I. O artigo 662º do CPC consagra um duplo grau de jurisdição, no julgamento da matéria de facto, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um próprio apuramento da verdade material pela 2ª. instância.
II. A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova de que se serviu este tribunal, no âmbito do princípio da livre apreciação ou do sistema da prova livre, baseada sempre numa nova, diferente e própria convicção formada pelos seus juízes, e não, simplesmente, na sua aquisição pelo modo exteriorizado pelo tribunal de hierarquia inferior, em termos considerados razoáveis e lógicos, ainda que venha a ter lugar a confirmação do decidido pela 1.ª instância, sob pena de violação de um verdadeiro e efetivo duplo grau de jurisdição, em matéria de facto.
1-Relatório:
A autora, AA intentou ação sob a forma de processo comum contra a ré, J. Pereira da Cruz, S.A., pedindo a sua condenação a reconhecer que a Autora é detentora de um crédito mensal e vitalício de €6.100,00 e a pagar-lhe tal quantia a título de créditos vencidos e nos vincendos, acrescida de juros à taxa legal desde a data da mora.
Para tanto, alegou a Autora que foi trabalhadora da Ré desde 1989 até 31 de outubro de 2015, data em que cessou a sua relação laboral na sequência da extinção do seu posto de trabalho. Em consequência direta da extinção e por iniciativa do pai da Autora, “efetivo dono da sociedade da Ré”, foi assumida a obrigação de proceder ao pagamento à mesma da quantia mensal de €6.100,00 suportada pela Ré a título vitalício. Tal veio a dar lugar a um acordo de pagamento. Cessado o recebimento de prestações do Fundo de Desemprego a Ré deveria passar a pagar à Autora a quantia acordada. Desde o mês subsequente àquele em que ocorreu o despedimento da Autora até ao mês de junho de 2020 sempre foi paga a quantia de €6.100,00 creditada na conta da Autora pela Ré.
Sucede que, em 30 de setembro de 2020, a Autora recebeu da Ré uma carta na qual se afirma que por a Ré já ter recebido todas as prestações de subsídio de desemprego e de subsídio social de desemprego, a Ré considera-se desobrigada de lhe realizar a prestação mensal a que se tinha obrigado.
Desde junho de 2020 que a Ré não paga a referida quantia.
Citada, veio a Ré contestar, invocando em suma, que a relação laboral entre as partes cessou com um acordo de revogação de contrato de trabalho. Em 31 de outubro de 2015 as partes celebraram autonomamente um Acordo de Pagamento que não prevê qualquer pagamento mensal vitalício. Tal Acordo sempre teve como termo o fim da concessão das prestações de desemprego à Autora, que coincidiria com o seu pedido de reforma. Pelas contas da Autora, o subsídio de desemprego terminaria em novembro de 2018 e o subsídio social de desemprego estaria concluído em maio de 2020. A Ré não obteve mais informações da Autora nos meses subsequentes.
Prosseguiram os autos a sua tramitação, tendo sido proferida sentença na 1ª. instância, com o seguinte teor a final:
«Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, e em consequência decide-se:
a) condenar a Ré a reconhecer a obrigação de pagar à Autora um complemento mensal de modo a que a Autora receba mensalmente, também com a reforma e a título vitalício, o valor líquido de €6.100,00 (seis mil e cem euros);
b) condenar a Ré a pagar à Autora os valores em falta vencidos desde junho de 2020, que em complemento das prestações de desemprego e da pensão de reforma pagos à Autora perfaçam o valor mensal líquido de €6.1000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal aplicável a juros civis desde a notificação do requerimento de 27/04/2023 sobre os créditos vencidos até integral pagamento.
c) Absolver a Ré do demais peticionado».
Inconformada interpôs a ré recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Neste Tribunal foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acordam os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e consequentemente, altera-se a matéria de facto provada e não provada nos termos supra descritos, condenando-se a Recorrente/Ré a pagar à Recorrida/Autora o complemento desde Junho de 2020 e até 31 Dezembro de 2020, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, a contar desde 17 de Abril de 2023 e até efetivo e integral pagamento à taxa legal supletiva aplicável a juros civis, e consequentemente absolve-se a Ré/Recorrente do restante peticionado».
Inconformada interpôs a autora recurso de revista para este STJ., concluindo as suas alegações:
a) Mesmo que se aceite que a Relação é também um tribunal de instância, com o poder/dever de reapreciar os meios de prova sujeitos à livre apreciação, nunca tal obsta, nem mesmo o disposto no art. 674º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, a que se questione o modo como aquela instância exerce esse poder/ dever, devendo o Supremo Tribunal de Justiça sindicar essa utilização, por tal se tratar de matéria de direito;
b) Não pode o Tribunal da Relação, na decisão relativa à impugnação da matéria de facto, ignorar os meios e motivos indicados pela parte impugnante que, no seu entender, determinam a alteração e, de forma inovadora, efetivar uma alteração por via racional distinta e autónoma, sob pena de incorrer na nulidade a que se refere a parte final do art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, aplicável ao caso vertente por força do art. 666º do mesmo Cód., em violação do princípio do contraditório e proferindo uma verdadeira decisão surpresa, sobre a qual não teve a recorrida a possibilidade de ponderar e de se pronunciar;
c) Assim, as modificações a operar devem respeitar, em primeiro lugar, o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recuso, conforme o determina o princípio do dispositivo, na linha do afirmado por Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, p. 228;
d) A “imposição” a que se refere o art. 662º, nº 1, do Cód. Proc. Civil viabiliza a alteração da matéria de facto fixada em primeira instância apenas nos casos em que foram detetados concretos erros de julgamento, traduzindo-se estes em situações evidentemente irracionais, ilógicas ou impossíveis, não constituindo uma diferente convicção que a Relação possa formar após a análise da prova produzida fundamento de alteração da matéria de facto fixada pela primeira instância;
e) Sendo a fundamentação constante da sentença proferida em primeira instância hábil, havendo, apenas, uma diferente valoração dos meios de prova resultante da maior ou menor credibilidade de uma testemunha ou de uma ponderação preferência entre depoimentos (dois ou mais), como ocorreu no caso vertente, não se mostra legítima a alteração da matéria de facto direta e imediatamente realizada, tornando-se necessário antes renovar a produção da prova e/ou produzir nova prova e, só após essa imediação, dissipar dúvidas e decidir o facto como entender – art. 662, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil;
f) Revela-se, assim, em confronto e violação com o art. 662º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, a alteração de matéria de facto fixada pela primeira instância objeto do Acórdão recorrido;
g) As declarações de parte devem ser aferidas em função de um raciocínio de análise e fixação probatória análogo ao de um outro qualquer meio de prova, presidido pela oralidade e imediação, carecendo de uma explicação igualmente densificada a aceitação das mesmas ou a sua recusa para fins de fixação de factos provados e não provados, especialmente quando sobre uma mesma declaração de parte são formulados, sucessivamente, juízos de consideração e de desconsideração probatória:
h) Não se revela conforme, desde logo, ao contido no art. 466º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, que se direcione a uma mesma declaração de parte um juízo valorativo positivo e um outro negativo, sem que exista um elemento de motivação diferenciador de tais juízos suscetível de ser reconstituído pelos seus destinatários, em especial quando o corroborar das declarações de parte por via de prova testemunhal implica um juízo de desvalor e a mesmas isoladamente são retidas e valoradas afirmativamente;
i) Ao limitar a possibilidade de transmissão do complemento aos herdeiros da ora recorrida, o acordo de pagamento do complemento de subsídio de desemprego está a reconhecer uma realidade de todos conhecida e, como tal, não questionada – a de que o pagamento do complemento se mantinha após a passagem à reforma da ora recorrente, só que, a partir de então, sem possibilidade de transmissão aos herdeiros;
j) Devendo, como tal, ser recuperado o teor dispositivo vertido na sentença proferida em primeira instância por ser tradução do efetivamente apurado nos autos, em face da violação dos normativos e princípios jurídicos invocados nas presentes conclusões de recurso.
Por seu turno, contra-alegou a ré:
1. Em 31 de outubro de 2015, a Autora e a Ré celebraram um Acordo de Pagamento junto como DOC. 4 com a Petição Inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (adiante “Acordo de Pagamento”), que prevê, no seu ponto 1, que a Ré pagaria à Autora um determinado valor (adiante “Complemento”), de modo que esta recebesse, em conjunto com as prestações do fundo de desemprego, a quantia de € 6.100,00, mensalmente, e livre de quaisquer encargos, obrigando-se a Autora, nos termos do ponto 6 desse Acordo, a pedir a reforma aquando da cessação dessas prestações de desemprego.
2. Nos presentes autos, a Autora alegou o caráter vitalício da obrigação de pagamento do Complemento pela Ré, o que esta não aceita, por não ter sido esse o acordo entre as Partes, e por tal não constar das cláusulas aceites e assinadas por ambas – cfr. ponto I. da Resposta da Ré (Do enquadramento), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Apesar de o Tribunal de 1.ª instância ter considerado, na Sentença, que o pagamento do Complemento tinha caráter vitalício, o Tribunal da Relação veio alterar a matéria de facto (provada e não provada) no seguimento do Recurso de Apelação apresentado pela Ré, negando o caráter vitalício do Complemento, e condenando a Ré no pagamento do Complemento à Autora apenas desde junho de 2020 e até 31 de dezembro de 2020 (data de atribuição da reforma), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, a contar desde 17 de abril de 2023 (data do conhecimento da atribuição da reforma), e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal supletiva aplicável a juros civis, absolvendo-a do restante peticionado.
4. A Autora avançou com uma ação executiva, no Juiz 8 do Juízo de Execução de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, processo n.º 1864/25.0T8LSB, no âmbito da qual as Partes acabaram por alcançar acordo, através do pagamento da totalidade de € 55.318,44, em quatro prestações mensais e sucessivas de € 13.829,61 cada, conforme Transação subscrita pelos Mandatários das Partes, que ora se junta em anexo como DOC. A, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. ponto II. da Resposta da Ré (Do cumprimento da decisão condenatória da Ré), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. A Autora intentou Recurso de Revista com a alegada pretensão de averiguar o modo como o Tribunal da Relação exerceu o poder-dever de reapreciar os meios de prova, mas a sua pretensão real é revelada na conclusão i) das suas Alegações de Recurso de Revista, ao tentar uma (nova) alteração da matéria de facto, para que o pagamento do Complemento seja considerado com caráter vitalício, alteração essa que é consabidamente inadmissível.
6. A realidade é que o Tribunal da Relação agiu no âmbito dos poderes que a lei lhe confere, nomeadamente nos n.ºs 1 e 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil (“CPC”), pelo que não podia a Autora recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça com vista a alterar a matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo, devendo o Recurso de Revista ser considerado inadmissível, o que desde já se requer – cfr. ponto III. da Resposta da Ré (Da inadmissibilidade do Recurso de Revista da Autora), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Acresce que, de acordo com o n.º 1 do artigo 674.º do CPC, são fundamentos do Recurso de Revista (i) a violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; (ii) a violação ou errada aplicação da lei de processo; (iii) as nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º, mas nos termos do n.º 3 daquele preceito, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
8. No caso sub judice, estando o Tribunal da Relação na posse de todas as provas, tinha o poder-dever de alterar a matéria de facto impugnada pela Ré, caso tal matéria de facto não encontrasse respaldo nessas mesmas provas, como o Tribunal o veio a fazer.
9. Além do exposto, a lei (substantiva ou processual) foi corretamente aplicada e cumprida pelo Tribunal da Relação, tendo este observado a disciplina processual aludida nos artigos 640.º e n.º 1 do artigo 662.º, bem como efetuado a análise crítica da prova nos termos ínsitos no n.º 4 do artigo 607.º (aplicável ex vi n.º 2 do artigo 663.º), todos do CPC.
10. É, assim, por demais evidente que o Tribunal da Relação não violou qualquer lei, nem o seu Acórdão se encontra ferido de qualquer nulidade, pelo que, e nos termos do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, mesmo que a Autora considerasse haver erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, mais uma vez não poderia o Acórdão do Tribunal da Relação ser objeto de recurso de revista com esse fundamento, o que desde já se invoca, nos termos e para os devidos efeitos legais – cfr. ponto IV. da Resposta da Ré (Da limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça e do cumprimento da lei pelo Tribunal da Relação), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Por fim, o Tribunal da Relação também valorou corretamente as declarações de parte, respeitando o n.º 3 do artigo 466.º do CPC, contrariamente ao alegado pela Autora, porquanto o Tribunal considerou a prova por declarações de ambas as Partes, e não somente as da Autora (como a 1.ª instância o tinha feito), ressaltando os excertos que considerou menos credíveis, conjugando ou não com outros meios probatórios, consoante os factos em causa, e a convicção que tal meio probatório lhe inculcou, ao abrigo da livre apreciação legalmente prevista.
12. Mesmo que assim não fosse – o que não se concede –, o disposto no n.º 3 do artigo 674.º do CPC prevê que o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, apesar de invocado pela Autora nas suas conclusões de recurso.
13. Conclui-se assim que, contrariamente ao alegado pela Ré, o Tribunal da Relação não extravasou os seus poderes no que respeita ao conhecimento da matéria de facto, devendo, em consequência, ser mantida a decisão recorrida que absolveu a Ré do pagamento do Complemento para além da reforma da Autora.
Foram colhidos os vistos.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As conclusões do recurso delimitam o seu objeto, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil.
Da admissibilidade do recurso:
Na situação concreta o acórdão recorrido conheceu do mérito da causa, o que preenche o regime geral previsto no nº. 1 do art. 671º do CPC.
De igual modo, não se verifica uma situação de dupla conforme, sendo ainda certo que estando em causa uma alegada violação pela Relação dos poderes que lhe são confiados pelo art. 662.º do CPC., sempre seria o mesmo admissível, o que se acolhe.
A questão a dirimir consiste em aquilatar:
- Sobre a intervenção do STJ. ao abrigo do artigo. 674º do CPC., atenta a alteração da matéria de facto pela Relação, ao abrigo do artigo 662º do CPC.
A matéria de facto delineada e consolidada nas instâncias foi a seguinte:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica a quaisquer assuntos relacionados com a propriedade industrial e comércio de representações (art. 8º da contestação).
2. A A. foi trabalhadora da R., tendo sido admitida ao seu serviço em 1 de Janeiro de 1989 com a categoria profissional de Diretora de Serviços (art. 1º da p.i.).
3. Em 30 de Outubro de 2015 a Autora cessou a sua relação laboral com aquela empresa na sequência da assinatura de um Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho assinado naquela data, junto à p.i, como doc. 2 e que se dá por reproduzido (arts. 2º da p.i. e art. 2º da contestação).
4. Durante as negociações para cessação do seu contrato de trabalho, a Autora acordou verbalmente com o seu irmão, BB, então vogal do conselho de administração da Ré, que a Ré lhe asseguraria o recebimento mensal da quantia líquida de €6.100,00, a complementar, primeiramente, com o valor de subsídio de desemprego que iria auferir, e posteriormente com o valor da reforma, tendo tais negociações sido reduzidas a escrito, no Acordo junto como doc. 4 junto com a Petição Inicial, e que aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais (resultante de alteração na Relação).
5. O ex-marido da Autora, Engenheiro CC, após haver cessado a sua relação laboral com a Ré, continuou a receber um complemento vitalício (resultante de alteração na Relação).
6. Eliminado pela Relação.
7. Era uma preocupação do pai da Autora garantir o nível de vida que os seus filhos sempre tinham tido, pois durante o período em que foi trabalhadora, a Autora recebia um vencimento superior ao declarado à Segurança Social, pago mensalmente pela Ré, e que perfazia o valor líquido de € 6.100,00 (resultante de alteração pela Relação).
8. Para o efeito da celebração por escrito do acordo de pagamento do complemento, foi previamente apresentado à Autora, pela Ré, um conjunto de condições vertidas no doc. nº 3 junto à p.i., cujo teor se dá por reproduzido (art. 6º, 1ª parte, da p.i.).
9. Em 31 de Outubro de 2015, a Autora e a Ré, ali representada pelo administrador BB, assinaram o “Acordo de Pagamento Entre os Outorgantes”, junto à p.i. com doc. 4 e cujo teor se dá por reproduzido (art. 6º da p.i. em parte e 10º da contestação).
10. Pode ler-se naquele Acordo:
“1. J. Pereira da Cruz pagará à 2ª Outorgante, um determinado valor de modo a que aquela receba mensalmente e livre de quaisquer encargos, em conjunto com as prestações do Fundo de Desemprego a quantia de €6.100,00.
2. A prestação previsível do Fundo de Desemprego de 1048,05 (Mil e Quarenta e Oito Euros e Cinco Cêntimos), nos primeiros 6 (seis) Meses, que deverá ser comunicada à 1ª Outorgante.
3- A partir do 7º Mês a prestação previsível do Fundo de Desemprego será de 943,24 (Novecentos e Quarenta e Três Euros e Vinte e Quatro Cêntimos), que igualmente deverá ser comunicada à 1ª Outorgante.
4. A 2ª Outorgante no fim dos 36 (Trinta e Seis) Meses que estará no Fundo de Desemprego deverá solicitar o Subsídio Social de Desemprego.
5. A 2ª Outorgante informará, a prestação que lhe for concedida, para que a 1ª Outorgante possa completar o valor mensal acordado.
6. A 2ª Outorgante, deverá pedir a Reforma, no terminus das prestações de desemprego.
7. Este acordo será igualmente válido para os herdeiros até à Reforma.” (art. 6º da p.i. e 10º da contestação).
11. Desde o mês de novembro de 2015 até ao mês de Junho de 2020 sempre foi, mensalmente, paga a quantia necessária até perfazer o valor mensal de €6.100,00 em conjunto com a prestação social de desemprego, creditada na conta da A. pela Ré (art. 8º da p.i.).
12. A Autora manteve a Ré, através do seu funcionário DD, ao corrente e a par das prestações pagas pela Segurança Social, pelo menos até fevereiro de 2019 (art. 9º da p.i.).
13. Em maio de 2020, a Autora requereu inventário judicial para partilha por óbito de seu pai, que corre termos no J6 do Juízo Local Cível de Lisboa sob o nº 9874/20.8T8LSB, tendo o seu irmão EE, presidente do conselho de administração da R. e cabeça-de-casal no inventario por morte de seu pai, sido citado para os termos do inventario em junho de 2020 (art. 17º da p.i.)
14. Em 30 de Setembro de 2020, a A. recebeu da R. a carta junta à p.i. como doc. 6 e que se dá por reproduzida, na qual se afirma que, por a A. ter já recebido todas as prestações de subsidio de desemprego e de subsidio social de desemprego a que tinha direito, a Ré deixa “de ter obrigação de lhe fazer qualquer pagamento adicional, com efeitos a partir do pretérito mês de Agosto de 2020” (art. 10º da p.i.).
15. Após o termo do pagamento do subsídio de desemprego, a Autora passou a auferir subsídio social de desemprego, no montante diário de €11,62, com início em janeiro de 2019 e que foi prorrogado até 31 de dezembro de 2020, auferindo uma pensão de reforma/velhice no valor mensal de €2.177,73 a partir de 22/03/2021 e cujo pagamento teve início a partir de maio de 2021 (art. 11º da p.i.e facto instrumental resultada da instrução da causa).
16. Em 04 de Dezembro de 2020 a Ré remeteu uma carta à Autora, junta à contestação como doc. 2 e que se dá por reproduzida, na qual se pode ler: “(…) Para acerto final de contas, necessitamos que V. Exa. nos informe, nos termos do número 5 do referido acordo, o montante que recebeu a título de subsídio social de desemprego, a fim de deduzir essas verbas, à que esta sociedade se comprometeu a pagar. Igualmente, solicitamos que nos envie prova do período em que esteve a receber o referido subsídio social de desemprego, em particular, a data em que o direito ao mesmo cessou.” (art. 36º da contestação).”
Factos não provados:
1. A factualidade alegada pela Ré nos arts. 11º (que o Acordo de Pagamento junto como doc. 4 em nada se relacionava com o fim da relação laboral da Autora), 15º (que a Ré nunca apresentou o Doc. n.º 3 à Autora), 32º (na parte e no sentido em que o pagamento do subsídio social de desemprego ficou concluído em maio de 2020), 33º (no sentido em que a Ré não tivesse comunicado as datas de pagamento do subsídio social de desemprego pelo menos até Fevereiro de 2019) da contestação.
2. A quantia complementar constate do ponto 04 era vitalícia (Resultante de alteração na Relação).
3. Outros familiares da Autora após haverem cessado a sua relação laboral com a Ré continuaram a receber idêntico complemento (Resultante de alteração pela Relação).
4. O pai da Autora, FF, então presidente do conselho de administração da Ré, transmitiu verbalmente à Autora que o pagamento do complemento seria feito de forma vitalícia (art. 13º da p.i. (Resultante de alteração pela Relação).
Vejamos:
Insurge-se a recorrente relativamente ao acórdão proferido, questionando a forma como o Tribunal da Relação usou os seus poderes para proceder à alteração da matéria de facto e suscitando tal sindicância pelo STJ., ao abrigo do disposto no art. 674º, nº. 3 do CPC.
Ora, a competência do Supremo Tribunal de Justiça está circunscrita à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, ficando vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido por adequado, nos termos do nº. 1 do art. 682º. do CPC.
Porém, dispõe o nº. 2 do mesmo preceito, que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no nº. 3 do artigo 674º do CPC.
E o nº. 3 do art. 674º do CPC., admite a revista com fundamento em ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Com efeito, a intervenção do STJ a nível factual é muito limitada, não podendo sindicar o erro na livre apreciação das provas, exceto nos casos contemplados no nº. 3 do art. 674º do CPC. (cfr., nomeadamente, Acs. do STJ. de 15-12-2020, 15-12-2022, 24-5-2022, in www.dgsi.pt).
Na situação em apreço, está equacionado o modo como a Relação exerceu os poderes conferidos ao abrigo do art. 662º do CPC., no âmbito da modificabilidade da decisão de facto, justificando-se a intervenção do STJ., ao abrigo do nº. 3 do art. 674º do CPC.
Ora, entende a recorrente que não pode o Tribunal da Relação, na decisão relativa à impugnação da matéria de facto, ignorar os meios e motivos indicados pela parte impugnante, de forma inovadora, efetivando uma alteração distinta e autónoma, sob pena de incorrer na nulidade da parte final da al. d) do nº. 1 do art. 615º do CPC.
Conforme dispõe o nº. 1 do art. 662º do CPC., a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuseram decisão diversa.
Tal normativo consagra um duplo grau de jurisdição, no julgamento da matéria de facto, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um próprio apuramento da verdade material pela 2ª. instância.
Com efeito, a intervenção da 2.ª instância em matéria de facto, para ser efetiva, impõe a reapreciação das provas, devendo a mesma ser efetuada pela Relação com base na análise crítica da prova em que se fundamenta a decisão, através da formação de uma convicção própria, não bastando uma mera apreciação do julgamento efetuado (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 09-09-2014, de 13-09-2016, de 16-11-2017, disponíveis em www.stj.pt (sumários de acórdãos).
Neste segundo grau de jurisdição, opera-se um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa, que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica, altera ou adita a decisão recorrida e com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância e independente da convicção de 1.ª instância.
Efetivamente, a reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova de que se serviu este tribunal, no âmbito do princípio da livre apreciação ou do sistema da prova livre, baseada sempre numa nova, diferente e própria convicção formada pelos seus juízes, e não, simplesmente, na sua aquisição pelo modo exteriorizado pelo tribunal de hierarquia inferior, em termos considerados razoáveis e lógicos, ainda que venha a ter lugar a confirmação do decidido pela 1.ª instância, sob pena de violação de um verdadeiro e efetivo duplo grau de jurisdição, em matéria de facto.
Importa, pois, averiguar se a Relação face à impugnação da matéria de facto operada no seu recurso de apelação, cumpriu este seu poder/dever, tendo analisado criticamente a prova produzida no que concerne aos factos impugnados, e, dessa forma, formado uma convicção própria ou autónoma a respeito destes factos, sem que tal constitua um novo julgamento, mas corresponda ao efetivo cumprimento destes ditames processuais.
Ora, volvendo ao acórdão recorrido, constatamos que estava em causa uma pretendida alteração dos pontos 4, 5, 6, 7 e 8 da matéria de facto.
Diz-se, concretamente, no mesmo:
«Ouvida a totalidade da prova produzida em audiência de julgamento e analisados os documentos juntos aos autos, não podemos acompanhar a posição do Tribunal de 1ª Instância.
Em primeiro lugar as únicas pessoas que discutiram os termos do acordo junto sob o documento nº 4 com a petição inicial foram o legal representante da Ré e a Autora. O legal representante da Ré em sede de depoimento de parte negou que o pagamento da diferença acordado fosse vitalício, ou seja, o pagamento era devido apenas até à reforma. Ao invés, a Autora, em declarações de parte disse que foi acordado que o pagamento seria vitalício.
A testemunha GG apenas sabia o que a Autora comentou com a testemunha e a testemunha HH disse que esse pagamento era vitalício, à semelhança do que também havia sucedido com ela.
A Autora/Recorrida e a testemunha HH afirmaram que outros trabalhadores da Ré também ficaram com o pagamento de determinada quantia a título vitalício. A título exemplificativo a Autora, em declarações de parte, disse que de entre essas pessoas esteve e está o seu ex-marido, o funcionário II e a funcionária JJ. Por outro lado, tanto a Autora como a testemunha HH afirmaram que a saída se deveu a uma necessidade de diminuição de custos para a empresa (facto este que era do conhecimento do pai da Autora, tendo até afirmado que a iniciativa havia partido do falecido pai).
Para este Tribunal de Recurso, não é crível que Ré acordasse com os trabalhadores o pagamento vitalício das quantias nos moldes transmitidos e assegurados pela Autora. Sendo a Ré uma sociedade com fins lucrativos, o acordo com os trabalhadores para saída da sociedade, ficando esta obrigada a proceder ao pagamento vitalício do complemento não se compadece com a perspectiva/pretensão da Ré em diminuir custos. Diminuir como, se continuaria a pagar vitaliciamente os complementos? Ainda poderia fazer sentido se fosse apenas um “beneficio” concedido à Autora, à testemunha HH e até ao ex-marido da Autora por se tratar de família, mas já não faz qualquer sentido quando se alargam esses pagamentos a um universo de funcionários sem qualquer laço familiar com o “proprietário” da sociedade. E muito menos com o pagamento de uma “mesada” a uma tia conforme afirmou a Autora em declarações de parte
É indubitável que tal ocorreu com o ex-marido da Autora. O legal representante da Ré assumiu que o ex-marido da Autora saiu da Ré mediante o pagamento do complemento, mas acrescentou que esse pagamento não era efectuado pela Ré, mas sim por si e pelos outros dois irmãos a expensas suas e não da Ré sociedade. Nesta parte o depoimento de parte prestado pelo legal representante da Ré também não é credível porquanto não faz qualquer sentido, é completamente descabido que o complemento seja pago pelos três irmãos e não pela sociedade.
Mais se refira que é censurável e inadmissível que quer a Autora, quer a sua irmã, auferissem ordenados nos montantes referidos, bem sabendo que apenas era declarada parte à Segurança Social.
É do conhecimento geral, é um facto notório e do conhecimento público, que todo o cidadão está obrigado a declarar o que recebe e não apenas parte do que recebe.
Ora, é óbvio que as reformas, atentos os descontos efectuados, jamais poderiam atingir montantes acima daqueles que recebem.
Em momento algum foi referido ou negado que a Autora auferisse €6.100,00 mensais, foi ainda afirmado que esta quantia era paga em duas vezes, sendo apenas uma parte declarada. A testemunha HH, irmã da Autora, chegou até a afirmar que metade do ordenado era pago pelo “saco azul”.
Mais se refira que não obstante a confiança existente entre os envolvidos, a Autora/Recorrida fez questão que fosse aditada a cláusula 7, o que não sucedeu com a previsão do pagamento do complemento de modo vitalício.
Da conjugação da prova produzida, muito em particular do depoimento prestado pelo legal representante da Ré, das declarações de parte da Autora e dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH e DD, resulta claro que todas as decisões tomadas pela Ré, não obstante o irmão BB ser vogal do Conselho de Administração, eram do conhecimento do pai e tinham sempre o seu aval.
Mais se refira que a testemunha DD que redigiu o acordo nos termos que lhe foram transmitidos apenas disse que a Autora exigiu a introdução da cláusula 7, nada tendo exigido quanto à introdução do pagamento do complemento vitalício.
No entender deste Tribunal da Relação da prova produzida não resultou com a segurança que é exigida para gerar uma convicção positiva e segura que o pai da Autora tivesse garantido que o pagamento do complemento era vitalício.
As declarações de parte conjugadas com o depoimento prestado pela testemunha HH não são suficientes para criar no julgador uma certeza.
Repare-se que ambas são interessadas e a testemunha GG apenas relatou o que se ouvia dizer na Ré, sendo certo que nunca assistiu directamente a quaisquer conversas e/ou negociações que corroborassem o que ouvia dizer.
Somos, pois, de concluir que os factos vertidos no ponto 06 devem ser retirados do elenco dos factos provados e levados aos factos não provados.
Quanto aos factos constantes do ponto 7 da conjugação de todos os meios probatórios é nosso entendimento que, como é óbvio, atento o “homem médio”, todo o pai tem como preocupação garantir o nível de vida dos seus filhos, mas tal não implica, conforme já exposto, qualquer pagamento vitalício do complemento.
Já quanto ao modo como a Autora recebia o seu ordenado, dúvidas não existem que a Autora auferia mensalmente a quantia líquida de €6.100,00, tal como a testemunha HH auferia €5.500,00 mensais. Também é indubitável que a quantia de €6.100,00, tal como ocorria com a testemunha HH, era paga em duas vezes, sendo que apenas parte era declarada à Segurança Social.
Insurge-se a Recorrente invocando que não foram alegados factos dos quais resulte o montante auferido e o montante comunicado à Segurança Social para efeitos de descontos.
Não podemos compactuar com esta posição da Recorrente porquanto não é posto em causa que a Autora auferia a quantia liquida mensal de €6.100,00 e, conforme decorre da informação prestada pela Segurança Social que se mostra junta aos autos, que foi notificada às partes e às quais foi possibilitado o exercício do contraditório, resulta claramente que a Autora auferia um vencimento superior ao declarado, pois se assim não fosse o montante auferido a título de subsidio seria seguramente superior.
A posição da Recorrente, nesta parte, raia a litigância de má fé, posição que só se compreende, ainda que com muito boa vontade, atenta a sentença proferida na qual se ordena, e bem, a extracção de certidões para as entidades competentes.
Tudo visto, é de concluir pela alteração da redacção dos pontos 4, 5 e 7 dos factos provados passando tais pontos a ter a seguinte redacção:
(…)
Da prova produzida em audiência, a qual se volta a frisar que foi ouvida na sua totalidade, é entendimento deste Tribunal de Recurso que efectivamente foi apresentado à Autora o documento 3 junto com a petição inicial e que esse documento sofreu alterações dando origem à versão final espelhada no documento 4 junto com a petição inicial.
Na verdade, e à semelhança do Tribunal Recorrido, não se vislumbra qualquer razão que leve à alteração da redacção do ponto 8 dos factos provados.
(…)
Revertendo ao caso em apreço é verdade que as declarações de parte prestadas pela Autora foram contrariadas pelo depoimento prestado pela testemunha DD, o que bem resulta da posição tomada por ambos em sede de acareação.
Assim, e atento o modo com as declarações de parte da Autora foram prestadas, nada obsta nesta parte à sua valoração positiva.
É de salientar que a Autora refere ter tido conversações com o legal representante da Ré, seu irmão, sendo certo que nessas conversações a testemunha DD não esteve presente e era o legal representante da Ré quem dava instruções à testemunha DD sobre o modo como devia ser redigido o acordo.
No entender do Tribunal de 1ª Instância a testemunha DD mostrou-se nervosa e respondeu de forma “atabalhoada”.
Da audição das declarações de parte e do depoimento de parte não vislumbramos motivos para duvidar da credibilidade, neste segmento, das declarações de parte prestadas pela Autora.
É jurisprudência consolidada que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – como a prova por declarações de parte e a prova testemunhal –, a respectiva sindicância tem de ser exercida com o máximo cuidado e o Tribunal de Recurso só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efectivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª Instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
No caso dos presentes autos, a audição das gravações quanto às declarações de parte da Autora, depoimento e acareação, nem sequer chegou ao patamar de colocar o Tribunal numa situação de dúvida relativamente aos factos que a Recorrente pretende ver alterados do ponto 8.
Deste modo, e sem necessidade de maiores considerandos, não se antevêem razões para se alterar a convicção feita pelo Tribunal de 1ª Instância e consequentemente alterar a redacção do ponto 8».
Do supra transcrito, resulta sem margem para dúvidas, que a Relação atuou dentro dos poderes que lhe são conferidos pela lei, tendo analisado a prova dentro do seu prudente arbítrio e sem violação de lei expressa que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova.
E jamais será caso de assacar a nulidade de sentença, prevista na alínea d) do nº. 1 do art. 615º do CPC.
Esta nulidade ocorre, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal vício materializa-se em sede de nulidades de sentença e não relativamente a eventuais erros de julgamento.
O art. 662º do CPC. reporta-se a modificabilidade de decisões de facto, nada tendo a ver com o regime das nulidades.
Destarte, o Tribunal da Relação não violou o disposto no art. 662.º do CPC, nem cometeu qualquer excesso de pronúncia, nenhuma censura sendo de lhe assacar.
Sumário:
- O artigo 662º do CPC consagra um duplo grau de jurisdição, no julgamento da matéria de facto, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um próprio apuramento da verdade material pela 2ª. instância.
- A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova de que se serviu este tribunal, no âmbito do princípio da livre apreciação ou do sistema da prova livre, baseada sempre numa nova, diferente e própria convicção formada pelos seus juízes, e não, simplesmente, na sua aquisição pelo modo exteriorizado pelo tribunal de hierarquia inferior, em termos considerados razoáveis e lógicos, ainda que venha a ter lugar a confirmação do decidido pela 1.ª instância, sob pena de violação de um verdadeiro e efetivo duplo grau de jurisdição, em matéria de facto.
3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a revista.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 23-9-2025
Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)
Luís Espírito Santo
Maria Olinda Garcia