I. A rejeição do recurso de apelação com base no artigo 638.º, n.º 7 do CPC não se confunde com a hipótese de rejeição prevista no artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC. Na hipótese do artigo 638.º, n.º 7, sendo a apelação apresentada dentro do prazo adicional dos 10 dias aí previstos, o recurso será rejeitado caso se conclua que não tem por objeto a reapreciação da prova gravada. Diversamente, na hipótese do artigo 640.º, n.º 2 (cujo n.º 1 parte do pressuposto de ter sido impugnada decisão sobre a matéria de facto) o que está em causa é a deficiência técnica ou inaptidão do modo de impugnação da factualidade gravada para a correta apreensão, pela segunda instância, da pretensão modificativa sustentada pelo recorrente.
II. Para que a apelação tenha por objeto a reapreciação da prova gravada (e tendo presente que o objeto do recurso é traçado pelas conclusões das alegações – art.º 635.º, n.º 4 do CPC) o recorrente tem de indicar quais os factos que, na sua perspetiva, deviam ser dados como provados, e não o foram, ou vice-versa (ou que deviam ser parcialmente alterados). A pretensão do recorrente tem de ser, em primeira linha, a de que o julgamento da matéria de facto seja alterado.
III. Não se encontra preenchida a hipótese do artigo 638.º, n.º 7 quando o recorrente se limita a discordar da valoração normativa que o julgador extraiu da factualidade provada (ou não provada) através da prova testemunhal, mesmo que para o efeito proceda a extensas transcrições de depoimentos gravados.
IV. A razão de ser do acréscimo de prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 radica na circunstância de o recorrente ter de aceder às gravações da prova e de proceder à audição e seleção dos registos que sustentarão o seu propósito de ver alterado o julgamento da matéria de facto, tratando-se de uma tarefa que acresce à argumentação jurídica sobre o julgamento do mérito da causa.
I. RELATÓRIO:
1. “JGCS - Investments, Ldª” propôs contra “Miracleparticle Unipessoal, Ldª” um procedimento de injunção, que posteriormente passou a seguir termos como processo declarativo comum, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €55.350,00, acrescido dos juros calculados à taxa legal comercial (já vencidos, no montante de €824,94, bem como os vincendos, até integral pagamento).
Sustentou a sua pretensão alegando, em síntese, que as partes celebraram entre si um contrato de mediação imobiliária, em junho de 2019, no âmbito do qual a autora se comprometeu a conseguir interessados na compra ou arrendamento do piso zero do imóvel identificado nos autos, destinado a comércio, mediante o pagamento da respetiva remuneração, a efetuar aquando da celebração do contrato de alienação ou arrendamento.
Alegou que, tendo a autora encontrado um proponente interessado no arrendamento do imóvel (a ALDI Portugal, Supermercados, Ldª), que apresentou à ré e com quem esta veio posteriormente a celebrar um contrato de arrendamento, é-lhe devida a remuneração, já que tudo fez para que o contrato se concretizasse, como efetivamente veio a acontecer.
2. A ré deduziu oposição, defendendo-se, além do mais, por exceção, à qual a autora respondeu.
O procedimento especial emergente de requerimento injuntivo passou, então, a ser tramitado como ação declarativa comum, vindo a primeira instância a proferir sentença que julgou a ação procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de €44.500,00, acrescida de IVA, e juros de mora, já vencidos desde a data de interpelação para pagamento, bem como dos vincendos, à taxa comercial, desde a data de entrada do requerimento injuntivo até integral pagamento.
3. Contra essa decisão a ré interpôs recurso de apelação, dentro do prazo adicional de 10 dias previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC. A recorrida, nas contra-alegações, invocou a extemporaneidade desse recurso; e o TRL, por acórdão de 04.02.2025, veio a decidir:
«(…) rejeitar o recurso de apelação por ser extemporâneo, não tomando, em consequência, conhecimento do seu objeto.»
4. Inconformada com esse acórdão, a ré interpôs recurso de revista. Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
«A. O presente Recurso de Revista tem por objeto o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sumariado da seguinte forma:
“1. Para ser aplicável a extensão temporal prevista no n.º 7 do art. 638.º do C.P.C., para efeitos de prazo de interposição do recurso de apelação, não basta que tenham sido produzidos oralmente meios de prova na audiência de julgamento, nem que o Recorrente, nas alegações de recurso, tenha apresentado reproduções de depoimentos gravados nessa audiência.
2. É imprescindível que objetivamente decorra da motivação do recurso, ou das suas conclusões, que exista uma efetiva intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto com o propósito de modificar os factos provados ou não provados na sentença recorrida, com base na reapreciação da prova gravada.
3. Não cumpre esse requisito legal o recurso que se limita a reproduzir depoimentos gravados para revelar apenas que houve um erro de julgamento sobre o mérito da causa, por não terem sido ponderados devidamente os factos provados.
4. Tendo o recurso assim apresentado dado entrada em juízo para além dos 30 dias devidos (cfr. art. 638.º n.º 1 do C.P.C.), é o mesmo extemporâneo, não beneficiando o recorrente de tal acréscimo de prazo.”
B. A decisão da Relação julgou rejeitar o Recurso de Apelação interposto pela Autora, ora Recorrente, da douta decisão da 1.ª instância que condenou a ora Autora a pagar à ora Ré a quantia de €44.500,00 a título de capital, acrescida de IVA e juros de mora vencidos desde a data de interpelação para pagamento, bem como dos vincendos, à taxa comercial, desde a data de entrada do requerimento injuntivo até integral pagamento.
C. O Tribunal da Relação de Lisboa entendendo, do nosso ponto de vista mal, que não se estava perante uma reapreciação de prova gravada, julgou rejeitar o recurso de apelação por ser extemporâneo, não tomando, em consequência, conhecimento do seu objeto o que, em consequência, pôs termo ao processo
D. Resulta do ponto IV do Acórdão, respeitante à fundamentação de Direito, o seguinte:
“Deste modo, tendo o recurso sido apresentado para além dos 30 dias normalmente devidos, é o mesmo extemporâneo não beneficiando o recorrente de tal acréscimo de prazo”.
E. Atento a decisão supra citada e o disposto no número 1 do artigo 671.º do C.P.C.: “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”
F. Do disposto no artigo supra, emergem duas possibilidades distintas e autónomas: i) por um lado, a extinção da instância quando se proferir decisão que aprecie o mérito da causa; ii) por outro lado, a extinção da instância por absolvição do réu.
G. Conforme observa o Prof. Dr. António Geraldes in “Recursos em Processo Civil, 8.ª ed. Atualizada, Almedina, Coimbra, 2024, pp. 466”, a mera interpretação literal do dispositivo revela-se excessivamente restritiva e desprovida de fundamento plausível, uma vez que não assiste razão para estabelecer “uma distinção entre os casos em que a Relação declara formalmente a “absolvição da instância”, mesmo quando atinge apenas algum dos seus elementos objetivos e/ou subjetivos, e os casos, cujo relevo é semelhante ou até superior, em que é posto termo à causa ou a parte dela por motivos formais determinantes da extinção da instância (v.g. inutilidade superveniente da lide, deserção do recurso, consideração da extemporaneidade ou inadmissibilidade do recurso, rejeição da apelação por falta de alegações ou de conclusões, etc.).”
H. Colocado o acento na expressão “termo do processo” e relegando para um plano secundário a expressão “absolvição da instância”, que se apresenta apenas como a causa típica mais frequente de extinção do processo, é possível concluir pela admissibilidade do recurso de revista no caso sub judice.
I. Isto porque consistindo a decisão em rejeitar o Recurso de Apelação, por extemporaneidade, configura, esta, uma causa de extinção da instância com relevância para justificar a sua apreciação por via de Revista.
J. Acresce ainda que a mais recente jurisprudência tem pugnado no sentido da admissibilidade de Recurso de Revista de Acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que rejeite recurso de apelação por ser extemporâneo.
K. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/03/2022, proc. n.º 383/19.9T8PTG.E1.S1
L. Bem como, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/03/2017, proc. 6617/07.5TBCSC.L1.S2, que tem como sumário, na parte que ora releva:
“I – Ao abrigo do art. 671.º, n.º 1, do CPC, é admissível revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão de 1.ª instância, determina a extinção total ou parcial da instância por via da absolvição de instância ou de qualquer outra forma de extinção da instância.
II - O acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão da 1.ª instância, declara a extemporaneidade da contestação/reconvenção determina, por si, a extinção da instância reconvencional, admitindo, por isso, o recurso de revista.”
M. Em face do exposto, a interpretação harmoniosa do sistema processual e, bem assim, conforme à jurisprudência mais recente, conduz à natural admissão da Revista que ora se apresenta, considerando-se que a extinção da instância por motivos formais, como a extemporaneidade do Recurso de Apelação, configura uma decisão que, em substância, põe termo ao processo.
N. Nos últimos anos o Supremo Tribunal de Justiça tem, progressivamente, atenuado a tendência da prática dos Tribunais da Relação, visível em diversos Acórdãos, “em exponenciar as exigências legais e extrair do alegado incumprimento a rejeição do recurso, de apelação na parte em que era impugnada a decisão da matéria de facto.”
O. Veja-se, nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/01/2024, proc. 1007/17.4T8VCT.G1.S1 (e na demais jurisprudência que lá vem mencionada), e com semelhante entendimento também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/01/2024, proc. 7341/19.1T8ALM.L1.S1, no qual se conclui que “a rejeição imediata do recurso pelo incumprimento dos ónus impostos, na ponderação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, deverá decorrer necessariamente da gravidade das consequências da conduta processual do recorrente, no que concerne a uma adequada inteligibilidade da pretensão recursória, em termos de objeto e finalidade”.
P. Tomando em consideração o artigo 640.º do CPC , é clara a vigência de um sistema nos termos do qual, sempre que o objeto do Recurso de Apelação seja impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve cumprir determinados requisitos
Q. No entanto, como resulta Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/23, proferido no âmbito do proc. Proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado em DR-220/2023, SÉRIE I de 2023/11/14, o Recorrente não está obrigado a indicar a decisão alternativa nas conclusões, desde que tal decisão seja claramente percetível nas Alegações.
R. A exigência de uma motivação clara e precisa visa evitar a interposição de recursos sem fundamentação suficiente, ou que careçam de relevância prática.
S. Veja-se pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/23:
“Nos termos da alínea c) do n. º1 do artigo 640.º do CPC, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”
T. É relevante destacar que determinados vícios que afetam a decisão sobre a matéria de facto podem configurar verdadeiros erros de Direito, passíveis de serem corrigidos pela Relação, ou mesmo pelo Supremo Tribunal de Justiça, de forma oficiosa.
U. Isso inclui, por exemplo, situações em que se desconsidera um meio de prova com força probatória plena, ou quando se considera provado um facto com base em prova insuficiente, o que deve ser corrigido pelo Tribunal.
V. As situações de rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto encontram-se restringidas pela lei.
W. As mesmas (situações de rejeição) são aferidas, no âmbito da sua competência, pelo relator do tribunal ad quem, tendo em conta, por um lado, o normativo do art. 641.°, n.° 2, al. a) do CPC e, por outro, a norma do art. 652.°, n.° 1, al. b) do CPC.
X. E isto mais não é do que uma de uma “decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes”, para impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto seja usada por inconformismos das partes.
Y. Relembrando, ainda que um dos objetivos propostos pelo legislador quando introduziu um efetivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto, através do DL n.º 39/95, de 15/02, e que ficou expresso na justificação preambular:
“Facultar às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais - e seguramente excecionais - erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito (…) incidindo
sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso (…) este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado”.
Z. Exigências que devem ser, na balança, o contrapeso aos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto efetivamente atribuídos à Relação.
AA. No entanto e na prática, não devem ser os requisitos formais exponenciados a um ponto que chegue a ser violado o princípio da proporcionalidade e seja recusada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação in legis ou, sequer, na ratio legis.
BB. O cumprimento do ónus de alegação, no segmento da motivação, parece suficiente para que a impugnação da decisão da matéria de facto ultrapasse a fase liminar, passando para a apreciação do respetivo mérito.
CC. Vejam-se neste sentido, os vários Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: Acs. do STJ, 15/6/23, proc. 1929/20.5T8VRL.G1.S1, de 1/10/15, proc. 824/13.3TTLRS.L1.S1.
DD. No que à superior ponderação do princípio da proporcionalidade diz respeito, quando em análise conjugada com o referido ónus da alegação, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/4/16, proc.1006/12.2TBPRD.P1-A.S1, que condensa de forma clara, a doutrina e a vária jurisprudência nesse tema.
“(…) 2. Na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640.°, os aspetos de ordem formal devem modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.
EE. Na perspetiva da Recorrente, os Juízes Desembargadores, em lugar de atribuirem um excessivo relevo a algum pormenor formal devem, antes, privilegiar a apreciação global das alegações de Recurso, extraindo desse conjunto o que verdadeiramente importa para a aferição da existência, ou não, de algum erro de julgamento da matéria de facto.
FF. Decorre, claramente e à saciedade, da Jurisprudência das instâncias superiores, pelos Venerandos Juízes Conselheiros, que o caminho tem sido percorrido nesse sentido: o de evitar os efeitos de um excessivo formalismo, promovendo que o esforço aplicado na justificação de soluções que exponenciam aspetos de natureza formal, sem suficiente tradução na letra da lei ou no espírito do sistema, seja canalizado para a efetiva apreciação das impugnações de matéria de facto.
GG. Em diversas decisões recentes, o STJ tem destacado a necessidade de extrair da lei soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, privilegiando os aspetos de ordem material, embora sem desrespeitar os requisitos mínimos que devem ser cumpridos no Recurso.
HH. E, nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/10/15, 233/09.4TBVNC.G1.S1.
II. Assim o ilustra a motivação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/23 em torno do cumprimento do ónus previsto no art. 640.°, n.º 1, al. C) do CPC, no qual se refere, além do mais, que “a rejeição imediata do recurso pelo incumprimento dos ónus impostos, na ponderação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, deverá decorrer necessariamente da gravidade das consequências da conduta processual do recorrente, no que concerne a uma adequada inteligibilidade da pretensão recursória, em termos de objeto e finalidade”
JJ. Refere-se ainda que as “exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada”.
KK. Com efeito, e tal como resulta do Acórdão recorrido, parece que ao Tribunal da Relação seja bem mais fácil remeter o Recurso para o inconformismo do Recorrente relativamente ao julgamento da matéria de facto, do que, seguindo metodologia semelhante à que foi adotada pelo tribunal de 1.ª instância (formação da convicção, afirmação do resultado e justificação desse resultado relativamente a segmentos autónomos da matéria de facto controvertida), convencer-se da existência de erro de julgamento e da necessidade de se operar a sua correção, para que se reponha a justiça na causa.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser admitido e julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido e admitindo-se o recurso de Apelação, por tempestivo, deve o mesmo ser apreciado, decidindo-se nos termos supra expostos, com as legais consequências.»
5. A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
«a) O recurso apresentado pela Recorrente não se enquadra na previsão do n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, ao contrário do que a mesma sustenta.
b) O Acórdão do qual a recorrente pretende Revista não se pronuncia sobre qualquer decisão da primeira instância, que corresponda às hipóteses previstas no art. 671º, n.º1.
c) Não sendo possível a Revista, por o Tribunal da Relação não ter admitido o recurso interposto, o Acórdão produzido em Conferência não se afigura impugnável, nos termos do artigo 671º, nº1 do CPCivil, por o mesmo não ter conhecido do mérito da causa
d) A Recorrente não invocou nenhuma das previsões excepcionais do do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil
e) Não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo o Recurso de Revista ser rejeitado por não admissível. Fazendo-se a costumada Justiça.»
Cabe apreciar.
*
II. FUNDAMENTOS
1. Admissibilidade e objeto do recurso
A recorrida opõe-se à admissibilidade da revista, por entender que não tem aplicação a hipótese prevista no artigo 671º, n.º 1 do CPC. Para sustentar esse entendimento, invoca jurisprudência que não se pronunciou sobre a mesma questão que está em apreço nos presentes autos. Efetivamente, as decisões apontadas pela recorrida respeitam a casos nos quais estavam em causa acórdãos proferidos pela Conferência, confirmativos de decisões singulares que não haviam admitido o recurso de apelação (por razões de natureza diversa). Diferentemente, no caso dos presentes autos o acórdão recorrido conheceu diretamente da questão de saber se o recorrente teria direito ao prazo adicional de 10 dias, previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, e tendo concluído negativamente (pela análise do teor das alegações), considerou o recurso extemporâneo, pondo fim ao processo.
Efetivamente, afirma-se no acórdão recorrido: «Tendo os autos sido distribuídos no Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho do relator (...), foi a Recorrente convidada a responder às questões suscitadas nas contra-alegações relativamente à extemporaneidade do recurso e à rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por falta de cumprimentos dos ónus legais, nos termos do Art. 654.º n.º 2 “ex vi” Art. 655.º n.º 2 do C.P.C.
Na sequência, veio a recorrente sustentar que cumpriu os ónus legais de impugnação, identificando os factos impugnados e a decisão que deveria caber em face da prova produzida nas conclusões 34.ª a 37.ª e nos artigos 40.º a 50.º da motivação, terminando por defender que o recurso era tempestivo, em face do disposto no Art. 638.º n.º 1 e n.º 7 do C.P.C.
A apreciação dessas questões foi relegada para o presente acórdão, por despacho do relator (…)»
Deste modo, a revista é admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 1, última parte.
O objeto da revista é o de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação da lei processual quando entendeu que o prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC não era aplicável, porque a apelação não tinha tido como objeto a reapreciação da prova gravada.
2. A factualidade assente
A primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
«1. A A. é uma sociedade comercial cujo objeto é, entre outros, a mediação imobiliária.
2. A R. é uma sociedade comercial que, entre outras, se dedica à atividade de compra e venda de imóveis.
3. A R. é proprietária do prédio urbano sito na Praça 1, freguesia de São Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, registado na CRP de Lisboa sob o n.º ..03, da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Areeiro sob o artigo ..72.
4. As partes celebraram entre si um contrato de mediação imobiliária em 26.06.2019, no âmbito do qual a A. se comprometia a conseguir interessados na compra ou arrendamento, total ou parcial, do referido imóvel – cf. doc. 1 com o articulado de resposta.
5. Nos termos do mesmo Contrato, as partes estipularam que, caso a A. encontrasse arrendatário para o imóvel, o valor a pagar a título de remuneração seria calculado da seguinte forma: a quantia correspondente a duas rendas mensais, caso o preço do arrendamento fixado fosse de € 20/m₂ mensais; ou a quantia correspondente a quatro rendas mensais, caso o valor da renda fixado seja superior a € 22/m₂ mensais, e a duração do contrato igual ou superior a 10 anos; ou a quantia correspondente a seis rendas mensais, caso o valor de renda fixado seja superior a € 24/m₂ mensais, e duração do contrato igual ou superior a 15 anos.
6. Mais ficou estipulado que o pagamento da remuneração seria realizado aquando da celebração do contrato de arrendamento.
7. No âmbito dos serviços previstos no Contrato, a A. identificou e apresentou à R. um interessado, nomeadamente a Aldi Portugal, Supermercados, Lda., pessoa coletiva n.º .......30.
8. Por comunicação de 06.09.2019, a Aldi Portugal, Supermercados, Lda. informou a R. que a sua administração não aprovou a instalação de uma loja no imóvel dos autos (doc. 1 com a oposição).
9. A R. acabou por celebrar um contrato de arrendamento com a sociedade Aldi Retail Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º .......08, com início em 01.04.2022, atualmente em vigor, sendo a renda mensal de €22.500,00.
10. A A. remeteu à R., que recebeu, a carta registada com AR datada de 26.07.2022, com o seguinte teor, além do mais que se dá por reproduzido, cf. doc. 2 junto com o articulado de resposta: «Assunto: pagamento devido pela comissão de Mediação Imobiliária (…) vimos pela presente solicitar a V.Ex.ª a liquidação do montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescidos do correspondente IVA à taxa legal, num total de € 55.350,00 (…) referentes à comissão imobiliária devida pela angariação de arrendatário para o prédio urbano sito na Praça 1 (…), nomeadamente a sociedade Aldi Portugal Supermercados, Lda., pessoa coletiva n.º .......30. (…)»
Da sentença consta ainda que: «Não existem outros factos provados nem factos não provados».
3. O direito aplicável
3.1. O acórdão recorrido entendeu que o prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC não era aplicável, porque a apelação não tinha tido como objeto a reapreciação da prova gravada. Consequentemente, pôs termo ao processo, rejeitando o recurso de apelação.
A recorrente alega (sobretudo a partir da letra N. das conclusões das alegações da revista) que aquele acórdão fez errada aplicação da lei de processo ao rejeitar o recurso de apelação. Sustenta a sua tese fazendo apelo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, contra o formalismo na rejeição dos recursos, invocando, essencialmente, jurisprudência que respeita à aplicação do artigo 640.º do CPC. Em rigor, a recorrente não chega a demonstrar, nas suas alegações, em que medida o acórdão recorrido teria feito errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, pois centra a sua tese na invocação de doutrina e jurisprudência que, essencialmente, respeitam ao âmbito de aplicação do artigo 640.º.
3.2. A rejeição do recurso de apelação com base no artigo 638.º, n.º 7 do CPC (ou seja, por extemporaneidade devido à não aplicação do prazo adicional de 10 dias) não se confunde com a hipótese de rejeição prevista no artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC.
Efetivamente, na hipótese do artigo 638.º, n.º 7, sendo a apelação apresentada dentro do prazo adicional dos 10 dias, aí previstos, o recurso será rejeitado caso se conclua que não tem por objeto a reapreciação da prova gravada. Diversamente, na hipótese do artigo 640.º, n.º 2 (cujo n.º 1 parte do pressuposto de ter sido impugnada decisão sobre a matéria de facto) o que está em causa é a deficiência técnica ou inaptidão do modo de impugnação da factualidade gravada para a correta apreensão, pela segunda instância, da pretensão modificativa sustentada pelo recorrente.
Para que a apelação tenha por objeto a reapreciação da prova gravada (e tendo presente que o objeto do recurso é traçado pelas conclusões das alegações – art.º 635.º, n.º 4 do CPC) o recorrente tem de indicar quais os factos que, na sua perspetiva, deviam ser dados como provados, e não o foram, ou vice-versa (ou que deviam ser parcialmente alterados). A pretensão do recorrente tem, assim, de ser, em primeira linha, a de que o julgamento da matéria de facto seja alterado. Não se encontra preenchida a hipótese do artigo 638.º, n.º 7 quando o recorrente se limita a discordar da valoração normativa que o julgador extraiu da factualidade provada (ou não provada) através da prova testemunhal, mesmo que para o efeito proceda a extensas transcrições de depoimentos gravados.
3.3. O acórdão recorrido entendeu que o apelante não tinha procedido a uma efetiva impugnação da factualidade provada, mas sim, essencialmente, a uma manifestação de discordância da valoração dessa factualidade para a decisão do mérito da causa.
Extratam-se do acórdão recorrido as seguintes passagens da sua fundamentação:
«(…) temos de pôr em evidência que a sentença aqui recorrida foi proferida a 31 de maio de 2024 (…) e foi notificada à R. por registo do dia 7 de junho de 2024 (…).
Sendo o prazo de recurso de 30 dias (cfr. Art. 638.º n.º 1 do C.P.C.), esse prazo terminaria no dia 11 de julho de 2024, podendo o ato ainda ser praticado, com o pagamento de multa, num dos 3 dias úteis posteriores (cfr. Art. 139.º n.º 5 ou 6 do C.P.C.), o que teria ocorrido no dia 2 de setembro de 2024 (por força da interposição das férias judiciais).
Mas se o recurso tivesse também por objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto com reapreciação da prova gravada, ao prazo de 30 dias acresceriam mais 10 (cfr. Art. 638.º n.º 7 do C.P.C.) e o prazo terminaria, por força das férias judiciais e do disposto no Art. 138.º n.º 1 do C.P.C., no dia 9 de setembro de 2024.
Ora, o recurso veio a dar entrada em juízo, por via eletrónica, no dia 3 de setembro de 2024 (…). Ou seja, em tempo, se o recurso tivesse por objeto a reapreciação de prova gravada, mas fora de tempo se não fosse esse o caso.
Sucede que o Recorrido pôs em causa que ao caso se aplicasse o Art. 638º n.º 7 do C.P.C., porque não foram cumpridos os ónus de impugnação, nem se pretendia a reapreciação de prova gravada.
[…]
No caso, resulta das alegações de recurso da Recorrente que são feitas várias transcrições de depoimentos gravados de testemunhas, o que poderia inculcar a ideia de que o recurso teria efetivamente por objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto sustentada numa pretendida reapreciação da prova gravada. No entanto, lidas as conclusões e a motivação do recurso, constatamos que não é isso que se passa efetivamente.
É certo que a Recorrente, quando exerceu o contraditório relativamente a esta questão, veio sustentar cumpriu os ónus de impugnação, como resulta das conclusões 34.ª a 37.ª e artigos 40.º a 50.º das alegações do recurso que apresentou, assim parecendo sustentar que era sua vontade impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Também temos de reconhecer que, ao longo da exposição da motivação de recurso, a Recorrente menciona efetivamente vários factos que estão provados, explicitando a esse propósito vários depoimentos testemunhais gravados, cujos extratos pontualmente reproduz, mas quase sempre para realçar que a sentença não os valorou devidamente na decisão final, sem que daí resulte nenhuma conclusão evidente de que houve erro no julgamento desses factos, no sentido de que foram mal julgados, seja porque deveriam ser dados por não provados, seja porque deveria ter sido considerada uma outra qualquer redação alternativa.
Veja-se, a título de exemplo, o que é dito nos artigos 5.º a 10.º, 14.º a 18.º, 19.º a 26.º da motivação do recurso (que nem sequer são mencionados pela Recorrente no exercício do contraditório à questão suscitada nas contra-alegações). Aí fazem-se reproduções de depoimentos testemunhais sem qualquer sentido prático ou útil, em termos de daí se retirar que deveria ser alterada concretamente a redação de qualquer facto constante da sentença recorrida.
Depois temos os artigos 31.º a 50.º das alegações de recurso, que se reportam a questões relacionadas com as áreas do imóvel que seria objeto do contrato de mediação imobiliária, e a que se reportam igualmente as conclusões 34.ª e 37.ª. É nesta parte que a Recorrente diz que cumpriu os ónus de impugnação estabelecidos nas al.s a) e c) do n.º 1 do Art. 640.º do C.P.C..
Evidentemente, se a questão fosse colocada em termos de cumprimento dos ónus previstos no Art. 640.º n.º 1 al. a) e c) do C.P.C., sempre teríamos de referir que a sentença recorrida teve o cuidado de enumerar os factos provados de 1 a 10, explicitando no final que não existiriam factos não provados. E, assim sendo, olhando para a motivação do recurso, poderia pergunta-se: ao longo dos artigos 40.º a 50.º da motivação do recurso, onde é que é mencionado um facto, dos 10 provados na sentença, que a Recorrente pretende impugnar?
Podemos ver que, ao longo desses artigos, menciona-se o facto provado no ponto 9 (v.g. no artigo 40.º da motivação do recurso, que corresponde à conclusão 34.ª, sendo também referido na conclusão 37.ª), só que não para se concluir que o mesmo deveria ser dado por não provado, ou para se sustentar que deveria ter outra redação. Esse facto é apenas referindo como ponto de partida para a Recorrente valorar a questão das áreas do imóvel que foi objeto do contrato de arrendamento aí provado. Ou seja, esse facto é mencionado, mas não para efeitos da impugnação da correção do seu julgamento como provado. Pelo contrário, dos termos de toda a motivação aí expressa, a Recorrente entende que esse facto está provado e assim deverá permanecer. Portanto, esse facto não foi efetivamente objeto de qualquer impugnação, nos termos e para os efeitos do Art. 640.º n.º 1 do C.P.C..
No final da motivação a Recorrente também menciona especificamente os factos provados nos pontos 4 e 5 (v.g. no artigo 50.º da motivação do recurso, que corresponde à conclusão 37.ª), que se referem à celebração do contrato de mediação imobiliária e às suas cláusulas. Só que, também relativamente a estes factos, a Recorrente não expressa o entendimento de que os mesmos deveriam ser dados por não provados, ou ser julgados provados com uma redação diversa. Pelo contrário, os mesmos são igualmente ponto de partida para todas as questões relacionadas com a relevância das áreas do imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária e do contrato de arrendamento. Portanto, também esses factos não foram objeto de qualquer impugnação, porque em função de todo o exposto no recurso, os mesmos inequivocamente devem permanecer no rol dos factos provados.
Podemos assim concluir, com toda a segurança, que a Recorrente não impugnou nenhum dos factos provados na sentença recorrida, sendo que dela também não constam factos não provados.
[…]
Em conclusão, é nosso entendimento, em função do exposto, que a Recorrente nunca quis efetivamente impugnar a matéria de facto, porque na prática pretendeu apenas por em evidência um alegado erro de julgamento sobre o mérito da causa, o qual, no seu entender, até se sustenta na mera consideração dos factos já dados por provados, para o que é indiferente e desnecessária qualquer reapreciação da prova gravada. Pelo que, independentemente de ser evidente que não cumpriu os ónus de impugnação estabelecidos no Art. 640.º n.º 1 al.s a) e c) do C.P.C., o facto é que a Recorrente não impugnou, porque efetivamente não queria impugnar, a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto.
Neste pressuposto, se não era seu propósito modificar os factos provados através da reapreciação da prova gravada, mas apenas relevar que havia erro de julgamento sobre o mérito da causa, não poderia beneficiar da extensão de 10 dias prevista no Art. 638.º n.º 7 do C.P.C. para poder recorrer da sentença. Consequentemente, o recurso assim interposto é extemporâneo, devendo ser rejeitado com esse fundamento, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos nele constantes.»
3.4. Compulsando as conclusões das alegações da apelação, concluiu-se que o acórdão recorrido fez a correta aplicação da lei processual ao rejeitar o recurso, pois a apelante não procedeu realmente a uma impugnação do julgamento da matéria de facto, não tendo formulado um efetivo pedido de modificação desse julgamento.
São as seguintes as conclusões das alegações da apelação:
«1ª - No que se refere ao 1.º tema da prova, concretamente, aos serviços prestados pela Autora à Ré com vista ao arrendamento celebrado entre a Ré a Aldi Retail Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º .......08, ficou claramente demonstrado tanto pelos documentos juntos aos autos como pela prova testemunhal que a Autora não prestou nenhum serviço à Ré que esteja em conexão com a celebração do contrato de arrendamento que veio a ser celebrado em 2022.
2ª – A Recorrida pede remuneração, mais de 3 anos depois (20.09.2022 – data do requerimento de injunção)), sem prévia emissão de fatura legalmente emitida, ao abrigo do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Recorrente (26.06.2019), o qual constitui matéria assente, documento 1 junto com a referência CITIUS n.º ......58.
3ª – As testemunhas comprovaram a ausência de qualquer serviço prestado pela Recorrida à Recorrente em conexão com o contrato de arrendamento que veio a ser celebrado entre a Recorrente e a Aldi Retail, Unipessoal, Lda.
4ª – Apenas ficou testemunhalmente comprovado que todos os alegados serviços de intermediação da Recorrida se resumiram apenas a 2 reuniões entre representantes da Recorrente, representantes da Recorrida e da Aldi Supermercados, Lda., no Verão de 2019, conforme resulta da prova gravada transcrita no ponto 8 das motivações supra.
5ª – Ficou igualmente provado que a Aldi Portugal Supermercados, Lda., pessoa coletiva n.º .......30, veio declarar, em 06.09.2019 que a sua administração não aprovou a instalação de uma loja no imóvel dos autos (cf. Facto provado n.º 8 da Sentença Recorrida, fls. 3).
6ª – A Sentença recorrida erra na Fundamentação de facto (cfr. fls. 4) por não considerar também o facto provado n.º 8 resultante diretamente da prova documental, porquanto o documento 1 com a oposição não foi impugnado pela Recorrida, tendo sido confirmada por todas as testemunhas, da Recorrente, da comum e da Recorrida.
7ª – Após tal manifestação de desinteresse da empresa, Aldi Portugal Supermercados, Lda., pessoa coletiva n.º .......30 a Autora não desenvolveu mais nenhuma atividade (a não ser a de intentar a presente ação) que pudesse ser entendida como serviços em conexão com a celebração do contrato de arrendamento que veio efetivamente a ser celebrado, anos mais tarde, com outra entidade jurídica, a Aldi Retail Unipessoal, Lda. pessoa coletiva n.º .......08.
8ª – Tanto assim é que a Recorrida, como afirma aliás na Injunção que inicia este processo, afirma que “encontrou um interessado no arrendamento do imóvel, propriedade da Requerida, nomeadamente, a sociedade Aldi Portugal Supermercados, Lda. pessoa coletiva n.º .......30”. Nem sequer conhecia o contrato que veio a ser celebrado nem a entidade arrendatária…
9ª – A própria realidade física que constituiu o objeto do contrato de arrendamento efetivamente celebrado entre a Recorrente e a Aldi Retail Unipessoal Lda. já não foi aquela que foi objeto do contrato de mediação imobiliária, como ficou claro da prova testemunhal gravada atrás transcrita no ponto 16 das motivações supra.
10ª – A pessoa jurídica identificada pela Recorrida à Recorrente em 2019 no sentido de com esta firmar um contrato de arrendamento e na qual alega e procura fundamentar o seu direito a uma remuneração ao abrigo do contrato de mediação imobiliária nem sequer coincide com a pessoa jurídica com quem a Recorrente celebrou, anos mais tarde, em 2022, um contrato de arrendamento, com um objeto diferente, tal como resulta do confronto entre o Requerimento Inicial de Injunção e a informação prestada pela AT – facto provado n.º 9 dos factos provados bem como da prova testemunhal gravada e transcrita no ponto 18 das motivações supra.
11ª – No facto provado n.º 7 refere-se que a A. apresentou à Ré a Aldi Supermercados, Lda. pessoa coletiva n.º .......30 e no facto provado n.º 9 que a Ré celebrou contrato de arrendamento com a Aldi Retail Unipessoal, pessoa coletiva n.º .......08, com início em 01.04.2022, ou seja, mais de 2 anos e meio depois da comunicação de desinteresse da Aldi Portugal Supermercados no negócio (cfr. facto provado n.º 8).
Repare-se, ainda, que a fls. 4 da Sentença Recorrida refere que “Não existem outros factos provados nem factos não provados”, além dos 10 factos provados, indicados na fundamentação (fls. 2 a 4 da Sentença Recorrida).
12ª - Dos autos não constam certidões do registo comercial da Aldi Supermercados, Lda. pessoa coletiva n.º .......30 nem da Aldi Retail Unipessoal, pessoa coletiva n.º .......08 nem constam quaisquer deliberações de gerência de nenhuma daquelas entidades pelo que não se aceita a fundamentação da Sentença Recorrida, por manifesto erro de julgamento sobre matéria de facto e de direito, quando afirma, a fls. 7 que: “É certo que o imóvel veio a ser arrendado a uma entidade formalmente diferente daquela que a Autora levou ao contacto da Ré e à visita ao imóvel. Mas é também certo, como inequivocamente resultou provado, que se trata de uma entidade pertencente ao mesmo grupo económico, embora com identificação fiscal diversa exerce precisamente a mesma atividade que a anterior – venda a retalho em grandes superfícies – tudo levando a crer, de acordo com as regras da experiência comum, que se trata apenas de uma diferença formal, sendo na realidade, a mesma entidade económica, a rede de supermercados Aldi.”
13ª – A Mma. Juiz a quo, salvo o devido respeito, foi além do que a prova dos factos provados lhe permitia. Efetivamente, não resulta de nenhum dos 10 factos provados que as duas sociedades pertençam ao mesmo Grupo Económico, o que só seria possível por confronto com certidões do registo comercial das mesmas que não existem nos autos. Das regras da experiência comum onde a Mma. afirma ter fundamentado aquela asserção não se podem extrair conceitos de direito como o seja o conceito de “grupo económico”. Veja-se, a título de mero exemplo complexas redes comerciais como o Intermarché que compreende dezenas ou centenas de sociedades, distintas e autónomas que giram comercialmente sobre uma mesma insígnia, ou numa qualquer cadeia comercial a atuar em Franchising, como a McDonalds por exemplo. Por isso é abusiva a conclusão de que a Aldi Supermercados Lda. pertence ao mesmo Grupo económico da Aldi Retail Unipessoal, Lda., com os elementos constantes dos autos.
14ª – Também não se compreende como pode a Mma. Juiz afirmar que as 2 sociedades referidas Aldi Supermercados Lda. e Aldi Retail Unipessoal, Lda., têm o mesmo objeto social sem ser por confronto com certidões do registo comercial das mesmas, repita-se, que não existem nos autos, quando nem sequer tal facto foi alegado pela Recorrida.
15ª – Pelo que não se aceita que possa a Mma. Juiz concluir, como conclui, que, basicamente, não interessa com que sociedade se contrata, desde que pertença a um mesmo grupo económico, mesmo que não se defina o que se entende por grupo económico nem se faça qualquer prova da relação entre as duas sociedades nos autos e nem que seja preciso o A. alegar tal facto.
16ª – E daquela conclusão falaciosa só poderia resultar uma nova conclusão errada como aquela que consta no final da fls. 7: “Finalmente, ficou também fora de qualquer margem para dúvidas que o arrendamento foi de facto celebrado com esta entidade económica e que quem proporcionou o contacto desta arrendatária à Ré (á época, proprietária do imóvel e, por isso senhoria) foi, efetivamente, a Autora, no exercício da sua atividade de mediação imobiliária”. Na verdade, a A. celebrou um contrato com uma sociedade comercial e não “uma entidade económica” e não foi a Recorrida quem proporcionou o contacto com a Aldi Retail Unipessoal, que nem sequer conhecia, nem o fez na sua atividade de mediação imobiliária.
17ª – Não foram prestados quaisquer serviços pela Recorrida à Recorrente, no sentido de levar à celebração do contrato de arrendamento com a Aldi Retail Unipessoal, Lda., que a Recorrida, como deixou claro, ao longo de todo o processo, nem sequer conhecia, e como resulta da prova testemunhal gravada e transcrita no ponto 24 das motivações supra.
18ª – A Recorrida não teve qualquer intervenção enquanto mediadora imobiliária no contrato que veio a ser celebrado entre a Recorrente e a Aldi Retail Unipessoal, Lda., como resultou evidente da prova testemunhal gravada e transcrita no ponto 25 das motivações supra.
19ª - Desde setembro de 2019, que a Recorrida abandonou a mediação do imóvel, a qual foi contratada sem regime de exclusividade. A Recorrida não alegou qualquer facto que identificasse qualquer serviço referente à mediação imobiliária, ou ao contrato de arrendamento que diz ter sido celebrado ao abrigo da mesma, porque não conhece os factos referentes ao arrendamento do imóvel, porque não mediou o arrendamento.
20ª - E, não tendo prestado os serviços de mediação, que conduziram à celebração de um contrato, não pode arrogar-se ao pagamento de qualquer comissão. Conforme já referido, as negociações que mediou ficaram goradas, em setembro de 2019, não tendo a Recorrida desenvolvido qualquer esforço para a conclusão daquele negócio. A Recorrida abandonou, de facto, a tarefa de encontrar qualquer inquilino para a loja em questão uma vez que desde setembro de 2019 não existiu mais nenhum contacto entre Recorrente e Recorrida como resultou claro e evidente da prova testemunhal a que se fez referência.
21ª – Neste sentido vai a Jurisprudência dos tribunais superiores que, em casos como o presente, em que não existe nexo causal entre a atividade do mediador e o contrato celebrado não existe direito a remuneração.
• Como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-02-2022, proferido no âmbito do processo 1020/19.7T8CSC.L1-7 e disponível em www.dgsi.pt: “No contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de não exclusividade, o direito à remuneração por parte do mediador depende dos seguintes requisitos: o cumprimento da obrigação pelo mediador (diligenciar por encontrar interessado/encontrar interessado); a celebração pelo cliente do contrato desejado (ou, eventualmente, promessa dele); a existência de um nexo causal entre a atividade do mediador e o contrato celebrado.” (…). E continua o douto Acórdão: “Para que se verifique o nexo causal torna-se necessário que a atividade do mediador constitua uma das causas próximas e imediatas da conclusão do negócio; que essa atividade seja consciente e voluntária, direcionada para o cumprimento do contrato; a atividade não tem de ser contínua e ininterrupta, nem se exige que o mediador tenha participado em todos eventos da cadeia de factos que levaram à conclusão do negócio, podendo eventualmente ter apenas indicado o interessado ao vendedor, mas de tal modo que se possa dizer que conseguiu a adesão do terceiro à celebração do negócio, influindo assim na sua concretização.” (…).
Mas mais, “Incumbe ao mediador o ónus de provar que a celebração do contrato visado resultou da sua atividade, enquanto facto constitutivo do seu direito à retribuição.” (Cfr. Ac. TRL, de 22-02-2022, p. 1020/19.7T8CSC.L1 -7).
Pois como bem refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-06-2021, proferido no âmbito do processo 8373/19.5T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Se não existe continuidade negocial, nexo de continuidade lógica entre os negócios apresentado e concluído, diversos pelos responsáveis, pelos termos do negócio, pelo tempo decorrido, pela capacidade negocial e de concretização do acordo revelada pelas partes, inexiste direito à remuneração”.
22ª – Mas ainda que a Recorrida tivesse prestado serviços à Recorrente, o que não se verificou, da prova documental e assente nos autos resulta que não existe direito a qualquer remuneração à Recorrida porquanto não se verificaram as condições mínimas de que as partes fizeram depender o direito ao pagamento da remuneração no contrato de mediação imobiliária.
23ª – Efetivamente, no ponto 4. Da FUNDAMENTAÇÃO (fls.2) da Sentença pode ler-se: “As partes celebraram entre si um contrato de mediação imobiliária em 26.06.2019, no âmbito do qual a Autora se comprometia a conseguir interessados na compra ou no arrendamento, total ou parcial, do referido imóvel” – cfr. doc. 1 com o articulado de resposta.
24ª – Pelo que a Sentença recorrida afirma a fls. 4 que “Destarte, a matéria relativa aos pontos 1, 2., 3., 4., 5., 6., 7., e 10 dos factos provados é diretamente fundada em prova documental (…) cópia do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes”.
25ª – Ora, de tal Contrato que a Sentença deu por provado documentalmente, com fulcral relevância para apreciação do presente recurso, destacam-se:
O n.º 2 da Cláusula 1ª relativa à identificação do imóvel a qual estabelece que:
“n.º2 – É intenção da SEGUNDA CONTRATANTE alienar ou arrendar o PISO ZERO do referido prédio, o qual será doravante apenas designado como IMÓVEL , quando considerado na sua totalidade, e que tem as seguintes características:
. Existem atualmente duas lojas com entradas pela Praça 1 e um escritório com acesso pela entrada do prédio, sendo que o piso zero, tem uma área estimada de 1.335m2.
26ª – Destaca-se ainda, do mesmo contrato de mediação imobiliária, a cláusula 2ª n.º1 a) (Identificação do Negócio), a qual estabelece que:
“1 – A MEDIADORA, obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessados na Compra ou Arrendamento, total ou parcial do IMÓVEL, nas seguintes condições:
c) O preço mínimo fixado para o arrendamento é de €20/m2 (vinte euros por metro quadrado), ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor
d) (…)
27ª – É também importante ter presente que a Recorrida foi contratada em regime de NÃO exclusividade conforme decorre da cláusula 4ª do identificado contrato de mediação imobiliária (facto provado n. º4 da Sentença Recorrida).
28ª – E a cláusula mais importante do aludido contrato que, na perspetiva da Recorrente torna a manutenção da Sentença recorrida insuportável porquanto julga contra documento assente, dado como provado é cláusula 5ª (remuneração) da qual se reproduzem o n.º 1, 2 e 3 pela sua enorme relevância:
“Cláusula 5ª (Remuneração)
1 – A remuneração será devida se a MEDIADORA conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente Contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.
2 – A SEGUNDA CONRATANTE obriga-se a pagar à MEDIADORA, a título de remuneração, caso seja encontrado ARRENDATÁRIO para o IMÓVEL:
d) A quantia correspondente a duas rendas mensais, caso o preço do arrendamento fixado seja de €20/m2 mensal (vinte euros por metro quadrado, por mês), ou
e) A quantia correspondente a quatro rendas mensais, caso o valor de renda fixado seja superior a €22/m2/mês e duração do contrato igual ou superior a 10 anos (vinte e dois euros por metro quadrado por mês), ou,
f) A quantia correspondente a seis rendas mensais caso o valor da renda fixada seja superior a €24/m2/mês e a duração do contrato igual ou superior a 15 anos.
3 – O pagamento da remuneração fixada no ponto que antecede será efetuado aquando da celebração do respetivo contrato de arrendamento, sendo que as alíneas supra indicadas são alternativas e pressupõem a verificação das condições que lhe subjazem.
29ª – Ora, é imediatamente apreensível que as partes fizeram depender o pagamento de uma remuneração à verificação de condições mínimas.
30ª – Também é imediatamente apreensível que as partes identificaram que o imóvel a arrendar tinha 1335 metros quadrados.
31ª – Pelo que por simples cálculo aritmético verifica-se que só existiria direito a remuneração se além de terem sido prestados serviços de intermediação (que não foram) a renda contratada se houvesse fixado pelo menos em €26.700,00, ou seja 1335m2x€20m2/mês conforme indicado no patamar mínimo acordado pelas partes (cfr. cláusula 1ª, n. º2, cláusula 2ª, n. º1 a) e cláusula 5ª n. º2 a), todos do facto 4 dado por provado, que resultou de prova “diretamente fundada em prova documental”.
32ª – A Sentença recorrida julga contra documento dado por provado. Efetivamente pode ler-se a fls. 8 da Sentença recorrida que “(…) No que diz respeito ao quantitativo da remuneração apurou-se, apenas que o arrendamento foi celebrado pelo valor de €22.500,00 por mês, nada se tendo apurado quanto às características do locado (nomeadamente a sua dimensão) para aferir do valor devido nos termos definidos pelo contrato de mediação imobiliária”. (…)
33ª – O que fica claro e evidente e que configura um evidente erro do julgador é não foi sequer lido e interpretado o contrato de mediação imobiliária, dado como provado, em especial a clausula 1ª n. º 2 que identifica claramente o imóvel e especifica que a sua área total é de 1335 metros quadrados.
34ª – Como resulta do facto provado n.º 9, a Recorrente celebrou um contrato de arrendamento com a Aldi Retail Unipessoal, Lda. pessoa coletiva n.º .......08, com início em 01.04.2022, atualmente em vigor, sendo a renda mensal de €22.500,00. Ora, mais uma vez recorrendo a aritmética simples podemos concluir que o valor metro quadrado do aludido contrato de arrendamento que foi celebrado foi de €16,85 (€22.500,00 : 1335m2 = €16,82/metro quadrado), pelo que não se verificou a condição mínima de constituição do direito à remuneração com base no contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes que impunha um mínimo de €20/m2.
35ª - Também a prova testemunhal, foi toda no mesmo sentido, ou seja, de que não teria sido atingido o patamar mínimo de valor metro quadrado capaz de conferir direito a uma remuneração nos termos daquele contrato, como resulta da prova testemunhal gravada que se deixou transcrita no ponto 42 e 43 das motivações supra.
36ª – A Sentença recorrida errou ao considerar que não tinha elementos para aferir as características do locado, nomeadamente, da sua dimensão para aferir o valor devido nos termos do contrato de mediação imobiliária. Erra porque julga, como se disse e repete, contra documento assente nos autos – o contrato de mediação imobiliária onde as partes estipularam que o imóvel tinha 1335m2.
37ª – Para que não restem quaisquer dúvidas, a Recorrente, nos pontos 44, 45 e 46 das motivações supra, recupera da prova testemunhal da Recorrida e da Recorrente, que a dimensão exata do locado que foi arrendado, no contrato de arrendamento que constitui facto provado n.º 9 da Sentença foi de 1213,25m2, uma vez que o imóvel, sofreu alterações físicas que tiveram impacto na sua área. Tudo isto para demonstrar que, mesmo com a área reduzida de 1335m2 (estipulada no contrato de mediação) para 1213,25 m2 (área que foi efetivamente arrendada), o valor metro quadrado do locado foi de €18,54/metro quadrado (€22.500:1213,25 m2 = €18,54/m2), ou seja, abaixo do patamar mínimo de €20/metro quadrado que as partes haviam fixado no contrato de mediação imobiliária como condição do pagamento da remuneração (cfr. cláusula 5ª n.º 2 a) e n.º 3, ambos do contrato de mediação imobiliária (factos provados n.º 4 e 5).
38ª – A sentença recorrida erra ainda na condenação da Ré ao pagamento de €44.500,00, claro está, mas também erra, em acrescer a essa condenação o IVA, quando é certo que não existiu qualquer liquidação de IVA por parte da Recorrida que nem sequer emitiu fatura dos alegados serviços de intermediação como está legalmente obrigada.
39ª – Aliás, esse facto foi trazido aos autos em sede de Oposição, artigos 55.º a 63.º, com a referência CITIUS n.º ......58, onde se disse resumidamente que a Recorrida sabendo não ter emitido qualquer fatura, não poderia peticionar e querer cobrar à Recorrente um valor de IVA, que não liquidou em fatura e, consequentemente, não contabilizada nem declarada a favor do Estado. Uma vez que, nos termos do disposto no artigo 7.º do Código do IVA, “(…) o imposto é devido e torna-se exigível (…) nas prestações de serviços, no momento da sua realização”.
40ª - Como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-05-2022, proferido no âmbito do processo 5631/18.0T8PRT.P1 e disponível em www.dgsi.pt: “II – O IVA não pode ser exigido sem prévia emissão e apresentação da respetiva fatura, de tal modo que a emissão obrigatória da fatura surge como condição de exigibilidade e vencimento de toda a dívida – remuneração do serviço prestado e IVA correspondente. III – Enquanto a fatura não for preenchida a obrigação não se pode considerar vencida e exigível e, por isso, não há lugar ao pagamento de juros, impondo-se, por outro lado, a aplicação do disposto no art. 610º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, donde decorre que o pagamento da obrigação se efetuará apenas contra a emissão e apresentação da competente fatura.”
41ª – a Mma. Juiz a quo sabia que não tinha sido emitida fatura da A. à R., uma vez que esta não constava dos autos e também porque fez essa pergunta ao Diretor de Operações da A. (testemunha José Serra), conforme se transcreveu da prova gravada no ponto 54 das motivações supra.»
3.5. Em resumo, não tendo o apelante formulado um inequívoco pedido de alteração do julgamento da matéria de facto, não indicando quais os factos provados que deviam ter sido julgados como não provados (devendo notar-se que a primeira instância entendeu não existir factualidade julgada não provada), não pode ter aplicação o disposto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, não beneficiando, portanto, o recorrente do prazo adicional de 10 dias. A razão de ser deste acréscimo ao prazo normal de 30 dias (previsto no art.º 638.º, n.º 1) radica na circunstância de o recorrente ter de aceder às gravações da prova e de proceder à audição e seleção dos registos que sustentarão o seu propósito de ver alterado o julgamento da matéria de facto (dando-se como provados factos que não o foram na primeira instância, ou vice-versa); veja-se neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª ed., página 203.
Facilmente se compreende que se trata de uma tarefa que acresce à argumentação jurídica sobre o julgamento do mérito da causa e, provavelmente, mais demorada do que a própria alegação sobre o modo como foi aplicado o direito substantivo. Daí que se justifique um acréscimo de prazo. Mas para que em concreto o apelante beneficie daquela dilação tem de, efetivamente, formular a pretensão de ver alterada a factualidade que se deu como provada ou como não provada na primeira instância. E tal não aconteceu no caso concreto.
Não basta, para o efeito, que o recorrente discorde do relevo jurídico atribuído à factualidade provada (ou não provada) para poder beneficiar do prazo adicional dos 10 dias previsto no artigo 638º, n.º 7 do CPC.
*
DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 23.09.2025
Maria Olinda Garcia (Relatora)
Cristina Coelho
Rosário Gonçalves