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REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ADOPÇÃO
Sumário
1 – Uma decisão que aprecia um pressuposto processual produz apenas caso julgado formal, pelo que não é vinculativa noutro processo posteriormente instaurado. 2 – Tendo os requerentes e o menor por estes adotado residência habitual em Angola, país onde procederam à adoção, tal situação não configura um caso de adoção internacional.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – AA e BB vieram requerer contra CC «a revisão e confirmação da sentença estrangeira junta que decretou a adoção do menor DD pelos requerentes, sendo que no que respeita a citação o Requerido, representado por curador especial já indicado, deverá ser citado por via postal para a morada indicada, de acordo com o disposto no artigo 228.º do Código de Processo Civil, e cumpridas as demais formalidade legais, de modo a que a sentença tenha eficácia em Portugal, nos termos do nº1 do artigo 978.º do CPC», alegando, para o efeito, o seguinte:
«1. Os autores apresentaram perante o poder judiciário junto do Tribunal Providencial de ... uma ação de adoção de menor. 2. Os autores AA e EE são casados no regime de comunhão de adquiridos, desde ../../2007 – Cfr. Assento de Casamento que ora se junta, sob a denominação de Documento nº1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 3. Quer o requerente marido, quer a requerente esposa, nasceram em Angola e, posteriormente, no ano de 2012 e 2013, respetivamente, adquiriram a nacionalidade portuguesa – Cfr. Assentos de Nascimentos, que ora se juntam, sob a denominação de Documento nº2 e 3, respetivamente, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 4. Por sua vez, o menor é cidadão angolano – Cfr. Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional e Passaporte que ora se junta, sob a denominação de Documentos nº4 e 5 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 5. Por sentença de 12 de Maio de 2022, proferida pelo mesmo douto Tribuna Providencial de ... l, foi homologado e foi declarada a adoção de CC pelos requerentes – Cfr. Certidão de Adoção Dupla de Menor que ora se junta, sob a denominação de Documento nº6 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 6. Adoção essa que foi realizada e formalizada pelas partes em Maio de 2022 em Angola – Cfr. Certificação do Assento de Nascimento emitido pela Conservatória dos Registos da ... que ora se junta, sob a denominação de Documento nº7 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos 7. Os requerentes possuem domicílio fiscal em Portugal, 8. Todavia, quer à data da adoção, quer atualmente, residem e trabalham em Angola. 9. A requerente BB, com residência habitual no Bairro ..., município ..., é professora na Escola ... – Cfr. Recibos de Vencimento que ora se junta, sob a denominação de Documento nº8 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 10. E o requerente AA, com residência habitual no Bairro ..., Rua ..., Município ..., é encarregado de obra na EMP01..., Lda. – Cfr. Recibos de Vencimento que ora se junta, sob a denominação de Documento nº9 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 11. A referida sentença transitou em julgado segundo a lei angolana.»
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Nomeada FF como curadora ad litem ao Requerido e efetuada a sua citação, não foi apresentada contestação.
Não tendo a representante nomeada contestado, citou-se o Ministério Público, que não deduziu oposição.
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Cumprido o disposto no 982º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), os Requerentes alegaram que «encontram-se reunidos todos os requisitos legais para que se proceda à revisão e confirmação daquela sentença estrangeira, necessária para a sua eficácia jurídica no ordenamento português.»
Por sua vez, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta alegou:
«Os requerentes vieram intentar acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo a revisão e confirmação da sentença de adopção do menor CC, proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda Sul, em 12/05/2022.
Alegam que nasceram em Angola e posteriormente adquiriram a nacionalidade portuguesa.
O menor, nascido a ../../2014, nasceu e residia em Angola.
Alegam ainda que têm domicílio fiscal em Portugal, mas que, quer à data da adopção quer actualmente residem e trabalham em Angola. A requerente é professora na Escola ..., com residência habitual no Bairro ..., município ... e o requerente é encarregado de obra na EMP01..., Lda. e tem residência habitual no Bairro ..., Rua ..., Município ....
Juntam um recibo de salário de cada um, relativos a Dezembro de 2024 e Fevereiro de 2025.
Acontece que, é do nosso conhecimento profissional que correu termos na ... Secção Cível, deste Tribunal, o Proc. nº 196/22.0YRGMR, com a mesma finalidade, em que os requerentes pediram a revisão da mesma sentença de adopção em relação ao mesmo menor.
Nessa acção, notificados os requerentes para indicarem a residência habitual à data da adopção, vieram indicar como residência habitual Urbanização ..., ... sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., referindo ainda que apenas se deslocaram a Angola durante o período temporal indicado para formalizar a adoção do menor CC.
Juntaram vários documentos para comprovar a residência em Portugal: escritura de compra de imóvel, recibos de gás dos meses de Maio, Junho e Julho de 2022, da electricidade de Maio e Julho de 2022, da água de Julho de 2022 e da ... de Maio, Junho e Julho de 2022.
Face ao alegado pelos requerentes e documentos juntos, considerou o Tribunal tratar-se de adopção internacional, a qual não pode ser decretada sem a intervenção da Autoridade Central, nos termos dos arts. 2º da Convenção relativa à protecção das crianças e à cooperação em matéria de adopção internacional, de 29 de Maio de 1993, em vigor em Portugal desde 01/07/2004 e art. 61º nº 1 da Lei nº 143/2015, de 08 de Setembro (regime jurídico do processo de adoção), art. 64.º da Lei nº 143/2015 e art. 90º da Lei nº 143/2015 e foi declarada a absolvição da instância, por verificada a excepção dilatória da falta de competência do Tribunal para a requerida revisão da sentença estrangeira de adopção, nos termos dos arts. 576º nº 2 e 577º, al. a), do CPC, sentença de 05/02/2023, transitada em julgado.
Assim, nessa acção foi julgada verificada a excepção dilatória da falta de competência do Tribunal para a revisão da sentença de adopção, por se tratar de adopção internacional, com base nos factos alegados e documentos juntos pelos requerentes, que, expressamente notificados, vieram dizer que, à data da adopção, a sua residência habitual era na Urbanização ..., ... sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., referindo ainda que apenas se deslocaram a Angola durante o período temporal indicado para formalizar a adoção do menor CC.
Porém, vêm agora os requerentes, em nova acção, para “ultrapassar” a causa da absolvição da instância, alterar os factos, alegando que, quer à data da adopção quer actualmente residem e trabalham em Angola. A requerente é professora na Escola ..., com residência habitual no Bairro ..., município ... e o requerente é encarregado de obra na EMP01..., Lda. e tem residência habitual no Bairro ..., Rua ..., Município .... Juntam um recibo de salário de cada um, relativos a Dezembro de 2024 e Fevereiro de 2025.
A residência habitual trata-se de facto do conhecimento pessoal dos requerentes e que não pode ter duas faces.
Por sua vez, os documentos (recibos de vencimento) juntos não se referem à data da adopção.
Assim, instaurada a acção que deu origem ao Proc. nº 196/22.0YRGMR e notificados os requerentes para indicarem a residência habitual à data da adopção, vieram indicar como residência habitual Urbanização ..., ... sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., referindo ainda que apenas se deslocaram a Angola durante o período temporal indicado para formalizar a adoção do menor CC, o que determinou a absolvição da instância.
Trata-se de facto, com relevo na acção, causa de absolvição, que é do conhecimento pessoal dos requerentes e que não é susceptível de alteração.
No entanto, os requerentes, cientes da absolvição da instância e para ultrapassar a causa da absolvição, vêm alegar agora facto contrário - que, à data da adopção, residiam e trabalhavam em Angola - alterando, assim, a verdade de factos relevantes para a decisão, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar e fazendo um uso reprovável do processo, nos termos do art. 542º nº 1 e 2 als. a), b) e c) CPC.
Pelo exposto, a acção não pode proceder.»
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Convidados a pronunciarem-se sobre a questão suscitada pelo Ministério Público, os Requerentes disseram o seguinte:
«1. Foram os aqui Requerentes notificados para, em subsequência da promoção da Digna Magistrada do Ministério Público, apresentarem a sua resposta à mesma,
2. E porque os aqui Requerentes, como evidente se torna, não podem aceitar nem se conformar com o vertido em tal promoção,
3. Vindo, assim, pelo presente, fundamentar, infra, os motivos da sua discordância.
4. Ora, a presente ação tem por objetivo a revisão e confirmação, nos termos dos artigos 978.º e seguintes do Código de Processo Civil, da sentença de adoção plena do menor CC, proferida em 12 de maio de 2022 pelo Tribunal Provincial da ... (Angola), a fim de averbá-la na Conservatória do Registo Civil Portuguesa.
5. Ao contrário do regime de adoção internacional, que se rege pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e pela Convenção de Haia de 29/05/1993, exigindo o trânsito transfronteiriço da criança para o país de residência habitual dos adotantes (RJPA, arts. 2.º, al. a), 61.º; Convenção de Haia, art. 2.º),
6. A adoção de CC foi integralmente consumada em território Angolano, sem qualquer deslocação do menor para Portugal.
7. Trata-se, pois, de adoção plena, cuja confirmação obedece ao regime geral de sentenças estrangeiras (CPC, arts. 978.º–982.º), já realizada em Angola, Estado onde os Requerentes têm residência habitual e vínculo laboral estável há longos anos, e não ao procedimento especial de adoção internacional.
8. Nos termos do artigo 2.º da Convenção de Haia de 29 de maio de 1993 (transposta para a ordem jurídica portuguesa), a adoção internacional pressupõe o deslocamento da criança para adoção do seu país de residência habitual para o Estado de pátria-origem dos adotantes,
9. O que, no caso presente não se verifica.
10. Ademais, o Regime Jurídico do Processo de Adoção, no seu artigo 2.º, a alínea a), e no artigo 61.º, estabelece que o processo de adoção internacional é aquele em que ocorre a transferência da criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, antes ou na sequência da sua adoção.
11. No caso, não houve tal deslocamento, conforme resulta do processo à margem referenciado, uma vez que os Requerentes sempre residiram e trabalharam em Angola, sendo eles próprios Angolanos, com dupla nacionalidade.
12. Nos anos de 2012 e 2013, os Requerentes adquiriram a nacionalidade portuguesa, conforme consta das Certidões de Nascimento, já juntas ao processo.
13. Conforme já alegado, o menor, CC, é cidadão angolano, tendo sido homologada a sua adoção plena pelos Requerentes, por sentença proferida em 12 de Maio de 2022, pelo Tribunal Provincial da ... (Angola).
14. Reitere-se, trata-se de uma adoção plena, formalizada em Maio de 2022 em Angola, não restam dúvidas de que não estamos perante uma adoção internacional, mas sim perante uma adoção estrangeira já consumada.
15. Apesar de os Requerentes possuírem domicílio fiscal em Portugal à data da adoção, sempre residiram em Angola e exercem atividade profissional em Angola.
16. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem decidido, que “a residência habitual se situa no local onde a pessoa fixa o centro da sua vida pessoal e onde reside habitualmente.” (STJ, Ac. de 20/02/2020, Proc. n.º 621/17.2T8FAF).
17. O mesmo Acórdão entende que o conceito de “residência habitual” deve interpretar-se como o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, devendo considerar-se todos os elementos de facto relevantes.
18. No caso concreto, o centro de vida dos Requerentes, à data da adoção até ao presente, situa-se em Angola, conforme já demonstrado:
• BB, tem residência habitual no Bairro ..., município ... e é professora na Escola ... e,
• AA, com residência habitual no Bairro ..., Rua ..., Município ..., e é encarregado de obra na EMP01..., Lda.
19. Para além dos comprovativos de vencimento já juntos ao processo, os Requerentes protestam juntar recibos de vencimento emitidos à data da adoção, os quais comprovam que o centro da sua vida pessoal e profissional sempre se situou em Angola.
20. Tais documentos serão juntos oportunamente, uma vez que a Requerente esteve internada devido a um quadro de malária grave, sem que os seus mandatários tenham, até ao momento, informações precisas sobre o seu atual estado de saúde (o comprovativo de internamento será apresentado assim que possível).
21. Assim, carece de fundamento a alegação de que os Requerentes residiam habitualmente em Portugal com base numa escritura de compra e venda de um imóvel situado na Urbanização ..., ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., ou nos comprovativos de pagamento das despesas inerentes ao mesmo.
22. Trata-se, tão somente, de uma “casa de férias”, sem relevância para a determinação da residência habitual à data da adoção.
23. Acresce que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, para efeitos do RJPA, deve atender-se ao “centro de interesses” do menor (STJ, Ac. de 15-10-2014, proc. n.º 867/12.3T8PRT), não sendo determinantes a mera nacionalidade ou laços de sangue, mas sim a integração da criança no seu meio social ou familiar.
24. No caso presente, é de notar que o menor CC, desde a adoção, em 2022, integra plenamente a comunidade angolana, frequentando estabelecimento de ensino local e usufruindo de suporte familiar estável em Angola, deslocando-se a Portugal nos períodos de férias, estando, portanto, habituado a este país.
25. Os Requerentes, cidadãos portugueses e angolanos, reúnem idoneidade e estabilidade devidamente comprovadas, tendo agora o propósito de se mudarem definitivamente para Portugal em busca de melhores condições de vida e educação para o menor.
26. Para tal, os Requerentes, necessitam urgentemente da presente revisão e confirmação da sentença estrangeira de adoção, a fim de a averbar na competente Conservatória do Registo Civil de forma a regularizar a sua situação civil e a do adotado.
27. Face ao exposto, encontram-se reunidos todos os requisitos legais para que se proceda à revisão e confirmação daquela sentença estrangeira, necessária para a sua eficácia jurídica no ordenamento português.
28. Em conclusão, não se verifica qualquer dos pressupostos de adoção internacional, estando preenchidos os requisitos legais para a revisão da sentença, nos termos do regime geral previsto nos artigos 978.º e seguintes do CPC.
29. Importa ainda referir que na doutrina, Miguel Bezerra Varela e Sampaio e Nora, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pp. 180-185, trata exaustivamente dos arts. 978.º-982.º do CPC, destacando que o procedimento de revisão e confirmação de sentença estrangeira se aplica a todas as decisões sobre o estado das pessoas, exceto quando expressamente excluídas por lei especial - como ocorre nas adoções internacionais que implicam deslocamento da criança, hipótese que não se verifica no caso em apreço.
30. Igualmente, Miguel Teixeira de Sousa, “Efetivação das sentenças estrangeiras sobre o estado das pessoas” (Dissertação, PUC-SP, 2010), pp. 45-60 explora o conceito de “centro de interesses” da criança para aferir a aplicabilidade do RJPA, concluindo que, se menores e adotantes têm a sua vida quotidiana no país onde decorreu a adoção, não se enquadra na definição de adoção internacional.
31. Na Jurisprudência, o STJ, Ac. de 22-05-1993 (Pleno), reforça que as sentenças estrangeiras sobre o estado das pessoas gozam de presunção de veracidade e eficácia em Portugal, sujeitando-se apenas a revisão e confirmação nos termos dos arts. 978.º a 982.º do CPC, salvo ofensa à ordem pública interna.
32. Neste sentido, o Tribunal da Relação do Porto, Ac. De 18-07-2006, proc. n.º 220/06.4T8LSB, reconheceu que a adoção plena estrangeira praticada no país de residência habitual dos adotantes e do adotado não está sujeita ao regime de adoção internacional (RJPA), mas sim ao procedimento geral de confirmação de sentenças estrangeiras.
33. Portanto, não subsistem dúvidas de que estamos perante adoção plena praticada e homologada em Estado Estrangeiro onde residem habitualmente e trabalham adotantes e adotado, não se enquadrando no regime de adoção internacional.
34. Consequentemente, não se aplica o procedimento especial previsto no RJPA, mas sim o regime geral de revisão e confirmação de sentença estrangeira do CPC.
35. No caso presente, verifica-se que a adoção de CC pelos Requerentes se consumou em Angola, país de residência habitual de adotantes e adotado, em conformidade com todos os requisitos materiais (“centro de interesses” e estabilidade do vínculo familiar), sem que tenha ocorrido deslocamento do menor para fins de adoção em Portugal ou noutro Estado.
36. Resta, pois, claro que não se trata de adoção internacional nos termos da Lei n.º 43/2015, de 8 de setembro.
37. No processo anterior (Proc. n.º 196/22.0YRGMR), os Requerentes, de forma involuntária, indicaram como residência habitual em Portugal o seu domicílio fiscal, por mero lapso, sem intentio errandi ou má-fé.
38. 8. O Código Civil, nos arts. 242.º e 243.º, prevê que o erro substancial «relativo à declaração de vontade» e material pode ser invocado para declarar a sua inexistência ou pedir retificação, em defesa da verdade material.
39. O Supremo Tribunal de Justiça tem admitido a correção de declarações de vontade afetadas por erro escusável, sempre que se comprove o real animus das partes (STJ, Ac. de 30/06/2008, Proc. n.º 378/09.0T8LSB). 10. Portanto, aquele lapso na indicação de residência em Braga não pode obstar à presente ação de confirmação de sentença, que deve pautar-se pela realidade fática, qual seja, a residência habitual em Angola.
40. E isto porque os Requerentes não residiam e Portugal, mas sempre residiram em Angola onde sempre trabalharam e trabalham, tendo efetivamente casa em Portugal de férias e para num futuro próximo se mudarem definitivamente para território português,
41. De forma a possibilitaram ao filho menor de ambos de ter uma vida mais tranquila, e lhe dar uma melhor condição escolar e profissional.
42. Pelo exposto, não podem os Requerentes ver denegada a confirmação da adoção plena consumada em Angola sob o fundamento de erro processual, dado que a pretensa residência em Braga destinava-se atualmente a fins de veraneio, e não ao estabelecimento de centro vital.
43. Trata-se, sim, de um pedido de revisão e confirmação de sentença estrangeira proferida em Angola, para que, após a devida confirmação pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a decisão seja averbada na Conservatória do Registo Civil Português, permitindo aos Requerentes trazer o menor para Portugal e aqui fixar residência e ter melhores condições de estudo e de vida, com plena eficácia jurídica.
44. Nestes termos, requerem os Requerentes a V. Ex.ª que:
a) Seja reconhecida a natureza de adoção plena estrangeira da sentença de 12/05/2022, aplicando-se o previsto nos arts. 978.º–982.º do CPC); atendendo à natureza da matéria e à boa-fé processual.
b) Seja confirmada a eficácia daquela sentença e determinada o seu averbamento na Conservatória do Registo Civil Portuguesa;
c) Seja afastada a aplicação do Regime Jurídico do Processo de Adoção (Lei n.º 143/2015) por inexistência de adoção internacional;
45. Desta forma, será possível aos aqui Requerentes trazerem o menor para Portugal, onde poderá usufruir de melhores condições de educação e qualidade de vida, em conformidade com os seus legítimos interesses familiares.»
Os Requerentes, por requerimento de 08.07.2025, juntaram quatro documentos.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se sobre os documentos juntos, alegando que os «doc. 1 e 2 dizem respeito a 2024/2025» e que os «doc. 3 e 4 não são idóneos a demonstrar o que os requerentes pretendem [e] não invalidam o que consta do nosso requerimento de 12/06/2025 e documentos juntos.»
Estando o processo já inscrito em tabela, os Requerentes juntaram outros documentos, tendo o Ministério Público exercido o contraditório.
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O Tribunal é competente e não ocorrem nulidades, exceções ou questões prévias para além daquela que está invocada e de que cumpre conhecer.
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Questões a decidir:
i) Residência dos Requerentes à data da adoção considerada no âmbito da ação que correu termos neste Tribunal da Relação de Guimarães, com o nº 196/22.0YRGMR;
ii) Caso improceda a questão prévia, cabe apreciar se estão demonstrados os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da sentença acima referida.
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II – Fundamentos
2.1. Fundamentação de facto
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos: 2.1.1. O Requerente AA nasceu a ../../1968, em ..., ..., Angola (certidão do assento de nascimento junta à petição como doc. nº 2). 2.1.2. A Requerente BB nasceu a ../../1968, em ..., Angola (certidão do assento de nascimento junta à petição como doc. nº 3). 2.1.3. Os Requerentes casaram um com o outro em ../../2007, na Conservatória do Registo Civil ... (certidão do assento de casamento junta à petição como doc. nº 1). 2.1.4. Ambos os Requerentes têm nacionalidade portuguesa, sendo que o Requerente AA a adquiriu «nos termos do artigo 3º, nº 1, da Lei nº 37/81, de 03 de outubro», no âmbito do processo nº ...14-Sit/2011, da ... (averbamento nº 2, de 13.07.2012, ao assento de nascimento cuja certidão se mostra junta à petição como doc. nº 2). 2.1.5 Na petição inicial da presente ação os Requerentes indicaram «domicílio fiscal, português, na Rua ..., freguesia ..., ... Braga» (ato com a referência ...18). 2.1.6. O Requerido CC nasceu a ../../2014, em ..., ..., ..., Angola, e tem nacionalidade angolana (docs. nºs 6 e 7 juntos com a petição). 2.1.7. Em 14.09.2022, AA e BB intentaram ação especial de revisão de sentença estrangeira contra CC, indicando residirem, tanto no formulário como na petição inicial, na «Rua ..., freguesia ..., ... Braga», pedindo «a revisão e confirmação da sentença estrangeira junta que decretou a adoção do menor DD pelos requerentes, sendo que no que respeita a citação os requerentes deverão ser citados por via postal para a morada indicada, de acordo com o disposto no artigo 228.º do Código de Processo Civil, e cumpridas as demais formalidade legais, de modo a que a sentença tenha eficácia em Portugal, nos termos do nº1 do artigo 978.º do CPC.» (documento junto com o requerimento com a referência ...96). 2.1.8. Nessa ação, que correu termos com o nº 196/22.0YRGMR, os Requerentes alegaram os seguintes factos:
«1º - Os autores apresentaram perante o poder judiciário junto do Tribunal Provincial de ... um pedido de adoção de CC. 2º - Por sentença de 12 de Maio de 2022, proferido pelo mesmo douto tribunal, tal pedido foi homologado e foi declarada a adoção de CC pelos requerentes. – Cfr. Doc. n.º 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 3º - Adoção essa que foi realizada e formalizada pelas partes em Maio de 2022 em Angola. – Cfr. Doc. Anexo 2 4º - Os requerentes são de nacionalidade Portuguesa e Angolana e o adotado é de nacionalidade Angolana. 5º - A referida sentença transitou em julgado segundo a lei Angolana.» (documento junto com o requerimento com a referência ...96). 2.1.9. Por despacho proferido na aludida ação em 15.12.2022, foi determinada a notificação dos Requerentes para, no prazo de 10 dias, indicarem e comprovarem nos autos a sua residência habitual à data da adoção (documento junto com o requerimento com a referência ...96). 2.1.10. Por requerimento de 19.12.2022, os Requerentes indicaram «a morada na Urbanização ..., ... sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., como residência habitual dos requerentes à data da adoção»(documento junto com o requerimento com a referência ...96). 2.1.11. Por decisão de 05.02.2023, transitada em julgado, o Tribunal da Relação de Guimarães, julgou verificada a «excepção dilatória da falta de competência deste Tribunal para a requerida revisão da sentença estrangeira de adopção»e absolveu «os Requerentes da instância arts. 576º nº 2 e 577º, al. a), do CPC» por ter consideradoque, «conforme alegado na PI, os Requerentes são de nacionalidade portuguesa e angolana. O menor, nascido a ../../2014, nasceu e residia em Angola, conforme documentos dos autos. Conforme requerimento e documentos juntos, os requerentes residem habitualmente em Portugal e já residiam à data da adopção. Apenas se deslocaram a Angola para formalizar a adopção da criança. Assim, em nosso entender, estamos perante uma adopção internacional, a qual se caracteriza pela deslocação do adoptando/adoptado do Estado onde reside habitualmente para um outro Estado onde reside habitualmente o adoptante. E não são reconhecidas as adopções internacionais decretadas no estrangeiro sem a intervenção da Autoridade Central.» (documento junto com o requerimento com a referência ...96). 2.1.12. Por sentença de 12 de maio de 2022, proferida pelo Tribunal Provincial de ..., da República de Angola, decidiu-se «que os Senhores BB e AA, passam a ser pai e mãe adoptivos do menor CC, em substituição dos pais natural, devendo o menor usar o apelido dos adoptantes, passando a chamar-se DD.» – doc. nº 6 junto com a petição inicial. 2.1.13. Essa sentença transitou em julgado. 2.1.14. O Requerente AA trabalha em Angola na construção civil, na empresa EMP01..., Lda., desde ../../2014, primeiro como responsável pela secção de carpintaria e atualmente, desde janeiro de 2024, como chefe de estaleiro (documento nº 3 junto com o requerimento com a referência ...73 e documentos juntos com a petição com o nº 9). 2.1.15. A Requerente BB trabalha em Angola como professora na Escola ..., desde ../../2019 (documento nº 4 junto com o requerimento com a referência ...73 e documentos juntos com a petição com o nº 8). 2.1.16. Segundo consta da sentença revidenda, o Requerido, à data da adoção, vivia com os Requerentes há um ano e dois meses, em Angola.
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2.2. Fundamentos de direito
2.2.1. Segundo dispõe o artigo 978º, nº 1, do CPC, «sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»
Portanto, em regra, uma sentença estrangeira sobre direitos privados, para ter eficácia em Portugal, carece de revisão e confirmação a efetuar pelo tribunal da Relação territorialmente competente (art. 979º do CPC). Só assim não será se estiver estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais que a decisão proferida por tribunal estrangeiro tem eficácia automática em Portugal ou que é submetida a outra forma de reconhecimento da sua eficácia.
Tal como emerge do disposto nos artigos 980º, 983º e 984º do CPC, a revisão de sentenças estrangeiras é essencialmente de índole meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa[1].
Trata-se de um processo especial de simples apreciação, em que o tribunal nacional se certifica de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira e reconhece-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, sem fazer um novo julgamento da causa[2].
No que concerne às decisões estrangeiras que decretam adoções, importa considerar que a República Portuguesa é partecontratante da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, feita na Haia em 29 de maio de 1993, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 8/2003, de 25 de fevereiro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 6/2003, de 25 de fevereiro, publicado no Diário da República, 1ª série, nº 47, de 25.02.2003 (o instrumento de ratificação foi depositado em 19 de março de 2004, estando a Convenção em vigor para a República Portuguesa desde 01.07.2004, conforme o Aviso nº 110/2004, publicado no Diário da República, 1ª série, nº 130, de 03.06.2004)[3], destinada, além do mais, a «assegurar o reconhecimento, nos Estados contratantes, das adoções realizadas de acordo com a Convenção» (art. 1º, al. c)) e, nos termos do seu artigo 2º, nº 1, «aplica-se sempre que uma criança com residência habitual num Estado contratante («o Estado de origem») tenha sido, seja ou venha a ser transferida para outro Estado contratante («o Estado recetor»), seja após a sua adoção no Estado de origem por casal ou por pessoa residente habitualmente no Estado recetor, seja com o objetivo de ser adotada no Estado recetor ou no Estado de origem.»[4]
As adoções abrangidas pela Convenção só se podem realizar quando as autoridades competentes no Estado de origem tenham estabelecido, constatado e assegurado os requisitos aí estabelecidos – cfr. art. 4º.
Cada Estado contratante designará uma autoridade central encarregue de dar cumprimento às obrigações decorrentes da Convenção – art. 6º, nº 1. Pelo Aviso nº 366/2010, de 15 de dezembro, publicado no Diário da República nº 241/2010, Série I de 15.12.2010, «a autoridade central designada é o Instituto de Segurança Social.»
Segundo o seu artigo 23º, nº 1, «Uma adoção certificada por uma autoridade competente do Estado onde se realizou, como tendo sido efetuada em conformidade com a Convenção, deverá ser reconhecida de pleno direito nos demais Estados contratantes. O certificado deverá especificar a data e o autor da autorização concedida nos termos do artigo 17.º, alínea c).»
É ainda relevante o Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA), aprovado pela Lei nº 143/2015, de 08 de setembro,em cujo artigo 61º, nº 1, se estabelece que «as disposições do presente título aplicam-se aos processos de adoção em que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção.»
Dispõe o artigo 64º do RJPA, sob a epígrafe “Autoridade Central para a Adoção Internacional”:
«1 - A entidade responsável pelo cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Portugal, no contexto da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional concluída na Haia em 29 de maio de 1993, é a Autoridade Central para a Adoção Internacional, adiante designada por Autoridade Central. 2 - Compete ao Governo a designação da Autoridade Central. 3 - A Autoridade Central intervém obrigatoriamente em todos os processos de adoção internacional, incluindo os que envolvam países não contratantes da Convenção a que se refere o n.º 1. 4 - Não são reconhecidas as adoções internacionais decretadas no estrangeiro sem a intervenção da Autoridade Central.»
É à Autoridade Central que compete «exercer as funções de autoridade central previstas em convenções internacionais relativas à adoção de que Portugal seja parte», «certificar a conformidade das adoções internacionais com a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional concluída na Haia em 29 de maio de 1993» e «reconhecer e registar as decisões estrangeiras de adoção, nas situações a que se refere o nº 1 do artigo 61º» - art. 65º, als. a), b) e c), do RJPA.
Finalmente, estabelece-se no artigo 90º, nºs 1 e 2, do RJPA:
«1 - As decisões de adoção internacional proferidas no estrangeiro e certificadas em conformidade com a Convenção, bem como as abrangidas por acordo jurídico e judiciário bilateral que dispense a revisão de sentença estrangeira, têm eficácia automática em Portugal. 2 - Nos demais casos, a eficácia em Portugal da decisão estrangeira de adoção depende de reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central.»
Por conseguinte, no que respeita às decisões estrangeiras de adoção internacional, duas situações podem ocorrer:
a) Terem eficácia automática em Portugal, estando dispensada a sua revisão, nos casos previstos no artigo 90º, nº 1, do RJPA;
b) Carecerem do reconhecimento a efetuar pela Autoridade Central, nos demais casos – artigo 90º, nº 1, do RJPA.
Nesta última hipótese, é subtraída por lei a jurisdição dos tribunais (“falta de jurisdição”) para efeitos de revisão e confirmação da sentença estrangeira de adoção internacional – v. os acórdãos da Relação de Coimbra de 06.02.2019 (Falcão de Magalhães), proferido no processo 284/18.8YRCBR, da Relação de Lisboa de 14.12.2023 (Teresa Prazeres Pais), proferido no processo 1675/23.8YRLSB-8 e de 06.03.2025 (Nuno Gonçalves), proferido no processo 151/25.9YRLSB-6. Sendo intentada ação de revisão e confirmação da sentença estrangeira na segunda hipótese considerada, verifica-se a falta de um pressuposto processual insuprível, e que consubstancia exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento de mérito (artigos 576 º, nºs. 1 e 2, 577 º, 578.º e 590.º, nº 1, todos do CPC).
Em todos os casos de decisões estrangeiras de adoção que não revistam a qualificação de internacional (v. definições do artigo 2º da Convenção e do artigo 61º, nº 1, do RJPA) e sobre as quais não versem tratados, convenções, regulamentos da União Europeia ou leis especiais a estabelecer a sua eficácia automática ou outra forma de reconhecimento, a eficácia em Portugal depende da verificação e revisão a efetuar pelo tribunal da Relação.
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2.2.2. A sentença cuja revisão e confirmação se peticiona nestes autos foi proferida por um Tribunal angolano e a República de Angola não é parte na Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional.
Se nos cingíssemos apenas ao alegado na presente ação, estaríamos perante uma adoção que não poderia ser qualificada como internacional (v. o alegado nos artigos 4º e 8º da petição inicial).
Daí decorreria a competência/jurisdição dos tribunais portugueses, embora fosse territorialmente competente o Tribunal da Relação de Lisboa (matéria que não é do conhecimento oficioso e que não foi suscitada pelo Ministério Público ou pelo demandado – art. 103º, nº 1, e art. 104º, nº 1, a contrario, ambos do CPC).
Porém, correu anteriormente perante este Tribunal da Relação de Guimarães a ação com o nº 196/22.0YRGMR, idêntica à presente ação quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Nessa anterior ação foi proferida decisão sumária, em 05.03.2023, transitada em julgado (o que já sucedia à data da propositura da presente ação), de absolvição da instância por ter sido julgada procedente a «excepção dilatória da falta de competência deste Tribunal para a requerida revisão da sentença estrangeira de adopção», em conformidade com o disposto nos artigos576º, nº 2, 577º, al. a), e 287º, nº 1, al. a), do CPC.
A única diferença entre as duas ações consiste apenas em os Requerentes alegarem agora que à data da adoção tinham residência habitual em Angola, quando na anterior ação tinham declarado, por requerimento de 19.12.2022, que à data da adoção tinham residência habitual em Braga, Portugal.
Foi precisamente com base no então declarado pelos Requerentes que este Tribunal da Relação de Guimarães considerou como adquirida a residência habitual em Portugal à data da adoção.
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2.2.3. Sucede que o Ministério Público sustenta que «a acção não pode proceder» em virtude do decidido na anterior ação que correu termos nesta Relação com o nº 196/22.0YRGMR, que absolveu «os Requerentes da instância arts. 576º nº 2 e 577º, al. a), do CPC» por ter considerado verificada a «excepção dilatória da falta de competência deste Tribunal para a requerida revisão da sentença estrangeira de adopção».
A decisão proferida por este Tribunal da Relação de Guimarães em 05.02.2023 transitou em julgado.
Essa decisão recaiu sobre um pressuposto processual e não decidiu do mérito da causa.
Sendo uma decisão de forma, que incidiu sobre uma questão processual, não produz caso julgado material (art. 619º, nº 1, do CPC), mas apenas caso julgado formal.
Por conseguinte, de harmonia com o disposto no artigo 620º, nº 1, do CPC, tem apenas força obrigatória dentro do processo onde foi proferida.
Estando a eficácia da anterior decisão sumária restringida ao processo onde foi proferida, pode ser contrariada ou negada noutro processo, como sucede no presente.
E a realidade é que os Requerentes não residem habitualmente em Portugal, mas sim em Angola: os Requerentes apenas têm domicílio fiscal em Portugal, tendo adquirido uma fração autónoma para aí o fixarem; não trabalham em Portugal e não têm aqui o seu centro de vida pessoal e familiar.
Ambos os Requerentes, que adquiriram supervenientemente a nacionalidade portuguesa, passando a ter dupla nacionalidade, nasceram em Angola (v. certidões dos assentos de nascimento juntas aos autos) e aí trabalham, situação que já se verificava à data da adoção, a Requerente mulher como professora na Escola ..., e o Requerente marido como encarregado de construção civil na empresa EMP01..., Lda.
Resulta da sentença revidenda que o Requerido nos catorze meses anteriores à adoção vivia com os Requerentes em Angola.
Por conseguinte, à data da adoção, Requerentes e Requerido residiam habitualmente em Angola.
Daí que não se esteja perante uma adoção internacional.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2023 (relatado por António Barateiro Martins), proferido no processo 76/22.0YREVR.S1[5], «deve entender-se por «adoção internacional», quer no atual art. 2.º/a) da RJPA, quer antes no DL 185/93 (no seu art. 23.º), quer na Convenção de Haia de 1993 (art. 2.º/1 e 14.º), aquela em que ocorre a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção, ou seja, a adoção internacional ocorre: (i) quando os adotantes residem habitualmente em Portugal e pretendem adotar criança residente no estrangeiro, (ii) ou quando a criança reside habitualmente em Portugal e os adotantes residem no estrangeiro. Pelo que, inversamente, a situação em que os adotantes, sejam de nacionalidade portuguesa ou não, residem habitualmente no país em que procedem à adoção duma criança não configura um caso de adoção internacional.»
In casu, a adoção foi decretada por um Tribunal da República de Angola, país onde os Requerentes e o menor residiam.
Por isso, os Tribunais portugueses dispõem de jurisdição/competência para o reconhecimento da sentença estrangeira de adoção.
Analisada a sentença revidenda, concluímos que se mostram verificados todos os requisitos consagrados no artigo 980º do CPC.
De facto, o exame da certidão da sentença estrangeira acima referida não deixa dúvidas sobre a autenticidade do documento, nem sobre a inteligibilidade da decisão.
Não pode invocar-se ofensa de caso julgado ou litispendência, uma vez que não há notícia de que o caso tenha sido submetido a jurisdição diferente.
Mostram-se observados os princípios do contraditório e igualdade das partes.
Não se vislumbra ofensa aos princípios de ordem pública internacional do Estado português, tanto mais que está em causa uma sentença que decretou a adoção de um menor, com inteira similitude com o instituto da adoção previsto no nosso ordenamento.
Pelo exposto, a ação deve ser julgada procedente.
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2.3. Sumário …
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III – Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente o pedido e, em consequência, confirma-se a sentença proferida em 12.05.2022, pelo Tribunal Provincial de ..., da República de Angola.
Custas a suportar pelos Requerentes.
Oportunamente, cumpra o disposto no art. 78º do Código do Registo Civil.
Joaquim Boavida
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Alcides Rodrigues
[1] Cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2011 (Paulo Sá), processo 987/10, acessível em www.dgsi.pt, tal como os demais que se citam no presente acórdão. [2] Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, pág.141. [3] Em vigor em Portugal desde 01.07.2004. [4] O artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece que «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.» [5] Disponível em www.dgsi.pt.