I. É à parte que cumpre a escolha da causa de pedir com que pretende sustentar o efeito jurídico que pretende obter.
II. Se na PI o A. alega o intuito dos réus prejudicarem terceiros com a compra e venda objeto da presente impugnação pauliana, a consciência do prejuízo que o ato causava ao terceiro, tem em vista demonstrar a má fé dos réus, no pressuposto da onerosidade do contrato impugnado.
III. A alegação de que, apesar do declarado perante o oficial público, não houve qualquer pagamento ou troca de valores, não basta para se concluir pela prática de um ato gratuito.
IV. Para que se poder equacionar o negócio como gratuito, o A. teria, necessariamente, de haver alegado de forma clara, enquanto causa de pedir, que o contrato de compra e venda era simulado, existindo outro - o dissimulado - que revestia a natureza de doação (com vista a evitar a prova da má fé dos outorgantes).
V. O Supremo Tribunal de Justiça não se pode pronunciar sobre o não uso de presunções.
RELATÓRIO
Em 16.10.2015, Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda. (tendo, posteriormente, sido habilitado para prosseguir a ação no lugar da primitiva A., AA) intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Espaço Curvo Construções, SA (entretanto declarada insolvente) e Fogovioleta – Gestão de Activos, SA, pedindo: a) Para efeitos do artigo 616º, nº 1, do CC, que seja declarada impugnada e ineficaz em relação à A. a escritura pública de compra e venda realizada entre as RR. no Cartório Notarial sito em Agualva-Cacém, concelho de Sintra, a cargo da Dr.ª BB, no dia 11 de Setembro de 2015, exarada no Livro .69, fls. .39 e seguintes tendo como objeto o prédio urbano composto de casa de rés do chão, anexo e logradouro, sito na Rua 1, em São João da Caparica, na freguesia da Costa da Caparica, concelho de Almada, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º ..60 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..86º; b) Seja reconhecido o direito da A., nos termos do artigo 616º do Código Civil, a executar no património da 2ª Ré, para que possa ser penhorado e vendido judicialmente, o imóvel supra referido.
A fundamentar o peticionado alegou, em síntese, que a A. é uma sociedade que se dedica à atividade de prestação de serviços de contabilidade e fiscalidade, e por acordo entre o seu sócio maioritário e gerente, CC, e o principal acionista da 1ªR. e de outras empresas do mesmo grupo, DD, a A. obrigou-se à prestação de serviços de contabilidade à 1ªR., o que fez nos anos de 2010 a 2013, tendo emitido a respetiva fatura, que a 1ªR. não pagou, alegando dificuldades de tesouraria, tendo aceite uma letra de câmbio, como garantia do pagamento daquela fatura. Não tendo a 1ªR. pago na data de vencimento, a A. intentou ação executiva, indicando à penhora o prédio urbano sito na Rua 1, em São João da Caparica, descrito na 2ª CRP de Almada sob o n.º ..60 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..86º.
Mais alegou:
23º No dia 11 de Setembro de 2015, por escritura pública realizada no Cartório Notarial sito em Agualva-Cacém, concelho de Sintra, a cargo da Dr.ª BB, a 1ª Ré, declarou vender à 2ª Ré, o prédio supra referido (doc. n.º 14 e 15).
24º Mais declararam que a supradita venda foi pelo preço, já recebido, de 400.000,00€ (quatrocentos mil euros) – doc. n.º 14.
25º Os Réus engendraram tal esquema com o intuito de evitar a sua penhora e venda em praça pública pelos respetivos credores, nomeadamente a Autora.
26º A 1ª Ré ESPAÇO CURVO, SA não tem quaisquer outros bens conhecidos livres de qualquer ónus ou encargos, que permitam à Autora ver-se paga do seu crédito,
27º Tendo assim, com a escritura supra referida, querido dissipar o seu património.
28º As escrituras de compra e venda supra referidas entre os Réus destinaram-se apenas a evitar que a Autora não pudesse ser ressarcida do seu crédito.
29º Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público não houve qualquer pagamento ou troca de valores,
30º Não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido qualquer contrapartida financeira.
31º A 1ª Ré pretendeu assim, com aquela venda, furtar-se ao pagamento da dívida que tem para com a Autora, desfazendo-se do seu património.
32º Prejudicando sobremaneira a possibilidade da Autora satisfazer o seu crédito à custa desse património.
33º Não sendo esse facto desconhecido à 2ª Ré que bem sabia da situação, nomeadamente da dívida para com a Autora, aceitando o conluio com a mesma, tendo pois participado livremente no esquema que visava ludibriar os credores da 1ª Ré.
34º É por isso manifesta a má fé, quer da 1ª Ré, quer da 2ª Ré, que tinham perfeita consciência que estariam a lesar a Autora, impossibilitando-a de obter a execução judicial do seu crédito.
Citadas, as RR. contestaram, por impugnação, pugnando ambas pela improcedência da ação.
A A. juntou aos autos documento comprovativo do registo da ação, efetuado pela Ap. 895 de 16.10.2015.
Em 30.03.2017 foi junto aos autos documento comprovativo da inscrição, pela Ap. 1781 de 01.03.2017, da “Aquisição” do prédio em causa nos autos a favor de EE, por “Compra” à 2ª Ré.
Na mesma data foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre as consequências processuais e substantivas decorrentes da venda do imóvel na pendência da ação, pela 2ª R. a terceiro, tendo-se o A. e a 1ª R. pronunciado no sentido de não ter qualquer repercussão.
Em 30.08.2023, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e absolveu as RR. do pedido.
Inconformado com a decisão, apelou o A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, em 27.02.2025, proferido acórdão que julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida, embora com diferente fundamento.
O A./apelante interpôs recurso de revista, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1 – O acórdão ora recorrido, proferido nos presentes autos pelo Venerando Tribunal da Relação do Lisboa, julgando procedente o Recurso interposto pelo habilitado AA, começa por referir no seu sumário que: “Quando na pendência da ação de impugnação pauliana ocorre nova transmissão do bem, a falta do terceiro subadquirente não determina a ilegitimidade do devedor alienante e do terceiro adquirente que foram inicialmente demandados por preterição de litisconsórcio necessário passivo”
Damos pois esta questão como ultrapassada.
2 – A questão fundamental no presente recurso é assim saber se, tendo-se concluído que, de facto, a 2ª Ré não pagou o preço do imóvel à 1ª Ré e que esta não recebeu dela esse pagamento, se é exigível, para a procedência da ação pauliana, o requisito/pressuposto da má fé.
3 – Com relevância para a decisão do presente Recurso, o Acórdão Recorrido, deu como provados, para além de outros, os seguintes factos (com a numeração introduzida pelo próprio Tribunal da Relação):
a) Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público não houve qualquer pagamento ou troca de valores [do art.º 29.º - petição inicial] – Facto Provado n.º 25;
b) Não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido qualquer contrapartida financeira [do art.º 30.º - petição inicial] – Facto Provado n.º26.
4 – Ou seja, quer a sentença proferida pela 1ª instância quer o acórdão recorrido proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa aceitam que o negócio entre as rés, na realidade, foi gratuito.
5 – Como se disse, entendeu o Acórdão Recorrido manter a decisão da 1ª Instância com fundamento de não se encontrar preenchido o pressuposto da má fé de ambas as Rés.
6 – Por se tratar de um caso semelhante ao caso dos autos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/11/2017
(Processo n.º 943/15.7T8PVZ.P1, em que foi Relator o Ilustre Juiz Desembargador FERNANDO SAMÕES, publicado em www.dgsi.pt):
“II – Tratando-se, porém, de ato gratuito, é dispensada a má fé pauliana, independentemente do momento de constituição do crédito relativamente ao ato impugnado;
III – Um ato oneroso pressupõe atribuições patrimoniais de ambas as partes, ligadas por um nexo de correspetividade, segundo a sua vontade, enquanto um ato gratuito cria, para uma só, uma vantagem patrimonial sem nenhum equivalente;
IV – Deve ser qualificado como gratuito o contrato de compra e venda em que não houve pagamento de qualquer preço e a declarada compradora é filha dos vendedores e irmã do principal devedor” – sublinhamos.
6 – No mesmo sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/03/2005 (P.299/05-2, em que foi Relator o Ilustre Juiz Desembargador BERNARDO DOMINGOS), Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/02/2017 (P. 162/10.9TBAVV.G1, em que foi Relator a Ilustre Juiz Desembargadora MARIA CRISTINA CERDEIRA), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2000 (P. 00A422, em que foi Relator o Ilustre Juiz Conselheiro MACHADO SOARES).
7 – É assim pacífico que, estando nós perante um ato gratuito, onde não houve entre as Rés qualquer pagamento ou troca de valores, não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido dela qualquer contrapartida financeira, não era pois exigível o requisito/pressuposto da má fé entre as Rés para a procedência da ação pauliana.
(Nos termos do artigo 612º n.º1 do Código Civil “O ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé”)
8 – Estando assim o Acórdão Recorrido em manifesta contradição com outros Acórdãos já proferidos e transitados em julgado, quer por outras Relações quer pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça.
9 – No entanto, mesmo que assim não se entenda, e sem prescindir,
10 – O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2022 (P. 10105/17.3T8PRT.P2.S1, em que foi Relator o Ilustre Juiz Conselheiro ISAÍAS PÁDUA): “Movendo-se a má fé numa área que tem a ver com factos de foro interno ou de natureza psicológica, cuja prova se mostra, normalmente, difícil, por não serem, por via de regra, passíveis de demonstração direta, essa dificuldade de prova costuma frequentemente ser ultrapassada através do recurso a circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados. Ou seja, e por outras palavras, a prova de tais factos do foro psicológico é habitualmente conseguida por via do recurso às regras da experiência comum de vida, partindo de elementos (factuais) indiciários que, segundo essa experiência comum, permitam depois induzir a ocorrência dos mesmos (vg. Em termos do seu conhecimento/representação pelo agente)”.
11 – E continuando diz “E daí que seja frequente o recurso a presunções naturais ou judiciais para provar a má fé dos agentes (vg. do devedor e do 3º adquirente). Sendo essas presunções retiradas/extraídas de factos provados (para considerar outros como provados), também elas constituem ou se reconduzem a matéria de facto, e daí ser apenas possibilitado o seu uso às instâncias (1ª. e 2ª.), vedando a sua utilização por este mais alto tribunal, ao qual apenas lhe é possível exercer (em sede de recurso de revista) a sindicância sobre o seu uso por aquelas instâncias nas circunscritas situações de exceção decorrentes da 2ª. parte do nº. 3 do artº. 674º do CPC, ou seja, indagar se esse uso ofende norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se partiu de factos não provados”.
12 – Voltando ao caso dos autos, percorrendo o elenco dos factos provados, lida a escritura de compra e venda outorgada pelas Rés, as contestações apresentadas pelas Rés, ilógico é, atento as regras de experiência comum, concluir pela inexistência da má fé das Rés.
13 – Recordar o que ficou provado em 25 e 26 (numeração introduzida pelo Tribunal da Relação), que não houve pagamento de qualquer preço ou troca de valores entre as Rés, a tese das Rés que o preço de 400 000,00 € foi pago por um “amigo” em numerário (!!!), como se nos dias de hoje fosse normal ter esse elevado montante numa caixa de sapatos,
14 – É por demais evidente, salvo o devido respeito, só para quem não o quiser ver, o conluio que existiu entre as Rés.
15 – Daí que devesse o Acórdão Recorrido concluir, como aliás concluiu o Tribunal da 1ª Instância (Vide Despacho de 21/05/2024 com a referência .......39), que “não sendo esse facto desconhecido à 2ª Ré que bem sabia da situação, nomeadamente da dívida para com a Autora, aceitando o conluio com a mesma, tendo pois participado livremente no esquema que visava ludibriar os credores da 1ª Ré”, dando assim como preenchido o pressuposto da má fé.
16 – O Acórdão Recorrido, está em contradição com o decidido no acórdão fundamento supra referidos sobre a mesma questão jurídica, padece de vício na interpretação e aplicação do direito aos factos, tendo violado, entre outros, os artigos 342º, 610º, 611º e 612º do Código Civil e 413º e 607º do Código de Processo Civil.
17 – Pelo que, tendo em conta que a sentença proferida em 1ª Instância e o Acórdão Recorrido consideraram que se encontram verificados os restantes pressupostos exigidos para a procedência da ação pauliana, o Acórdão Recorrido deve ser revogado nesta parte e substituído por um outro que julgue a ação e o recurso interposto pelo habilitado AA totalmente procedente, por provado, condenando-se as Rés no pedido.
A R. Fogovioleta – Gestão de Activos, SA contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
a) Contrariamente ao que é referido pelo recorrente o negócio realizado pelas recorridas é um contrato de compra e venda, sendo por isso um contrato oneroso.
b) Para que exista um negócio gratuito ter-se-á de comprovar que não existe qualquer nexo de correspetividade no negócio realizado.
c) In casu atendendo à fundamentação efetuada pelo Tribunal a quo, a páginas 41 a 44 do seu douto acórdão, resulta, de forma cristalina, que o negócio realizado é oneroso, porquanto o negócio realizado foi uma forma de pagamento acordada pelas partes no âmbito de empréstimos realizados, pelo que não há dúvidas que o negócio subjacente tem contrapartidas, não sendo, por isso, um negócio gratuito.
d) Não nos podemos olvidar que, conforme resulta do douto acórdão o próprio Tribunal a quo refere – e não tem dúvidas, disso, porquanto tal resulta cristalinamente da informação prestada, diretamente aos autos, pela Divisão de Controlo de Fundos da Administração Tributária – que no dia 9-09-2015, isto é, dois dias antes da celebração da escritura – foram pagos em numerário pela recorrida – Espaço Curvo - € 298.000,00 de dívidas fiscais através de numerário que lhe foi entregue pelo acionista da, aqui recorrida FF, sendo esta uma das contrapartidas do negócio realizado
e) Ora, é verdade que esta contrapartida não foi entregue, diretamente, à recorrida – Espaço Curvo – através da conta da recorrida – Fogo Violeta – mas foi entregue à recorrida Espaço Curvo através de numerário entregue pelo acionista da Fogo Violeta, o Senhor FF.
f) Exatamente, pelo facto deste mesmo pagamento não ter sido realizado diretamente pela recorrida Fogo Violeta à recorrida Espaço Curvo, mas sim pelo acionista da recorrida – Senhor FF - é que o Tribunal a quo entendeu alterar a redação dos factos provados n.ºs 25 e 26, para a atual redação expurgando do rol dos factos provados a anterior redação dos mesmos que indicavam que o negócio não tinha tido qualquer pagamento ou troca de valores.
g) De facto, a nova redação dos factos provados n.º 25 e 26 já não refere, como a anterior, que o negócio não teve contrapartidas, mas apenas e só, que essas contrapartidas não foram dadas diretamente pela recorrida – Fogo Violeta – à recorrida Espaço Curvo, porquanto, como de disse, tais contrapartidas foram entregues pelo acionista da Fogo Violeta, Senhor FF e utilizadas para pagar impostos.
h) Tal como resulta da douta decisão do Tribunal a quo existiu, assim, in casu, uma clara vantagem da recorrida Espaço Curvo com o presente negócio que, com o numerário que lhe foi pago por conta do preço, pelo Senhor FF – no valor de € 273.357,93 - pagou as dívidas fiscais que tinha e, com isso, diminui o seu passivo e, em contrapartida, esta mesma sociedade alienou à, aqui recorrida, o imóvel objeto dos presentes autos, existindo, por isso, uma clara correspetividade nas prestações que implica que o contrato efetuado pelas recorridas terá, necessariamente, de considerar-se oneroso, por não se ter provado que o mesmo é gratuito, face à nova redação dos factos provados n.º 25 26 que refere, apenas e só, que a 2.º R. – Fogo Violeta – não pagou à 1.º R. quando a anterior redação referia que todo negócio em si não tinha qualquer contrapartida, redação essa que foi expurgada porquanto verificou-se que foi o acionista da, aqui recorrida, quem pagou, diretamente, o valor em causa.
i) Pelo exposto, salvo e mais douto entendimento, temos de concluir que bem andou o Tribunal a quo quando decidiu, como decidiu, porquanto o recorrente não fez prova, nem da má-fé da, aqui, recorrida, nem da gratuitidade do negócio que, agora, vem alegar, razão pela qual terá de improceder o douto recurso apresentado pelo recorrente.
j) Para o caso de V. Exa. considerarem que não resulta, desde já dos autos, factos suficientes que permitam aferir a onerosidade do negócio realizado, requer-se a V. Exas., ao abrigo do disposto no artigo 682.º do CPC, a ampliação da matéria de facto no sentido de ser apurado, tal como já o fez o Tribunal a quo em sede de fundamentação sem contudo ter passado tais factos para o rol dos factos provados - se a recorrida Espaço Curvo entregou ou não o valor de € 273.357,93 à Administração Tributária para pagar as suas dívidas com o valor que foi entregue pelo Senhor FF e se este mesmo FF foi ou não a pessoa que promoveu o pagamento da totalidade do preço do valor constante da escritura pública de compra e venda.
k) Estes dois factos – (1) que o pagamento foi efetuado pelo acionista da recorrida – Senhor FF e (2) que o pagamento de parte do preço, pelo menos € 273.357,93 foi utilizado para a recorrida Espaço Curvo para pagar dívidas fiscais em data anterior à escritura – foram apreciados em sede de fundamentação, tendo os mesmos fundamentado a alteração da redação dos factos provados n.º 25 e 26, contudo, tais factos não foram levados ao probatório, como o deveriam ter sido ao abrigo do disposto nos artigo 5.º n.º 2, alíneas b) e c) e 662.º n.º 2 c) do CPC, clarificando, com isso, que o negócio realizado é um negócio patentemente oneroso do qual beneficiou a recorrida Espaço Curvo.
l) Conforme resulta a fls 47 do douto acórdão, o Tribunal a quo entendeu, contrariamente ao que lhe tinha sido solicitado pela recorrida nas suas alegações, não apreciar o facto constante do artigo 36.º da contestação, porquanto entendeu que tal facto não teria relevância ou utilidade para ser apreciado pelo facto do recorrente não ter provado a má-fé da recorrida, pelo que, quanto a tal facto, existiu uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, gerando, nesse caso, a nulidade do douto acórdão nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, caso V. Exas. entendam que tal facto é essencial para qualificação do negócio como oneroso ou essencial para a boa decisão da causa, nulidade esta que, à cautela, aqui se invoca.
m) Pelo exposto, caso V. Exas. entendam que, ainda, não resulta do rol dos factos provados factos suficientes para a boa aplicação do Direito, mormente para a qualificação do negócio realizado como oneroso ou gratuito, requer-se a V. Exas. ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do CPC que a matéria de facto seja ampliada no sentido de se apreciar e passar para o probatório os factos acima elencados – que o pagamento do preço foi efetuado pelo acionista da, aqui, recorrida – FF – e que a recorrida – Espaço Curvo – pagou, no dia 9 de setembro de 2015, a quantia de € 273.357,93 (duzentos e setenta e três mil trezentos e cinquenta e sete euros e noventa e três cêntimos), com o numerário que lhe foi entregue pelo Sr. FF - dos quais resulta, reitera-se, a patente qualificação do negócio realizado como oneroso.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir são:
a) se resulta da factualidade provada que o negócio impugnado foi um negócio gratuito, não sendo, nessa conformidade, exigível a prova do requisito da má fé;
b) assim não se entendendo, se é ilógico concluir pela inexistência de má fé face à factualidade provada como fez o tribunal recorrido.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Vêm dados como provados os seguintes factos 1:
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de Prestação de Serviços de Contabilidade e fiscalidade. [do art.º 1.º - petição inicial]
2. Tem como sócio maioritário e gerente CC, contribuinte fiscal n.º ... ... .49. [do art.º 2.º - petição inicial]
3. O principal acionista da 1.ª Ré e de outras empresas do mesmo grupo, DD, conheceu o gerente da Autora, o referido GG, aquando da sua passagem pelo estabelecimento prisional no âmbito de um processo relacionado com o BPN. [do art.º 3.º - petição inicial]
4. Ficou então acordado que o GG assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da 1ª Ré, como veio a acontecer. [do art.º 4.º - petição inicial]
5. Foi pedido à Autora, sempre na pessoa do seu legal representante, como se disse, que executasse serviços de contabilidade da 1ª Ré pois haveria a necessidade de proceder, nomeadamente, ao cumprimento e regularização de obrigações fiscais, acompanhamento a repartições de finanças, organização e apresentação de declarações, nomeadamente, de IRC e IES que se encontravam em atraso. [do art.º 5.º - petição inicial]
6. A Autora e a 1ª Ré acordaram então que o preço a pagar por esta pelos serviços solicitados para a sociedade Espaço Curvo, SA, ora 1ª Ré, seria de 750,00 €/mês acrescido do IVA à taxa legal, ou seja, o montante de 9 000,00 €, acrescido do IVA, por cada ano. [do art.º 6.º - petição inicial]
7. No cumprimento do que se havia comprometido com a 1ª Ré, a Autora através do seu legal representante e/ou colaboradores, procedeu devidamente à execução dos serviços de contabilidade solicitados pela 1ª Ré. [do art.º 7.º - petição inicial]
8. Tendo, nomeadamente, organizado os documentos contabilísticos da sociedade, deslocou-se aos Serviços de Finanças, apresentando as declarações de IRC e IES, desde logo referentes aos anos de 2010 e 2011, que se encontravam em atraso. [do art.º 8.º - petição inicial]
9. E, mais tarde, referentes aos anos de 2012 e 2013. [do art.º 9.º - petição inicial]
10. Assim, como se pode verificar pelos documentos n.º 2 a 9 que ora se juntam, foi a Autora, através do seu legal representante (NIF ... ... .49), quem apresentou as respetivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012. [do art.º 10.º - petição inicial]
11. Tendo ainda sido o próprio a efetuar a organização dos documentos contabilísticos da 1ª Ré referentes ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Autora e a 1ª Ré já se encontravam deterioradas. [do art.º 11.º - petição inicial]
12. Isto porque, não obstante o trabalho desenvolvido, a 1ª Ré jamais pagou à Autora o quer que fosse. [do art.º 12.º - petição inicial]
13. Nesse seguimento, a 1ª Ré solicitou ao legal representante da Autora a entrega da documentação de suporte para a execução da contabilidade por outro TOC, [do art.º 13.º - petição inicial]
14. Ao que este respondeu que entregaria mediante o pagamento das quantias em dívida. [do art.º 14.º - petição inicial]
15. Perante isto, a 1ª Ré anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respetiva fatura no valor de 44 280,00 € [do art.º 15.º - petição inicial]
16. A Executada aceitou e recebeu a fatura tanto que a lançou na respetiva contabilidade [do art.º 16.º - petição inicial]
17. Contudo, alegando dificuldades momentâneas de tesouraria sugeriu a entrega da letra como garantia do pagamento daquela fatura. [do art.º 17.º - petição inicial]
18. Assim, a Autora sacou sobre a 1ª Ré ESPAÇO CURVO uma Letra de Câmbio, que por ela foi aceite, no valor de 44 280,00 € (quarenta e quatro mil duzentos e oitenta euros), com vencimento em 25.10.2014. [do art.º 18.º - petição inicial]
19. Nela figura a assinatura do legal representante da aqui Autora no local próprio para o saque e, do então legal representante da referida ESPAÇO CURVO no local próprio para o aceite [do art.º 19.º - petição inicial]
20. Razão pela qual se afirmou estar a respetiva letra sacada pela Autora e aceite por aquela [do art.º 20.º - petição inicial]
21. Não veio no entanto a 1ª Ré a honrar o seu compromisso na data de vencimento pelo que não teve a Autora alternativa senão avançar com a respetiva execução, que hoje corre termos na Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Ints. Central, 1ª Secção de Execução, J2, sob o n.º 7960/14.2T8LSB [do art.º 21.º - petição inicial]
22. No requerimento executivo apresentado e supra referido, a Autora indicou à penhora o prédio urbano composto de casa de rés do chão, anexo e logradouro, sito na Rua 1, em São João da Caparica, na freguesia da Costa da Caparica, concelho de Almada, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º ..60 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..86º. [do art.º 22.º - petição inicial]
23. No dia 11.09.2015, por escritura pública realizada no Cartório Notarial sito em Agualva-Cacém, concelho de Sintra, a cargo da Dr.ª BB, a 1ª Ré, declarou vender à 2ª Ré, o prédio supra referido [do art.º 23.º - petição inicial]
24. Mais declararam que a supradita venda foi pelo preço, já recebido, de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros) [do art.º 24.º - petição inicial]
25. Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público, não houve, entre elas qualquer pagamento ou troca de valores.
26. Não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido dela qualquer contrapartida financeira.
*
E foram dados como não provados os seguintes factos:
a) Era do conhecimento da 2ª Ré que a 1ª Ré pretendia, com a venda, furtar-se ao pagamento da dívida que tinha para com a Autora, prejudicando a possibilidade de a Autora satisfazer o seu crédito à custa desse património, tendo aceitado participar nesse esquema que visava ludibriar os credores da 1ª Ré (art.º 33.º da petição inicial).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O A./apelante interpôs o presente recurso de revista, invocando os arts. 629º, nº 2, al. d), 671º nºs 1 e 2, al. b), 3, e 672º, nº 1, al. c), do CPC, juntando o competente acórdão fundamento.
O presente recurso é, porém, admissível, como revista normal, nos termos do art. 671º, nº 1, do CPC, por não se verificar uma situação de dupla conforme.
De facto, o tribunal de 1ª instância julgou a ação improcedente e absolveu as RR. dos pedidos, porquanto entendeu que, quando na pendência da ação de impugnação pauliana ocorre nova transmissão do bem, a falta do terceiro sub-adquirente determina a ilegitimidade do devedor alienante e do terceiro adquirente inicialmente demandados, por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
E sendo certo que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação, e manteve a decisão de improcedência da ação, não menos certo é que afastou o fundamento em que tinha assentado a decisão do tribunal de 1ª instância (concluindo que não ocorria qualquer ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário), apreciou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e conheceu do mérito da ação, fundamentando a decisão de improcedência na não demonstração do requisito da má fé exigido pelo art. 612º, nºs 1, 1ª parte, e 2, do CC.
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida, mas com fundamento diferente, pelo que não ocorre uma situação de dupla conforme, sendo inaplicável o disposto no nº 3 do art. 671º do CPC.
Atento o valor da causa e da sucumbência (igual àquele, uma vez que a improcedência é total), o recurso de revista (normal) é admissível.
*
Entremos no objeto do recurso.
O tribunal recorrido julgou a ação improcedente, confirmando a decisão recorrida, porquanto, depois de entender que se encontravam preenchidos os pressupostos da impugnação pauliana quanto à existência do crédito, à prática pela R. “Espaço Curvo”, de um ato - a venda do imóvel - que não sendo de natureza pessoal provoca um prejuízo à A. (traduzido na impossibilidade de a mesma obter a satisfação integral do seu crédito), e à anterioridade desse crédito relativamente ao ato impugnado, concluiu pela não verificação do requisito da má fé.
O Recorrente insurge-se contra o decidido sustentando que quer a 1ª instância, quer a Relação aceitam, face à factualidade provada, concretamente, dos factos 25 e 26, que o negócio entre as RR. foi, na realidade, gratuito, pelo que não era exigível o requisito da má fé entre as RR. para a procedência da ação pauliana.
Mas mesmo que assim não se entenda, competindo ao STJ indagar se o uso de presunções ofende norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se partiu de factos não provados, deve concluir que é ilógico, atentas as regras de experiência comum, ter o Tribunal da Relação concluído pela inexistência da má fé das RR., atento o elenco dos factos provados, lida a escritura de compra e venda outorgada pelas RR., e as contestações apresentadas por estas.
Comecemos por sublinhar que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, o Tribunal da Relação não “aceitou” que o negócio celebrado entre as RR. fosse, na realidade, gratuito, nem equacionou, sequer, que em causa estivesse um contrato gratuito, como resulta claro da sua fundamentação, nomeadamente, para afastar a pretensão da 2ªR., no âmbito da ampliação do objeto do recurso, de ver dada como provada a factualidade alegada no art. 36º da contestação da 1ªR. 2.
E não equacionou essa possibilidade, porque o A. não a invocou na PI, não a erigiu como causa de pedir, apenas nesta sede suscitando a questão.
E foi movendo-se dentro da causa de pedir alegada, que o tribunal recorrido, corretamente, apreciou o pedido formulado 3.
Dispõe o art. 610º do CC que “Os atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes: a) Ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”.
Os requisitos em causa são cumulativos, incumbindo ao credor a prova da existência do crédito e respetivo montante, bem como da sua anterioridade relativamente ao ato impugnado, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do ato a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art. 611º do CC).
O art. 612º do mesmo diploma legal estipula que “1. O ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor.”.
Estando em causa um ato oneroso, o mesmo só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé, consistindo esta “na consciência do prejuízo que o ato causa ao credor”.
Não é indispensável a prova de qualquer conluio ou concertação entre o devedor/vendedor e o adquirente, mas é imperiosa, pelo menos, a demonstração de que um e outro tinham consciência do prejuízo que causavam ao credor (aqui A.) com a referida venda 4.
Como se escreve no Ac. do STJ de 14.4.2015, P. 593/06.9TBCSC.L1.S1 (Hélder Roque), em www.dgsi.pt, “… O requisito da má fé, nos atos a título oneroso, reveste, pois, o sentido de repressão de propósitos fraudulentos. Efetivamente, nos negócios onerosos, como é o caso do contrato de compra e venda, a lei impõe a má fé bilateral, ou seja, do vendedor e do comprador, no sentido de exigir a ambos a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor, isto é, que produz, necessariamente, no sentido da causalidade adequada, consagrada pelos artigos 562º e 563º, do CC, o que determina a necessidade da sua previsão. Para se caracterizar o requisito da má-fé, como pressuposto da impugnação pauliana, nos atos onerosos, é necessário a prova de que o devedor e o terceiro tenham consciência, ou, simplesmente, representem a possibilidade do prejuízo que o ato causa ao credor, tal sendo o que, necessariamente, envolve ou acarreta a diminuição da garantia patrimonial do crédito, em termos de, pelo menos, resultar dela o agravamento da impossibilidade da satisfação do mesmo. Com efeito, esta consciência, ou, mera representação da possibilidade do prejuízo que o ato causa ao credor tem de ser bilateral, isto é, a má fé bilateral é condição necessária, mas, também, suficiente, enquanto requisito autónomo da procedência da ação pauliana, embora não seja necessário o conluio ou a concertação do devedor e do terceiro, tendo em vista pôr em causa a garantia patrimonial do credor, sendo certo que a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor, embora não pressuponha a concertação entre as partes contratantes, tem de significar algo que consubstancie uma situação de fraude, ou seja, a representação pelos contraentes, do prejuízo e da vontade de obter tal prejuízo ou a representação do resultado – o prejuízo – como consequência necessária ou previsível, na perspetiva da adequação, do ato.”.
Percorrendo a PI, nomeadamente os artigos 23 a 34 reproduzidos no relatório, não restam dúvidas de que o A. configurou o ato impugnado (a compra e venda a que alude o facto 23 provado) como oneroso e nunca como gratuito, alegando a má fé das RR.
A alegação de que, “Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público não houve qualquer pagamento ou troca de valores”, não basta para se concluir pela prática de um ato gratuito, o que o A., repete-se, não equacionou sequer na PI.
Um contrato de compra e venda a que tenha faltado, por qualquer circunstância, o efetivo pagamento do preço não deixa de constituir um negócio oneroso.
De resto, nasce o direito de crédito do vendedor ao cumprimento da prestação em falta.
Para existir neste caso um negócio gratuito o A. teria necessariamente de haver alegado claramente - enquanto causa de pedir - que se tratou de um contrato simulado, existindo outro - o dissimulado - que revestia a natureza de doação, o que nunca disse na PI, nem sequer o pressupôs.
Como explica Cura Mariano, na ob. cit., págs. 220/221, “Nos casos em que se simulou a existência de um negócio oneroso para ocultar um negócio gratuito, podem os credores invocar essa simulação para evitarem apenas a prova da má fé dos seus outorgantes. Considerando a possibilidade de opção que lhes confere o art. 615º do CC, é compatível a invocação da simulação com a utilização da impugnação pauliana. Nesta hipótese, o reconhecimento da existência desse vício na formação do negócio não produz os efeitos típicos da simulação, dispensando apenas o credor impugnante de provar a má fé dos autores do ato impugnado.” 5.
Assim, para não ter de provar a má fé, o credor pode/deve invocar a simulação subjacente ao negócio oneroso.
A compra e venda é um negócio oneroso, e foi esse negócio que foi alegado e dado como provado.
Não basta invocar que não houve pagamento do preço, teria de ter sido invocado que “por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houve divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante” (art. 240º do CC).
Intuito de enganar terceiro, não necessariamente de prejudicar terceiro.
O intuito de prejudicar terceiro, a consciência do prejuízo que o ato causa ao terceiro é requisito da má fé na impugnação pauliana.
E foi esse intuito que o A. alegou na PI (nos artigos 23º a 34º), e com vista a demonstrar a má fé das RR.
Em momento algum, o A. alegou factualidade no sentido de o negócio ser simulado, estando subjacente um negócio gratuito, o que o dispensaria da alegação e prova da má fé.
Nesta conformidade, carece de fundamento vir, agora, invocar que em causa está um contrato gratuito, o que, de qualquer forma, não resulta claro da factualidade provada, tendo em conta as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação aos factos provados 25 e 26 (e lida a motivação de tal alteração), e que estava dispensado de provar a má fé das RR., que, na realidade, não logrou demonstrar.
Não procedem, pois, as conclusões 1ª a 8ª.
Tal como não procedem as conclusões 9ª a 15ª.
Como se sumaria no Ac. do STJ de 14.7.2016, P. 377/09.2TBACB.L1.S1 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt, “I. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova propriamente dito, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349º do CC; tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no art. 351º do mesmo Código. II. Essas presunções são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados. …”.
Tal como refere o Recorrente, ao STJ está vedado o uso de presunções judiciais, por as mesmas se situarem, ainda, no âmbito da fixação da matéria de facto, mas pode controlar o uso das mesmas pela Relação para verificar se de tal uso decorre ofensa de qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se partiu de factos não provados.
Pressuposto é, porém, que o Tribunal da Relação tenha feito uso de presunções judiciais.
Como se sumaria no Ac. do STJ de 11.07.2023, P. nº 400/18.0T8PVZ.P1.S2 (Ricardo Costa), em www.dgsi.pt, “ I - Admite-se no STJ que, ainda por via da válvula de escape de reapreciação da matéria de facto prevista no art. 674.º, n.º 3, 2.ª parte, amparada no art. 682.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, a revista possa servir para empreender a sindicação das presunções judiciais construídas e assumidas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os arts. 349.º e 351.º do CC), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido. II - O possível controlo do STJ no campo das presunções judiciais situa-se ao nível da averiguação de vícios na formação do juízo indutivo que lhe é próprio e o cumprimento das regras legais do procedimento probatório (existência de factos-base, admissibilidade e inexistência de ilogicidade ou ilogismo manifesto). III - Não é possível a intervenção de controlo do STJ em sede de revista se nenhuma presunção judicial ou de facto foi utilizada pela Relação para formar a sua convicção no aditamento de certos factos como provados e, ademais, se tais factos foram aditados (por migração do bloco de factos não provados) por análise e ponderação crítica de meios de prova submetidos à livre convicção do julgador (art. 662.º, n.º 4, do CPC). …” (sublinhados nosso).
Ora, no caso sub judice, o Tribunal da Relação não fez uso de qualquer presunção judicial, antes fixou os factos provados e não provados de acordo com a prova produzida, na reapreciação da decisão sobre os factos 25, 26 e 27 dados como provados e impugnados, fazendo, depois, a subsunção jurídica da factualidade apurada.
Assim, na apreciação da impugnação da factualidade provada, escreveu-se no acórdão recorrido “… Vejamos então os factos que a Ré “Fogovioleta” considera incorretamente julgados. Comecemos pelos pontos 25., 26. e 27. do elenco de factos considerados como provados. É o seguinte o teor dos mesmos: “25. Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público não houve qualquer pagamento ou troca de valores, [do art.º 29.º - petição inicial] 26. Não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido qualquer contrapartida financeira. [do art.º 30.º - petição inicial] 27. Não sendo esse facto desconhecido à 2ª Ré que bem sabia da situação, nomeadamente da dívida para com a Autora, aceitando o conluio com a mesma, tendo pois participado livremente no esquema que visava ludibriar os credores do 1ª Ré. [do art.º 33.º - petição inicial]”. O Tribunal a quo considerou como provados os factos identificados nos pontos 25. e 26. com a seguinte fundamentação: … Quanto ao facto identificado no ponto 27. o Tribunal a quo não indicou, na sentença objeto de recurso, qualquer fundamentação. Defende a Ré “Figovioleta” que esses pontos deveriam ter sido considerados como não provados. Quanto aos factos contidos nos pontos 25. e 26., refere que contrariamente ao que resulta da sentença recorrida os mesmos não se encontram confessados e não resultam do depoimento da testemunha HH. Pelo contrário, as Rés sempre alegaram, nas respetivas contestações, que o preço do imóvel foi pago pela Ré “Fogovioleta” à Ré “Espaço Curvo” e por esta recebido. Referem igualmente que foi feita prova dessa alegação, a qual resulta da informação remetida pela Autoridade Tributária aos autos em 01.02.2023 e do depoimento das testemunhas II, JJ e DD. Quanto ao facto contido no ponto 27., refere que o mesmo resulta contrariado pelas regras da lógica e pelo depoimento da testemunha JJ. Analisemos. Lemos ambas as contestações. … Neste enquadramento, dúvidas não temos de que a matéria alegada nos artigos 29º e 30º da petição inicial foi expressamente impugnada nos citados artigos das duas contestações, não se vislumbrando de que forma a mesma se poderá considerar admitida pelas Rés. Efetivamente, estas, nas respetivas contestações, alegam que o preço do imóvel foi pago à Ré “Espaço Curvo”, embora em data anterior à da outorga da escritura pública de compra e venda (como inclusive consta do texto dessa escritura pública, junta com a petição inicial como doc. 14, quando nela a Ré “Espaço Curvo” declara que o preço já foi recebido). Ouvimos o depoimento de parte da legal representante da Ré “Fogovioleta”, HH. Pela mesma foi dito … Ouvimos igualmente os depoimentos das testemunhas II, JJ e DD. A testemunha II … A testemunha JJ, filho de DD, declarou … A testemunha DD declarou … Refira-se ainda que da informação remetida aos autos pela “Divisão de Controlo de Fundos” em 01.02.2023, vemos que da mesma resulta o pagamento em numerário de dívidas fiscais da Ré “Espaço Curvo”, efetuado no dia 09.09.2015, no valor total de 273.357,93 €. Os depoimentos das três referidas testemunhas e essa informação estão em sintonia com o depoimento prestado pela legal representante da Ré “Fogovioleta”, HH. Conforme resulta da conjugação desses meios de prova, a compra e venda impugnada foi uma forma de o acionista da Ré “Espaço Curvo”, DD, amortizar as dívidas resultantes dos empréstimos que a título pessoal lhe foram feitos, também a título pessoal, por FF, gerente de facto da Ré “Fogovioleta”, empréstimos esses que, de acordo com as duas últimas testemunhas, ascendiam, no seu total, a valor superior ao preço do imóvel objeto dessa compra e venda. Nesse sentido, é possível concluir que, de facto, a 2ª Ré não pagou o preço do imóvel à 1ª Ré e que esta não recebeu dela esse pagamento. Assim sendo, a factualidade contida nos pontos 25. e 26. deve permanecer como provada, com a seguinte redação: … Passemos agora para a factualidade contida no ponto 27. do elenco de factos provados. Recorde-se aqui o seu teor: “27. Não sendo esse facto desconhecido à 2ª Ré que bem sabia da situação, nomeadamente da dívida para com a Autora, aceitando o conluio com a mesma, tendo pois participado livremente no esquema que visava ludibriar os credores do 1ª Ré. [do art.º 33.º - petição inicial]”. O Tribunal a quo, na sentença, omitiu por completo a fundamentação que o levou a considerar como provado esse facto. Depois de interposto recurso dessa sentença, quando se pronunciou ao abrigo do disposto no art.º 617º, n.º 1, do CPC, o Tribunal a quo esclareceu que a matéria contida no referido ponto 27. do elenco de factos provados (que reproduz o artigo 33º da petição inicial), é uma conclusão que retira dos factos contidos nos pontos 23., 24., 25. e 26. do mesmo elenco (e que reproduzem, respetivamente, os artigos 23º, 24º, 29º e 30º da petição inicial). É o seguinte o teor dos pontos 23. e 24. do elenco de factos provados: … Como facilmente se constata, esses factos reportam-se ao declarado na escritura pública de compra e venda impugnada através da presente ação. É o seguinte o teor dos pontos 25. e 26. do elenco de factos provados: “25. Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público, não houve, entre elas, qualquer pagamento ou troca de valores [do art.º 29.º - petição inicial]. 26. Não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido dela qualquer contrapartida financeira [do art.º 30.º - petição inicial].” Temos por seguro que os factos contidos nos pontos 23. a 26., acima transcritos, não permitem, por si só, a conclusão retirada pelo Tribunal a quo. Tenha-se presente que o artigo 33º da petição inicial, para que se compreenda o seu alcance, deve ser contextualizado não só com os artigos 29º e 30º desse articulado, que acima transcrevemos, mas também com os seus artigos 31º e 32º, que de seguida se transcrevem: “A 1ª Rés pretendeu assim, com aquela venda, furtar-se ao pagamento da dívida que têm para com a Autora, desfazendo-se do seu património” – artigo 31º. “Prejudicando sobremaneira a possibilidade da Autora satisfazer o seu crédito à custa desse património” – artigo 32º. É essa intenção da Ré “Espaço Curvo” que no artigo 33º da petição se alega ser do conhecimento da Ré “Fogovioleta” e é esse o esquema, com esse objetivo, no qual nesse mesmo artigo se alega que a referida Ré aceitou participar. Ora, ouvida toda a prova gravada e analisados todos os documentos juntos aos autos, temos por seguro que nenhuma prova foi feita dessa factualidade, ou seja, de que a Ré “Fogovioleta” conhecia essa intenção e esse objetivo da Ré “Espaço Curvo” e que nessas circunstâncias aceitou realizar a escritura pública impugnada, pelo que a mesma deverá igualmente ser considerada como não provada. Aqui chegados, conclui-se que, na parcial procedência do recurso relativo à impugnação da matéria de facto, deve ser eliminado do elenco de factos provados o que se encontra contido no ponto 27., o qual deve passar a integrar o elenco de factos não provados, com a seguinte redação: a) Era do conhecimento da 2ª Ré que a 1ª Ré pretendia, com a venda, furtar-se ao pagamento da dívida que tinha para com a Autora, prejudicando a possibilidade de a Autora satisfazer o seu crédito à custa desse património, tendo aceitado participar nesse esquema que visava ludibriar os credores da 1ª Ré (art.º 33.º da petição inicial). …”.
E na aplicação do direito aos factos, escreveu-se no acórdão recorrido: “… Aqui chegados, podemos afirmar que na situação dos autos se encontram preenchidos os seguintes pressupostos da impugnação pauliana: a existência do crédito; a prática, pela Ré “Espaço Curvo”, de um ato - a venda do imóvel - que não sendo de natureza pessoal provoca um prejuízo à Autora, traduzido na impossibilidade de a mesma obter a satisfação integral do seu crédito; e, a anterioridade desse crédito relativamente ao ato impugnado. Resta-nos então averiguar se se verifica o último pressuposto, ou seja, a má fé de ambas as Rés. Esclareça-se que o requisito da má-fé não se confunde com o requisito relativo ao prejuízo que o ato impugnado cause ao credor. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.05.2007, Proc. n.º 0722321, disponível in www.dgsi.pt, "I - A definição do conceito de má fé, plasmado no n.º 2, do artigo 612º, do Código Civil, compreende uma noção de má fé em sentido subjetivo ou psicológico, levando a que se considere suficiente a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso em consequência da conduta do agente; II - A nossa atual lei exige uma má fé bilateral, ou seja, do devedor e do terceiro adquirente; III - É essencial que o devedor e o terceiro, partes no ato realizado, tenham consciência do prejuízo que a operação causa aos credores, ainda que ao ato esteja subjacente qualquer outra intenção." Entendemos que a matéria provada não nos permite concluir pela verificação dessa má-fé. Desde logo, nada resultou provado no sentido de a Ré “Fogovioleta” ter conhecimento da existência do crédito da Autora sobre a Ré “Espaço Curvo”, assim como nada se provou que indicie sequer que a Ré “Espaço Curvo” tenha tido conhecimento de que a venda do imóvel era suscetível de causar prejuízo aos credores desta última. Mais, nada na factualidade considerada como provada nos permite afirmar que a própria Ré “Espaço Curvo” atuou com a consciência de que causava prejuízo à Autora. E, assim sendo, não se encontra preenchido este último pressuposto de que dependia a procedência da presente ação, …”.
Da transcrita motivação e valoração crítica da prova resulta claro que o acórdão recorrido não se socorreu de quaisquer factos, provados ou instrumentais, para construir qualquer presunção na fixação dos factos impugnados, antes tendo atuado no âmbito dos poderes previstos no art. 662º, nº 1, do CPC, fazendo uma análise racional dos meios de prova constantes dos autos, submetidos à sua livre apreciação, e que é insindicável por este tribunal, fazendo, depois, a sua subsunção jurídica.
Noutra perspetiva, e atendendo à alegação do Recorrente, se este se insurge por o tribunal recorrido não ter feito uso de presunção judicial para dar como provada a má fé, a este tribunal não compete escrutinar tal atuação do Tribunal da Relação.
Conforme jurisprudência consolidada, o Supremo não se pode pronunciar sobre o não uso de presunções – entre outros, cfr. os Acs. de 24.10.2023, P. n.º 323/17.0T8VFR.P2.S2 (Nuno Pinto Oliveira), e de 17.09.2024, P. n.º 2666/15.8T8AVR.P1.S1 (António Magalhães), ambos em www.dgsi.pt.
Em conclusão, não merece censura a decisão do tribunal recorrido, improcedendo a revista na totalidade.
As custas, na modalidade de custas de parte, são a cargo do recorrente, por ter ficado vencido – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar revista.
Custas pelo recorrente.
*
Lisboa, 2025.09.23
Cristina Coelho (Relatora por vencimento)
Luís Espírito Santo
Anabela Luna de Carvalho (vencida conforme declaração que segue)
Profere-se voto de vencido nos termos do art. 663º, nº 1 do CPC uma vez que, divergindo da posição que fez vencimento, julgaria procedente a invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, determinando a descida dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento de matéria fáctica essencial para a definição do negócio como oneroso, definição que foi pedida pela 1ª Ré, nas diversas fases em que estava incumbida da sua alegação e prova.
Decisão assente, sumariamente, nos seguintes fundamentos:
Tendo o Autor perspetivado a par do negócio oneroso, o negócio gratuito, e uma vez que o acórdão recorrido, depois de alterar a matéria de facto [25. Apesar do declarado pelas Rés perante o oficial público, não houve, entre elas, qualquer pagamento ou troca de valores; 26. Não tendo a 2ª Ré pago o preço nem a 1ª Ré recebido dela qualquer contrapartida financeira], aceita, como a sentença, que o negócio entre as rés factualmente foi gratuito, a manter-se a materialidade fixada no acórdão, não era exigível o requisito/pressuposto da má fé entre as Rés para a procedência da ação pauliana, nos termos do art. 612 nº 1 do C.Civ. - questão alegada pelo recorrente em revista.
Nesse contexto, o recurso poderia ter sido julgado procedente e julgada procedente a ação de impugnação pauliana, logo na 2ª instância.
Mas porque, pela parte interessada na sua prova, foi imputado ao acórdão recorrido omissão de pronúncia, por não ter tomado posição quanto ao pedido de serem levados ao probatório os factos em que assenta a onerosidade do negócio (extraídos do art. 36 da contestação da 1ª Ré), como formulado pela apelada em sede de impugnação da matéria de facto - questão alegada pela recorrida, haveria de conhecer de tal omissão.
O que caberia ao tribunal recorrido conhecer.
Apenas se provados tais factos poderíamos estar perante a onerosidade do negócio e a exigibilidade da prova do requisito da má-fé das Rés.
Estabelecendo as regras probatórias que, tendo o credor invocado a gratuitidade do ato, cabe ao devedor ou terceiro adquirente demonstrar a onerosidade do mesmo e, comprovada esta, cabe ao credor demonstrar a existência de má fé por parte do alienante e adquirente, a demonstração de onerosidade (pelas Rés) antecede, logicamente, a necessidade de demonstração da existência de má fé (pelo Autor)
Assim, deveria a Relação ter apreciado da impugnação em causa, porque visa demonstrar a onerosidade do ato alegada pelas Rés, que factualmente permanece por esclarecer, constituindo objeto do presente recurso.
Porque o disposto no art.º 674.º n.º 3 do CPC veda ao Supremo a reapreciação da matéria de facto, a não ser nas circunstâncias referidas “in fine” que, no caso, não se verificam, deveriam os autos, nos termos do art. 683º nº 3 do CPC, descer à Relação para que esta se pronunciasse sobre a factualidade cujo conhecimento se dispensou de conhecer, de forma a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Anabela Luna de Carvalho
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
_________________________________________________
1. Tendo o Tribunal da Relação alterado os factos 25 e 26 dados como provados, e aditado aos não provados o anterior facto 27 dado como provado pela 1ª instância, no âmbito da apreciação da ampliação do objeto do recurso.↩︎
2. Aí se escreveu: “… Por fim, a Ré “Fogovioleta” pretende ver aditada ao elenco de factos provados a factualidade alegada no artigo 36º da contestação da Ré “Espaço Curvo”, com a seguinte redação: “A 1.ª Ré apenas vendeu o imóvel para realizar dinheiro para pagar as suas obrigações fiscais e impostos, o que fez no dia 9 de setembro de 2021, no valor de € 273.357,93 (duzentos e setenta e três mil trezentos e cinquenta e sete euros e noventa e três cêntimos)”. É o seguinte o teor do artigo 36º da referida contestação: “A 1ª Ré apenas vendeu o imóvel para realizar dinheiro e pagar obrigações fiscais, impostos.” A alegação contida nesse artigo traduz uma impugnação motivada da factualidade alegada pela Autora no sentido de demonstrar a má fé das Rés na realização da compra e venda objeto de impugnação. O ónus da alegação e prova dessa má fé, enquanto facto constitutivo do direito invocado pela Autora, assiste à própria Autora, conforme resulta do disposto no art.º 342º, n.º 1, do CC. Nesse sentido, apenas devem ser considerados como provados ou não provados os factos alegados demonstrativos dessa má fé, já não aqueles que se destinam a demonstrar a sua inexistência. Nesse sentido, conclui-se, também quanto a tal matéria, pela improcedência do recurso.”.↩︎
3. A causa de pedir é o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido, e que deve indicar na petição inicial (arts. 552º, nº 1, al. d) e 581º, nº 4, do CPC), alegando o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer. A causa de pedir deve ser inteligível e estar em conformidade como o pedido, formando com a qualificação jurídica as premissas que constituem o corolário da pretensão formulada. E é à parte que cumpre a escolha da causa de pedir com que pretende sustentar o efeito jurídico que pretende obter – com interesse, ver Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª ed. revista e ampliada, 2006, págs. 189/191.↩︎
4. Neste sentido, ver João Cura Mariano, em Impugnação Pauliana, 2ª ed. revista e aumentada, 2008, págs. 193/194.↩︎
5. Ver, ainda, o que o autor escreve a págs. 126/128.↩︎