. A arguida AA atuou de forma reiterada, sempre com o desiderato de molestar a vítima psicologicamente, ofendendo a sua autodeterminação, liberdade pessoal e sujeitando-a a um tratamento atentatório da sua dignidade pessoal, humilhando-a, amedrontando-a e perturbando-a, o que efetivamente conseguiu, bem sabendo que, sobre si impendia um dever acrescido de respeito para com aquela, bem como um dever acrescido de não atentar contra o seu bem-estar físico e psíquico
14. A arguida AA agiu com o propósito de provocar um sentimento de medo e intranquilidade em DD, e de o fazer recear pela integridade física e vida, ciente de que as mesmas eram aptas a esse efeito, resultado que representou e quis.
15. A arguida AA agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas e tinha capacidade de se determinar com esse conhecimento.
16. No dia ... de ... de 2023, pelas 15 horas, o ofendido DD, dirigiu-se à ..., onde à data se encontrava destacado, a fim de iniciar a sua ….
17. Ás 15 horas e 17 minutos, no mesmo circunstancialismo de dia e local, a aqui arguida, entrou nas... e, sem que nada o fizesse prever, dirigiu-se à …, agarrou no telemóvel, marca ... modelo ..., mais sabendo que o mesmo era propriedade do ofendido, tendo encetado de imediato fuga em direção ao cais da ....
18. . E em ato contínuo arremessou o sobredito telemóvel ao mar.
19. O supra mencionado objeto/bem foi visualizado in loco pelo agente da PSP II, após o que mergulhou no mar havendo recuperado o telemóvel.
20. Ao atuar da forma descrita, a arguida causou ao ofendido, um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado.
21. A arguida atuou com o propósito concretizado de estragar e tornar inutilizável o telemóvel do ofendido, o que quis e conseguiu, apesar de saber que tal bem não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.
22. A arguida agiu deliberada, voluntária e conscientemente e sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
23. No dia ... de ... de 2023, em hora não concretamente apurada, a arguida dirigiu-se à residência do ofendido sita na ..., entroncou a fechadura da porta e acedeu ao interior da mesma.
24. No interior da residência do ofendido, a arguida espalhou as roupas deste pelo chão, assim como atirou outras pela janela, indo cair no terreno adjacente, nomeadamente no parque da rent- a- car, que ali se localiza.
25. No mesmo circunstancialismo de tempo, hora e local, a arguida quebrou o computador, marca ..., cor preta, pertença do ofendido e que ali se encontrava.
26. Ao atuar da forma descrita, a arguida causou ao ofendido, um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado.
27. A arguida atuou com o propósito concretizado de estragar e tornar inutilizável o computador do ofendido, o que quis e conseguiu, apesar de saber que tal bem não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.
28. A arguida agiu deliberada, voluntária e conscientemente e sabia a arguida que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
29. Do interior da residência, do ofendido a arguida retirou: bolsa tiracolo marca “...”; porta-chaves, com chave de viatura marca …, chaves pessoais, chave do cacifo que havia sido atribuído ao ofendido na ..., com fita de pendurar ao pescoço alusiva a ...- router, ...; carteira castanha de marca desconhecida, - passaporte, - carta de condução, - cartão de ..., - cartão de ... - cartão de associado .../..., - cartões de crédito e débito, todos pertença do ofendido, bens estes, que a arguida se apoderou, fazendo seus e abandonando de seguida aquela residência.
30. Ao atuar da forma descrita a arguida, agiu com o propósito concretizado de fazer seus os descritos objetos, que sabia não lhe pertencerem, bem sabendo que atuava contra a vontade do legitimo proprietário, o que logrou conseguir.
31. A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, e sabia que a sua conduta era proibida e punidas por lei penal.
32. Os itens subtraídos do interior da residência do ofendido, foram, entretanto, apreendidos, por se encontrarem na posse da arguida.
33. A arguida não tem antecedentes criminais.
34. A arguida é ... e aufere o vencimento de € 1.100,00 (mil e cem euros) mensais, vive com as suas filhas, paga cerca de € 670,00 (seiscentos e setenta euros) de renda de casa, não tem empréstimos, é proprietária de um veículo automóvel marca ... de ....
35. A arguida vive com as suas filhas menores, as quais recebem como pensão de alimentos o montante de € 210,00 (duzentos e dez euros) mensais.
36. A Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, no âmbito das diligências que encetou para a elaboração do relatório social, concluiu: “Por outro lado, verifica-se da parte da arguida uma postura colaborativa com os presentes autos e disponibilidade para se submeter à reação penal que possa ser determinada, em caso de condenação, o que poderá indiciar algum grau de consciencialização e eventual predisposição para mudança. Assim, e sem prejuízo do juízo de ilicitude que venha a ser formulado, poderá revelar-se pertinente a consideração de medidas complementares de natureza pedagógica ou terapêutica, designadamente acompanhamento psicológico ou formação dirigida ao controlo da impulsividade e à gestão emocional, compatíveis com os deveres inerentes ao seu … e às responsabilidades parentais em curso.”
III- Convicção da matéria de facto
O Tribunal a quo justificou a convicção da matéria de facto nos seguintes termos:
“A convicção do tribunal fundou-se na prova produzida em audiência de julgamento – declarações do ofendido, depoimentos das testemunhas e prova documental - analisada e conjugada, criticamente, à luz das regras da experiência comum, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Impõem-se, todavia, umas breves considerações.
A prova não é, nem pode ser nunca, a certeza absoluta da ocorrência do facto (ela tem como função, para usar a expressão do artigo 341.º do Código Civil, a demonstração da realidade dos factos), em vista da impossibilidade de fuga à deformação sofrida até à apreensão pelo recetor dos factos.
É, aliás, da natureza das coisas e, como afirma Sentis Melendo, citado por Miguel Machado (O princípio in dubio pro reo e o novo C.P.P., R.O.A. n.º 49, págs. 583-611, em especial, a pág. 608),“suspeita, dúvida, certeza, evidência, são as etapas de um caminho até à verdade” (também, Vaz Serra, “Provas - Direito Probatório Material”, B.M.J. separata, 1962, pág. 22).
É que os factos, quando ocorrem, esgotam-se em si mesmos, tornando impossível a sua reconstituição natural. O que se pretendeu fazer na audiência de julgamento foi reconstituir o que se passou, através do que ficou retido naqueles que nela testemunharam por estarem presentes.
Assim, a verdade que surge ao Tribunal é a verdade da audiência, do que nela se passou, já com o filtro do tempo e com as declarações do arguido e da vítima, o depoimento das testemunhas e a prova documental, com o perigo que estes trazem ínsitos.
Como assinalava Dário Martins de Almeida (cfr. “O Livro do Jurado”, Almedina, 1977, pág. 94), “o erro judiciário espreita insidiosamente a decisão, pelo lado do testemunho verbal” e, são elas, as testemunhas, “os auxiliares do juiz, são os olhos e os ouvidos da justiça” (Pietro Ellero,citando Mittermaier, “De la certidum breen los juicios criminales o Tratado de la Prueba en materia penal”, 7.ª edição, Reus, 1980, pág. 114; vd. por todos, quanto à apreciação da prova testemunhal, págs. 109 a 132).
A arguida não prestou declarações quanto aos factos que lhe são imputados.
O ofendido DD prestou declarações.
Prestaram depoimento as seguintes testemunhas:
a. HH, agente da PSP;
b. JJ, agente da PSP;
c. KK, agente da PSP;
d. II, agente da PSP;
e. GG, agente da PSP;
f. LL, cidadã que se encontrava no posto da PSP no dia dos factos;
g. MM, ... que viu a arguida atirar o telemóvel do ofendido ao mar;
h. NN, também agente da PSP;
A prova documental subsumiu-se aos seguintes documentos:
1. Auto de notícia, fls.4;
2. Factos observados pelo OPC, fls. 12;
3.Folha RVD1L de avaliação de risco para situações de violência doméstica, fls. 15 a 17:
4. Auto de notícia por detenção, fls. 18;
5. Auto de Apreensão e entrega, fls. 22 e 23;
6. Auto de Apreensão n.º 2 fls. 24;
7. Auto de recuperação de telemóvel, fls. 26,
8. Aditamento n.º 18 a 19 e fls. 84 e 84 verso (furto qualificado e reconhecimento dos bens apreendidos);
9. Reportagem fotográfica da residência do ofendido, fls 94-105;
10. Aditamento 14, “prints” das chamadas telefónicos e mensagens enviadas pela arguida fls. 148 a 152.
11. Certificado de Registo Criminal e fls. 228 e com a ref ª 6357330 de 17.06.2025;
12. Relatório Social elaborado pela DGRSP de ref ª 6362500 de 20.06.2025;
Os factos descritos em 2.1.1. a 2.1.11 resultaram provados das declarações do ofendido, as quais foram corroboradas pelo depoimento das testemunhas HH e GG.
Nas suas declarações, as quais se demonstraram credíveis e isentas de reparos, o ofendido relatou que teve um relacionamento amoroso com a arguida, com quem tem três filhas, relacionamento esse que terminou em 2021.
Relata o ofendido que efetivamente em ..., estava a sair da sua residência no clube desportivo ..., e que quando ia a sair, a arguida estava à espera dele e insistiu que queria falar com ele, o que o ofendido não concordou, seguindo o seu caminho até à esquadra da PSP, e sendo seguido pela arguida, a qual puxou-lhe a bolsa que ele trazia consigo e rasgou-lhe os calções. Relata o ofendido que, quando chegou à esquadra da PSP que ..., ...NN e GG foram falar com a mesma.
Este depoimento foi de resto, corroborado pelo depoimento das testemunhas HH, cujo o depoimento também se revelou credível aos olhos do Tribunal. Segundo esta testemunha, estava ao serviço com o agente GG, quando o ofendido entrou na esquadra com os calções rasgados e a arguida também apareceu visivelmente exaltada a insistir que queria falar com o ofendido.
Igualmente a testemunha GG, também ele agente da ... na esquadra de ..., relatou de forma clara e credível que se encontrava na esquadra quando o ofendido apareceu com os calções rasgados e algumas escoriações visíveis. Relata esta testemunha que a arguida estava transtornada e que ficou a conversa com a mesma para ela se acalmar.
O depoimento destas testemunhas é ainda corroborado pelo auto de Apreensão e entrega, fls. 22 e 23.
Concretamente no que respeita às diversas mensagens e chamadas telefónicas que a arguida fez ao ofendido, este admite ter recebido cerca de 100 chamadas, sendo certo que este depoimento do mesmo é corroborado pelo aditamento 14, “prints” das chamadas telefónicos e mensagens enviadas pela arguida fls. 148 a 152 dos autos.
Nos termos do artigo 125.º do Código de Processo Penal, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Acresce que, segundo o disposto no artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Por sua vez, nos termos do artigo 167.º do Código de Processo Penal, as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
Assim, se os dados são apresentados por quem os detém ao órgão de polícia criminal, e entregues voluntariamente para junção aos autos, então não há qualquer pesquisa informática, nem apreensão de dados informáticos; à semelhança do que sucederia com qualquer objeto físico entregue para junção a inquérito, os dados são neste caso adquiridos processualmente mas não através de pesquisa informática (busca), nem através de apreensão.
E como tal, não faz sentido convocar para tais casos o regime da pesquisa informática, nem da apreensão de dados informáticos.
Ora, foi precisamente através de uma entrega voluntária que os WhatsApp agora em causa foram adquiridos processualmente, aquisição que dispensava qualquer intervenção de qualquer autoridade judiciária.
Resumindo dir-se-á que a aquisição processual das mensagens de WhatsApp em causa foi efetuada por entrega voluntária e sem pesquisa informática, não supondo, por conseguinte, qualquer intervenção de autoridade judiciária.
Subscrevendo Pedro Verdelho (Apreensão de Correio Electrónico em Processo Penal, in RMP, Ano 25.º, 2004, p. 157 e ss.), entende-se que as mensagens deixam de ter a essência de uma comunicação em transmissão para passarem a ser antes uma comunicação já recebida, que terá porventura a mesma essência da correspondência», em nada se distinguindo de uma «carta remetida por correio físico». E tendo sido já recebidas, «se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador (ou no telemóvel, acrescenta-se) a que se destinavam, não deverão ter mais proteção que as cartas em papel em que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo», visto o disposto no artigo 194.º, n.º 1, do Código Penal.
Assumindo esta equivalência à correspondência e levando em linha de conta o respetivo regime decorrente da norma ínsita no artigo 179º do CPP, não podemos descurar que uma tal disposição protege toda a correspondência enquanto ela não for aberta pelo seu destinatário – o que não foi o caso, nos presentes autos.
Acresce a isso que, ainda que o Tribunal tivesse formado a sua convicção apenas com base das declarações do ofendido, tal não comportaria violação de qualquer norma ou princípio de direito processual penal, nomeadamente o princípio do in dubio pro reu.
De facto, se o depoimento da vítima do crime ou de uma testemunha consegue convencer o Tribunal, para além da dúvida razoável, nada impede que esse elemento de prova seja bastante para alicerçar a condenação.
E, no caso vertente, conjugada toda a prova produzida, o Tribunal efetivamente convenceu-se que os factos descritos na acusação nos precisos termos provados efetivamente aconteceram.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.12.2005, proferido no processo n.º 2489/05-1 (disponível na base de dados da D.G.S.I.): “no tipo de criminalidade dita de «violência doméstica», as declarações das vítimas não podem deixar de merecer ponderada valorização, pois que, reconhecidamente, os maus-tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem, por via de regra, dentro do domicílio conjugal, no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal. A vítima acaba por guardar muitas vezes para si o sofrimento e passados anos, é que acaba por reagir. É que este tipo de crimes ainda provoca nas suas vítimas a vergonha pela situação e muitas vezes levam a casos psicológicos em que estas se sentem como culpadas e não vítimas, como o são na realidade, o que lhes tira a coragem para denunciar a situação.”
É que o velho aforismo “testis unus testis nullus” carece de eficácia jurídica num sistema processual penal como o nosso em que a prova já não é tarifada ou legal mas, antes, livremente apreciada pelo tribunal (artigo 127.º do Código de Processo Penal) ainda que a mesma se reconduza apenas às declarações da própria vítima ou depoimento de uma única testemunha que podem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação (cfr.
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25.02.2008, no processo n.º 557/07-1, inwww.dgsi.pt).
Mesmo que o sistema processual penal português fosse mais exigente, como é o espanhol (e não o é), ainda assim o relato do ofendido venceria as barreiras que ali se interpõem para a valoração, como base bastante para condenar, do que trouxe ao tribunal:
i. ausência de “increbilidad subjetiva” derivada das relações acusador/acusado que poderiam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, inimizade, vingança, afrontamento, interesse, ou de qualquer outra índole, que prive a declaração da aptidão necessária para gerar certeza, o que se verifica no presente, atentas as características supra apontadas das declarações que se mostraram objetivas e credíveis.
ii. verosimilhança, ou seja, constatação de corroborações periféricas de carácter objectivo que avalizem a sua declaração, que no caso vertente se reconduz aos depoimentos das testemunhas nos termos mencionados e dos documentos juntos aos autos que corroboraram, parcialmente, o relato produzido pelo ofendido.
iii. persistência na incriminação, que deve ser prolongada no tempo, plural, sem ambiguidades nem contradições, o que se verifica no caso (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 20.12.2005, no processo n.º 2489/05-1, in www.dgsi.pt).
É vasta a jurisprudência autorizando a valoração única das declarações do ofendido com a prática do crime, se lograrem convencer, como base suficiente para uma decisão condenatória (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10.11.2010, no processo n.º 2354/08.1PBCBR.C2, do Tribunal da Relação de Guimarães, datados de 17.05.2010, no processo n.º 1379/07.9PBGMR.G1, e de 18.05.2009, no processo n.º 349/07.1PBVCT, todos in www.dgsi.pt).
O mesmo se diga relativamente ao sucedido quanto aos factos vertidos em 2.1.16 a 2.1.19 que sendo relacionados com o episódio em que a arguida atirou ao mar o telemóvel do ofendido, foram relatados pelo ofendido de forma consistente e pelas testemunhas HH, GG, II, LL e MM.
A testemunha GG narrou de forma credível aos olhos do Tribunal que, enquanto agente da ... estava a receber uma participação criminal da cidadã LL, quando a mesma, à frente desta senhora, apanhou o telemóvel do ofendido que se encontrava em cima da secretária e saiu com o mesmo, facto este corroborado pela testemunha LL, sendo que, ato contínuo, a testemunha agente GG seguiu ao encalço da arguida que se dirigiu à marina de ... e atirou o telemóvel do ofendido ao mar, facto esse que foi presenciado pela testemunha MM, ...
Acresce a isto que a testemunha II afirmou que mergulhou e recuperou o telemóvel do ofendido, tendo aqui o Tribunal considerado também o auto de recuperação de telemóvel, fls. 26.
Todos estes depoimentos e documento revelaram-se isentos e credíveis aos olhos do Tribunal.
A factualidade vertida em 2.1.23. a 2.1.29 respeitando à matéria do arrombamento ao domicílio do ofendido e dos objetos propriedade do ofendido que foram apreendidos na posse da arguida, e do computador do ofendido que foi destruído, além de tais factos serem narrados pelo ofendido, tal factualidade foi corroborada pelo depoimento das testemunhas NN, HH e KK, corroborados pela prova documental junta aos autos a saber o aditamento n.º 18 a 19 e fls. 84 e 84 verso, e a reportagem fotográfica da residência do ofendido, fls 94-105.
É verdade que nenhuma testemunha viu a arguida arrombar a porta da residência do ofendido, ou a viu a espalhar as roupas deste no quarto ou a destruir o seu computador.
Todavia, a arguida foi intercetada pela testemunha HH junto do jardim em ..., a qual tinha consigo uma mochila com aspeto militar e conduzida à esquadra e feita a respetiva revista pela agente KK, a arguida tinha consigo os pertences do ofendido.
Como é consabido, a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, podendo esta sustentar uma condenação (cfr. Sérgio Gonçalves Poças, “Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto”, in Julgar, n.º 3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e 42-43, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12 de Setembro de 2007, no processo n.º 4588/07, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datados de 11 de Maio de 2005, no processo n.º 1056/05, de 9 de Julho de 2008, no processo n.º 501/01.3TAAGD, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datados de 7 de Janeiro de 2009, no processo n.º 10639/2008-3, Acórdão da Relação do Porto, datado de 28 de Janeiro de 2009, no processo n.º 0846986 e Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, datados de 9 de Outubro de 2006, no processo n.º 2429/05-1 e de 19 de Janeiro de 2009, no processo n.º 2025/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Na prova direta, referindo-se imediatamente ao thema probandum, o meio de prova tem em vista, de modo imediato, o facto a provar, enquanto que na prova indireta ou indiciária tem-se por referente factos diversos do tema da prova, que, com o auxílio das regras da experiência, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, permitem uma ilação ou inferência relativamente a este.
Na prova indiciária, em primeiro lugar, há que ter um indício, plenamente demonstrado – nomeadamente por prova direta –, que corresponde à premissa menor do silogismo; em segundo lugar, tem de haver o despoletar de uma máxima de experiência ou regra de ciência que permita passar de um estado de ignorância para o esclarecimento; e, por último, em face do indício, infere-se o facto sob julgamento.
Na valoração da prova indiciária devem distinguir-se claramente a prova dos indícios, por uma parte, e a dedução lógica, o juízo de relação necessária que há de estabelecer-se entre o indício e os factos que constituem elementos ou circunstâncias do crime e que relevam para efeitos de determinação da responsabilidade penal do arguido e responsabilidade civil dos civilmente responsáveis, por outra.
E, salvo quando a lei dispuser em contrário, não estando o valor dos meios de prova pré-estabelecido, devem elas ser apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Como diz Figueiredo Dias, essa “livre” ou “íntima” convicção do juiz é uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros (cfr. Direito Processual Penal, 1988-89, pág. 139).
E tal convicção “existirá quando e só quando – parece-nos este um critério adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na “ convicção” de uma mera opção “ voluntarista” pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (cfr. Figueiredo Dias, op. cit).
Terá sido feita prova direta e indireta suficientemente segura para imputar à arguida a autoria dos factos relativos ao arrombamento da residência deste e o dano ao seu computador?
Julga-se que sim, na medida em que resulta das regras da experiência comum que não existe qualquer explicação para que a arguida tenha em seu poder bens e pertences do ofendido e mesmo documentos pessoais deste, sem ter acedido à residência do mesmo de forma ilícita como o fez, tendo se apoderado dos mesmos, conforme de resto, resultou da revista.
A factualidade vertida em 2.1.2. a 2.1.15, 2.1.20 a 2.1.22, 2.1.30 a 2.1.32 dizendo respeito ao elemento subjetivo, dos factos imputados à arguida, pertencendo os mesmos à vida interior de cada um, decorrem da conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras da normalidade e da experiência comum do julgador. E quem atua como a arguida atuou, sem qualquer interferência de elemento perturbador da capacidade intelectual e volitiva, não pode deixar de querer atuar como descrito, de ter consciência da proibição da conduta e de conformar-se com as consequências legais da mesma
Os antecedentes criminais da arguida resultam do teor do certificado de registo criminal de fls. 228 e com a ref ª 6357330 de 17.06.2025. – facto 2.1.33.
Os factos acerca das condições pessoais, sociais e económicas da arguida – 2.1.34. a 2.1.36. – Resultaram provados pelas declarações da mesma quanto aos seus rendimentos e despesas bem como do relatório Social elaborado pela DGRSP de ref ª 6362500 de 20.06.2025.”
IV- Recurso
A arguida veio interpor recurso daquela decisão, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
a) A Recorrente não se conforma com a medida concreta das penas aplicadas, por as considerar manifestamente excessivas face aos factos provados e à sua situação pessoal e profissional.
b) O Tribunal “a quo” não valorou devidamente elementos relevantes constantes do relatório social, designadamente o percurso profissional da Recorrente como agente da ..., a assunção das responsabilidades parentais e a manutenção de estabilidade habitacional e laboral.
c) Os factos que originaram a condenação ocorreram num contexto excecional, durante um período de baixa médica do foro psicológico, com quadro de perturbação emocional (depressão), circunstância que atenua a sua censurabilidade.
d) A Recorrente não tem antecedentes criminais e demonstrou postura colaborativa durante o processo, revelando predisposição para se submeter a medidas pedagógicas ou terapêuticas, o que sustenta um juízo de prognose favorável à sua reinserção.
e) As penas de prisão (1 ano e 3 meses por violência doméstica e 2 anos e 6 meses por furto qualificado) e de multa (140 dias à taxa diária de 6€), bem como a indemnização fixada em 3.000€, mostram-se desproporcionais, podendo atingir os fins de prevenção geral e especial com medidas mais moderadas.
f) Defende-se a redução das penas para 1 ano de prisão pelo crime de violência doméstica e 2 anos pelo crime de furto qualificado, com cúmulo jurídico de 1 ano e 10 meses, suspenso por 2 anos com regime de prova, bem como a redução das penas de multa para 100 dias (600€ no total).
g) Quanto à indemnização, justifica-se a fixação em 2.000€, valor mais ajustado às circunstâncias e proporcional aos danos efetivamente sofridos.
h) Assim, as penas e sanções agora impugnadas não cumprem plenamente o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, devendo ser revistas para garantir uma resposta penal proporcional, adequada e promotora da reintegração da Recorrente, pelo que só assim se fará Justiça.
O Ministério Público na 1.ª Instância, respondeu ao recurso, apreciando os argumentos invocados pela recorrente, concluindo nos termos que se transcrevem:
“1. Inconformada com a decisão proferida, veio a arguida dela interpor recurso, que delimita, de Direito, à questão da medida das penas aplicada, designadamente quanto ao seu quantum, bem como quanto ao quantum da indemnização arbitrada certo que “Não aceita a recorrente a opção do Tribunal "a quo" pela medida da referida pena de prisão de 2 anos e 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, e da pena de multa de 140 dias à taxa diária de 6 euros, no total de 840 euros, bem como no montante da indemnização de 3.000,00 euros a pagar ao ofendido, por manifestamente excessivas, contrariando os limites previstos no artigo 40º e nº 1 e nº 2 e artigo 71 todos do Código Penal, atentos os factos provados, parece à recorrente que tais penas não são adequadas a tais desideratos, daí ser mais razoável a quantificação das penas em montantes mais reduzidos”.
2. A decisão recorrida foi tomada, de forma ponderada e objetiva, em consonância com a prova produzida, apreciada na sua globalidade, estando fundamentada, sendo que, o Tribunal a quo apreciou todas as questões que lhe competia, atento o objeto do processo, tendo observado corretamente todos os princípios e normas legais aplicáveis no caso.
3. Na aplicação das penas concretas o Tribunal a quo teve em conta as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
4. Aliás, ante o exposto e, bem assim o disposto nos artigos 40, 69, 70 e 71 do Código Penal, salvo melhor opinião, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não poderia ter chegado a conclusão diferente daquela a que chegou na decisão recorrida.
5. Como a decisão que condenou o recorrente, verifica-se justa, imparcial e não padece de qualquer erro de apreciação, conforme se expôs supra, deve manter-se.
6. Como a decisão que condenou a recorrente AA não padece de qualquer erro de apreciação, nomeadamente ao nível da prova produzida em sede de audiência de julgamento e bem assim da análise dos elementos sociais juntos, conforme se expôs supra, deve manter-se a condenação de pagamento da quantia de 3.000,00€ (três mil euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, desde a data desta sentença até efetivo e integral pagamento.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e manter-se a decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.”
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a resposta apresentada na 1.ª instância, pugnando pela improcedência do recurso.
V- Questão a decidir:
Do artigo 412.º, n.º 1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
As questões colocadas colocada pela recorrente são as seguintes:
1. a medida concreta das penas aplicadas por cada um dos crimes cometidos e o cúmulo jurídico realizado;
2. o montante da indemnização atribuído à vítima.
VI- Fundamentos de direito:
Da medida da(s) pena(s)
Comecemos por um breve enquadramento doutrinal do problema, de modo a podermos tomar posição quanto à função do tribunal de recurso quando é colocado a avaliar, como sucede no presente caso, as penas concretamente aplicadas.
Nas palavras do Professor Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 197:
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta […] quem sustente que a valoração das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado […] [m]as já assim não será […] se […] tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Neste mesmo sentido “conservador” da actuação do Tribunal de recurso em sede de “revisão” da pena fixada pelo tribunal da condenação, podemos encontrar jurisprudência muito relevante dos nossos tribunais superiores e com a qual concordamos integralmente1.
Com efeito, a imediação permitida pelo julgamento realizado na 1.ª instância, com a presença das pessoas de carne e osso, com o seu modo de ser revelado na dinâmica da produção de prova, na confrontação contraditória de cada momento da audiência, fornecem ferramentas de análise e de ponderação que, pela natureza das coisas, estão inacessíveis em sede de recurso, e fornecem ao tribunal da condenação mais elementos para encontrar a medida justa e equilibrada. Não significa isto que o tribunal que aplica a pena acerte sempre nesse exercício, dado que pode, no seu percurso lógico, não respeitar as operações previstas na lei para definir a pena concreta (seja, por exemplo, porque pondera uma moldura abstracta incorrecta ou porque não leva em conta elementos essenciais de avaliação das condutas ou da história de vida dos arguidos ou pondera os que nenhuma relevância podem ter); antes quer isto tudo dizer, que, nesta sede recursal, cabe, no essencial, analisar se o tribunal recorrido incumpriu alguma etapa ou algum critério essencial e o tenha levado a definir, de forma incorrecta, uma pena desajustada ao caso concreto.
É com este enquadramento que cabe, nesta sede, analisar se o tribunal recorrido procedeu correctamente na escolha da pena.
A fundamentação da decisão recorrida a este respeito é a seguinte:
4. “Da determinação da pena principal e das penas acessórias
1. Da pena principal
Qualificados juridicamente os factos e operada a respetiva subsunção ao preceito incriminadores, cumpre determinar a medida da pena a aplicar à arguida uma vez que a todo o crime corresponde uma reação penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo agente.
4.1.1. Da medida da pena principal
O crime de violência doméstica praticado pela arguida é punido, em abstrato, com pena principal de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos (artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) do Código Penal).
O crime dano é punível, em abstrato, com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias (artigos 212.º conjugado com os artigos 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal).
O crime de furto qualificado é punível, no caso, com uma pena de prisão de 2 (dois) anos a 8 (oito) anos (artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal), não podendo o tribunal aplicar uma pena superior a 5 (cinco) anos em face do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
4.1.2 – Do crime de violência doméstica
Uma vez que o crime em causa é apenas punido com pena de prisão, importa apenas proceder à determinação da medida da pena que se mostre adequada ao comportamento da arguida nos termos explanados no artigo 70.º, n.º 1, do Código Penal, atendendo-se, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção, não olvidando que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Ensina Figueiredo Dias que, “a pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…). E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”(cfr. “Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.198).
Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.
O grau de ilicitude, para além do que já é valorado pelo tipo legal de crime e respetiva moldura abstrata, é médio-alto em face da reiterada atuação da arguida no tempo, às concretas atuações levadas a cabo pela mesma.
A este propósito, importa mencionar que, ponderando os fatores relativos à execução dos factos, cumpre referir que a gravidade da violação jurídica perpetrada pela arguida, dentro de todas as possibilidades de condutas que existem suscetíveis de preencher o tipo de crime, não se revela das mais gravosas ou chocantes, pese embora a intensidade das mesmas aliada à sua reiteração.
E no que respeita à gravidade das consequências da conduta da arguida, entende-se que a mesma é mediana considerando o sofrimento e ansiedade provocada na vítima.
Embora a vítima, como qualquer vítima de violência doméstica, tenha sido atingida na sua dignidade, sofrendo dores tanto físicas como psíquicas, o certo é que a violência causou danos medianamente significativos, não resultando sequelas permanentes.
Quanto ao grau de violação dos deveres impostos ao agente é elevado pela singela circunstância de ter sido namorada da vítima e com o mesmo ter filhas menores, devendo-lhe respeito e consideração.
Quanto à intensidade do dolo, a arguida agiu com dolo direto.
Relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, nada de relevante se apurou que justifique os factos ou atenue a imagem global dos mesmos.
No que concerne às condições pessoais e à situação económica da arguida, é... e aufere o vencimento de € 1.100,00 (mil e cem euros) mensais, vive com as suas filhas, paga cerca de € 670,00 (seiscentos e setenta euros) de renda de casa, não tem empréstimos, é proprietária de um veículo automóvel marca ..., vive com as suas filhas menores, as quais recebem como pensão de alimentos o montante de € 210,00 (duzentos e dez euros) mensais.
Milita em desfavor da arguida a sua personalidade impulsiva nomeadamente a dificuldades de autocontrolo e pouca capacidade crítica.
A favor da arguida milita o facto da mesma não ter antecedentes criminais, estar empregada e socialmente integrada.
São especialmente intensas e acentuadas as exigências de prevenção geral dada a frequência com que são praticados crimes de violência doméstica que perturbam fortemente as relações familiares e a paz social. Como expressa o Relatório Anual de Segurança Interna de 2021 (disponível em www.mai.gov.pt), o crime de violência doméstica aparece em 1.º lugar na tabela dos crimes mais participados às autoridades policiais no ano de 2021, tendo sido registadas 22.524 participações. A violência doméstica contra cônjuges ou análogos ocupa 85% de tal criminalidade, tendo a violência doméstica contra menores inscrito uma ligeira subida no ano de 2021.
É, assim, necessário apelar a uma maior necessidade de sancionamento pelo Direito Penal, para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, urgindo uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado, evitando-se o efeito imitação, a banalização do crime e que se instaure entre os membros da comunidade o sentimento de não atuação da ordem jurídica.
No que concerne às exigências de prevenção especial, há que ter em consideração que a arguida não tem antecedentes criminais e está social e profissionalmente inserida.
Face ao exposto, ponderadas as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, limitados pela culpa manifestada no cometimento dos factos, julga-se adequado aplicar à arguida uma pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
4.1.3 Do crime de Furto Qualificado
A pena de prisão a aplicar deverá ser aquela que se mostre adequada ao comportamento da arguida, valorando-se, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, não esquecendo que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Ensina Figueiredo Dias que, “a pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…). E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos” (cfr. “Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.198).
Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.
O grau de ilicitude, para além do que já é valorado pelo tipo legal de crime e respetiva moldura abstrata, é média-alta quer atenta a natureza dos objetos subtraídos quer a respetiva quantidade e valor.
Relativamente ao modo de execução, nada mais de relevante se apurou para além da factualidade provada.
No que respeita à gravidade das consequências da conduta da arguida, deverá ter-se em consideração que os bens só foram recuperados porque a mesma foi intercetada.
Quanto ao grau de violação dos deveres impostos aos agentes, nada de relevante se apurou.
Quanto à intensidade do dolo, a arguida agiu com dolo direto.
Relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, dos factos provados não é possível extrair uma qualquer circunstância que justifique ou atenue a imagem global dos factos e a personalidade da arguida manifestada nos mesmos. Não se olvida, contudo, que, à data dos factos, a arguida se encontrava numa situação pessoal precária e marcada por uma forte instabilidade emocional provocada pelo fim do seu relacionamento com o ofendido, o que terá potenciado a prática dos factos.
No que concerne às condições pessoais e à situação económica da arguida, é … e aufere o vencimento de € 1.100,00 (mil e cem euros) mensais, vive com as suas filhas, paga cerca de € 670,00 (seiscentos e setenta euros) de renda de casa, não tem empréstimos, é proprietária de um veículo automóvel marca ..., vive com as suas filhas menores, as quais recebem como pensão de alimentos o montante de € 210,00 (duzentos e dez euros) mensais.
Milita em desfavor da arguida não ter devolvido voluntariamente os bens furtados principalmente quando os documentos pessoais do ofendido de nada lhe serviriam.
Milita a favor da arguida a ausência de antecedentes criminais.
As exigências de prevenção geral são elevadas quer em face da importância do bem jurídico tutelado pela incriminação – o património - quer pela elevada frequência com que este tipo de crimes é praticado.
Dada grande incidência deste tipo de crimes, como são disso expressão os dados referidos no RASI de 2024, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.
Assim sendo, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.
No que concerne às exigências de prevenção especial, não são elevadas dada a inexistência de antecedentes criminais da arguida.
Assim julga-se adequado e justo aplicar à arguida uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
4.1.4 Do crime de Dano
- Da Escolha da Pena -
O crime dano é punível, em abstrato, com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias (artigos 212.º conjugado com os artigos 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal).
Os critérios conformadores da escolha da pena estão explanados no artigo 70.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada as finalidades da punição”.
Por sua vez, as finalidades da punição estão consagradas no artigo 40.º do Código Penal subsumíveis à prevenção geral positiva que visa consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na validade e vigência da norma violada, sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime, e à prevenção especial positiva que visa a reintegração do agente na sociedade através da prevenção da reincidência.
Ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa que apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.
Diz Figueiredo Dias, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”(cfr. “Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.198).
O Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade a não ser que por razões ligadas à necessidade de ressocialização do arguido ou à defesa da ordem jurídica o desaconselhem (cfr. Anabela Rodrigues, “Sistema punitivo português. Principais alterações ao Código Penal Revisto”, in Revista SubJudice, n.º 11, pág. 32 e Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Tomo II, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 333).
Constituindo a pena de prisão a ultima ratio da política criminal subjacente ao nosso ordenamento jurídico e considerando-se adequado e suficiente a pena de multa para que sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com a reação penal, deve a mesma ser aplicada.
A escolha da pena terá, assim, de ser perspetivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objetivos estipulados no referido artigo 40.º, do Código Penal.
No caso em análise, do ponto de vista das exigências de prevenção geral, há que ter em consideração a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais em análise – o património e a liberdade pessoal –, e, bem assim, a concretas consequências que o cometimento deste crime implica.
Deverá, igualmente, atender-se à necessidade de constante reforço dos bens jurídicos dada a frequência com que são praticados os ilícitos, como é disso expressão o Relatório Anual de Segurança Interna de 2024 (disponível em www.mai.gov.pt).
Assim sendo, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia nas normas jurídico-penais violadas, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.
Na perspetiva das exigências de prevenção especial positiva, consideramos que as mesmas são diminutas na medida em a arguida não tem antecedentes criminais, persistindo apenas a necessidade de prevenir o cometimento de mais crimes e de fazer interiorizar no mesmo o desvalor da sua conduta.
Assim, entende-se, por um lado, que não sobrelevam exigências de prevenção geral que apenas se satisfaçam com uma pena de prisão e, por outro, que a pena de multa reafirma na comunidade a manutenção do comando normativo violado, afigurando-se que a pena de prisão seria manifestamente desproporcional e desajustada quer à ressocialização da arguida quer à reafirmação da validade da norma violada.
Considera-se, desta forma, adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa à arguida por cada um dos crimes para que sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com a reação penal.
- Da medida concreta da pena-
As penas de multa a aplicar deverão ser aquelas que se mostrem adequadas ao comportamento da arguida, valorando-se, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, não esquecendo que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
O grau de ilicitude, para além do que já é valorado pelo tipo legal de crime e respetiva moldura abstrata, não é elevado em face da concreta atuação da arguida que, dentro do leque das condutas possíveis, não é das mais gravosas atentos os concretos danos provocados, embora a atuação da arguida tenha sido intensa quando dirigida ao objeto.
Relativamente ao modo de execução, nada de relevante se apurou para além da factualidade objetiva, sendo que a arguida catalisou quase toda a sua energia para os objetos em causa.
No que respeita à gravidade das consequências da conduta da arguida, deverá ter-se em consideração que o computador e o telemóvel ficaram inutilizados.
Quanto ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, nada de relevante se apurou.
Quanto à intensidade do dolo, a arguida agiu com dolo direto, querendo efetivamente destruir o computador e o telemóvel.
Relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, da factualidade objetiva apurada não é possível inferir qualquer causa justificativa ou atenuante para que a arguida atuasse como atuou, embora seja relevante a situação em que a arguida se encontrava que terá potenciado os factos.
A respeito das condições pessoais e à situação económica da arguida, valem aqui o referido supra a propósito do crime de violência doméstica e do crime de furto qualificado.
Milita a favor da arguida a ausência de antecedentes criminais.
O tribunal acredita, todavia, que os factos praticados pela arguida não traduziram um ato isolado da sua vida, traduzindo uma tendência desvaliosa da sua personalidade para a impulsividade.
Assim e considerando as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir (já ponderadas supra em sede de escolha da pena), julga-se adequada aplicar à arguida uma pena de 100 (cem) dias de multa por cada um dos crimes de dano.”
Analisada neste instância o teor da decisão recorrida, constata-se que se mostra correcta a anunciação da moldura abstracta relativa a cada um dos crimes praticados pela arguida, sendo que a fixação concreta da natureza da pena (de prisão para os crimes de violência doméstica e de furto qualificado e de multa para os crimes de dano) se revela acertada (o que a recorrente, diga-se, não põe sequer em causa), cabendo então avaliar se a medida concreta das penas se revela adequada e proporcional.
Considerando a moldura abstracta prevista para cada um dos crimes, constatamos, desde logo, que a pena concretamente fixada se mostra muito próxima do mínimo legal permitido no caso dos crimes que prevêem exclusivamente a pena de prisão, o que se considera correcto e não justifica assim qualquer censura à decisão recorrida; no que diz respeito aos crimes de dano - depois, e bem, de ter o tribunal a quo optado pela pena de multa (respeitando a primazia legal que deve ser dada às penas não privativas da liberdade, ao abrigo do disposto no art. 70.º do Código Penal) -, consideramos que as penas concretamente fixadas, consistentemente abaixo da patamar médio permitido pela moldura abstracta, em face da fundamentação aduzida (e que se mostra supra transcrita), se revela também adequada e proporcional.
Concluímos assim que encontradas as molduras abstractas das penas aplicáveis à arguida a decisão recorrida ponderou, de forma rigorosa e equilibrada, os factores de determinação da medida da pena que se impunham, tendo por pano de fundo o que dispõe no art. 71.º, n.º 2 do Código Penal e se revelou proporcional e cumpridora do espírito do legislador enunciado no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, pois permite reafirmar a validade das normas violadas e, por outro lado, a reintegração social da arguida.
Cremos, para concluir, ser a sua fundamentação totalmente cumpridora do que se dispõe no art. 71.º, n.º 3 do Código Penal, pois detalha os factores essenciais que o caso concreto impunha para determinar cada uma das penas definidas e, perante tais factores, pôde a arguida compreender o sentido da decisão tomada pelo tribunal.
Em suma, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida em sede de determinação das penas concretas aplicadas à recorrente.
Do cúmulo jurídico realizado.
Tem a decisão recorrida, nesta vertente, o seguinte teor:
“4.2. Cúmulo jurídico das penas
Os crimes praticados pela arguida encontram-se em situação de concurso entre si porquanto o foram antes de transitar em julgado a condenação de qualquer um deles pelo que, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, cumpre efetuar o cúmulo jurídico e condenar a arguida numa pena única.
De acordo com o disposto no n.º 1, parte final, do artigo 77.º, do Código Penal, na medida da pena única “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, logo se acrescentando no seu n.º 2 que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando -se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Importa, ainda, mencionar que, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, para que haja cúmulo jurídico é essencial que as penas em concurso sejam da mesma espécie. Tal decorre do disposto no artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal.
Ou seja, se tratarem de penas diversas, não se aplicará a pena única.
Note-se que no Projeto de Revisão do Código Penal elaborado pela respetiva Comissão, previamente à Reforma do Código Penal em 1995, era proposto que havendo que cumular penas de prisão e penas de multa, estas seriam convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
Abandonada essa solução o cúmulo far-se-á “entre as diversas espécies de penas, sendo a pena final uma pena compósita, composta por penas parcelares de espécies diferentes” (cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, pág. 294/295). E no mesmo sentido se pronuncia o Paulo Pinto de Albuquerque (cfr. “Comentário do Código Penal”, pág.284): “Em caso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza das mesmas mantém-se na pena conjunta. Assim, havendo concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa [...] verifica-se uma verdadeira cumulação material das penas, mantendo-se autonomamente as penas de multa, o que tem relevância prática para efeitos da extinção da pena de multa pelo pagamento”.
A arguida foi condenada em duas penas de prisão e em duas penas de multa, todas nos presentes autos e assim, penas de diferente natureza.
Desta forma, uma vez que a arguida foi condenada em penas de diferente natureza – pena de prisão e multa-as mesmas manter-se-ão, sendo a arguida condenada numa pena compósita de pena única de prisão e pena única de multa em relação aos crimes praticados.
Quanto às penas de prisão:
O tribunal aplicou à arguida uma pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão pelo crime de violência doméstica e de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de furto qualificado.
De acordo com o disposto no n.º 1, parte final, do artigo 77.º, do Código Penal, na medida da pena única “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, logo se acrescentando no seu n.º 2 que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando -se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Importa, ainda, mencionar que, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, para que haja cúmulo jurídico é essencial que as penas em concurso sejam da mesma espécie.
Tal decorre do disposto no artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal.
Assim, considerando as concretas penas aplicadas à arguida, a moldura abstrata do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas a todos os crimes em concurso – 3 (três) anos e 9 (nove) meses – e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso – 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
Determinada a moldura do concurso – 2 (dois) anos e 6 (seis) meses a 3 (três) anos e 9 (nove) meses anos - impõe-se uma nova ponderação sobre os factos, em conjunto com a personalidade da arguida, porquanto, no nosso sistema jurídico-penal, não vigora o método aritmético da medida da pena.
No caso vertente, a imagem global dos factos inculca uma ilicitude global já acentuada em face da persistência da arguida em praticar crimes quando é contrariada ou quando age por impulsividade.
Os dois crimes em causa aproximam-se e desenvolvem-se dentro do mesmo contexto de degradação do relacionamento e vida em comum entre a arguida e o ofendido.
As exigências de prevenção geral positiva no que respeita aos crimes em concurso são elevadas em face da frequência com que os tipos de crime em causa são praticados, sendo a violência doméstica um flagelo social.
É, desta forma, necessário apelar a uma maior necessidade de sancionamento pelo Direito Penal, para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, urgindo uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.
Por sua vez, são medianas as exigências de prevenção especial atentas as condições pessoais da arguida e da personalidade do mesmo manifestada nos factos, que implica uma punição eficaz para que o mesmo, de futuro, não cometa mais crimes.
Tudo visto e ponderado, designadamente a temporalidade, número e gravidade dos crimes em concurso e respetivas penas, bem como a circunstância do conjunto dos factos poder ser reconduzível a uma tendência criminosa, as exigências de prevenção especial de sociabilização e, ainda, as atuais condições pessoais da arguida, considera-se necessária, suficiente e adequada, por proporcional, a aplicação de uma pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
No que respeita às penas de multa:
Atentas as considerações que antecedem, considerando as concretas penas de multa aplicadas à arguida, a moldura abstrata do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas a todos os crimes em concurso – 200 (duzentos) dias – e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso – 100 (cem) dias.
Assim, determinada a moldura do concurso – 100 (cem) a 200 (duzentos) dias – impõe-se uma nova ponderação sobre os factos, em conjunto com a personalidade da arguida, porquanto, no nosso sistema jurídico-penal, não vigora o método aritmético da medida da pena, valendo aqui as mesmas considerações teóricas feitas a propósito do cúmulo das penas de prisão.
Tudo visto e ponderado, designadamente a temporalidade, número e gravidade dos crimes em concurso e respetivas penas, bem como a circunstância do conjunto dos factos poder ser reconduzível a uma tendência criminosa, as exigências de prevenção especial de sociabilização e, ainda, as atuais condições pessoais da arguida, considera-se necessária, suficiente e adequada, por proporcional, a aplicação de uma pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 140 (cento e quarenta) dias de multa.”
Em face da moldura abstracta dos cúmulos jurídicos realizados, consideramos que ter sido encontrada a medida concreta, quer da pena de prisão, quer da pena de multa, razoável e equilibrada, abaixo do seu patamar médio.
Devemos esclarecer que a reivindicada pena única de prisão que consta da conclusão f) do recurso interposto nem sequer se mostraria viável (1 ano e 10 meses), pois que os dois anos de prisão reclamados pela própria recorrente pela prática do crime de furto qualificado sempre seriam o patamar mínimo possível da moldura abstracta de tal cúmulo, considerando o disposto no art. 77.º, n.º 2, in fine do Código Penal.
A opção pela suspensão da pena de prisão de dois anos e oito meses mereceu as seguintes considerações na decisão recorrida:
Aplicada à arguida uma pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão., impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação da suspensão da pena de prisão (por inobservância dos pressupostos das demais atenta a pena concreta).
Determina o artigo 50.º do Código Penal que o Tribunal, no exercício de um poder dever e não mera faculdade em sentido técnico jurídico, suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 (cinco) anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O critério primordial que preside à escolha desta pena de substituição assenta em finalidades exclusivamente preventivas e não de compensação da culpa, com prevalência para as considerações de prevenção especial de socialização relativamente às quais a prevenção geral funciona como limite para a sua atuação.
A finalidade essencial é, assim, a ressocialização do agente na vertente de prevenção da reincidência cujas probabilidades de êxito são aferidas no momento da decisão em função dos indicadores previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal (cfr. Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime” Editorial Notícias, 1993, pág. 343 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.02.2010, no processo n.º 59/06.GAPFR, in www.dgsi.pt).
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da prática de crimes, assentando o juízo de prognose, não numa absoluta certeza, mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador derivado dos elementos de facto a que tem acesso (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993 pág. 344).
No caso vertente, atendendo às condições atuais da arguida, a circunstância de não ter antecedentes criminais, considera-se que ainda é viável um juízo de prognose favorável que permita a suspensão da pena de prisão mediante regime de prova e sujeição a deveres e regras de conduta.
De facto, a verdade é que a arguida melhor se regenerará não cumprindo, pela prática destes factos, pena de prisão efetiva, sempre com efeitos estigmatizantes, tendo permeabilidade, fora desta, para absorver os valores sociais e a necessidade de pautar a sua conduta consoante os valores assumidos pelo Direito.
Assim, não obstante o que já ficou expresso sobre as exigências de prevenção geral positiva e de prevenção especial, apesar de tudo ainda se vislumbra uma esperança sobre a capacidade da arguida inverter, de uma vez por todas e positivamente, o seu posicionamento relativo à prática de crimes, de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para a afastar da prática de novos crimes, mediante um processo de renovação de um projeto de vida compatível com o respeito, que é seu dever, pelos valores cuja ofensa integra crimes, e com a possibilidade, como é seu interesse, de uma realização pessoal e comunitária positiva.
Entre as duas alternativas possíveis – a da efetividade da prisão ou a suspensão da execução da pena de prisão –, o Tribunal opta por esta, acreditando-se que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão são suficientes para impedir a reiteração da conduta delituosa da arguida.
Se o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade é viável e possível, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr o risco em manter a arguida em liberdade.
E, nos termos do artigo 34.º B da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
Em face da gravidade dos factos e da situação pessoal da arguida, entende o Tribunal que o mesmo melhor se ressocializará em liberdade através da imposição de um regime de prova assente num plano individual de reinserção social, com vista ao retorno e manutenção do sentido social que, com a prática do crime, hostilizou, o qual deverá incidir, entre o mais que for conveniente para a ressocialização da arguida, na aquisição de competências sociais básicas direcionadas para a prevenção de comportamentos de agressão por violência doméstica e na frequência de programa relacionado com violência de género (conjugal) e filial, incluindo as regras de conduta, a executar e vigiar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 53.º e 54.º do Código Penal).
Por fim, importará sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão às seguintes regras de conduta: afastamento da arguida do ofendido, da sua residência ou local de trabalho, bem como a proibição de contactos, por qualquer meio (artigo 34.º B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e artigo 52.º, n.º 2, do Código Penal) com exceção para tratar de questões relacionadas com as filhas de ambos.
Do ponto de vista da prevenção geral, entende-se que à suspensão da execução da pena de prisão, porque sujeita a regime de prova, ao dever e regras de conduta descritas, não se opõem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, porquanto a comunidade verá restabelecida a validade da norma violada por via da assunção da responsabilidade pela arguida.
Também ao nível da prevenção especial mostram-se cumpridas as respetivas exigências por se acreditar que a arguida, mediante a imposição daquele regime, dever e regras de conduta, se afastará, definitivamente, da prática de crimes.”
Sem qualquer fundamento concreto, a recorrente reclama que se fixe em dois anos o período de suspensão da pena de prisão fixado, discordando assim do período de três anos fixado na decisão recorrida.
À falta de um argumento concreto, seja positivo (não ponderado na decisão recorrida), seja negativo (que contrarie algum aduzido pelo tribunal a quo), consideramos que o enquadramento para a fixação do período de suspensão em três anos (associado às demais condições que a recorrente não coloca em dúvida) se mostra adequado e compatível com as exigências de prevenção (quer geral, quer especial) que o caso convoca, pelo que, nesta parte, improcede o recurso interposto.
Do valor indemnizatório
Vem a recorrente reclamar como ajustado e proporcional o valor de € 2000 (dois) mil euros, não concordando com os € 3000 mil euros atribuídos à vítima.
Apreciemos.
A este respeito, depois de concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (que a recorrente não põe em causa), a decisão recorrida teceu as seguintes considerações:
“A obrigação de indemnizar visa “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562.º do Código Civil).
Como ensinava o Vaz Serra, “o dano é todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não. Também há danos quando se diminui o património (dano patrimonial) como quando se afecta o corpo, a saúde, a vida, a honra, o bem-estar, o crédito, etc. (...) (dano não patrimonial)”(cfr. “Obrigação de Indemnização”, B.M.J., n.º 84, págs. 8 e 9).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil).
O cálculo da indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil).
Nos danos patrimoniais incluem-se o dano emergente, ou seja, o prejuízo imediatamente sofrido pelo lesado, e lucro cessante como as vantagens que deixaram de entrar no património do lesado, como consequência da lesão (artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil).
Para além destes tipos de danos patrimoniais, temos os danos futuros, dispondo quanto a eles o n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Quanto aos danos não patrimoniais, postula o artigo 496.º do Código Civil, no seu n.º 1, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Se é uma evidência incontestável que os danos não patrimoniais não podem ser matematicamente contabilizados, não é menos certo que o seu ressarcimento, por simbólico que seja, sempre servirá para minorar e compensar os danos sofridos, pese embora esteja limitado àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil).
A gravidade “há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada) (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª Edição, pág. 499), pelo que os meros incómodos ou arrelias não merecem tutela (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28.01.2009, no processo n.º 46/06.7TBVGS.C1, e do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16.03.2009, no processo n.º 1074/06.6TBBCL-G1, disponíveis na base de dados da D.G.S.I.).
“A indemnização por danos não patrimoniais não é uma indemnização no sentido próprio, por não ser equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no status quo ante. É, tão só, uma satisfação ou compensação do dano sofrido, que não é verdadeiramente avaliável em dinheiro.” (cfr. Vaz Serra, in B.M.J., n.º 83-83).
A equidade é um critério residual de justiça do caso concreto, apenas aplicável em situações excecionais tipificadas na lei (artigo 4.º do Código Civil), quando se “encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos (…)” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03.02.2009, no processo n.º 08A3942) e em que é necessário fazer a "adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares" (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07.07.2009, no processo n.º 704/09.9TBNF.S1)
A equidade faz apelo a "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida" (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, pág. 501).
Porém, o juízo de equidade não significa arbitrariedade.
Julgar equitativamente é procurar a mais justa das soluções, a justiça do caso concreto, mas sempre dentro dos limites que o Tribunal tiver por provados.
Assim, “é necessário, em última linha, que haja um mínimo de elementos sobre a natureza dos danos e sua extensão, que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles que realmente lhe correspondem, entre um mínimo e um máximo, ou seja, entre o montante que seja absolutamente inquestionável que é ultrapassado (valor mínimo), mas de forma que não exceda o montante pedido a respeito do dano (valor máximo), já que a condenação não pode exceder o pedido formulado - art. 661.º-1 do CPC.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 03.09.2009, já citado).
Na determinação do quantum compensatório deverá ter-se em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias cuja influência se faz sentir (cfr. artigos 496. ° n.º 3 do Código Civil).
Deverá ter-se em consideração, ainda, na esteira do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão datado de 19.10.2004, no processo n.º 2897/04 “As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, "valem" hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tomam mais próximos toda a sorte de riscos (…) os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, particularmente a do art. o 70 do Código Civil.”
No caso em concreto, estão em causa danos patrimoniais e não patrimoniais.
No que concerne aos danos patrimoniais, provou-se que a arguida destruiu o computador e o telemóvel do ofendido, estando preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Quanto aos danos não patrimoniais, os danos sofridos pela vítima merecem a tutela do direito por não se reconduzirem a meros incómodos na medida em que constituem uma afronta à sua dignidade pessoal.
Os factos praticados pela arguida constituem um crime, que integra o padrão de criminalidade violenta (cfr. artigo 1º, alínea j), do Código de Processo Penal) e foram praticados com dolo direto (o ato lesivo foi intencionalmente praticado com consciência da sua ilicitude penal).
A natureza e extensão dos atos ofensivos praticados (essencialmente humilhações e ameaças, violência física) são suscetíveis de provocar lesões na personalidade da vítima e na sua existência.
Na verdade, o ofendido tem direito, enquanto pessoa, de preservar a sua integridade física e psíquica e a sua liberdade de ação, que foram coartadas por ação voluntária da arguida, vendo a sua dignidade atingida quer como companheiro e pai dos filhos da arguida.
Ficou provado que, com a conduta da arguida, designadamente perseguindo o mesmo na rua, rasgando-lhe os calções, arrombando a fechadura da casa do ofendido, subtraindo a este bens pessoais, telefonando imensas vezes ao mesmo, bem como o teor das mensagens que lhe enviou com palavras injuriosas e através das quais desconsiderou a sua honra e considerações pessoais, bem como a ameaças proferidas à vida e/ou integridade física do ofendido, a arguida causou no mesmo, sofrimento e ansiedade.
Acresce que a vítima tem o direito, enquanto pessoa, de preservar a sua integridade física e o seu bem-estar, não sendo legítimo que outrem o viole ilicitamente, como sucedeu no presente caso.
Assim sendo, perante a gravidade da conduta da arguida, e as respetivas consequências, o grau de culpabilidade da mesma, que agiu com dolo, e as condições económicas desta, e segundo o referido juízo de equidade, julga-se adequado e equitativo fixar a indemnização no valor de € 1000,00 ( mil euros) a título de danos patrimoniais e € 2.000,00 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, o que totaliza o montante de €3.000,00 (três mil euros).
Atendendo que os danos não patrimoniais foram calculados segundo um juízo atualista de equidade (artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil), são devidos juros de mora a partir da data em que foram fixados (cfr. Assento do S.T.J. n.º 4/2002, publicado no D.R., I Série, de 27.06.2002, Acórdãos do S.T.J. datados de 10.11.1993, in Sub Judice-Novos Estilos, 7.º pág., e de 2.11.1995, na C.J. – S, Tomo 3.º, pág. 220).
Com efeito, ao valor fixado para os danos não patrimoniais acrescem juros de mora vencidos desde a data da prolação desta decisão, à taxa legal e anual de 4% (ou outra que venha a estar em vigor), até efetivo e integral pagamento (cfr. artigos 559.º e artigo 1.º da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).”
Dispõe o disposto no art. 412.º, n.º 2 do CPP o seguinte:
“Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.”
A recorrente limita-se a afirmar a sua discordância relativamente ao valor (global) da indemnização que foi fixada pelo tribunal a quo, sem, minimamente, explicar com que dimensão da indemnização fixada (se danos patrimoniais, se danos não patrimoniais, se ambas) discordava.
Neste momento, não se justifica mais do que, em face da argumentação aduzida na decisão recorrida para fixar, em face da factualidade provada, os valores relativos aos danos patrimoniais e não patrimoniais, considerar a mesma como fundamentada e correcta, isenta assim de qualquer censura, falecendo assim, também nesta parte, o recurso interposto.

VII. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela arguida que se fixam em 4 (quatro) UCs.
Notifique.

Lisboa, 8 de Outubro de 2025
Texto processado e revisto integralmente pelo relator – art- 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Mário Pedro M.A.S. Meireles
João Bártolo
Joaquim Cruz
____________________________________________
1. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2009, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e11c50996991c5df802575f20052ae77?OpenDocument, onde, na sua fundamentação, se faz uma profusa alusão à jurisprudência dos tribunais superiores, mantendo plena actualidade.