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CONTRA-ORDENAÇÕES
AUTO
Sumário
I - Sendo certo que a lei exige, especificamente para a matéria das contraordenações, que o auto contenha determinados elementos essenciais, também é certo que a entidade autuante, maioria das vezes, conta apenas com as declarações de quem está presente no local da fiscalização, tantas vezes trabalhadores da autuada e não sócios da mesma, outras vezes uns ou outros que, com intenção clara de alegarem mais tarde a incompletude ou nulidade do auto, prestam insuficientes e inexactas informações ao agente autuante. Ii - Servir-se a autuada dessas insuficiências a que deu casa, diretamente ou através de pessoas que para si prestam trabalho, para posterior impugnação do auto é, como se percebe, se não mais, pelo menos fundamento para a sua improcedência.
Texto Integral
Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Pelo Juízo Marítimo – J2 – foi proferida decisão do seguinte modo:
(…)
Nestes termos, e com tais fundamentos, decido julgar totalmente improcedente a presente impugnação e, em consequência, mantem-se a decisão recorrida, condenando-se:
AA, como co-autor material e em concurso efectivo das duas contraordenações supra referidas (captura de espécie subdimensionada e não marcação do pescado), no pagamento da coima única de €600,00.
CC, como co-autor material e em concurso efectivo das duas contraordenações supra referidas (captura de espécie subdimensionada e não marcação do pescado), no pagamento da coima única de €600,00.
BB, como co-autor material e em concurso efectivo das duas contraordenações supra referidas (captura de espécie subdimensionada e não marcação do pescado), no pagamento da coima única de €600,00.
Mais declaro perdidas a favor do Estado o pescado capturado e a entrega a instituição de beneficiência.
(…)
Inconformados com a decisão, os requeridos interpuseram recurso [conjunto], formulando as seguintes conclusões:
(…)
I. No articulado de DEFESA que apresentaram, os arguidos negaram a prática dos factos de que vinham acusados, apresentaram argumentos de facto e suscitaram questões de Direito que impediam a sua condenação, tendo ainda requerido diversos meios de prova, nomeadamente prova testemunhal. Sucede que o autuante, em primeiro lugar, e o Tribunal a quo, em segundo, fizeram “tábua rasa” da defesa apresentada pelos arguidos, e sobre ela nem sequer de forma perfunctória se pronunciou relativamente aos pontos A, B e C. Do cotejo dos presentes autos, verifica-se que o ente administrativo decisor – Autoridade Marítima Nacional – e o Tribunal a quo não consideraram, apreciaram ou versaram sobre os pontos A, B e C da “defesa” esgrimida pelos arguidos, sendo, no tocante a esses concretos pontos, absolutamente omissa/silente, facto gerador de nulidade. Em verdade, no decorrer da decisão de que ora se recorre, nenhuma referência, por mais ínfima que seja, é feita em relação:
a) À invocada nulidade/inexistência do auto de notícia por preterição do direito à defesa dos arguidos, atento o teor dos artigos 243.º, 283.º n.º 2, 119.º d) e 120.º n.º 2 d), do Código de Processo Penal;
b) À invocada nulidade do auto de notícia relativa a deficiente identificação do arguido BB;
c) À invocada nulidade do auto de notícia relativa a deficiente identificação do arguido AA; e, ainda;
d) e) À invocada nulidade do auto de notícia relativa a deficiente identificação do arguido CC,
pelo que é nula e de nenhum efeito a decisão do tribunal a quo, atento o teor dos artigos 32.º, 41.º, 50.º e 58.º do RGCO, artigo 615.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, artigos 119.º al. d), 243.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal, e artigos 2.º, 3.º n.º 2, 18.º, 20.º, 29.º e 32.º da Lei Fundamental.
II. Nos termos do artigo 50.º do RGCO e artigo 243.º do Código de Processo Penal, onde, no seu n.º 1, se define que: “Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem: a) actos que constituem o crime; b) o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido; e c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos” (o destaque a negrito é de nossa autoria). De facto, o artigo 32.º deste diploma legal estatui que: “Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal”. Ademais, no tocante ao processo de contraordenação propriamente dito, sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, mutatis mutandis, os preceitos reguladores do processo criminal, que se encontram plasmados, quer no Código de Processo Penal (doravante, brevitatis causa, CPP), quer na Constituição da República Portuguesa (doravante, brevitatis causa, CRP) – cfr. artigo 41.º do RGCO. Por sua vez, define o artigo 4.º do CPP que: “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.
III. O direito à defesa em processo penal e/ou contraordenacional, num Estado de Direito Democrático, como ainda parecer ser o caso de Portugal, é um direito fundamental, consagrado na Constituição da República Portuguesa e na legislação ordinária de cariz sancionatório (cfr. artigos 2.º, 3.º n.º 2, 18.º, 20.º, 29.º e 32.º da CRP). Em verdade, no “auto de notícia/notificação”, escrita em português (de Portugal) exarada em ... de ... de 2024 pelo ... é referido que os arguidos podem apresentar defesa por escrito no prazo de 15 dias sobre contraordenações que lhe são imputadas. Todavia, neste “auto de notícia/notificação”, continua a existir a omissão completa dos elementos essenciais que devem integrar um auto de notícia ou acusação pública, em total arrepio do disposto pelo artigo 243.º e 383.º do CPP, facto gerador de nulidade nos termos do artigo 119.º alínea d) e 120.º n.º 2, alínea d) da mesma codificação. Ou seja, nesse auto de notícia/acusação elaborado pelo ... não se vislumbram o quem, o quando, o onde e o como. Assim, por tais razões, a comunicação administrativa que antecede é inexistente, é nula e de nenhum efeito, devendo conduzir à absolvição dos arguidos e arquivamento dos autos, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 32.º e 41.º do Regime Geral das Contraordenações, dos artigos 119.º al. d) e 243.º do Código de Processo Penal; e, ainda, dos artigos 2.º, 3.º n.º 2, 18.º, 20.º, 29.º e 32.º da Lei Fundamental.
IV. O arguido BB não vislumbrou na documentação que recebeu qualquer referência à sua identificação e/ou presença no local onde supostamente foram praticados factos susceptíveis de integrarem a prática das contraordenações que vêm plasmadas na notificação, pelo que, relativamente à sua pessoa, nenhuma sanção ou coima lhe podem ser aplicadas, impondo-se a sua imediata absolvição – cfr. DOC. 1, que ora se junta e aqui se reproduz para todos os efeitos legais.
V. O número de identificação civil dos arguidos AA e CC não se encontram corretamente descritos na documentação remetida por esse ..., facto outrossim gerador de invalidade do “auto de notícia”, se é que o mesmo existe juridicamente – cfr. DOCS. 1, 2 e 3.
VI. Sendo ainda certo que o nome do arguido CC não se encontra também corretamente referido na documentação, o que também gera a nulidade de todo o processado relativamente à sua pessoa – cfr. DOC. 3, que ora se junta e aqui se reproduz para todos os efeitos legais.
VII. Assim, a suposta “denúncia” elaborada pela ... que acompanhará a notificação dirigida aos arguidos tem-se por nula ou até mesmo inexistente, nos termos dos artigos 119.º d), 243.º e 383.º, n.º 3, al. a) do CPP, ex vi do artigo 41.º do RGCO.
VIII. Com efeito, do cotejo dessa “denúncia” verifica-se, desde logo, a incorrecta identificação dos arguidos, o que é gerador da sua nulidade e, consequente, ineficácia, atento o teor do artigo 243.º do CPP, aplicável in casu por remissão do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.
IX. A nulidade invocada também se estende, por consequência, ao auto de contraordenação que integra a dita “denúncia”, que se mostra omissa, por dela não constar qualquer a factualidade sobre qual se pressupõe que os arguidos se possam pronunciar, exercendo o seu legítimo direito à defesa, que se encontra consagrado como direito fundamental no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, brevitatis causa, CRP).
X. Diante desse “auto de notícia/auto de contraordenação/notificação” recebida pelos 3 arguidos – cfr. DOC. 4 – como podem eles apresentar defesa se não existem factos narrados nesse auto. De facto, apenas lhe é dito que incorreram em contraordenações e que podem apresentar defesa no prazo de 15 dias! Ora, as perguntas são pertinentes: Quais factos? Quando ocorreram? Onde ocorreram? Quem os praticou? Como os praticou? Efectivamente, nesse “auto de notícia” – cfr. DOC. 4 – nada lhes é dito para que eles possam contradizer! Como decorre do artigo 18.º da Lei Fundamental, os direitos, liberdades e garantias gozam de aplicabilidade directa e vinculam directamente todas as entidades públicas, como é o caso da Autoridade Marítima Nacional, e todas as entidades privadas. A este respeito vide o acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa, em 06.12.2027, relatado pela Veneranda Sra. Desembargadora Albertina Pereira, votado por unanimidade, disponível para consulta online no sítio www.dgsi.pt e, ainda, o douto acórdão do Tribunal da Relação do Coimbra, em 10.04.2024, processo n.º 160/23.2T8OFR.C1, relatado pelo Venerando Sr. Desembargador Pedro Lima, votado por unanimidade, disponível para consulta online no sítio www.dgsi.pt.
XI. No tocante ao caso dos autos, temos que os arguidos se encontram objetivamente impossibilitados de exercer o seu direito à defesa, na medida em que o auto de notícia é absolutamente omisso quanto “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”, o que contraria a disciplina imperativa da alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP, ferindo aquele auto de nulidade insanável, arguível a todo o tempo, configurando ainda uma situação de inconstitucionalidade, por violação do direito fundamental do arguido a apresentar defesa em processo equitativo, consagrado pelos artigos 18.º e 32.º da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais.
XII. O arguido BB encontra-se deveras surpreendido por ter recebido a notificação (vide DOC. 1) para os termos dos presentes autos de contraordenação, dado que não vislumbrou na documentação que recebeu qualquer referência à sua identificação e/ou presença no local onde supostamente foram praticados factos susceptíveis de integrarem a prática das contraordenações que vêm plasmadas na notificação, pelo que, relativamente à sua pessoa, nenhuma sanção ou coima lhe podem ser aplicadas, impondo-se a sua imediata absolvição – cfr. DOC. 1.
XIII. De outro lado, refira-se que os números de identificação civil dos arguidos não se encontram corretamente descritos na documentação remetida por esse ..., facto outrossim de invalidade do suposto “auto de notícia”, se é que o mesmo existe – cfr. DOCS. 1, 2 e 3
XIV. Sendo ainda certo que o nome do arguido CC não se encontra também referido nessa documentação, o que gera a nulidade de todo o processado relativamente à sua pessoa – cfr. DOC. 3.
XV. Atento o depoimento das testemunhas arroladas pelos arguidos e dos demais meios de prova produzidos nestes autos, ficou por provar, de forma inequívoca, que aqueles tenham praticado qualquer facto susceptível integrar a previsão das contraordenações que lhe são imputadas. De facto, resultou provado que a existência dos presentes autos de contraordenação tem por base uma errada percepção dos elementos da autoridade marítima …, que, verificando a existência de lixo, detritos e sacos a boiar a cerca de 50 metros da embarcação dos arguidos, presumiram que o saco de peixes por si recolhido das águas lhes pertencia, o que não corresponde à verdade dos factos. São os arguidos pessoas honestas, rectas e bem consideradas por todos os quantos os conhecem, respeitando todas as regras e normas jurídicas reguladoras da pesca lúdica. A sua actividade piscatória no ... já foi por variadíssimas vezes fiscalizada no passado, nunca lhes tendo sido levantado um auto pelas autoridades marítimas portuguesas ou …. relativo a infrações à legislação relativa à pesca lúdica por si cometidas.
XVI. O auto que deu causa a este processo surgiu, tão-só, de uma mera suposição (errada) por banda dos dois elementos da “polícia marítima” …. Concluíram, erradamente, que a saca que recolheram das águas era pertença da embarcação que consideraram ser a mais próxima, que estimaram ser aquela em que os arguidos seguiam, o que também nem correspondia a verdade. Daí terem intercetado a embarcação dos arguidos e concluído que a dita saca lhes pertenceria, o que, repisa-se, não corresponde à verdade. ϖ
Em conformidade com as conclusões expostas e o douto suprimento de V.as Ex.as, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Despacho Judicial recorrido, que é nulo, substituindo-o por um outro devidamente fundamentado, quer de facto, quer de Direito, que, fazendo a correcta apreciação dos elementos de prova, absolva todos os arguidos e ordene o arquivamento dos autos, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:
(…)
1. Os arguidos/recorrentes, AA, CC e BB, manifestam a sua discordância com a sentença e a decisão administrativa, alegando que houve, nomeadamente, um erro na sua identificação, no auto de notícia; o que, segundo eles, gera nulidades no processo.
2. Acontece que, como mostra a sentença de ora se recorre, embora a identificação inicial no dia da fiscalização tenha sido «parca», foi possível completar a identificação dos arguidos posteriormente.
3. Com efeito, o artigo 61º do Código de Processo Penal (CPP) impõe aos arguidos o dever de responder com verdade às perguntas sobre sua identidade. Ao darem informações incorretas ou incompletas, os arguidos agiram contra a Lei e, portanto, não podem agora usar essa incorreção para invalidar a decisão administrativa.
4. Mas, como tal só por si não bastasse, a Lei 5/95 de 21 de fevereiro, obriga os cidadãos maiores de 16 anos a portar um documento de identificação em locais públicos. O que não ocorreu!
5. Ora, este «erro na identificação dos arguidos», para além de espelhar uma postura de tentativa de fuga; quando, na altura dos factos, deram identificações parcas para se eximirem das suas responsabilidades. Como, agora, neste recurso, a continuar a insistir num «erro» que não existe!
6. Mais, segundo os recorrentes afirmam, exercem a atividade de pesca e já haviam sido fiscalizados «variadíssimas vezes», o que prova que eles conheciam as regras de fiscalização.
7. Não existindo quaisquer dúvidas de que foram os arguidos que cometeram a contraordenação e, por isso, a coima (multa) aplicada deve ser mantida.
8. Continuam, ainda os recorrentes a insistir que a decisão administrativa e, agora a sentença judicial, são nulas por omissão de pronúncia, uma vez que não apreciaram:
A. Erro na identificação dos arguidos.
B. Preterição do direito de defesa.
C. A versão dos arguidos. NADA MAIS FALSO!
9. Com efeito, o Direito de Mera Ordenação Social é um ramo autônomo do Direito Processual Penal, e este último atua apenas de forma subsidiária. Isso significa que as regras do processo penal só são aplicadas se não houver uma solução específica no regime das contraordenações e se a sua aplicação for necessária.
10.Sendo que, a fase administrativa dos processos de contraordenação é caracterizada pela celeridade e simplicidade. Por isso, não se exige o mesmo rigor de fundamentação que uma sentença penal condenatória, conforme o artigo 374º do Código de Processo Penal.
11.O importante é que a decisão administrativa apresente as razões de fato e de direito que levaram à condenação, permitindo que aos arguidos/recorrentes que compreendam a base da decisão e decidam se a impugna. O que ocorreu!
12.De facto, o artigo 58º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (RGCOC), que estabelece os requisitos obrigatórios para a decisão administrativa. Ele lista os oito pontos que a decisão deve conter, como a identificação dos arguidos, a descrição dos fatos, a fundamentação, o valor da coima, e os procedimentos para o recurso.
13.Ora, a sentença judicial veio confirmar que a decisão administrativa atende a todos os requisitos do artigo 58º do RGCOC. Reforçando que, como uma decisão administrativa não é uma sentença judicial penal, não se podendo exigir o mesmo grau de fundamentação.
14.Não se verificando qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nem na decisão administrativa nem na sentença. Mas, no mínimo, descabidos!
15.Já quanto ao Auto de Notícia ser nulo ou inexistente devido a um erro na identificação, importa não esquecer que se erro houve, ele foi intencional por parte dos arguidos.
16.Não podendo deixar-se de destacar, a contradição dos próprios arguidos, por um lado dizem desconhecer os factos, mas por outro dizem que o auto de notícia onde constam os factos é nulo ou inexistente.
17. Depois admitem estar a praticar a pesca no local e na data da ocorrência, alegando que o contacto com a polícia marítima … foi de «total colaboração», com a apresentação de toda a documentação solicitada.
18.Ora, tal «total colaboração» foi refutada pelo agente autuante, ao revelar que alguns dos arguidos não tinham documentos de identificação, e a identificação só foi possível através de fotos da licença de pesca guardadas no telemóvel dos mesmos.
19.Além disso, foram tiradas fotografias dos arguidos para identificação visual.
20.Aliás, em boa da verdade, a questão deste recurso não é a falta de identificação ou o erro no nome dos arguidos, mas sim o fato de os arguidos terem contribuído intencionalmente para que se dificultasse a sua identificação, tentando desde o início tirar proveito disso.
21.Ou melhor, os arguidos/recorrentes CONTINUAM com a mesma atitude processual, uma vez, na altura dos factos alguns arguidos/recorrentes deram a sua identificação fiscal e, agora, tal como na impugnação só juntam cópia do cartão de cidadão da parte da frente, bem sabendo que na parte de trás se encontram os respetivos NIFs.
22.Em face do exposto, o processo de identificação, embora dificultado pela conduta dos arguidos, foi concluído com sucesso. A alegação de nulidade é, portanto, uma tentativa de frustrar a busca pela verdade e pela Justiça material, o que não deve ser permitido.
23.Alegam ainda os arguidos de que houve uma preterição do seu direito de defesa no processo de contraordenação, argumentando que o auto de notícia não continha os fatos narrados necessários para a sua defesa.
24.Ora, refuta-se tal afirmação, uma vez que a defesa teve acesso a todas as informações! Sendo esta conduta mais uma tentativa de fraude processual.
25.Ou seja, os arguidos/recorrentes afirmam que não se puderam defender adequadamente porque o auto de notícia não detalhava os fatos. Eles alegam que o documento (nº4) que receberam não continha a narrativa dos eventos, o que impossibilitaria a sua defesa. Juntando esse documento para prova.
26. Ora, acontece que essa notificação enviada aos arguidos (referida como "documento 4") vinha acompanhada da «denúncia e respetiva tradução certificada».
27.E, essa «denúncia» descreve os fatos detalhadamente: o dia e a hora da fiscalização, a localização, a descrição da embarcação, o flagrante de um saco com 44 robalos sendo atirado ao rio e a identificação dos arguidos.
28.Deste modo, e, mais uma vez, a notificação cumpriu todos os requisitos legais. Confirmando-se que os arguidos foram notificados sobre os fatos imputados, a legislação infringida e os seus direitos de defesa, cumprindo assim o que é exigido pelo artigo 50º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (RGCOC).
29.Finalmente, não pode deixar de se reafirma o Princípio fundamental do Direito Processual: não existe um «direito de mentir».
30.Como referem os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, embora a lei possa tornar «inexigível» o cumprimento do dever de verdade por parte do arguido (como forma de proteger contra a autoincriminação forçada); tal não lhe confere o direito de mentir.
31.Não podendo deixar de destacar a conduta dos arguidos, neste recurso, como mais uma tentativa «descarada» e estratégia deliberada para «se furtarem a serem punidos», ao tentarem enganar Vas. Exas., tal como o tentaram fazer na investigação e no Tribunal «a quo», através de uma «conduta processual censurável», que não pode nem deve ser tolerado!
Nesta conformidade, entendemos que a sentença proferida da Mma. Juiz «a quo» não merece qualquer reparo, sendo que procedeu a uma correta interpretação das normas atinentes ao caso em apreço.
TERMOS EM QUE, COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXCELENCIAS, se deve negar provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida, assim se fazendo ao tão costumada JUSTIÇA
(…)
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O recurso foi admitido, com forma, modo e efeito devidos.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o visto.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, veio o processo à Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Os requeridos, nas conclusões do recurso, fixam o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- omissão de pronúncia da decisão;
- nulidade da decisão ainda por preterição de elementos identificativos no auto;
- nulidade, por consequência, ao auto de contraordenação que integra a dita “denúncia”, que se mostra omissa, por dela não constar qualquer a factualidade sobre qual se pressupõe que os arguidos se possam pronunciar;
- atento o depoimento das testemunhas arroladas pelos arguidos e dos demais meios de prova produzidos nestes autos, ficou por provar, de forma inequívoca, que aqueles tenham praticado qualquer facto susceptível integrar a previsão das contraordenações que lhe são imputadas.
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Fundamentação
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão do seguinte modo, atentas as questões que considerou estarem em causa: (…) Questões a decidir. A questão suscitada na impugnação consiste basicamente em determinar se os Recorrentes cometeram os factos integradores das contra-ordenações pelas quais foram condenados pela autoridade administrativa e a correcção da sua subsunção jurídica, efectuada na decisão recorrida, sendo que previamente nos pronunciaremos sobre as apontadas nulidades. ** Nulidade da decisão administrativa: O regime processual do direito de mera ordenação. Um dos segmentos em que a autonomia do direito das contra-ordenações se afirma face ao Direito Penal é o do regime processual, o qual, apesar das ligações que mantém com o processo penal, distancia-se deste, quer na estrutura do processo, quer no regime de múltiplos actos processuais. De facto, concebido o direito das contra-ordenações como um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória no sentido de dar maior eficácia à acção administrativa, o núcleo fundamental dos poderes sancionatórios, quer ao nível da iniciativa processual, quer ao nível decisório propriamente dito, é atribuído à Administração, relegando a intervenção judiciária para um nível de subsidiariedade. Incumbe deste modo à Administração o conhecimento das infracções e o respectivo sancionamento, sendo os tribunais chamados apenas a intervir, pela via do recurso de impugnação, em caso de discordância dos condenados relativamente às decisões proferidas, em primeiro nível, pela Administração. O processo contraordenacional é passível de se desdobrar em duas fases, sendo a primeira de verificação obrigatória. A saber: − A fase pré-judicial ou administrativa do processo, que vai da notícia da infracção à decisão proferida pela Autoridade administrativa (arts. 33.º a 58.º do RGCOC); − A fase judicial, a qual compreende o conjunto de actos processuais que vão da interposição do recurso à decisão deste nos tribunais (arts. 62.º e ss. do RGCOC). A fase administrativa do processo – a única que agora importa cuidar – pode ser dividida em três grandes etapas. A saber: − Da notícia da infracção ao cumprimento do disposto no art. 50.º do RGCOC; − Os actos subsequentes à intervenção prevista no referido art. 50.º do RGCOC; − A decisão final. De entre o conjunto de actos que integram cada um dos referidos momentos da fase administrativa do processo contraordenacional, merecem especial atenção aqueles que se referem aos segundo e terceiro estádios referidos, atenta a questão suscitada pelos Recorrentes. O direito à audição e ao contraditório do arguido encontra-se previsto no art. 50.º do RGCOC. Este normativo corresponde à consagração no plano ordinário do comando constitucional vertido no art. 32.º, 10, da Lei Fundamental, segundo o qual é inviável a aplicação de qualquer tipo de sanção contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade. Sem prejuízo dos demais direitos que outras normas constitucionais incluem no conjunto das garantias asseguradas aos arguidos em processos sancionatórios (cf. art. 20.º da CRP), o alcance atribuível à norma do n.º 10 do art. 32.º é, todavia, conforme tem acentuado a jurisprudência constitucional (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 344/93), o de que o processo contraordenacional, embora esteja envolto num conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, não é equiparável, contudo, ao processo penal e, nessa medida, não conduz, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição para o primeiro de todas e quaisquer regras expressamente previstas para o segundo, designadamente em termos de os elementos que este particularmente inclui se tornarem, só por isso, comuns àquele. Ou seja, o processo contra-ordenacional, por ser sancionatório, encontra-se subordinado ao reconhecimento de um conjunto de garantias que o aproximam do processo penal; mas tais garantias não são equivalentes ou equiparáveis às garantias asseguradas no âmbito do processo criminal, designadamente em termos de viabilizar a conversão daquela aproximação numa sobreposição integral de regimes. Significa isto que a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contraordenacional não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no n.º 5 do seu art. 32.º, para o processo criminal. Porém, o reconhecimento da inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal é, ainda assim, conciliável com a necessidade de serem observados determinados princípios comuns, sendo que um desses princípios, transversal a todos os processos sancionatórios, será desde logo, por directa imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inserido num desenvolvimento processual em que o contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da actuação dos poderes públicos, Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/97. E, sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, de facto, o art. 50.º do RGCOC estabelece que «não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.» Está, pois, legalmente incrementado o direito de audição e de defesa do arguido no processo contraordenacional relativamente aos factos que lhe são imputáveis e a sua subsunção jurídica. Na fórmula utilizada pelo Assento n.º 1/2003, de 16/10/2002, do Supremo Tribunal de Justiça, os direitos de defesa e audiência assegurados no âmbito do processo contraordenacional implicarão, em síntese, que ao arguido seja dada previamente a conhecer «a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.» A intervenção prevista no art. 50.º do RGCOC surge, assim, como um momento fulcral do processo, situado entre a investigação preliminar e a decisão, assumindo-se como o espaço natural da defesa e do contraditório. O regime geral das contraordenações não especifica a forma através da qual a audição deva ser efectuada: o que exige é que ao arguido seja dado conhecimento da factualidade que lhe é imputada e da respectiva qualificação jurídica. Tal conhecimento tanto pode ser levado a cabo numa audição formal, como através da notificação de uma peça processual – uma acusação - que integre aqueles elementos, ou da notificação dos elementos do processo que os contenham. Na sequência dessa audição, o arguido pode requerer quaisquer diligências probatórias que repute de relevantes para a sua defesa e ponham em causa a factualidade que lhe é imputada, pedido esse que deve passar pelo crivo da autoridade administrativa, que as deferirá, salvo no caso de manifesta impertinência das mesmas. Nesse contexto, e por forma a salvaguardar a integridade do princípio contido no mencionado art. 32.º, n.º 10, da CRP, o arguido beneficia do direito de participar na produção dos meios de prova por si solicitada, quer pessoalmente, quer através do seu defensor. Analisando agora, a primeira das nulidades invocadas – Erro na identificação dos arguidos: Compulsados os autos verifica-se que no dia da fiscalização – .../.../2023, pelas 20:40 horas foram identificados os três arguidos com os elementos de identificação que, na data, possuíam, AA com o NIF nº ...; CC com o NIF nº ... e BB com a licença de pesca nº ... (que se terá identificado como DD) e NIF nº ... (fls. 4 e posteriormente identificação de fls. 8 a 11, 15 e 16 e fotografia de fls. 58). Ou seja, embora parca (mas existente) a identificação dos arguidos no dia da elaboração do auto de notícia, o certo é que posteriormente foi logrado conseguir uma identificação completa dos mesmos. E, como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público, nos termos do art. 61º do CPP um dos deveres impostos aos arguidos é responder com verdade às perguntas feitas pela entidade competente sobre a sua identidade, cfr. nº 6, al. b), do citado artigo. Tendo os arguidos, conscientemente, e contra lei, contribuído para a sua incorrecta identificação no dia da autuação, não poderiam agora valer-se da mesma para invalidar uma decisão administrativa. Posto isto, mais não resta que não concluir que inexiste a invocada nulidade de incorrecta identificação dos arguidos. No que respeita à invocada omissão de pronúncia, igualmente inexiste razão aos arguidos, pois que nos termos do art. 58º do RGCOC (por si mesmos citado), a decisão administrativa condenatória que aplica a coima deve conter os seguintes elementos: a) Identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias; e) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59º; f) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho; g) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão; h) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima. Analisando a decisão administrativa, a qual consta de fls. 217 a 222, a mesma cumpre com todos os requisitos supra elencados, sendo que as decisões administrativas não são sentenças judiciais criminais, pelo que não lhes pode ser exigido o mesmo grau de fundamentação e profundidade na análise das questões jurídicas, sendo que no caso, até consta na decisão administrativa o invocado pelos arguidos, cfr. ponto 4 da Instrução. No que respeita à preterição do direito de defesa: Cumpre desde já adiantar que também esta invocada nulidade se não verifica. Pelo acórdão n.º 1/2003 (de 16.10.2002, publicado no DR I, Série–A, nº 21, de 25.1.2003), o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Quando, em cumprimento do disposto no art. 50.º do Regime Geral das Contraordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contraordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.» Por sua vez, segundo o artigo 32.º, n.º 10, da CRP, «Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa». Na concretização de tal direito, o artigo 50.º, do RGCO, sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido” determina que: «Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.». Ora, os arguidos foram notificados, tal como os próprios referem, da notificação a que alude o art. 50º do RGCOC e conforme juntam a fls. 181. Ora verifica-se dessa notificação que os mesmos foram notificados da denúncia (factos que lhes foram imputados) e da legislação infringida, assim como dos direitos de defesa e respectivo prazos que lhes assistem. Ou seja, antes de ser proferida a decisão condenatória foi dado a conhecer aos arguidos os factos que foram objecto de denuncia e o respectivo enquadramento legal a fim de os mesmos apresentarem a sua defesa. Assim sendo, não se vislumbra como lhes possa ter sido amputado o direito de defesa. Improcede também esta alegada nulidade. Analisemos agora a factualidade imputada aos três arguidos. * II - Fundamentação de facto: Factos provados. Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: a) No dia 05 de Agosto de 2023 pelas 20:40horas, os agentes da Policia Marítima …, com as identificações … e … a prestarem serviço no ... (...) encontravam-se em missão de policiamento, com motas de água, no ..., na zona situada em frente à localidade de .... b) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, os referidos agentes constataram que os arguidos AA, CC e BB encontravam-se a bordo da embarcação denominada ...’, com o conjunto de identificação ... e quando se aproximaram da mesma um dos ocupantes lançou para a água um saco de plástico branco. c) Resgatado o saco constataram que o mesmo tinha 44 robalos com menos de 36 cm de comprimento e que não possuíam o corte da barbatana caudal. d) Os Arguidos quiseram e souberam capturar robalos com comprimento inferior a 36 cm e não os restituir imediatamente ao rio e ainda não os marcarem com o corte da barbatana caudal. e) Os Arguidos sabiam que as suas condutas eram contrárias à lei e motivaram-se livre e conscientemente dessa contrariedade. f) Todos os arguidos são titulares de licença de pesca. Cfr. fls. 15 a 16. * Factos não provados. Da discussão da causa resultaram não provados todos os demais factos alegados relevantes que estão em oposição com os acima referidos, designadamente, que: − O saco plástico branco com 44 robalos não pertencesse aos arguidos. − Os Arguidos não tivessem deitado à água esse mesmo saco quando se aperceberam da presença da Polícia Marítima. * Motivação: A convicção do Tribunal estribou-se no auto de notícia (o qual, por ter sido levantado por um agente de autoridade no exercício das suas funções e dentro dos seus limites de competência, é um documento autêntico e, consequentemente, faz prova plena dos factos que refere terem sido directamente percepcionados pelo autuante) e fotografias que o acompanham junto a fls. 3 a 7. Considerou-se o depoimento de EE, Agente da Policia Marítima que interceptou os arguidos e que não teve qualquer dúvida em identificar o BB como sendo a pessoa que deitou à água o saco de plástico branco com os 44 robalos. Consideraram-se ainda as fotografias juntas a fls. 58 e 58v., as quais foram tiradas pelo agente da Polícia Marítima FF, que acompanhava o agente EE. Não se consideraram os depoimentos das testemunhas indicadas pelos Arguidos, pois que pouco sabiam e apenas fizeram considerações sobre a personalidade daqueles no sentido de afirmarem serem cumpridores das normas e que nada viram na embarcação em que seguiam. * III - Fundamentação de direito: Determinação da sanção abstracta. Apurada a matéria de facto assente, cumpre agora proceder à respectiva subsunção jurídica. Aos Recorrentes são imputadas a prática, em autoria material e concurso efectivo, das seguintes contra-ordenações − Captura de espécies subdimensionadas não devolvidas imediatamente à água, prevista e punida nos arts. 13.º, n.º 1, e 25.º, n.º 26, do APTIRM e Anexo III do Edital nº 1310/2022, de 01/09; - Não marcação dos exemplares capturados prevista e punida nos arts. 7º, n.º 6, e 25º, nº 10, do APTIRM e Anexo V do Edital nº 1310/2022, de 01/09; Veja-se. O APTIRM (Acordo entre Portugal e ... relativo à Pesca no ... – Resolução da Assembleia da Republica nº 34/2023, de 24 de Abril) define, como a própria designação evidencia, o modo como deve processar-se o exercício da pesca no troço internacional do … (art. 1.º do RPTIRM) delimitado pela confluência com o ... e com a linha contínua que une os pontos referidos no artigo 1º, o farolim da … e a marca da ... (art. 3.º da Resolução da Assembleia da República nº 124/2018, de 11/05 [tratado entre a República Portuguesa e o ...]). O APTIRM define as artes de pesca e o modo da sua utilização. * Por seu turno, a Autoridade Marítima Nacional é a entidade responsável pela coordenação das actividades, de âmbito nacional, a executar pela Marinha e pela Direcção-Geral da Autoridade Marítima, na área de jurisdição e no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, com observância das orientações definidas pelo Ministro da Defesa Nacional (art. 2.º do DL n.º 44/2002). A Direcção-Geral da Autoridade Marítima integra a Autoridade Marítima Nacional, sendo o seu órgão central (art. 3.º, n.º 2, do DL n.º 44/2002): é o serviço, integrado no Ministério da Defesa Nacional através da Marinha responsável pela direcção, coordenação e controlo das actividades exercidas no âmbito da Autoridade Marítima Nacional (art. 7.º do DL n.º 44/2002). Entre os vários órgãos e serviços que a Direcção-Geral da Autoridade Marítima compreende, contam-se as Capitanias dos Portos, as quais são seus órgãos locais [art. 8.º, n.ºs 2, al. g), e 3, do DL n.º 44/2002]. As capitanias dos portos asseguram, nos espaços marítimos sob sua jurisdição, a execução das actividades que incumbem aos respectivos departamentos marítimos e são dirigidas por capitães dos portos, hierarquicamente dependentes dos respectivos chefes de departamento marítimo (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 44/2002). O capitão do porto é a autoridade marítima local a quem compete exercer a autoridade do Estado, designadamente em matéria de fiscalização, policiamento e segurança da navegação, de pessoas e bens, na respectiva área de jurisdição (art. 13.º, n.º 1, do DL n.º 44/2002, aqui conjugado ainda com o disposto no § 1.º do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 40178). Nesse contexto, o capitão do porto tem competência para, no exercício das suas funções de autoridade marítima, coordenar e executar acções de fiscalização e vigilância que se enquadrem no seu âmbito e área de jurisdição, nos termos da lei [art. 13.º, n.º 2, al. a), do DL n.º 44/2002]. No exercício das suas funções no âmbito da segurança da navegação, compete ao capitão do porto publicar o edital da Capitania, enquanto conjunto de orientações, informações e determinações no âmbito das competências que lhe estão legalmente cometidas, tendo em conta as atribuições das autoridades portuárias [art. 13.º, n.º 4, al. g), do DL n.º 44/2002]. No âmbito contra-ordenacional, compete ao capitão do porto levantar autos de notícia e instruir processos por ilícitos contra-ordenacionais nas matérias para as quais a lei lhe atribua competência, determinar o estabelecimento de cauções e aplicar medidas cautelares, coimas e sanções acessórias [art. 13.º, n.º 7, al. a), do DL n.º 44/2002]. * Revertendo estas considerações para o caso vertente, e tendo em conta as determinações aprovadas em sede da ... (...) ao abrigo do art. 45.º do RPTIRM bem como o disposto nos arts. 7.º, n.º 3, 9.º, n.º 2, 11.º, 12.º, n.º 2, e 14.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o GG fez publicar o Edital n.º 1310/2022, de 01/09/2022, o qual entrou em vigor em 01/11/2022 (cfr. Capítulo VI do Edital). O Edital n.º 1310/2022 visou acima de tudo estabelecer o quadro normativo a que devia obedecer o exercício da pesca no ... na temporada de 2022/2023. De entre as normas consagradas no Edital n.º 1310/2022 – enquanto compilação de normas que dá execução ao comando inserido no art. 7.º,6, e 13º,1, do APTIRM – avulta, para o que agora importa analisar o seu Anexo III e V. * Vejamos, primeiro, a captura e transporte de espécies subdimensionadas não devolvidas imediatamente à água e o respectivo regime sancionatório. As dimensões mínimas das espécies capturáveis encontram-se previstas no art. 13.º do APTIRM. Assim, é proibido pescar, manter a bordo, transbordar, desembarcar, transportar, armazenar, expor ou colocar à venda peixes de dimensões iguais ou inferiores às estabelecidas em edital. Assim, e considerando o Edital 1310/2022, Anexo III, o limite mínimo para o robalo ou lubina é :36 cm. As dimensões dos exemplares capturados são medidas desde a extremidade anterior da cabeça à extremidade da barbatana caudal, devendo ser imediatamente devolvidos à água todos os exemplares que não atinjam as dimensões fixadas neste artigo (art. 13.º, 2, e 3, do APTIRM). O transporte ou comércio de peixes de dimensões inferiores às previstas neste Acordo e o não lançamento imediato à água dos peixes com dimensões inferiores às determinadas no art. 13.º do APTIRM e Edital respectivo para a época em causa, ou cuja pesca seja proibida constitui uma contraordenação que é punida com coima de €300,00 a €2000,00 (art. 26.º, 5, do APTIRM). Esta coima pode ser elevada ao dobro em caso de reincidência (art. 26º, 35, do APTIRM). ** No que respeita à não marcação dos exemplares capturados, vejamos: O art. 7º,1, do APTIRM define a pesca lúdica/recreativa/desportiva, como sendo aquela que visa a captura de espécies aquáticas animais, com finalidade de lazer e sem fins comerciais, exercida a partir de terra ou de embarcção por pessoas devidamente licenciadas para o efeito. E, o nº 6 obriga à marcação dos exemplares capturados neste tipo de pesca logo após a sua captura, conforme indicado em edital. E, o Edital em vigor para a época em causa – Edital nº1310/2022, de 01/09, no seu ANEXO V exibe o modo como deve ser efectuada essa marcação do corte na barbatana caudal. A falta de marcação dos exemplares capturados na pesca lúdica/recreativa, imediatamente após a captura, através do mencionado corte de barbatana constitui uma contraordenação que é punida com coima de €100,00 a €400,00 (art. 26.º, 10, do APTIRM). Esta coima pode ser elevada ao dobro em caso de reincidência (art. 26º, 35, do APTIRM). * Subsunção jurídica dos factos apurados. Os factos apurados revelam que no dia 05 de Agosto de 2023, pelas 19:40 horas (hora portuguesa), os agentes da Polícia Marítima da armada …, encontravam-se em missão de policiamento no ..., na zona de ..., quando então constataram que um saco de plástico branco tinha sido atirado à água de uma embarcação de recreio portuguesa, denominada ... e com o conjunto de identificação …, onde seguiam os três arguidos. Após o resgate desse saco verificaram que o mesmo continha 44 robalos com menos 36 cm de comprimento e sem que estivessem marcados com o corte da barbatana caudal. Estes factos integram o tipo objectivo das duas contra-ordenações supra escalpelizadas. Num outro plano, apurou-se também que os Arguidos quiseram e souberam exercer a actividade da pesca, capturando pescado subdimensionado e transportando-o na sua embarcação e sem que o tivessem marcado. Esta realidade evidencia que as condutas dos Arguidos lograram preencher o elemento subjectivo do tipo das apontadas infracções, na medida em que traduziu numa actuação conhecida e desejada. Finalmente, os Arguidos sabiam que essa sua conduta era contrária à lei, motivaram-se conscientemente dessa contrariedade e não actuaram no âmbito de alguma circunstância que impusesse ou autorizasse esse seu comportamento. Cometeram, pois, as infracções que lhes foram imputadas na decisão recorrida. * Determinação da sanção concreta. Nos termos que vêm de ser expostos, as contra-ordenações cometidas pelos Recorrentes em co-autoria são sancionadas com as seguintes coimas: − A contraordenação de captura de espécies subdimensionadas não devolvidas imediatamente à água: de €300,00 a €2000,00; − A contraordenação de não marcação da barbatana caudal: de €100,00 a €400,00. * É sabido que a determinação da medida da coima relativamente às infracções cometidas faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação (art. 18.º, n.º 1, do RGCOC). A este respeito importa assinalar que as condutas ou comportamentos contra-ordenacionais, em si mesmos, isto é, independentemente da sua proibição legal, são axiologicamente neutros. Daí que a coima represente um mal que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, antes servindo como mera admonição, como especial advertência ou reprimenda conducente à observância de certas proibições ou imposições legais. Logo, não é conatural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como a não será a da ressocialização do agente, Cf. FIGUEIREDO DIAS, O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, estudo publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I, 1983, págs. 317 a 336 e republicado em Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora, 1998, págs. 19 a 33. Em todo o caso, como sanção que é, ela só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma jurídica violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, Cf. a este respeito FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal – 5.º Tema – Do Direito Penal Administrativo ao Direito de Mera Ordenação Social, 2001, págs. 150 a 151, o qual, a dado passo, refere que relativamente à culpa, tal como na pena criminal, também na coima o pensamento da retribuição não joga qualquer papel, pelo que as finalidades da coima são (apenas) preventivas, às quais são em larga medida estranhas sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização, sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida. * Por referência ao caso dos autos, a gravidade das contra-ordenações é acentuada, dado que atenta contra a preservação das espécies e a gestão do stock piscícola. A culpa é acentuada, dado que os Arguidos agiram dolosamente. Não se apuraram as condições económicas dos Arguidos, assim como não se apurou qualquer benefício económico obtido com a comissão das infracções. Os Arguidos não têm antecedentes contraordenacionais. Tudo visto, e tendo em conta que a sanção a aplicar reveste-se de natureza preventiva geral e deve ser entendida como sendo um especial aviso para que sejam respeitadas determinadas proibições ou imposições legais, entende o tribunal que, face ao exposto, e porque os Arguidos são primários, são de aplicar coimas parcelares que se posicionem perto dos limites mínimos, de modo a que a existência do presente processo e as suas efectivas condenações sejam suficientes para que, de ora em diante os Arguidos não voltem a preterir os deveres que sobre si impendem enquanto pescadores lúdicos. Valorando, pois, tudo quanto se expôs, o tribunal considera ser justa e adequada a aplicação a cada um dos Arguidos as coimas parcelares aplicadas pelo Sr. Capitão do Porto. Assim: − Pela prática da contraordenação de transporte de espécies subdimensionadas e não devolvidas imediatamente à água: a coima de €500,00; − Pela prática da contraordenação de não marcação da espécie capturada com corte da barbatana caudal: €200,00. * Considerando que quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso (art. 19.º, 1, do RGCOC) e que a coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso e não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações (art. 19.º, 2, do RGCOC), julga-se adequada a aplicação a cada um dos Arguidos da coima única de €600,00 (seiscentos euros) Finalmente, e porque a impugnação não versou sobre as sanções acessórias cominadas, deve ser confirmada a decisão de perda dos 44 robalos e a sua doação a uma instituição de beneficência, atento o disposto no art. 30.º, do APTIRM. (…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do recorrente.
As questões suscitadas convocam à apreciação dos argumentos aduzidos como um todo.
Os requeridos pretendem, entre o mais, que foram coartados os seus direitos de defesa porque o auto de notícia, nulo, faz uma insuficiente identificação dos mesmos.
Vejamos.
Como é sabido, e nem podia ser de modo diverso porque este Tribunal não é autoridade de recurso relativamente ao auto de notícia, esta questão só pode estar aqui em causa na medida em que a decisão recorrida tenha assente num auto que não reúna as características de validade impostas por lei. O mesmo é dizer, o que se aprecia é a validade da decisão e não do auto em si mesmo, ainda que ele seja reflectido nos termos daquela.
Concretamente sobre este aspecto, diz a decisão recorrida: (…) Compulsados os autos verifica-se que no dia da fiscalização – .../.../2023, pelas 20:40 horas foram identificados os três arguidos com os elementos de identificação que, na data, possuíam, AA com o NIF nº ...; CC com o NIF nº 11430275 e BB com a licença de pesca nº 472/2023 (que se terá identificado como DD) e NIF nº ... (fls. 4 e posteriormente identificação de fls. 8 a 11, 15 e 16 e fotografia de fls. 58). Ou seja, embora parca (mas existente) a identificação dos arguidos no dia da elaboração do auto de notícia, o certo é que posteriormente foi logrado conseguir uma identificação completa dos mesmos. E, como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público, nos termos do art. 61º do CPP um dos deveres impostos aos arguidos é responder com verdade às perguntas feitas pela entidade competente sobre a sua identidade, cfr. nº 6, al. b), do citado artigo. Tendo os arguidos, conscientemente, e contra lei, contribuído para a sua incorrecta identificação no dia da autuação, não poderiam agora valer-se da mesma para invalidar uma decisão administrativa. Posto isto, mais não resta que não concluir que inexiste a invocada nulidade de incorrecta identificação dos arguidos. (…)
Não se trata, porém, de uma verdadeira questão, uma vez que os requeridos estiveram presentes no acto de autuação, foram ali identificados pelos autuantes nos termos que eles mesmos facultaram, sendo ainda certo que nunca negaram a presença no local e nem a falsidade do auto que, documentando a ocorrência, identifica-os com os elementos disponíveis, seja documento de identificação que mencionaram, seja pela qualidade que invocaram.
E, como ali se diz, eram estas as três pessoas a bordo da embarcação.
Os requeridos estão identificados no local com os elementos que forneceram, por via disso, tendo-se aperfeiçoado os elementos posteriormente no processo, e sabiam perfeitamente, porque nem sequer o podiam desconhecer após essa abordagem pelas autoridades marítimas, que eram eles e exactamente eles os visados.
A identificação do requerido BB foi concretizada posteriormente, pois que mentiu na identificação que apresentou perante o autuante, chegando-se à identidade por via do documento que apresentou.
Desconhecemos se quanto a esta questão foi lavrado o respectivo auto para processo criminal, o que deveria ter sido feito, entretanto, a confirmar-se aquela dissimulação e falsidade.
Tais artifícios para inviabilizar uma cabal identificação não se ficaram por ali, como se percebe pela resposta ao recurso por parte do Ministério Público, pelo que, não sendo essa questão especificamente relevante neste nosso contexto, referimo-nos à legalidade criminal do comportamento eventualmente adoptado pelo requerido, no que a este processo respeita nenhuma dúvida deixa a instrução feita quanto à identificação do seu objecto e implicados.
Assim, e como bem refere a resposta ao recurso, e para nos ficarmos pelos limites do que possa ser ainda considerada a boa fé processual, se algum elemento de identificação não ficou pormenorizado, tal circunstância não é alheia aos requeridos, uma vez que foram autuados presencialmente, pelo que, necessariamente e porque os fiscalizadores não eram sua família ou amigos, foram identificados como disseram àqueles naquele momento.
Aliás, como bem se percebe do processo, em nenhuma circunstância qualquer deles teve dúvidas de que este auto se lhe dirigia enquanto arguidos.
Circunstância essa que resulta também evidenciada dos depoimentos das testemunhas que indicaram ao processo administrativo.
Assim, nenhuma insuficiência é de imputar ao auto que não se deva a causa provocada pelos próprios autuados e, consequentemente, nenhuma nulidade é de imputar à decisão, aliás, de que consta a identificação e modo como foi apurada.
Sendo certo que, atento o que vem referido pelo juiz a quo, nenhuma omissão de pronúncia quanto a isso se verifica também, improcedendo a respectiva alegação.
Prosseguindo nas invocações que fazem parte do referido objecto, vêm ainda os requeridos dizer, ao que nos parece, porque se o indicam, ainda que sem lhe dar designação legal, é porque o suscitam, que o auto é ainda incompleto na referência às circunstâncias de tempo e lugar.
O que também não é correcto, uma vez que o auto começa por descrever onde foi feita a fiscalização, bem como descrevendo as circunstâncias de lugar e modo com a necessária correcção.
Aliás, factos esses que a decisão recorrida deu como assentes e provados na decisão aqui recorrida.
Ora, não decorrendo qualquer obrigação legal de conteúdo mínimo, o auto é perfeitamente válido e, com isso, eficaz.
De facto, o que a lei diz é que, preferencialmente, o auto deve conter aquelas indicações, mas não comina qualquer sanção para os casos em que tal se não verifica. E nem podia fazê-lo, pois que no domínio do processo contra-ordenacional, tem aplicação subsidiária o regime previsto nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal (artigo 41.º, n.º 1, do RGCO). A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (artigo 118.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
Tratando-se de mera irregularidade, nos termos do artº 123º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado, significando isto que, quando o recorrente seja notificado do auto de notícia aquando da notificação para exercício do direito de defesa, e venha invocar o apontado vício apenas nas suas alegações de recurso, sempre deva ser essa alegação considerada como extemporânea.
De todo o modo, não estando essa questão em causa, essa irregularidade do auto não se reportaria, pelo que se disse antes, à essencialidade dos elementos em que assenta o procedimento, pelo que não teria afectado o direito de defesa dos recorrentes com benefício injustificado da autoridade administrativa em qualquer circunstância.
Improcede, como tal, também nesta parte o recurso, ainda que este assunto seja revisto adiante e a propósito de outras questões.
Questão diferente seria a de saber se, em face da eventual impossibilidade de fazer constar do auto ainda outros elementos, ainda estão verificados os elementos para que possa ser valorada a sua ponderação.
No entanto, mesmo esta questão pode ser relativizada, atento a que, como se diz na decisão recorrida, o auto de notícia destina-se a dar notificação do cometimento de uma infracção, competindo à investigação/instrução do processo confirmar ou infirmar essas informações, o que no caso aconteceu, confirmando-se aquelas.
E como bem salienta, nesta mesma sequência, a decisão recorrida, nenhum direito de defesa foi postergado aos requerentes.
Diz a decisão recorrida, dispensando outra fundamentação, que: (…) Pelo acórdão n.º 1/2003 (de 16.10.2002, publicado no DR I, Série–A, nº 21, de 25.1.2003), o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Quando, em cumprimento do disposto no art. 50.º do Regime Geral das Contraordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contraordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.» Por sua vez, segundo o artigo 32.º, n.º 10, da CRP, «Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa». Na concretização de tal direito, o artigo 50.º, do RGCO, sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido” determina que: «Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.». Ora, os arguidos foram notificados, tal como os próprios referem, da notificação a que alude o art. 50º do RGCOC e conforme juntam a fls. 181. Ora verifica-se dessa notificação que os mesmos foram notificados da denúncia (factos que lhes foram imputados) e da legislação infringida, assim como dos direitos de defesa e respectivo prazos que lhes assistem. Ou seja, antes de ser proferida a decisão condenatória foi dado a conhecer aos arguidos os factos que foram objecto de denuncia e o respectivo enquadramento legal a fim de os mesmos apresentarem a sua defesa. (…)
Vejamos, ainda.
Do auto consta expressa indicação a: Quando – ... de ... de 2023, às 20h40m; Onde – troço internacional do … (à altura da localidade de ...); Quem – os identificados no ponto 3 do auto, aqui requeridos que, aliás, aceitam essa condição no processo, tal como as testemunhas ouvidas durante o mesmo – a identificação constante do auto foi a que os ali arguidos deram às autoridades, apurando-se os elementos identificativos no decurso do procedimento; Como – na embarcação identificada no ponto 2 do mesmo auto, de onde foi visto pelos autuantes ser feito um arremesso de um saco que, recolhido, veio a apurar-se conter pescado que não podia ser capturado naquelas condições.
Não percebemos o que falta. De facto, não lhe encontramos qualquer falta.
Daqui, partiu a investigação para a recolha de prova, incluindo a indicada pelos mesmos, consolidando esses elementos na decisão administrativa que impugnaram perante a primeira instância e cuja decisão vêm aqui sindicar.
Como resulta do antecedente, nenhum elemento essencial à defesa dos arguidos esteve em falta desde o primeiro momento.
Defesa essa, aliás, que podia passar por rebater os factos, o que, no entanto, não fez [valendo o que valer esta nossa afirmação neste momento, não o fez, e bem, pois que os factos objectivos resultam assentes da conjugação do auto com os depoimentos recolhidos].
Invocando questões de forma, foram elas respondidas pelo Tribunal a quo de forma completa, nada havendo necessidade de acrescentar ao que ali ficou dito, sendo certo, no que aqui releva, atento o dever de conhecimento do objecto do recurso, que essa fundamentação com que o Tribunal de primeira instância afirmou a sua decisão é a bastante, afastando-se de forma liminar qualquer insuficiência ou omissão.
Os requeridos vieram juntar documentos ao recurso, certamente convictos de que o podiam fazer.
No entanto, no recurso o que se sindica é a decisão da primeira instância e esta foi proferida com base no que estava no processo antes dela, e só, pelo que nem sequer se entende porque razão se vem agora juntar documentos para sindicar uma decisão tomada sem eles.
Como é bom de perceber, o recurso não pode vir instruído com documentos que não estivessem já no processo.
Assim, se estiverem já antes no processo, a sua junção agora é inadmissível, porque supérflua.
Se não estavam antes no processo, não podem ser juntos agora porque não puderam ser ponderados pela decisão de que se recorreu e é, como decorre da lei, o objecto único desta sindicância.
Servindo isto para se concluir que não se atenderá sequer aos documentos mencionados no recurso e cuja junção agora se fez, sendo a mesma inadmissível nesta fase.
Quanto aos factos imputados, e para início de conversa, sempre se dirá que o objecto da impugnação é a decisão administrativa e não o auto.
Em segundo lugar, o meio próprio para invocar nulidades e insuficiências do auto é a fase de impugnação administrativa, e a fase de impugnação judicial em primeira instância.
Nesta fase, estando em causa a decisão recorrida, cumpre invocar os vícios dela, ainda que por reporte à utilização daqueles instrumentos, mas sempre no âmbito do que deva ser a impugnação da decisão de primeira instância e nada mais.
E, vista a decisão, conclui-se que nenhum direito de defesa foi posto em causa.
Portanto,
Os factos que a decisão recorrida dá como provados integram as contraordenações (tipologia) indicada pela mesma, sendo clara em afirmar que a prova permite concluir que os requeridos, estando naquela embarcação, praticaram os factos: (…) a) No dia 05 de Agosto de 2023 pelas 20:40horas, os agentes da Policia Marítima …, com as identificações … e … a prestarem serviço no ... (...) encontravam-se em missão de policiamento, com motas de água, no ..., na zona situada em frente à localidade de .... b) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, os referidos agentes constataram que os arguidos AA, CC e BB encontravam-se a bordo da embarcação denominada ...’, com o conjunto de identificação … e quando se aproximaram da mesma um dos ocupantes lançou para a água um saco de plástico branco. c)Resgatado o saco constataram que o mesmo tinha 44 robalos com menos de 36 cm de comprimento e que não possuíam o corte da barbatana caudal. d) Os Arguidos quiseram e souberam capturar robalos com comprimento inferior a 36 cm e não os restituir imediatamente ao rio e ainda não os marcarem com o corte da barbatana caudal. e) Os Arguidos sabiam que as suas condutas eram contrárias à lei e motivaram-se livre e conscientemente dessa contrariedade. f) Todos os arguidos são titulares de licença de pesca. Cfr. fls. 15 a 16. (…)
São os factos que constam do auto e que integram os tipos enunciados:
- transporte de espécies subdimensionadas e
- não marcação da espécie capturada com corte da barbatana caudal.
[Resgatado o saco constataram que o mesmo tinha 44 robalos com menos de 36 cm de comprimento e que não possuíam o corte da barbatana caudal.]
Nada falta em termos de circunstâncias de facto.
E nada falta em termos de fundamentação: (…) Considerou-se o depoimento de EE, Agente da Policia Marítima que interceptou os arguidos e que não teve qualquer dúvida em identificar o BB como sendo a pessoa que deitou à água o saco de plástico branco com os 44 robalos. Consideraram-se ainda as fotografias juntas a fls. 58 e 58v., as quais foram tiradas pelo agente da Polícia Marítima FF, que acompanhava o agente EE. (…)
O que é curioso é o facto de os requeridos pretenderem aqui igualar com depoimentos de autoridades marítimas presentes no local, os depoimentos de pessoas que não estavam no momento da abordagem e só sabem o que lhes foi contado.
É de tal ordem a falta de sobriedade de algumas declarações que pretendem incutir no julgador a ideia de que um saco com 44 robalos mortos andaria à tona da água, no meio de outro lixo de que vêm falar, sabe-se lá a que propósito…
Ao invés, vem-se desvalorizar a declaração dos autuantes, autoridades marítimas, que não andavam à pesca não andavam em passeio e nem em veraneio no meio de tanto lixo assim notado, não conheciam os requeridos e nem os seus amigos e colegas, e andavam apenas a fazer aquilo que profissionalmente lhes compete, ou seja, fiscalizar.
O Tribunal a quo, tal como a decisão administrativa antes dele, não presumiu coisa nenhuma. Limitou-se a concluir dos dados objectivos de que dispunha da única maneira que é lógica e razoável, sendo certo que parte substancial dos factos foi, efectivamente, presenciada pelos fiscais autuantes.
Não há, como tal, percepções ou suposições, mas a soma, em silogismo judiciário no qual se não vislumbra qualquer falha, de elementos de facto que não podem avaliar-se de forma diversa.
Improcedendo, como tal, também neste aspecto, a impugnação recursiva.
Importa concluir a apreciação deste recurso, decidindo-se este Tribunal da Relação pela total falta de provimento do mesmo.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto pelos requerentes arguidos AA, BB e CC, mantendo-se intocada a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça a pagar solidariamente em 6 UC’s, a que acrescem os demais encargos legais.
Notifique.
Lisboa, 08 de Outubro de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Francisco Henriques
Sofia Rodrigues
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO