I. A possibilidade de alteração do contrato de sociedade, nomeadamente quanto ao modelo de fiscalização previsto, ab initio, nos estatutos, encontra-se expressamente prevista na lei, não carecendo de invocação de uma justa causa para o efeito, nem mesmo nas situações em que foi nomeado judicialmente um membro adicional para o órgão de fiscalização no quadro de um modelo que veio a ser alterado.
II. Um maior número de membros do conselho fiscal (em vez do fiscal único) importa, em si mesmo, um reforço da fiscalização exercida sobre a administração da sociedade, atentas a vastidão e exigência das competências atribuídas ao órgão de fiscalização.
III. Não obstante o modelo de funcionamento colegial (deliberações sujeitas à regra da maioria), as competências dos membros do órgão de fiscalização, e em especial as que garantem às minorias o acesso a informação e o controlo da administração, podem e devem ser exercidas de forma isolada.
IV. As competências atribuídas ao membro adicional (judicialmente nomeado) seja ao conselho fiscal, seja ao fiscal único, dirigem-se, apenas, à necessidade de acautelar a fiscalização da gestão da sociedade por representantes das minorias e o exercício das competências mencionadas nos arts. 420º e ss. do CSC, não estando em causa a atribuição de quaisquer competências para revisão e certificação legal das contas da sociedade.
V. A competência para revisão e certificação legal das contas da sociedade pertence, em exclusivo, ao revisor oficial de contas, e caso o membro do conselho fiscal (nomeado judicialmente) discorde da certificação pode e deve exarar por escrito os motivos da discordância (art. 452º, nº 3, do CSC).
RELATÓRIO
Em 24.04.2023, AA intentou contra INDOB, Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., ação declarativa de condenação, pedindo que a) se declare a nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral de sócios da R. de 24.03.2023, designadamente, da deliberação que alterou o artigo 19º do pacto social (estatutos) da R., no âmbito do ponto 1 da ordem de trabalhos, bem como da deliberação, do ponto dois da ordem de trabalhos, que procedeu à eleição dos membros do conselho fiscal da R. para concluir o mandato em curso de 2022 a 2025, identificados na ata junta como doc. 34, ou, subsidiariamente, por mera cautela, mas sem conceder, b) se anule as deliberações tomadas na AG de sócios da R. de 24.03.2023, designadamente, da deliberação que alterou o artigo 19.º do pacto social (estatutos) da R., no âmbito do ponto 1 da ordem de trabalhos, bem como da deliberação, do ponto dois da ordem de trabalhos, que procedeu à eleição dos membros do conselho fiscal da R. para concluir o mandato em curso de 2022 a 2025, identificados na ata junta como doc. 34; c) se ordene o averbamento no registo comercial da decisão que vier a ser proferida nos termos de uma das alíneas anteriores.
A R. contestou pugnando pela improcedência total da ação.
Em 15.09.2023, foi proferido saneador sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
Inconformado com a decisão, o A. apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão, em 14.01.2025, que julgou procedente a apelação, e, em consequência, revogou a sentença recorrida e declarou a nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral de sócios da ré de 24/03/2023, designadamente, da deliberação que alterou o artigo 19º do pacto social (estatutos) da ré, no âmbito do ponto 1 da ordem de trabalhos, bem como da deliberação, do ponto dois da ordem de trabalhos, que procedeu à eleição dos membros do conselho fiscal da ré para concluir o mandato em curso de 2022 a 2025, identificados na ata junta como doc. 34, porque violadoras das disposições legais imperativas dos artigos 56º nº 1 alíneas c) e d), 418º nºs 3 e 4 e 419º nºs 1 e 3 do CSC.
Inconformada, a R./apelada interpôs recurso de revista, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. O acórdão recorrido equipara erroneamente as deliberações tomadas na assembleia geral da R. de 24/03/2023 a uma destituição do fiscal “único” judicialmente nomeado.
2. Porém, o fiscal nomeado no processo nº 2197/22.0T8AVR não foi destituído por qualquer das deliberações tomadas nessa assembleia geral, em cuja ordem do dia não figurava sequer essa destituição.
3. As deliberações tomadas limitaram-se a adotar a modalidade de fiscalização reforçada prevista no artigo 413º, nº 1, alínea b), do C.S.C., com um conselho fiscal e um ROC exterior e a eleger, em consequência, os membros do Conselho Fiscal criado.
4. Nenhuma dessas deliberações colide com a nomeação judicial, pois, como resulta do artigo 418º, nº 1, do C.S.C., o membro assim nomeado do órgão de fiscalização é um membro adicional, o que significa que essa nomeação subsiste independentemente do número de membros que em cada momento compõem o órgão de fiscalização.
5. O acórdão recorrido sustenta, porém. que, com a alteração da estrutura de fiscalização, «o fiscal único nomeado pela sociedade e o fiscal nomeado judicialmente vão efetivamente “perder” competências, na medida em que são agora assumidas de forma colegial e onde não têm a maioria».
6. Contudo, na nova estrutura de fiscalização, o ROC não integra o conselho fiscal pelo que as suas funções não são exercidas colegialmente, não se pondo a hipótese de atuar em minoria, atenta essa posição e o estatuto próprio do revisor oficial de contas…
7. E a integração do fiscal judicialmente nomeado num conselho fiscal não lhe tolhe competências, pois, face aos artigos 420º, nº 3, 421º, nº 1, e 423º, nº 2, do C.S.C., cada membro pode atuar separadamente e fazer inserir em ata os motivos da sua discordância de deliberações do órgão, estando a sua independência assegurada e preservada.
8. Importa lembrar que, ainda que o fiscal nomeado judicialmente deva a nomeação ao pedido de acionista(s) minoritário(s), ele exerce a fiscalização no interesse da sociedade e de todos os acionistas e não só no interesse de quem pediu a sua nomeação.
9. O que mais interessa, pois, não é se as funções de fiscalização são ou não exercidas colegialmente, mas se a fiscalização sai ou não reforçada com a nomeação judicial de um fiscal adicional – sendo evidente que sai sempre, quer este acresça ao fiscal único quer se junte aos restantes membros de um conselho fiscal.
10. Além de a estrutura de fiscalização não colidir com a posição do fiscal judicialmente nomeado, não se concebe que, feita essa nomeação, a sociedade fique impedida de alterar essa estrutura.
11. A ideia de que a sociedade possa ser mais bem fiscalizada por dois fiscais do que por quatro (três eleitos e um judicialmente nomeado), inseridos num conselho fiscal, com um revisor oficial de contas exterior, não resiste a uma reflexão ponderada.
12. Sendo certo que a alteração da estrutura de fiscalização no sentido deliberado na assembleia geral da R. pode até ser legalmente imposta, “independentemente de estar em curso o mandato dos membros afetados, designadamente quando a sociedade se passe a enquadrar nos casos previstos no artigo 413º, nº 2, do [C.S.C.] ...”
13. O acórdão recorrido pressupõe que a alteração da estrutura de fiscalização faz perder ao fiscal judicialmente nomeado funções de revisão legal e certificação das contas, mas tais funções não competem ao fiscal nomeado a requerimento de minorias, independentemente da estrutura de fiscalização adotada pela sociedade.
14. Nas sociedades com fiscal único, só o fiscal eleito desempenha a função de controlo externa que se traduz na revisão legal com vista à certificação de contas, com a inerente responsabilidade perante terceiros que contratam com ou sobre a sociedade.
15. Entender de forma diferente o papel e a função do fiscal nomeado pelo Tribunal nessas sociedades, permitiria aos minoritários constituir um órgão de fiscalização autónomo, com funções coincidentes e até conflituantes com as do fiscal eleito.
16. Com óbvio prejuízo para a sociedade, nomeadamente perante terceiros – particularmente no caso de emissão de certificações de contas de conteúdo distinto, se não mesmo oposto.
17. De resto, ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido, a sentença do processo nº 2197/22.0T8AVR não nomeou um “fiscal único efetivo e suplente”, mas sim “um membro efetivo e um suplente do órgão social de fiscalização”, evitando equipará-lo ao fiscal eleito e acautelando eventual alteração da estrutura de fiscalização.
18. O acórdão recorrido não considerou o princípio geral da alterabilidade do contrato social, consagrado no artigo 85º do C.S.C. como um dos casos, excecionados pelo artigo 406º, nº 1, do Código Civil, de modificação do contrato sem consentimento de todos os contraentes.
19. Tal princípio, imposto pela necessidade de adaptação e aperfeiçoamento da sociedade – por natureza imbuída de continuidade e potencial perpetuidade, como decorre do artigo 15º, nº 1, do C.S.C – face ao devir das circunstâncias, é hoje reconhecido como princípio natural e injuntivo ou cogente.
20. Como princípio cogente, a alterabilidade do contrato de sociedade só cede perante as exceções previstas na lei, nenhuma se encontrando, porém, que vede uma alteração como a deliberada na assembleia geral da R. de 24/03/2023.
21. A tese de que o artigo 419º, nº 1, do C.S.C., ao limitar a destituição sem justa causa aos membros do conselho fiscal, ao revisor oficial de contas ou ao fiscal único que não tenham sido nomeados judicialmente, impediria a alteração da estrutura de fiscalização, não tem apoio na letra da lei.
22. E é contrariada pelo argumento sistemático que se retira do que o C.S.C. dispõe para a transformação, em que a adoção de um tipo societário que não imponha conselho fiscal ou revisor oficial de contas e/ou em que os sócios prescindam desses órgãos não se inclui nos impedimentos previstos no artigo 131º, nº 1, do C.S.C.
23. O acórdão recorrido violou as normas dos artigos 56º, nº 1, alíneas c) e d), 85º, 418º, 419º, nº1, 420º, nº 3, 421º, nº 1, e 423º, nº 2, todos do C.S.C. e do artigo 406º, nº 2, do C. Civil.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, e a sua substituição por outro que julgue a ação inteiramente improcedente.
O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir é se as deliberações tomadas na assembleia geral de sócios da R. de 24.03.2023, são nulas porque violam as disposições legais imperativas dos arts. 56º, nº 1, als. c) e d), 418º, nºs 3 e 4 e 419º, nºs 1 e 3, do CSC.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Vêm dados como provados os seguintes factos:
1) Na Conservatória de Registo Comercial de Oliveira do Bairro encontram-se depositados os documentos de registo da sociedade comercial anónima com a firma INDOB, Sociedade Gestora De Participações Sociais, S.A. (que já teve a firma Recer SGPS, S.A.), com o número único de pessoa coletiva e de matrícula .......48, com sede na freguesia e concelho de Oliveira do Bairro, o objeto social de “gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas”, a que corresponde o CAE ..... . R3
2) O autor é acionista da ré, sendo titular de 5.718.186 ações no capital social da ré, que correspondem a 12,7377% da totalidade do capital social da mesma.
3) O artigo 19º do pacto social da ré, antes de 24/03/2023, tinha a seguinte redação:
“1. A fiscalização da Sociedade compete a um Fiscal Único e a um suplente, eleitos pela assembleia Geral, de entre revisores oficiais de contas ou sociedades revisoras de contas, por períodos de quatro anos e podem ser eleitos uma ou mais vezes.
2. O Fiscal Único será remunerado como ficou previsto no artigo décimo oitavo para o Conselho de Administração, ou pelo próprio Conselho de Administração, por expressa da Assembleia Geral.”.
4) Nas contas consolidadas relativas ao exercício de 2021, a ré apresentou um “total do ativo” de € 111.451.865,00, um “capital próprio” € 72.805.155,00, um “total de vendas e serviços prestados” € 42.013.980,00 e um resultado de negativo de € 5.390.466,00;
5) Na assembleia geral de sócios realizada no dia 30/06/2022 foi deliberado, por maioria e com o voto contra do aqui autor, eleger os órgãos sociais para o quadriénio de 2022 a 2025, tendo sido eleitos como fiscal único e suplente, respetivamente, A. BB, CC, SROC, Lda. (representada por DD) e EE.
6) O aqui autor intentou uma ação especial de nomeação de titulares de órgãos sociais contra a aqui ré, ação essa que correu termos no processo nº 2197/22.0T8AVR do J1 deste mesmo Juízo;
7) Na referida ação foi proferida decisão, em primeira instância, em 31/10/2022, com o teor que resulta da certidão junta no apenso A, em 03/05/2023, tendo ali sido decidido:
“a) Nomear para o órgão de fiscalização da requerida INDOB S.G.P.S., S.A., pessoa coletiva n.º .......48, como membro efetivo do órgão social de fiscalização da requerida a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas - Mazars & Associados, SROC, SA, inscrita na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas com o n.º 51 e na CMVM com o n.º ......94, pessoa coletiva n.º .......51, com sede na Rua 1, 4150-171 Porto, representada por FF.
b) Nomear para o órgão de fiscalização da requerida INDOB S.G.P.S., S.A., pessoa coletiva n.º .......48, como membro suplente do mesmo órgão de fiscalização da requerida GG, Revisor Oficial de Contas, titular do Cartão de Cidadão n.º ........ ..Z1, contribuinte n.º .......78, com domicílio profissional na Avenida 2, 4100-132, Porto, inscrito na Ordem dos Revisores Oficiais de Conta com o n.º ..23 e na CMVM com o n.º ......37.
c) Que a remuneração dos membros nomeados supra, a suportar pela requerida, seja idêntica à praticada pela mesma INDOB S.G.P.S., S.A., quanto ao fiscal único eleito.”;
8) Tendo sido interposto recurso da referida decisão, em 16/05/2023, foi proferido acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, transitado em julgado em 21/06/2023, com o teor que resulta da certidão junta nestes autos, em 29/06/2023, julgando improcedente o recurso interposto e confirmando a decisão proferida em primeira instância.
9) Por carta registada de 02/03/2023, o presidente da mesa da AG da ré, a pedido do conselho de administração da ré, convocou uma assembleia geral extraordinário de sócios da ré, a ter lugar no dia 24/03/2023, com a ordem de trabalhos que resulta do documento nº 33 junto com a petição inicial, aí se incluindo alterar o artigo 19º do pacto social em ordem a que o mesmo passasse a ter a seguinte redação:
10) Na referida ordem de trabalhos estava ainda incluindo um ponto dois com a seguinte redação:
11) Na assembleia geral de sócios da requerida realizada em 24/03/2023 foram aprovadas então as deliberações que constam da ata nº 40, cuja cópia foi junta com a petição inicial como documento nº 34 e que aqui se dá como integralmente reproduzida, aí se incluindo a alteração do artigo 19º do pacto social, todas com o voto contra do aqui autor, nos termos da declaração de voto ali junta.
12) Na referida assembleia geral foram nomeados para o Conselho Fiscal os seguintes membros:
- ROC HH - Presidente;
- ROC II;
- ROC JJ; e
- KK (Suplente).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O nº 1 do art. 19º do pacto social da R. estipulava que a fiscalização da Sociedade competia a um Fiscal Único e a um suplente, eleitos pela AG, de entre revisores oficiais de contas ou sociedades revisoras de contas, por períodos de quatro anos, podendo ser eleitos uma ou mais vezes.
Na assembleia geral de sócios realizada no dia 30.06.2022 foi deliberado, por maioria e com o voto contra do aqui A., eleger os órgãos sociais para o quadriénio de 2022 a 2025, tendo sido eleitos como fiscal único e suplente, respetivamente, A. BB, CC, SROC, Lda., representada por DD, e EE.
Não concordando com o deliberado, o A., que é titular de ações no capital social da R., que correspondem a 12,7377% da totalidade deste, intentou uma ação especial de nomeação de titulares de órgãos sociais, na qual foi proferida decisão, em primeira instância, em 31.10.2022 (confirmada por acórdão de 16.05.2023), que decidiu nomear para o órgão de fiscalização da R., como membro efetivo, a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas - Mazars & Associados, SROC, SA, representada por FF, e como membro suplente GG, ROC.
Em AG extraordinária da R. de 24.03.2023, convocada a pedido do CA, foi aprovada a alteração do art. 19º do pacto social (ponto 1 da ordem de trabalhos), com o voto contra do A., que passou a prever que a fiscalização da Sociedade compete a um Conselho Fiscal, composto por 3 membros efetivos, e um suplente, e a um revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas, com um suplente que será igualmente ROC ou sociedade de revisores oficiais de contas.
Na mesma AG, e no âmbito do ponto 2 da ordem de trabalhos, foram nomeados para o Conselho Fiscal, com o voto contra do A., os seguintes membros: - ROC HH - Presidente; - ROC II; - ROC JJ; e - KK (Suplente), para conclusão do mandato em curso correspondente ao quadriénio 2022/2025, mantendo-se como ROC, efetivo e suplente, A. BB, CC, SROC, Lda., representada por DD, e EE, ROC.
São estas deliberações que o A. impugnou na presente ação, sustentando que são nulas, nos termos do art. 56º, nº 1, als. c) e d), do CSC, por violarem leis imperativas, uma vez que das referidas deliberações resulta a destituição do fiscal único eleito pela maioria dos sócios na AG anual de 2022 (sem justa causa), bem como a destituição do fiscal único das minorias designado pelo tribunal, constituindo uma forma de proceder àquelas destituições, em violação dos arts. 418º, nºs 3 e 4, e 419º, nºs 1 e 3, do CSC.
O tribunal de 1ª instância concluiu no sentido de não padecerem as deliberações impugnadas da nulidade apontada, já o Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se em sentido oposto, pelo que revogou a decisão recorrida e declarou a nulidade das deliberações tomadas na AG de sócios da R. de 24.03.2023.
No presente recurso, a Recorrente sustenta a validade das deliberações impugnadas, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido.
Tendo em conta o teor do acórdão recorrido e as alegações de recurso, a questão que cumpre conhecer é se a alteração da estrutura de fiscalização da sociedade deliberada na AG da R. de 24.03.2023, importa o esvaziamento das competências dos membros do órgão de fiscalização eleitos e nomeados pelo tribunal.
A Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida começando por sustentar que as deliberações em causa não versaram sobre a destituição dos membros, efetivo e suplente, do órgão de fiscalização nomeados judicialmente, no âmbito do referido processo, tendo-se estes membros adicionais mantido em funções.
Mas tal questão não se coloca.
De facto, analisadas as decisões das instâncias, resulta manifesto que tal entendimento não se mostra controvertido.
A 1.ª instância propugnou o entendimento de que “… Sendo que, os membros judicialmente nomeados apenas cessam as suas funções com o termo normal de funções dos membros eleitos, sem prejuízo de poderem cessá-las em data anterior, se o tribunal o deferir a pedido dos interessados ali identificados. Daqui decorre que a cessação de funções do membro ou membros eleitos do órgão de fiscalização, por qualquer outro motivo que não o decurso do período para o qual o órgão foi ou foram eleitos (termo normal de funções), no caso, em 2025, não acarretará a cessação de funções do membro adicional nomeado judicialmente. Aliás, como decorre do próprio artigo 419º do Código das Sociedades Comerciais, a assembleia geral pode destituir, desde que ocorra justa causa, os membros do conselho fiscal, o revisor oficial de contas ou o fiscal único que não tenham sido nomeados judicialmente, cabendo já ao tribunal destituir os nomeados judicialmente. Assim, não tendo as funções do fiscal único cessado no fim do mandato, o fiscal nomeado judicialmente apenas deixará de exercer funções, caso o Tribunal o venha a deferir (no processo próprio).”.
O Tribunal da Relação não coloca em crise o entendimento da 1.ª instância. De facto, o Tribunal da Relação não afirmou em parte alguma que tenha ocorrido uma destituição do fiscal nomeado judicialmente, tendo afirmado apenas que a alteração do modelo de fiscalização implicou uma fragilização e diminuição da sua posição, que “pode ser equiparada a destituição do fiscal único”.
Há, assim, que considerar que tais membros adicionais, nomeados judicialmente, se mantêm em funções e que apenas cessam o seu mandato com o respetivo termo normal (sem prejuízo de eventual destituição judicial por justa causa, que não é objeto dos presentes autos).
O tribunal recorrido concluiu que “A Ré INDOB não invocou argumentos para alterar o seu regime de fiscalização de fiscal singular para fiscal coletivo. Resulta que o fiscal único nomeado pela sociedade e o fiscal nomeado judicialmente vão efetivamente “perder” competências, na medida em que são agora assumidas de forma colegial e onde não têm a maioria. Esta alteração sem justificação de causa justa em plena vigência do mandato para o quadriénio 2022/2025 viola o disposto no artº 419º do CSC, o qual é, por sua vez, uma norma imperativa, e, com ela o disposto no artº 418º do CSC que tem como objetivo a proteção das minorias. A deliberação impugnada constitui uma forma de tornear a nomeação judicial de fiscal único, desvalorizando-o e diminuindo a sua posição atacando e ferindo o disposto no artº 418º do CSC que consagra um direito potestativo, ou seja, o direito que o autor exerceu, ficando a INBOB, Ré “sujeita” a que, reconhecida pelo tribunal a pretensão daquele, a integrar um novo membro efetivo e um novo membro suplente, como fiscal único ao lado dos nomeados pela Ré. O autor vê um insuficiente acautelamento dos interesses da minoria vencida que representa, como resulta da presunção do legislador que extrai do voto de vencido expresso na eleição em assembleia geral. Se o nº 1 do art. 418º, não faz referência a fiscal único, deve ser interpretar-se extensivamente por forma a abrangê-lo também, visto o mesmo representar, como se vê do art. 413º, nº 1, uma das duas modalidades que o órgão de fiscalização pode assumir, fazendo-lhe, aliás, alusão expressa, tanto o nº 2, como o nº 4 do mesmo art. 418º. … O conteúdo da deliberação impugnada ofende regras imperativas que protegem interesses públicos e da atividade societária traduzido na violação do principio da proteção da minoria societária e dado o seu contexto pode ser equiparada a destituição do fiscal único pelo enfraquecimento dos seus poderes, sendo por isso nula nos termos do artº art. 56º, nº1, al. d) do CSC, sendo que esta matéria não está por natureza sujeito a deliberação dos sócios, por isso mesmo o artº 418º do CSC visa a proteção das minorias preenchendo a previsão da c) deste preceito.”.
Como bem salientou o tribunal da 1ª instância, inexiste qualquer disposição legal que impeça a sociedade de alterar o seu modelo de fiscalização previsto, ab initio, nos estatutos (art. 272.º, al. g), do CSC).
Pelo contrário, a possibilidade de alteração do contrato de sociedade encontra-se expressamente prevista na lei, exigindo-se, para o efeito, que seja aprovada por dois terços dos votos emitidos (art. 383.º, n.º 2, e 386.º, n.º 3, do CSC), não se encontrando em discussão nos autos a violação de tal exigência legal.
E não existe qualquer disposição legal que determine que a alteração do contrato de sociedade – e, no que aqui releva, do modelo de fiscalização – apenas pode ocorrer por justa causa e que esta deva ser demonstrada nos autos.
A causa justificativa de qualquer alteração do contrato de sociedade, seja ela qual for, reside na manifestação da vontade maioritária dos acionistas que deve sempre, em qualquer caso, dirigir os destinos de qualquer sociedade comercial.
Não se alcança qualquer fundamento jurídico viável que permita concluir pela necessidade de invocação de uma justa causa para a alteração do contrato de sociedade e, naturalmente, do modelo de fiscalização.
Não existe qualquer derrogação ao princípio geral da alterabilidade do contrato de sociedade, nem mesmo nas situações, como a dos autos, em que foi nomeado judicialmente um membro adicional para o órgão de fiscalização no quadro de um modelo que veio a ser alterado.
Essencial será perceber se a alteração do modelo de fiscalização importa uma fragilização do membro nomeado judicialmente ou um esvaziamento das suas funções, e, na afirmativa, se tal fragilização pode, por essa via, importar a violação do disposto no art. 418.º do CSC, como entendeu o tribunal recorrido.
Importa também perceber se tal alteração, ainda que conforme às normais legais em vigor, visou um objetivo fraudulento, como seja a violação dos direitos das minorias.
Afigura-se-nos que a resposta a tais questões não pode deixar de ser negativa.
Como é consabido, a fiscalização das sociedades anónimas visa, no essencial, o controlo da atividade do órgão de gestão, competindo este controlo a um órgão próprio e com competências autónomas.
A sociedade pode optar por um modelo de fiscal único, que deve ser revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas, ou por um conselho fiscal, ou por um modelo de conselho fiscal e um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas que não seja membro daquele órgão (art. 413º, nº 1, do CSC).
Como já se deixou escrito, nada impede que o modelo de fiscalização se altere por decisão da vontade maioritária dos acionistas, sendo que, em determinados casos, tal alteração é imposta por lei caso se verifiquem os pressupostos a que alude o n.º 2 do art. 413.º do CSC.
O art. 418.º do CSC consagra a faculdade de peticionar a nomeação de um membro adicional do órgão de fiscalização.
Como explica J. P. Remédio Marques, no Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, Vol. VI, pág. 591, “A faculdade de peticionar a nomeação de um membro efetivo do Conselho Fiscal e de suplente alicerça-se na circunstância de garantir às minorias que a administração e fiscalização das SA sejam exercidas de uma forma isenta em observância das posições jurídicas protegidas pelo Direito.”.
A nomeação judicial em causa visa introduzir um elemento de confiança dos pequenos acionistas no órgão de fiscalização da sociedade.
Importa recordar que, quando o legislador consagrou no art. 418.º do CSC a possibilidade de nomeação de membros adicionais ao órgão de fiscalização a requerimento das minorias fê-lo por referência ao modelo de fiscalização de conselho fiscal, conforme resulta de tal dispositivo legal - “pode o tribunal nomear mais um membro efetivo e um suplente para o conselho fiscal” (sublinhado nosso) -, sendo tal regime transponível para o modelo de fiscal único por força do disposto no art. 423.º-A do CSC, do qual resulta que “Não havendo conselho fiscal, todas as referências que lhe são feitas devem considerar-se referidas ao fiscal único, desde que não pressuponham a pluralidade de membros.”.
Assim, a possibilidade de representação das minorias no órgão de fiscalização, consagrada pelo legislador, verifica-se sempre, seja num cenário em que existe um conselho fiscal, seja num cenário de fiscal único, existindo, naturalmente, em qualquer cenário um reforço da fiscalização exercida sobre a administração e sobre os grupos de acionistas dominantes.
É o legislador que o afirma ao consagrar tal hipótese em ambos os modelos de fiscalização.
A decisão do Tribunal da Relação assenta, em nossa perspetiva e salvo o devido respeito, num equívoco, qual seja o de considerar que o modelo de fiscal único oferece mais e maiores garantias de fiscalização por oposição ao modelo de conselho fiscal, o que não corresponde à verdade.
Desde logo, importa salientar que a escolha dos membros do órgão de fiscalização encontra-se sujeita a inúmeros requisitos de elegibilidade e a uma lista de incompatibilidades que garante a isenção e a idoneidade dos membros nomeados para a tarefa de fiscalização da sociedade (arts. 414º e 414º-A, do CSC), membros estes sujeitos a um conjunto de deveres cuja violação pode determinar a sua responsabilização (art. 64º, nº 2, do CSC).
Ademais, parece-nos manifesto que um maior número de membros importa, em si mesmo, um reforço da fiscalização exercida sobre a administração da sociedade.
Como nota Gabriela Figueiredo Dias, em A Fiscalização Societária Redesenhada: Independência, Exclusão de Responsabilidade e Caução Obrigatória Dos Fiscalizadores, in Reformas do Código das Sociedades, Almedina, 2007, pág. 292 e ss., “A possibilidade, amplamente difundida e enraizada na prática societária, de opção por um fiscal único em lugar do conselho fiscal nos modelos de fiscalização anteriormente vigentes vinha concentrando as preocupações relacionadas com a ineficiência da fiscalização societária, sobretudo nas grandes sociedades anónimas. O modelo do fiscal único, sobretudo nas grandes sociedades anónimas e nas cotadas, centralizando numa e na mesma pessoa todas as funções de fiscalização, sem que sobre ela se façam atuar quaisquer mecanismos de controlo mínimo, é em si mesmo indesejável, pela dificuldade de cobertura de todos os aspetos da fiscalização que lhe são cometidos, pela fragilização da posição do fiscal em relação à administração, pela maior ameaça da independência do fiscalizador e pelos consequentes riscos de ineficiência da fiscalização a que conduz” (sublinhado nosso).
É preciso não esquecer que ao conselho fiscal compete “controlar a administração da sociedade, verificar com detalhe os documentos e critérios elaborados e utilizados pela administração, de entre inúmeras funções que hoje tem (cfr. art. 420º, nºs 1 e 2).” - J. P. Paulo Olavo da Cunha, em Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 7.ª edição, págs. 915/916.
Assim, a ideia de que a fiscalização exercida por fiscal único é mais intensa do que a exercida por conselho fiscal não tem qualquer razão de ser na lógica de que um maior número de membros tem capacidade para exercer, de forma mais aprofundada, as suas vastas competências.
A vastidão e exigência das competências atribuídas ao órgão de fiscalização desmente a hipótese levantada de que a fiscalização levada a cabo por conselho fiscal é mais frágil do que a levada a cabo por fiscal único.
O argumento de que a mudança operada pela deliberação em crise nos autos implica a perda de competências, na medida em que são agora assumidas de forma colegial e onde não têm a maioria, não colhe.
É verdade que o conselho fiscal atua de forma colegial, estando as respetivas deliberações sujeitas à regra da maioria, maioria essa que o fiscal nomeado judicialmente não garante sozinho, podendo, no entanto, caso discorde das deliberações tomadas por maioria, “fazer inserir na ata os motivos da sua discordância” - art. 423.º, n.º 2, do CSC.
Sucede que nem mesmo na hipótese de manutenção do sistema de fiscal único tal maioria estava garantida já que o fiscal nomeado judicialmente apenas seria representativo da metade.
Este não é, contudo, o argumento decisivo.
Decisivo é constatar que, não obstante o modelo de funcionamento colegial, as competências dos membros do órgão de fiscalização, e em especial as que garantem às minorias o acesso a informação e o controlo da administração, podem e devem ser exercidas de forma isolada.
Veja-se, a título de exemplo, o que dispõe o art. 421.º, n.º 1, do CSC - que qualquer membro do conselho fiscal, conjunta ou isoladamente, pode “a) Obter da administração a apresentação, para exame e verificação, dos livros, registos e documentos da sociedade, bem como verificar os documentos de qualquer classe de valores, designadamente dinheiro, títulos e mercadorias; b) Obter da administração ou de qualquer dos administradores informações ou esclarecimentos sobre o curso das operações ou atividades da sociedade ou sobre qualquer dos seus negócios; c) Obter de terceiros que tenham realizado operações por conta da sociedade as informações de que careçam para o conveniente esclarecimento de tais operações; d) Assistir às reuniões da administração, sempre que o entendam conveniente.”.
Ademais, “o fiscal único ou qualquer membro do conselho fiscal, quando este exista, devem proceder, conjunta ou separadamente e em qualquer momento do ano, a todos os atos de verificação e inspeção que considerem convenientes para o cumprimento das suas obrigações de fiscalização.” (sublinhados nossos), tendo o dever de, conjunta ou isoladamente, “participar ao Ministério Público os factos delituosos de que tenham tomado conhecimento e que constituam crimes públicos.” (respetivamente, arts. 420.º, n.º 3, e 422.º, n.º 3, do CSC).
Não é, pois, possível afirmar que, no cenário de existência de um conselho fiscal, os respetivos membros, entre os quais os membros nomeados judicialmente, ficam reféns da atuação dos demais membros ou que, de alguma forma, ficam impedidos de exercer uma efetiva vigilância quer sobre a atuação dos membros daquele órgão de fiscalização, quer da administração da sociedade.
Por outro lado, não podemos deixar de realçar que não é possível afirmar que o membro do órgão de fiscalização nomeado pelo tribunal ficou impedido de exercer competências de certificação.
De facto, como bem salientou o tribunal da 1.ª instância, as competências atribuídas ao fiscal nomeado judicialmente são as que se encontram descritas no Capítulo VI, secção II – Fiscalização, o que nos remete tão-só e apenas para as competências de fiscalização que se mostram descritas nos arts. 420.º e ss. do CSC.
Não está, assim, em causa a atribuição de competências de certificação e revisão legal de contas, de resto apenas compatíveis com uma atuação isolada.
De facto, como já havia salientado a 1.ª instância, os membros do órgão de fiscalização nomeados pelo tribunal não exercem quaisquer competências de certificação e de revisão legal de contas.
Estas competências permanecem intactas na esfera do fiscal único nomeado pelos sócios ou do revisor oficial de contas, no modelo de fiscalização de conselho fiscal.
Como explica Gabriela Figueiredo Dias, em Fiscalização de Sociedades e Responsabilidade Civil, pág. 30 e ss., “Assim, enquanto no modelo latino simples o conselho fiscal, que integra obrigatoriamente um ROC (arts. 278.º, n.º 1, al. a), e 413.º, n.º 1, al. a)), acumula os poderes de fiscalização e de revisão de contas (34), no modelo latino reforçado assiste-se a uma tentativa de segregação daquelas funções, aqui repartidas entre o conselho fiscal (fiscalização) e o revisor oficial de contas (art. 413.º, n.º 1, al. b)), funcionalmente autónomo em relação àquele órgão (revisão e certificação de contas). (…) Para além das funções genericamente atribuídas pela lei ao fiscal único e ao conselho fiscal (art. 420.º) — e que cabem, por conseguinte, a qualquer membro destes órgãos, independentemente de serem ou não revisores oficiais de contas —, ao ROC são cometidas algumas funções específicas, isto é, que lhe cabem exclusivamente a ele, enquanto ROC, para além de todas as restantes funções que decorrem da sua qualidade de membro do conselho fiscal ou de fiscal único. Consistem essas funções específicas em proceder a todos os exames e verificações necessários à revisão e à certificação legal de contas (art. 420.°, n.º 4) e no exercício de um dever de vigilância, traduzido na obrigatoriedade de comunicação à administração de quaisquer sinais de dificuldade no prosseguimento do objeto da sociedade detetados no exercício da sua atividade (art. 420.º-A, n.º 1) e de requerer a convocação de reunião do órgão de administração ou da assembleia geral nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do art. 420.º-A do CSC. A especificidade das funções do ROC resultam, desde logo, do regime jurídico dos revisores oficiais de contas (EOROC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro 1, onde lhes é reconhecida competência para a revisão legal de contas, a auditoria às contas e serviços relacionados, bem como para o exercício de quaisquer outras funções que por lei exijam a intervenção própria e autónoma de ROCs sobre determinados atos e factos patrimoniais (art. 40.°, n.º 1, do EOROC), além de outras funções de interesse público que a lei lhes atribua.”.
Assim, a par das competências de fiscalização, existem competências de revisão e certificação legal de contas que são atribuídas, em exclusivo, ao revisor oficial de contas e que no modelo de fiscal único a este competem.
No caso de nomeação judicial de membros adicionais, está em causa a atribuição de competências de fiscalização tout court e já não competências de revisão e certificação legal de contas (art. 45º e ss. do EOROC).
É o que resulta da inserção sistemática do art. 418º do CSC - inserto no Capítulo VI, “Administração, fiscalização e secretário da sociedade”, Secção II, “Fiscalização”, por oposição ao Capítulo VIII, “Apreciação anual da situação da sociedade”.
Significa isto que as competências atribuídas ao membro adicional seja ao conselho fiscal, seja ao fiscal único, se dirigem, apenas, à necessidade de acautelar a fiscalização da gestão da sociedade por representantes das minorias e o exercício das competências mencionadas nos arts. 420º e ss. do CSC, não estando em causa a atribuição de quaisquer competências para revisão e certificação legal das contas da sociedade.
Esta competência pertence, em exclusivo, ao revisor oficial de contas, sendo manifesto que, caso o membro do conselho fiscal (nomeado judicialmente) discorde da certificação pode e deve exarar por escrito os motivos da discordância (art. 452º, nº 3, do CSC).
Neste conspecto, não podemos deixar de chamar a atenção para a circunstância de que as funções do órgão de fiscalização são, sobretudo, de fiscalização e de informação aos acionistas, funções que, como já se explicou, podem e devem ser exercidas de forma isolada, garantindo às minorias o acesso a informação fidedigna a prestar pelo seu representante no órgão de fiscalização, sempre no melhor interesse da sociedade.
Este entendimento não é contrariado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.05.2023, proferido no P. nº 2197/22.0T8AVR.P1, pelo que não ocorre qualquer eventual violação de caso julgado como sustenta o Recorrido.
A apelante (aqui, R.) havia suscitado a questão de que a remuneração do fiscal nomeado pelo tribunal teria de ser inferior à do fiscal único eleito porquanto não lhe competia a revisão das contas com vista à sua certificação legal.
O Tribunal da Relação entendeu que não merecia provimento a pretensão da apelante porquanto, visando a nomeação judicial reforçar a fiscalização já existente, em pé de igualdade com o membro eleito, daqui decorria que ao fiscal único designado devia ser fixada uma retribuição idêntica à do fiscal único eleito, justificando-se para poderes-deveres idênticos (entre o fiscal eleito e o fiscal nomeado pelo tribunal) uma retribuição idêntica.
Poderes de fiscalização da administração da sociedade e de fiscalização do revisor oficial de contas e da certificação de contas (art. 452º, nº 1, do CSC), que não inclui a função de certificação de contas da competência do ROC.
Como realça o tribunal de 1ª instância, nenhuma disposição legal e nem mesmo o art. 1053º do CPC, impõe que a pessoa a nomear judicialmente como fiscal tenha de ser ROC, bastando que seja pessoa que se repute idónea para o exercício do cargo, ou seja, que tenha qualificação e experiência profissional adequadas ao exercício das funções, nomeadamente suficiente literacia financeira para executar adequadamente as funções previstas nas als. c), e) e f), do nº 1 do art. 420º do CSC.
Com refere José Ferreira Gomes, no Código das Sociedades Comerciais Anotado, coord. de António Menezes Cordeiro, 3ª ed., 2020, pág. 1374, “O Fiscal Único designado pelo Tribunal não exerce funções de ROC, órgão social que, sem prejuízo de outros deveres, efetua a revisão legal de contas, com vista à certificação de contas. O status de Fiscal Único não se confunde com o de ROC (órgão social), apesar de, à luz das regras gerais, tais funções serem desempenhadas pela mesma pessoa: uma é dirigida à fiscalização global da administração; a outra é dirigida a uma mera fiscalização contabilística. O artigo 418º diz respeito apenas à designação de um Fiscal Único a requerimento de minorias, que desempenha funções de Conselho Fiscal (423º-A)”.
Resta referir que poderia dar-se o caso de se demonstrar que a alteração da estrutura de fiscalização visou, de alguma forma, inviabilizar o exercício das competências assumidas pelos membros judicialmente nomeados, o que permitiria equacionar o eventual uso abusivo do direito de alteração do contrato de sociedade e do modelo de fiscalização.
Sucede que, para o efeito, sempre seria necessário que existisse um substrato fáctico que nos permitisse equacionar tal hipótese, o que não sucede no caso dos autos.
Conclui-se, assim, que a alteração do modelo de fiscalização não importa o esvaziamento de funções do fiscal adicional nomeado judicialmente, não se vislumbrando, sequer remotamente, que os direitos das minorias se mostrem fragilizados em face de tal mudança.
A inexistência de violação de qualquer norma legal e a inexistência de quaisquer indícios de que a deliberação em causa nos autos visou, de forma abusiva, beneficiar um grupo de acionistas em detrimento de outros ou da sociedade, ou que visou prosseguir um fim proibido por lei, importa a total improcedência da pretensão do A.
Em conclusão, as deliberações impugnadas não são nulas, procedendo a revista, devendo repristinar-se a decisão de 1ª instância, julgando improcedente a ação.
As custas, na modalidade de custas de parte, são a cargo do Recorrido, atento o decaimento – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em conceder revista, revogando-se a decisão recorrida, e julgando-se, em consequência, improcedente a ação, absolvendo a R. dos pedidos.
Custas pelo Recorrido.
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Lisboa, 2025.09.23
Cristina Coelho (Relatora)
Luís Espírito Santo
Maria Olinda Garcia
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora)
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1. Hoje previsto no Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pela Lei n.º 140/2015, de 7.09, que revogou o referido DL nº 487/99, de 16.11.↩︎