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REIVINDICAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
INTERESSE EM AGIR
Sumário
I - O articulado superveniente pressupõe, para além do mais, que haja uma superveniência objetiva ou subjetiva dos factos alegados. II - Quando não há um efetivo conflito de interesses entre o autor e o réu e não existe uma situação objetiva de carência de tutela judiciária, falta o interesse em agir. III - Não há interesse em agir numa ação de reivindicação do direito de propriedade de uma parcela de um imóvel registado em compropriedade a favor do autor e do réu, quando ambos estão de acordo quanto à aquisição, por parte de um deles, daquele direito por usucapião.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
AA e sua mulher BB instauraram a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Local Cível de Ponte de Lima, contra CC e sua mulher DD, formulado os seguintes pedidos:
"A) Que aos Autores pertence, em propriedade plena, com exclusão de outrem, a parcela de terreno identificada pela letra ... da planta junta sob o doc. 3, sita no Lugar ..., freguesia ... e ..., do concelho ..., com a área total de 13.830,03 m2, a confrontar do norte com Ribeiro ..., do sul com terreno dos Autores, do nascente e do poente com o prédio dos Réus, omissa à matriz predial rústica; B) Declarar-se, em consequência, que tal prédio, adquirido por usucapião, tem autonomia jurídica e económica, pelo que constitui uma unidade predial independente, não obstante se encontrar ainda inscrita na matriz predial rústica da freguesia ... e ..., como constituindo a totalidade do artigo 4.º e se encontrar descrita na Conservatória do Registo Predial ... juntamente com a restante metade, indivisa, sob o n.º ...22 – freguesia ...; C) Ordenar-se o cancelamento daquela descrição ...22 – freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ..., a fim de se proceder a novo registo ou à retificação do existente, por forma a fazê-la coincidir com o real e o declarado na procedência dos pedidos formulados em A) e B); D) Condenar-se os Réus a reconhecerem esse direito de propriedade dos Autores".
Alegam, em síntese, que, conjuntamente com os réus, são comproprietários, na proporção de ½ para uns e outros, do prédio rústico denominado "Quinta ...", sito no Lugar ..., freguesia ... e ..., que está registado na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22, da freguesia ..., onde se acha inscrito a favor dos autores e dos réus pela AP. ...83 de 2009/10/22. Esse imóvel encontra-se materialmente dividido entre ambas as partes há mais de trinta anos. Mais alegam factos que, na sua perspetiva, revelam que adquiriram por usucapião uma parcela desse prédio com uma área de 13.830,03 m2.
Os réus apresentaram contestação onde não impugnam o alegado na petição inicial e alegam factos que, no seu entender, demonstram terem adquirido por usucapião uma outra parte do terreno com a área 26.178,97 m2. Mais alegaram que "estão, assim, constituídas duas parcelas totalmente autónomas, identificadas na planta junta na petição inicial sob o doc. 3, ou seja: a) Parcela A - atravessada por um caminho de servidão, pertence aos Autores I Reconvindos, e tem a área de 13.830,03 m2, confronta do norte com Ribeiro ..., do sul com terreno dos Autores I Reconvindos, do nascente e do poente com o prédio dos Réus I Reconvintes; b) Parcela B -, pertence aos Réus / Reconvintes, e tem a área de 26.178,97 m2, confronta do norte com o aqui Réu / Reconvinte CC, do sul com EE, do nascente com Ribeiro ...".
Os réus deduziram reconvenção onde apresentam os seguintes pedidos:
"Declarar-se para todos os efeitos legais, que: a) Aos Réus / Reconvintes CC e DD, pertence, em propriedade plena, com exclusão de outrem, a parcela de terreno identificada pela letra ... da planta junta sob o doc. 3 na petição inicial, sita no Lugar ..., freguesia ... e ..., do concelho ..., com a área de 26.178,97 m2, a confrontar do norte com o aqui Réu / Reconvinte CC, do sul com EE, do nascente com Ribeiro ..., FF e Outro, e do poente com o aqui Réu / Reconvinte CC, omissa à matriz predial rústica. b) Declarar-se, em consequência, que tal prédio, adquirido por usucapião, tem autonomia jurídica e económica, pelo que constitui uma unidade predial independente, não obstante se encontrar ainda inscrita na matriz predial rústica da freguesia ... e ..., como constituindo a totalidade do artigo 4.º e se encontrar descrita na Conservatória do Registo Predial ..., juntamente com a restante metade indivisa pertencente aos Autores / Reconvindos, sob o n.º ...22 - freguesia .... c) Ordenar-se o cancelamento daquela descrição ...22 - freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ..., a fim de se proceder a novo registo ou à retificação do existente, por forma a fazê-la coincidir com o real e o declarado na procedência dos pedidos formulados em a) e b)."
Posteriormente, a 25-2-2025, os autores vieram "requerer alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos do artigo 264.º do Código Processo Civil" alegando, em suma, que "desde agosto de 2024, os Réus não vêm respeitando os limites dos dois prédios, dizendo que a parcela a sul do prédio dos Autores e delimitada pelo caminho de servidão, lhes pertence. E colocaram na mesma os animais a comer. Tal situação acarreta prejuízos aos Autores inerentes à não utilização e à perda de produtividade da referida parcela" e formulando o pedido de condenação dos réus a "não colocarem os animais que lhes pertencem na parcela de terreno que, a partir de agosto de 2024, colocaram na mesma a pastar, e a reconhecerem que tal parcela é integrante do prédio pertencente aos Autores."
Os réus não responderam.
A Meritíssima Juiz indeferiu o requerido neste requerimento e de imediato proferiu despacho saneador onde decidiu:
"Pelo exposto, o Tribunal julga verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolve os réus da instância e os autores da instância reconvencional, nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, a contrario e 578.º, todos do Código de Processo Civil."
Inconformados com estas decisões, delas os autores interpuseram recurso findando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão que rejeitou o articulado superveniente apresentado por não considerar superveniência dos factos alegados e julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir, absolvendo os Réus e os Autores da instância reconvencional, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º a contrario e 578.º do CPC.
2. Quanto ao articulado superveniente, o artigo 588.º do CPC permite que as partes aleguem factos novos ou modifiquem o pedido ou a causa de pedir até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que os factos tenham ocorrido ou tenham sido conhecidos posteriormente, consagrando um princípio de justiça material e economia processual que visa garantir a decisão ajustada à realidade e evitar a multiplicação de processos.
3. O articulado superveniente visa permitir que a sentença corresponda à realidade no momento do encerramento da discussão, carreando para os autos os factos essenciais previstos no artigo 5.º, n.º 1, do CPC.
4. A jurisprudência, nomeadamente o TRG (Proc. 387/11.0TBPTL-B.G1), estabelece que, sendo tempestivo, o articulado só pode ser rejeitado se os factos nele vertidos forem manifestamente irrelevantes para a boa decisão da causa.
5. A admissibilidade do articulado não se limita a factos supervenientes, abrangendo também factos já existentes mas essenciais para a justa composição do litígio.
6. O artigo 265.º, n.º 2, do CPC permite a ampliação do pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, desde que se trate do desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e as causas de pedir sejam essencialmente idênticas ou pertençam ao mesmo complexo de factos.
7. No caso concreto, os Autores invocam a posse exclusiva de uma parcela do prédio comum e atos ofensivos da posse, visando o reconhecimento da propriedade por usucapião.
8. Esta alteração é apenas o desenvolvimento da relação jurídica já existente, respeitando a unidade do objeto processual e mantendo os fundamentos do pedido inicial.
9. O novo pedido – condenação dos Réus a não colocarem animais na parcela e reconhecimento da titularidade dos Autores – insere-se no mesmo complexo factual e jurídico, reforçando a pretensão inicial.
10. Não se verificando a convolação para relação jurídica diversa, constituindo desenvolvimento lógico da pretensão inicial, e cumprido os prazos processuais determinados
11. O mesmo se pode dizer quanto à alteração do pedido.
12. Termos pelos quais deverá ser revogado o despacho recorrido e admitidos os factos alegados, nova causa de pedir e pedido nos termos do artigo 265.º do Código de processo civil.
13. O interesse em agir, também denominado interesse processual, é um pressuposto essencial que consiste na necessidade de recorrer ao processo para obter a tutela de um direito ou interesse legítimo, sendo a sua ausência causa de exceção dilatória inominada prevista no artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
14. Segundo a doutrina, o interesse em agir corresponde à indispensabilidade de o autor lançar mão do processo para satisfação da sua pretensão e obter tutela judicial do seu direito.
15. Na verdade, se é certo que havendo interesse em agir, sempre existirá interesse em contradizer, também não se duvidará da existência deste último mesmo quando se conclua que o demandante não tem qualquer interesse atendível na demanda.
16. Embora deva ser aferido relativamente a ambas as partes, o interesse processual apresenta a particularidade de ser preenchido simultaneamente pelo autor e pelo réu.
17. Mesmo que se conclua pela inexistência de interesse atendível na demanda por parte do autor, o réu mantém interesse em contradizer por ter sido citado para a ação, como decorre do artigo 286.º, n.º 1, do CPC.
18. A petição inicial dos Autores alegou a posse exclusiva do prédio há mais de 20 anos, com cultivo e fruição, visando o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião e o cancelamento do registo, revelando interesse em agir manifesto.
19. A ação visa eliminar incertezas quanto à titularidade do bem, regularizando a situação registral e evitando futuras contestações ou lesões pelos Réus.
20. A alegação inicial revela um claro interesse em agir, pois existe um conflito sobre a titularidade da parcela, sendo necessário o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião, assegurar a paz jurídica e eliminar incertezas, com base numa posse continuada, pacífica e pública.
21. O articulado superveniente confirma e reforça o interesse em agir, ao acrescentar que, desde agosto de 2024, os Réus colocaram animais na parcela em litígio, invocando a sua titularidade e perturbando o uso e fruição dos Autores, o que exige tutela jurisdicional para impedir tais perturbações e afirmar o direito de propriedade.
22. Desde a petição inicial, o interesse em agir dos Autores era claro, pois visavam a regularização da titularidade do bem por usucapião.
23. Conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-01-2024, existe incerteza objetiva e grave para efeitos de se considerar interesse processual, quando o direito invocado é do tipo cuja aquisição é controvertida na jurisprudência e o recurso à ação proporciona ao autor manifesta utilidade prática.
Os réus não contra-alegaram.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 4, 637.º n.º 2 e 639.º n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) deve ser admitido o requerido pelos autores a 25-2-2025;
b) há falta de interesse em agir.
II
*
Para a decisão deste recurso é relevante a realidade processual acima descrita e ainda que esta ação foi instaurada em dezembro de 2024.
*
Os autores, apelando ao disposto no artigo 265.º n.º 2, argumentam que a nova matéria de facto alegada e pedido que nela se funda são "apenas o desenvolvimento da relação jurídica já existente, respeitando a unidade do objeto processual e mantendo os fundamentos do pedido inicial. O novo pedido – condenação dos Réus a não colocarem animais na parcela e reconhecimento da titularidade dos Autores – insere-se no mesmo complexo factual e jurídico, reforçando a pretensão inicial. Não se verificando a convolação para relação jurídica diversa, constituindo desenvolvimento lógico da pretensão inicial".
Vejamos.
Para os efeitos do n.º 2 do artigo 265.º "é necessário (…) que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum, ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos."[2] É certo que que o pedido e a matéria de facto que o suporta têm uma relação com o alegado na petição inicial, pois trata-se de factos ocorridos no imóvel em causa. Contudo estamos na presença de um verdadeiro novo pedido e não de uma ampliação do pedido inicial; não se trata de um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. E o mesmo se diz quanto à matéria de facto.
Logo, a pretensão dos autores não pode ter acolhimento no artigo 265.º n.º 2.
Por outro lado, se olharmos para o requerido como um articulado superveniente, temos que o n.º 1 do artigo 588.º dispõe que "os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão", acrescentando o seu n.º 2 que "dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência."
Ora, os novos factos alegados pelos autores iniciaram-se em agosto de 2024, isto é, antes da propositura da ação. E os autores não alegaram que dos mesmos só tiveram conhecimento depois desta lide ter sido instaurada. Como bem observa a Meritíssima Juiz, "estes factos já poderiam ter sido invocados na petição inicial".
É verdade que "a admissibilidade do articulado não se limita a factos supervenientes, abrangendo também factos já existentes mas essenciais para a justa composição do litígio". Todavia esses "factos já existentes" têm de ter sido conhecidos pela parte só depois do processo ter sido desencadeado, não obstante terem tido lugar anteriormente a esse momento.
Portanto, não há a superveniência, nem objetiva nem subjetiva, exigida pelo artigo 588.º, o mesmo é dizer que o requerido pelos autores (também) não pode ser admitido como articulado superveniente.
Sendo assim, deve manter-se a decisão recorrida que se refere ao requerimento dos autores de 25-2-2025.
*
O tribunal de 1.ª instância considerou ocorrer a exceção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu "os réus da instância e os autores da instância reconvencional".
Fundamentou a sua posição afirmando, em síntese, que "constata-se da posição processual de ambas as partes que não há qualquer litígio entre ambas, nem qualquer incerteza, que justifique a interposição de uma ação judicial" e que "nem os autores, nem os réus, têm necessidade de recorrer aos meios judiciais para alcançarem os fins visados com a presente ação".
Contrapõem os autores dizendo que "a ação visa eliminar incertezas quanto à titularidade do bem, regularizando a situação registral e evitando futuras contestações ou lesões pelos Réus. A alegação inicial revela um claro interesse em agir, pois existe um conflito sobre a titularidade da parcela, sendo necessário o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião, assegurar a paz jurídica e eliminar incertezas, com base numa posse continuada, pacífica e pública."
O interesse em agir, ou interesse processual, "consiste na indispensabilidade de o autor recorrer a juízo para a satisfação da sua pretensão."[3] Com efeito, "existe interesse processual quando se puder dizer que o autor tem necessidade de instaurar e fazer seguir uma ação para tutela do seu direito. Dito de outra forma, o interesse processual pressupõe que é inevitável recorrer à via judicial por não restar ao indivíduo outro modo de satisfazer a sua pretensão."[4] O "interesse processual respeita à utilidade da tutela processual"[5] e pressupõe "uma necessidade justificável, razoável, fundada, de lançar mão ao processo"[6]. Nessa medida, "para que se justifique a intervenção do tribunal, não basta que o autor alegue e prove a titularidade do direito. Deve ainda convencer de que, na situação concreta, o seu direito necessita da tutela judicial que solicita."[7] Por isso, é insuficiente a mera possibilidade de no futuro ocorrer um conflito. O conflito tem de ser atual; não hipotético. Não esqueçamos que "os tribunais têm por função compor litígios reais"[8] e que "a ação é o instrumento de resolução final e efetiva (…) de um conflito."[9]
No nosso caso, emerge do processo que não há qualquer conflito entre as partes relativamente à questão da aquisição do direito de propriedade por usucapião ou quanto a uma situação de incerteza objetiva que justifique a propositura da ação e a dedução da reconvenção. Há, claramente, um consenso entre autores e réus nesta matéria. Veja-se, por exemplo, que os autores não responderam à reconvenção e que os réus não responderam nem ao requerimento daqueles de 25-2-2025, acima apreciado, nem ao presente recurso. Percebe-se que a lide inicial e a reconvencional constituem somente um meio para as partes conseguirem obter um título que lhes permita registar os direitos que aqui dizem assistir-lhes, em relação aos quais há entre eles total consenso.
«Aferindo o interesse processual, em função do efeito direto e imediato que as partes querem obter com a ação, cumpre dizer o seguinte. Com a ação as partes pretendem, em primeira linha, obter a declaração de que adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno. Trata-se de um pedido próprio, característico das ações de simples apreciação positiva (alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º do CPC). A situação que torna necessário o recurso a esta espécie de ações, é a incerteza objetiva quanto à existência do direito. Deste modo, a autora e os réus tinham necessidade de recorrer ao tribunal para verem satisfeita a sua pretensão se alegassem factos de onde resultasse uma situação de incerteza e conflito quanto à aquisição do direito, condição que não se verifica. Com efeito, como foi devidamente salientado na decisão sob recurso, as partes dão como assente a aquisição do direito e não há sinal do mais leve conflito entre elas a propósito de tal aquisição. Logo, não há nenhum conflito entre as partes, nem nenhuma situação de incerteza objetiva quanto à aquisição do direito que justifique o recurso à presente ação. Vendo o interesse processual, em função do efeito indireto pretendido pelas partes [obtenção de um documento (sentença) para servir de base ao registo de aquisição do direito de propriedade], a conclusão é a mesma, mas agora por outra razão. Como foi devidamente explicitado na decisão sob recurso, as partes podiam socorrer-se do processo de justificação previsto nos artigos 117.º-B a 117.º-O do Código de Registo Predial para obtenção de documento que servisse de base ao registo da aquisição do direito. Tinham, pois, ao seu alcance um meio extrajudicial para obterem o que querem com a presente ação. A ação é, pois, desnecessária. Ora, socorrendo-nos das palavras de Miguel Teixeira de Sousa, "o interesse processual serve precisamente para evitar ações inúteis (ou não necessárias), como sucede sempre que o efeito que se pretende obter através da ação instaurada possa ser obtido, de forma mais célere e económica, através de um meio extrajudicial" (…). Em suma, nem a autora nem o réu tem necessidade de recorrer aos meios judiciais para alcançarem os fins visados com a presente ação. Em consequência, é de manter a absolvição dos réus da instância e a absolvição da autora da instância reconvencional, embora com fundamento na falta de interesse em agir das partes. A favor desta solução citam-se, a título de exemplo, as seguintes decisões judiciais que, em situações semelhantes à dos autos, afirmaram a falta de interesse processual das partes: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 27-05-2010, no processo n.º 2003/08.8TBBNV, o acórdão do mesmo tribunal proferido em 19-01-2017, no processo n.º 3583/16.0T8SNT, e o acórdão desta Relação (Coimbra), proferido em 19-10-2020 no processo n.º 245/20.....»[10]
Deste modo, acompanhamos a Meritíssima Juiz quando concluiu que falta interesse em agir.
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém as decisões recorridas.
Custas pelos autores.
Notifique.
António Beça Pereira
Alcides Rodrigues
Maria dos Anjos Nogueira
[1] São deste código todos os artigos mencionados adiante sem qualquer outra referência. [2] Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, 2022, pág. 463. [3] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3.ª Edição, pág. 98. [4] Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 13.ª Edição, pág. 134. Neste sentido veja-se Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 79. [5] Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, 2022, pág. 366. [6] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, 181. [7] Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 8.ª Edição, pág. 114. [8] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.ª, 4.ª Edição, pág. 53. [9] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, pág. 75. [10] Ac. Rel. Coimbra de 26-04-2022 no Proc. 82/21.1T8ALD.C1, www.dgsi.pt.