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CITAÇÃO (OBRIGATÓRIA) DA SEGURANÇA SOCIAL
DECRETO-LEI Nº 59/89
DE 22.2
PRAZO DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO DA SEGURANÇA SOCIAL
Sumário
I- O Decreto-Lei nº 59/89, de 22.2, prevê a obrigatoriedade da citação da Segurança Social em todas as ações em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou ato de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da atividade profissional ou morte, para deduzir pedido de reembolso dos montantes que tenha pago em consequência de tal evento, no prazo da contestação. II- Assim sendo, apenas com a sua citação para a ação respetiva, se considera iniciado o prazo de prescrição de 3 anos do direito da Segurança Social às prestações pagas ao beneficiário, pois só a partir daí, ficciona a lei, a Segurança Social toma conhecimento do direito que lhe assiste, embora com desconhecimento da pessoa do responsável (art.º 498º nº1 do CC).
Texto Integral
Recurso próprio e admitido na forma legal.
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Por considerarmos que a questão colocada nos autos pela recorrente é simples, designadamente por se mostrar o recurso interposto improcedente, proferimos de imediato Decisão Sumária, nos termos do art.º 656º do CPC.
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INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP Pessoa Coletiva com o n° ...00, sediada em Av. ..., ..., ... ..., citado, vem aos autos à margem indicados, nos termos do art.º 1° e 3° do DL n° 59/89, de 22/02, deduzir o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social, contra Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Avenida ..., ..., ..., ... e EMP01...- Companhia de Seguros, S.A., com sede em Av. ..., ..., ... ..., pedindo a condenação da responsável, no pagamento da quantia de € 49.960,58, sem prejuízo de no decurso da audiência vir a atualizar o respetivo pedido, com o valor das pensões pagas na pendência da ação, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respetivos juros de mora legais, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
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Alega para tanto, que na sequência do acidente sofrido pelo beneficiário nº ...21, AA, ocorrido em 06/03/2016, a que dizem respeito os autos, foram pagas ao mesmo, pensões de invalidez absoluta e complemento de dependência grau II, no período de 17.5.2017 a 31.10.2023,no montante de € 49.960,58, sendo que o valor da pensão mensal é de € 644.80.
Assim, o ISS, IP/CNP tem direito ao reembolso daquele valor, sem prejuízo de no decurso da audiência vir a atualizar o respetivo pedido, com o valor das pensões pagas na pendência da ação, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 70° da Lei n° 41/2007, de 20 de dezembro, e nos termos do DL n° 59/89, de 22 de fevereiro.
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A ré seguradora veio contestar o pedido formulado pelo ISS IP, invocando a prescrição da totalidade dos créditos reclamados, alegando no essencial que o acidente em causa nos autos ocorreu no dia 06/03/2016, tendo a ré sido notificada para contestar o pedido em 23/10/2023, pelo que decorrerem mais de três anos desde a data em que o interveniente tomou conhecimento do direito que lhe assistia, ou seja, pelo menos desde 17.5.2017, conforme disposto no nº 2 do art.º 498º do CC. Isto porque, nos termos do art.º 307º do CC, que invoca, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
Sem prescindir, sempre estaria prescrito o direito de reembolso que a interveniente pretende exercer nesta ação no que toca a todas as pensões liquidadas ao beneficiário até 17.5.2020, pelo decurso dos três anos previstos no art.º 498º do CC, pelo que, constituindo a prescrição invocada exceção perentória, a mesma deve determinar a sua absolvição do pedido.
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O interveniente ISS IP veio responder à exceção invocada, dizendo que o Decreto-Lei nº 59/89 prevê a obrigatoriedade da citação da Segurança Social em todas as ações em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou ato de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da atividade profissional ou morte, para deduzir pedido de reembolso dos montantes que tenha pago em consequência de tal evento.
E nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, os pagamentos efetuados assumem caráter provisório, que subsiste até ao momento em que se defina a responsabilidade civil do terceiro pela satisfação das prestações. As Instituições de Segurança Social assumem assim um papel subsidiário e provisório, face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o responsável civil. Uma vez definida a responsabilidade do terceiro, cessa a obrigatoriedade do pagamento das prestações sociais, e surge o direito ao reembolso, que existe por força da lei - artigo 70º da Lei 4/2007 de 6 de janeiro, Lei de Bases da Segurança Social, no qual se prescreve que “No caso de concorrência pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social, com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”
Pelo que, antes do desfecho da ação onde necessariamente se discute a factualidade relativa ao acidente, e o apuramento da responsabilidade civil do mesmo, não se poderá iniciar a contagem do prazo de prescrição.
E por assim ser é que o artigo 7.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04 de fevereiro dispõe que “sempre que seja judicialmente reconhecida a obrigação de indemnizar, as instituições de segurança social têm direito ao reembolso dos valores correspondentes à concessão provisória do subsídio de doença até ao limite do valor da indemnização”.
Ou seja, a lei expressamente prevê que o direito ao reembolso apenas nasce com o reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar, o que no caso sub judice ainda não se verificou, pelo que o prazo de prescrição ainda não se iniciou.
Conclui assim pela improcedência da invocada prescrição.
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Foi proferido despacho saneador, no qual se proferiu a seguinte decisão (da qual se recorre): “…Por o estado dos autos o não permitir, não se conhece imediatamente do mérito da causa, podendo, no entanto, conhecer-se, desde logo, das exceções perentórias de prescrição (…). Relativamente ao ISS, este vem deduzir pedido de reembolso contra os responsáveis do acidente, das prestações de incapacidade pagas de 2017/05/17 a 2023/10/31. Alegam os referidos Réus a prescrição, pelo menos parcial, das prestações pagas depois de três anos desde o início do pagamento das prestações. Neste caso, estamos perante uma sub-rogação legal, no sentido de que é imposta por lei: “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder” – artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro. O direito de crédito é diferente do direito invocado pelo Autor, nomeadamente quanto ao início da contagem, que deverá ser a data do último pagamento efetuado ao lesado. No seguimento do Ac. STJ de 03.07.2018 (p. 2445/16.5T8LRA, disponível em www.dgsi.pt), no caso de fracionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, por regra, ao último pagamento efetuado, sendo de admitir que essa regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização que corresponda a danos normativamente diferenciados", em relação a “danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos”. Assim, julgo improcedente esta exceção perentória de prescrição do direito de crédito do ISS, IP”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a ré EMP01..., SA,interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“I- Na defesa que apresentou ao pedido de reembolso deduzido pelo ISS, IP, a Ré invocou, além do mais, a prescrição do direito unitário ao reembolso das quantias que liquidou ao Autor a título de pensão de invalidez e complemento de dependência (prestação por terceira pessoa). II- No despacho ora posto em crise, o Tribunal acabou por, salvo melhor opinião, não se pronunciar a respeito da prescrição do direito unitário da apelada, suscitada pela aqui recorrente nos termos previstos no artigo 307º do Código Civil. III- Incorreu, pois, na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, na medida em que não se pronunciou sobre questão que a ré lhe colocou e não a considerou prejudicada pela solução dada a outra questão. IV- Assim, uma vez declarada esta nulidade em que o despacho saneador incorreu, deve, pois, ser apreciada a questão de se saber se está ou não prescrito o direito unitário da interveniente ao reembolso dos valores por ela suportados a título de prestações por incapacidade permanente e necessidade de 3ª pessoa, de natureza periódica, no valor reclamado, até à data, de 49.960,58€, e todas as que venha a pagar no futuro, nos termos do artigo 307º do Código Civil. V- Como se verá infra, no modesto entendimento da recorrente, o direito unitário da Interveniente ao reembolso das aludidas prestações periódicas está efetivamente prescrito, pelo que, deve a ré ser absolvida do pedido relativamente a tais prestações, o que se requer nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 617º do CPC. VI- Ou, se assim não se entender, deve o processo regressar ao Tribunal de Primeira Instância para que seja proferida decisão sobre essa matéria, o que, subsidiariamente, se requer. VII- A ré alegou nos autos ter a Interveniente iniciado os pagamentos ao Autor das aludidas pensões e prestações suplementares de assistência de terceira pessoa (complemento de dependência) antes de 17/05/2017 (ou, pelo menos, antes de 17 de maio de 2020) e, bem assim, que esses pagamentos configuram prestações vitalícias e periodicamente renováveis. VIII- Desde o dito dia 17/05/2017 (ou, pelo menos, até 17 de maio de 2020) até à data da notificação à recorrente do pedido de reembolso do ISS, IP (ocorrida no dia 23/10/2023) decorreram mais de três, e até cinco anos, sem que esta tenha, entretanto, sido citada ou notificada judicialmente de qualquer ato que exprimisse, direta ou indiretamente, a intenção da Interveniente de exercer o seu direito ao reembolso. IX- Numa situação de prestações periódicas, tais como as pensões por incapacidade e complemento de dependência, aqui em apreço, importa distinguir a prescrição do direito unitário, cujo prazo se inicia com o primeiro pagamento, e a prescrição do direito singular a cada prestação periódica. X- Incumbia à recorrida, a partir do momento em que teve conhecimento do seu direito e pôde exercê-lo, acautelar esse seu direito dentro do prazo prescricional previsto na lei. XI- Não o tendo feito, não resta senão concluir que o seu direito sub-rogado pelo lesado está prescrito. XII- Devendo, também, salientar-se que a interveniente não beneficia do alargamento do prazo estabelecido no artigo 498º n.º 3 do Cod Civil (Cfr Acórdão do STJ de 03.07.2018), mas antes do de 3 anos. XIII- De sorte que, encontrando-se a recorrida sub-rogada nos direitos do Autor, o direito unitário daquela ao reembolso de prestações periódicas ou análogas está irremediavelmente prescrito, nos termos dos artigos 307º do Código Civil. XIV- Consequentemente, deve ser revogada a douta decisão sob censura, proferindo-se antes decisão que, na procedência da exceção de prescrição do direito unitário da interveniente ao reembolso das prestações que reclama, absolva a recorrente do pedido formulado pelo ISS, IP. XV- Se, não obstante o que acima se disse, se entender que para a decisão da exceção de prescrição do direito unitário, se mostra necessário, ainda, a produção de prova, sempre se imporia, nesse caso, a revogação da douta decisão sob censura, proferindo-se antes decisão que relegue o conhecimento da exceção de prescrição do direito unitário da interveniente ao reembolso das prestações que reclama para a decisão final, o que, subsidiariamente, se requer. XVI- Ainda que não fosse acolhido o que acima se defendeu, sempre se imporia a conclusão de que, pelo menos prescreveu o direito de reembolso da Interveniente relativamente às prestações que liquidou ao sinistrado até 17 de maio de 2020. XVII- Assente que o prazo de prescrição do direito de reembolso da interveniente é de 3 anos, e que tal prazo não pode iniciar-se antes do cumprimento, resta apreciar quando se iniciará a contagem desse prazo. XVIII- Parece-nos evidente que nada impedia a demandante de exercer o seu direito de regresso contra os eventuais responsáveis imediatamente a seguir a cada ato de pagamento efetuado. XIX- Pelo que o prazo de prescrição corre a partir de cada pagamento, ainda que parcelar, e não a partir do último pagamento. XX- Note-se, em reforço deste entendimento, que a proteção do credor, propiciada pelo instituto da prescrição, encontra justificação, além do mais, nas dificuldades de prova suscitadas pelo decurso de um longo período de tempo desde a data do facto danoso e o exercício do direito. XXI- Se se conferisse ao credor (no caso o ISS, IP) o poder de alongar esse prazo, estariam em causa os direitos do devedor, sem que tal limitação dos seus direitos encontre o mais pequeno suporte na lei. XXII- (Há) a considerar, para efeitos de interpretação do disposto no artigo 498º n.º 2 do Código Civil, a norma do artigo 54º n.º 6 do DL 291/2007, de 21 de Agosto, segundo o qual será aplicável ao exercício do direito de reembolso do FGA o prazo previsto no nº 2 do artigo 498º do Código Civil, acrescentando-se que o prazo só se iniciará, “em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado”, com o último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel. XXIII- Se, de facto, a vontade do legislador, ao introduzir no n.º 2 do artigo 498º do Código Civil a expressão “a contar do cumprimento” tivesse sido a de só considerar relevante para o início do prazo de prescrição do direito de regresso, o último pagamento, não haveria qualquer justificação para a introdução da regra da parte final do artigo 54º n.º 6 do DL 291/2007, por ser absolutamente redundante. XXIV- Este argumento aponta, a nosso ver de forma indiscutível, no sentido de que o cumprimento a que alude o n.º 2 do artigo 498º do Código Civil, corresponde a qualquer pagamento liberatório, ainda que de forma parcial, da obrigação do titular do direito de regresso, e que é a partir de cada um desses atos de cumprimento parcial que se inicia o prazo de prescrição. XXV- Resulta, assim, do exposto, que o prazo de prescrição do direito de reembolso do interveniente ISS, IP é o de 3 anos, e que o mesmo se conta desde cada um dos pagamentos parcelares efetuados. XXVI- O pedido de reembolso só foi deduzido no dia 18/10/2023. XXVII- Assim, parece-nos claro que, pelo menos quanto aos pagamentos efetuados até 17/05/2020 (três anos antes da notificação à Ré do pedido de reembolso, acrescido do período de suspensão por Covid), está prescrito o direito de reembolso da A. XXVIII- Consequentemente, deve ser revogada a douta decisão sob censura, proferindo-se antes decisão que, na procedência da exceção de prescrição invocada, absolva a recorrente do pedido formulado pelo ISS, IP quanto a qualquer prestação que tenha pago ao sinistrado até 17 de maio de 2020, valor esse a apurar em sede de liquidação, ou na sentença final. XXIX- Se, não obstante o que acima se disse, se entender que para a decisão da exceção de prescrição parcial do direito de reembolso, se mostra necessário, ainda, a produção de prova, sempre se imporia, nesse caso, a revogação da douta decisão sob censura, proferindo-se antes decisão que relegue o conhecimento da exceção de prescrição parcial do direito da interveniente ao reembolso das prestações que reclama, para a decisão final, o que, subsidiariamente, se requer. XXX- A douta decisão sob censura violou as normas dos artigos 307.º e 498.º do Cod Civil. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados…”
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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No despacho de admissão do recurso foi apreciada pela sra. Juiz a nulidade da decisão, arguida pela recorrente, nos seguintes termos:“…Para os efeitos previstos no artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aqui se mantém as decisões proferidas, indeferindo a nulidade arguida, que a Recorrente sustenta por falta de fundamentação/falta de pronúncia, uma vez que entende que o Tribunal se pronuncia sobre todas as questões e no essencial se encontram fundamentadas”.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes:
- A de saber se a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia; e
- Se os créditos reclamados peloISS, IP se encontram prescritos.
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A matéria de facto a considerar para a decisão das questões suscitadas é a descrita no relatório deste acórdão, extraída do histórico dos autos.
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I- Da nulidade da decisão, por omissão de pronúncia:
Alega a recorrente que na defesa que apresentou ao pedido de reembolso deduzido pelo ISS, IP, invocou, além do mais, a prescrição do direito unitário ao reembolso das quantias que liquidou ao Autor, a título de pensão de invalidez e complemento de dependência (prestação por terceira pessoa), nos termos previstos no art.º 307º do Código Civil.
E que no despacho recorrido o tribunal não se pronunciou sobre essa questão, pelo que incorreu na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, na medida em que não se pronunciou sobre questão que a ré lhe colocou, e não a considerou prejudicada pela solução dada a outra questão.
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A sra. Juiz, no despacho proferido, considerou que não foi cometida nenhuma nulidade. Analisado no entanto o despacho recorrido, verificamos que no mesmo não é analisada, em concreto, e de forma autónoma, a questão ora suscitada pela recorrente.
Dele consta apenas, em termos genéricos, que o ISS, IP “…vem deduzir pedido de reembolso contra os responsáveis do acidente, das prestações de incapacidade pagas de 2017/05/17 a 2023/10/31. Alegam os referidos Réus a prescrição, pelo menos parcial, das prestações pagas depois de três anos desde o início do pagamento das prestações. Neste caso, estamos perante uma sub-rogação legal, no sentido de que é imposta por lei: “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder” – artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro. O direito de crédito (do ISS) é diferente do direito invocado pelo Autor, nomeadamente quanto ao início da contagem, que deverá ser a data do último pagamento efetuado ao lesado (…). Assim, julgo improcedente esta exceção perentória de prescrição do direito de crédito do ISS, IP”.
Ora, o que verificamos é que a decisão proferida é muito concisa quanto à apreciação da questão da prescrição, referindo-se apenas, e muito genericamente à “prescrição” do direito da interveniente – quer do direito unitário reclamado, quer do direito a cada uma das prestações efetuadas.
Ainda assim, quando na decisão recorrida se refere que “Alegam os referidos Réus a prescrição, pelo menos parcial” do direito da interveniente, cremos que nessa expressão estão vertidos – ainda que de forma implícita –, ambos os direitos a que se referem os RR.
E como verificamos pela análise da decisão transcrita, a exceção da prescrição foi julgada improcedente na sua totalidade, pelo que dela retiramos a conclusão de que se considerou no despacho recorrido que nenhum dos direitos reclamados pela interveniente se encontra prescrito. Concluímos assim do exposto que a decisão proferida não padece da arguida nulidade por omissão de pronúncia.
Sempre será de referir contudo, que na sequência do solicitado pela recorrente, a questão será apreciada em sede de mérito da ação - eventual erro de julgamento -, levando em conta os argumentos por ela expendidos - de saber se está ou não prescrito o direito unitário da interveniente ao reembolso dos valores por ela suportados a título de prestações por incapacidade permanente e necessidade de 3ª pessoa, de natureza periódica, no valor reclamado de 49.960,58€, e todas as que venha a pagar no futuro, nos termos do art.º 307º do CC – o que se passa a fazer de seguida.
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II – Da prescrição do direito reclamado pelo ISS, IP.
Considerou-se na decisão recorrida que o direito invocado pela interveniente não se encontrava prescrito, convocando-se para o efeito o disposto no art.º 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16.1 (Lei de Bases da Segurança Social), no qual se prevê que “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”, e que “O direito de crédito (do ISS) é diferente do direito invocado pelo Autor, nomeadamente quanto ao início da contagem, que deverá ser a data do último pagamento efetuado ao lesado…”
Ora, discorda a recorrente desta decisão, considerando, em síntese, que a Interveniente iniciou os pagamentos ao Autor, beneficiário das aludidas pensões e prestações suplementares de assistência de terceira pessoa (complemento de dependência), em 17.5.2017, pelo que o direito (unitário) por ela reclamado se encontra prescrito, por terem decorrido mais de três anos desde o início daquele pagamento.
Sem prescindir, diz que sempre se encontraria prescrito o direito da interveniente às prestações parcelares pagas de 15.7.2027 a 15.7.2020, por terem decorrido também três anos desde aqueles pagamentos até à data em que a ré foi judicialmente interpelada para o pagamento.
Vejamos: Não está posto em causa nos autos que o prazo de prescrição aplicável aos créditos da Segurança Social seja de 3 anos, como é defendido, cremos que de forma unânime, na jurisprudência, de que são exemplos o citado acórdão do STJ de 03.07.2018, e o mais recente, de 11/2/2021 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), sendo referido neste último que “É jurisprudência hoje pacífica, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que às situações de sub-rogação legal é aplicável, analogicamente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CC, a contar do pagamento efetuado pelo sub-rogado ao credor originário”. E também não se põe aqui em causa que pelo ISS, IP foram pagas ao beneficiário as prestações reclamadas nos autos.
Ou seja, não se levantam dúvidas de que o direito que a interveniente vem exercer nesta ação contra os RR é um direito de sub-rogação legal, como decorre expressamente do citado art.º 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16.1 (Lei de Bases da Segurança Social), sendo certo que tal direito pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respetivo titular.
Como defende Galvão Telles ("Obrigações", 3ª ed., p. 230), “fulcro da sub-rogação e medida dos direitos do sub-rogado é o cumprimento. Sendo a sub-rogação uma transmissão do crédito, fonte desta transmissão é, em todos os casos, o facto jurídico do cumprimento….”
Assim sendo, como se decidiu nos Acs. desta RG de 21/1/2016 e de 30/5/2019 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt9, “Uma vez que a sub-rogação supõe o pagamento, o prazo de prescrição do direito da seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente simultaneamente de viação e de trabalho (…) se conta (…) desde a data do pagamento, por aplicação analógica do disposto no nº 2 do art. 498º do C. Civil.”
Também no AUJ nº 2/2018 do STA (in www.dgsi.pt.) se consignou que “O prazo de prescrição do direito da sub-rogada (…) só começa a correr depois de ter pago os danos sofridos pelo seu segurado, em consequência de acidente de viação, visto que só depois deste pagamento o seu direito pode ser exercido, nos termos do artigo 498.º, nºs 1 e 2 do CC)”.
O mesmo se decidiu no Ac. do STJ de 25/3/2010 (disponível em www.dgsi.pt), ao referir que “assentando decisivamente a subrogação, enquanto fonte da transmissão de um crédito, no facto jurídico do cumprimento, o prazo prescricional de curta duração, previsto no nº1 do art. 498º do CC, apenas se inicia – no que se refere ao direito ao reembolso efectivado através da figura da subrogação – com o pagamento efectuado ao lesado”.
A questão colocada pela recorrente, e que importa resolver, é então a desaber a partir de que momento se deve começar a contar o prazo de prescrição do direito da interveniente às prestações pagas, ou seja, a que momento do pagamento se deve atender.
Defende a recorrente que esse prazo se deve iniciar a partir da primeira prestação paga, como vem previsto no art.º 307º do CC, dado tratar-se de prestações periódicas, que a interveniente vem pagando ao beneficiário, Autor da ação, desde 17.5.2017.
Mas não cremos que lhe assista razão, dada a particularidade da entidade em causa, e a legislação em vigor, que lhe deve ser aplicada.
Começamos por dizer que a questão suscitada pela recorrente não tem sido pacífica na jurisprudência, com defensores de ambas as teses, como verificamos pelos vários arestos consultados (embora todos eles reportados a indemnizações pagas por entidades seguradoras).
Acontece que a situação em análise nos autos reveste-se de uma especial particularidade: a sub-rogação da Segurança Social nos direitos do lesado decorre diretamente da Lei, que define, também em termos muito particulares, o exercício desse direito de sub-rogação.
Muito pertinente é desde logo a alegação da interveniente, ao ser confrontada com a invocação pelos RR da prescrição, de que a mesma foi citada para a presente ação ao abrigo do Decreto-Lei nº 59/89, de 22.2 - o qual prevê a obrigatoriedade da citação da Segurança Social em todas as ações em que seja formulado pedido de indemnizaçãode perdas e danos por acidente de trabalho ou ato de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da atividade profissional ou morte -, para deduzir pedido de reembolso dos montantes que tenha pago em consequência de tal evento, no prazo da contestação, o que pressupõe, como nos parece claro, que o direito de sub-rogação em causa ainda se encontrava em tempo de ser exercido nessa data (da sua citação).
Ou seja, não faria sentido que a lei concedesse à Segurança Social esta posição privilegiada (que não prevê para qualquer outra entidade) - de ser citada obrigatoriamente, quer em processos de natureza cível, quer de natureza penal -, se lhe fosse imposto, por outro lado, o dever de reclamar atempadamente do responsável, o pagamento daqueles montantes, sob pena de os mesmos se encontrarem prescritos.
A leitura a fazer dessa disposição legal é de que estamos aqui perante um regime especial, de proteção da Segurança Social (garantindo, por via legal, a subsistência do próprio sistema), e a montante dos respetivos beneficiários, que ficarão sempre garantidos, com o pagamento imediato das prestações que lhe são devidas, até que se encontre definida a entidade responsável pelo seu pagamento.
Efetivamente, como resulta do preâmbulo do citado DL nº 59/89, de 22.2.,“Uma das funções da Segurança Social dentro dos objetivos que prossegue, é a de substituir-se à entidade pagadora de rendimentos do trabalhorecebidos pelos seus beneficiários, quando os mesmos se vejam deles privados, por ocorrência de alguma das eventualidades que integram o respetivo esquema de prestações do regime geral. No entanto, existem eventos que provocam a mesma consequência, traduzida na perda de remunerações, pelas quais há terceiros responsáveis, embora tal situação não signifique que a Segurança Social a ela seja alheia, pois, ao invés, assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos…”.
Em conformidade, prevê-se também no art.º 7º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4.2, que “sempre que seja judicialmente reconhecida a obrigação de indemnizar, as instituições de segurança social têm direito ao reembolso dos valores correspondentes à concessão provisória do subsídio de doença até ao limite do valor da indemnização”.
E o mesmo vem consagrado no art.º 70º da Lei 4/2007 de 6 de janeiro (Lei de Bases da Segurança Social): “No caso de concorrência pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social, com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”
Ou seja, à luz dos diplomas mencionados, os pagamentos efetuados aos beneficiários pela Segurança Social assumem caráter subsidiário e provisório, o qual subsiste apenas até ao momento em que se defina a responsabilidade civil do terceiro pela satisfação das prestações adiantadas; uma vez definida a responsabilidade do terceiro, cessa a obrigatoriedade do pagamento das prestações sociais, e surge o direito ao reembolso, decorrente da lei.
Assim sendo, apenas com a sua citação para a ação respetiva – nos termos previstos no art.º 1º nº 2 do DL nº 59/89, de 22.2. -, se considera iniciado o prazo de prescrição de 3 anos, do direito da Segurança Social às prestações pagas ao beneficiário, pois só a partir daí, ficciona a lei, a Segurança Social toma conhecimento do direito que lhe assiste, embora com desconhecimento da pessoa do responsável (art.º 498º nº1 do CC).
No fundo, fazendo aqui aplicação das regras gerais da prescrição, designadamente a relacionada com o seu início (art.º 306º nº1 do CC), o prazo de prescrição do direito da Segurança Social apenas começa a correr a partir do momento da sua citação para a ação onde vai reclamar esse direito, pois considera a Lei que só nessa altura o mesmo direito pode ser exercido.
A essa luz, não se encontra prescrito o direito do ISS IP reclamado na ação.
Improcede, assim, a Apelação da recorrente.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação, e mantém-se a decisão recorrida.
Custas da Apelação pela recorrente (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique e DN.