CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS - CONVENÇÃO DE HAIA
ASSINADA EM 25 DE OUTUBRO DE 1980
MENOR
ILICITUDE
Sumário

1 – Apenas há fundamento para alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto no que concerne ao ponto 11 desta.
2 – A deslocação da menor para Portugal não foi ilícita.
3 – A retenção da menor em Portugal não é ilícita.
4 – Em face de 2 e 3, fica prejudicado o conhecimento da excepção prevista no 2º parágrafo do artigo 12.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25.01.1980.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 879/24.0T8STB-A.E1


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O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, alínea d), 6.º, alínea d), 17.º, 45.º e seguintes do RGPTC, 1887.º do CC, 4.º, n.º 1, alíneas b) e r), do Estatuto do Ministério Público e 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, alíneas a), b), c) e f), 11.º, 12.º e 14.º, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25.01.1980 (doravante designada apenas por Convenção), propôs, contra (…), a presente acção especial visando o regresso imediato, ao Estado da sua residência habitual, de (…), nascida em 11.03.2022, filha da requerida e de (…). Como fundamento o Ministério Público alegou que: i) a requerida, que vivia em Espanha com a (…) e o pai desta, trouxe a primeira para Portugal sem autorização do segundo, alegando ter sido vítima de violência doméstica; ii) a requerida recusa-se a deixar a (…) regressar a Espanha.

Da sentença, que julgou a acção improcedente, interpôs recurso de apelação o pai da (…), tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Da relação análoga entre os requeridos nasceu, em 11.03.2022, a filha menor (…).

2. A requerida (…) mudou-se para Espanha com o requerido (ora também designado de recorrente), tendo ambos, em conjunto, comprado uma casa em (…), onde decidiram, que este seria o centro da vida do casal e da menor.

3. Em Janeiro de 2024 a requerida trouxe a menor para Portugal, sem a autorização do pai, alegando ser vítima de violência doméstica.

4. Após inúmeras tentativas judiciais e extrajudiciais do requerido para o retorno da menor a Espanha, e não tendo estas qualquer acolhimento pela requerida, o requerido denunciou, às autoridades espanholas, a subtração internacional da menor.

5. Na sequência da denúncia, o Ministério Público português veio propor, por apenso ao processo 879/24.0T8TSB no tribunal a quo, o retorno da menor a Espanha.

6. O tribunal a quo proferiu sentença com o seguinte teor:

«4. Dispositivo

Por tudo o exposto supra, o Tribunal declara a presente ação improcedente, não ordenando o regresso da menor (…) a Espanha, por força do disposto no artigo 12.º, segundo parágrafo, da Convenção de Haia. Notifique e informe a DGAJ»

7. O requerido não pode conformar-se com a sentença proferida, considerando que a mesma não tem em consideração a prova carreada para os autos, nem tampouco as normas da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

8. A Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (Convenção da Haia de 1980) tem como objecto «assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente» conforme o estabelecido na alínea a) do artigo 1.º deste diploma.

9. Portugal, como Estado contraente, compromete-se a tomar todas as medidas convenientes que visem assegurar, a concretização dos objectivos da Convenção de Haia de 1980.

10. Sendo que o objectivo primordial da Convenção de Haia de 1980 é, inequivocamente, o de garantir o regresso da criança à sua residência habitual da qual foi subtraída por acção daquele que deslocou e/ou reteve ilicitamente a criança, devendo o Estado contraente assegurar o seu regresso imediato.

11. Nos termos do n.º 3 da Convenção de Haia de 1980 a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: «Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção» e «Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido».

12. Tanto a legislação espanhola como a portuguesa conferem a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais, conjuntamente, ou por um deles desde que com consentimento do outro, contudo, por isso tal exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os progenitores.

13. Por isso, a deslocação da recorrente com a menor para Portugal e sua retenção neste país consubstancia é ilícita ao abrigo do artigo 3.º da Convenção de Haia de 1980.

14. O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, estabelece nas alíneas a) e b) do número 11 do artigo n.º 2 «Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança», quando tenha sido violado o direito de guarda conferido (…) por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e devendo verificar-se que nesse momento o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Sendo que se considera que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.

15. O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança nos termos da Convenção de Haia de 1980, como é o caso do presente, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional, para garantir o imediato retorno da criança ao país da sua residência habitual, conforme consta artigo 11/3 do Regulamento.

16. Ora não cabe ao tribunal considerações como: «É perfeita a solução preconizada por esta sentença (nomeadamente para a …)? Obviamente que não. Perfeito para a (…) seria os pais estarem juntos com a sua filha, num ambiente de paz e serenidade».

17. ou «Com efeito, os processos da Convenção da Haia de 1980 servem para fazer face a situações de deslocações completamente inusitadas, sem fundamento algum, contra tudo aquilo que é o superior interesse de uma criança, e não, com o devido respeito por opinião diversa, para casos como o presente.» Cabendo, outrossim a aplicação da Lei, independentemente da sua opinião sobre a mesma.

18. Com todo o devido respeito não pode o juiz querer abarcar a função legislativa, que não lhe cabe.

19. Nem tecer considerações sobre as escolhas do progenitor: «Deixa-se, a finalizar, a seguinte reflexão: O que pretenderia o progenitor com a procedência de uma ação como a presente? Acaso pretenderia que, depois da separação e da discussão violenta que houve, voltassem a viver todos na mesma casa em (…)? Ou que a progenitora fosse viver para (…) numa casa ao lado daquela que compraram? Ou, ainda, que vivesse a progenitora na casa comprada e o progenitor arrendasse/comprasse outra perto? Ou, por hipótese, que a menor lhe fosse entregue para viver consigo em (…), fazendo a progenitora o que bem entendesse? Não seria/será mais sensato, considerando que a criança não pode ser dividida ao meio, e considerando o conflito extremo que levou à compreensível deslocação da progenitora para Portugal, focar agora a sua energia em procurar regulamentar o máximo de convívios com a sua filha, seja nas férias, seja nos fins de semana (concentrando-se em tempo de qualidade e não em quantidade de tempo ou em conflito), e num hipotético relacionamento de amizade saudável com a mãe da menor, ao invés de, depois de tudo o que se passou, e que resulta dos factos provados, tentar alterar radical e novamente a vida da sua filha, fazendo-a ir novamente para (…), apenas alimentando e dando continuação ao conflito?»

20. Acontece que, o tribunal a quo focou a sua decisão numa narrativa centrada na ideia de que a progenitora agiu sempre dentro da legalidade – o que não é verdade – nem o tribunal a quo aplicou a Convenção nos seus exactos termos.

21. A separação da (…) do pai provocou um episódio de stress emocional, que foi sempre assumido com grande coragem ainda que face ao preconceito e estigma que estas situações ainda provocam na sociedade (e como bem se vê na presente sentença).

22. A Convenção que estabelece, nos termos do seu artigo 12.º um limite temporal para a sua aplicação de 1 ano.

23. O mencionado artigo faz menção quer à deslocação ilícita, quer à retenção indevida, sendo que, em cada um dos casos, desde que a ação seja proposta dentro do prazo de um ano, e que o retorno do menor não constitua para si um perigo, o tribunal tem de cumprir a convenção e decretar o retorno do menor.

24. O tribunal a quo considera que transferência de (…) de (…) para (…) não é ilícita considerando as circunstâncias descritas pela mãe.

25. Mas a verdade é que o episódio clínico foi despoletado pela situação de potencial afastamento da menor pela mãe, tendo sido na discussão em que definitivamente a progenitora informou que se ia embora com a menor que se efectivou o episódio.

26. Para um pai que quer ser pai esta possibilidade (de deixar de estar com a filha diariamente, acompanhando-a e cuidando dela) é de facto um motivo de enorme transtorno.

27. Note-se, que foi o progenitor que voluntariamente, conforme consta do Doc. 10 do requerimento do dia 01/05/2025 já junto aos autos, se deslocou à unidade de saúde e pediu o internamento de forma a repor a sua saúde mental para lidar com a nova situação de ser pai sem a filha presente.

28. O tribunal a quo andou mal quando baseia grande parte da sua fundamentação na decisão de considerar não ilícito a deslocação da menor com a mãe com o episódio clínico do pai, que se tratou de uma situação isolada e provocada por ameaças de afastamento da menor, e já amplamente ultrapassada, conforme, aliás, consta dos documentos juntos aos autos.

29. Note-se que na queixa-crime apresentada junto da Guarda Civil de (…), auto já junto aos autos pela Autoridade Central Portuguesa como Doc. 11, quando perguntada se tinha medo ou se alguma vez o progenitor tinha sido violento com ela e com a filha, a resposta perentória foi não e quando perguntada se o alegado agressor, neste caso o progenitor da (…), exercia violência psicológica sobre ela, a resposta foi não.

30. A acrescer, o tribunal a quo transcreve uma mensagem alegadamente como sendo comprovante da instabilidade emocional do progenitor, contudo, não só não há a tradução da mesma, como ainda não se pode deixar de compreender pela situação atípica e de limite criada pelo afastamento, este sim, violento, da (…) relativamente ao pai.

31. Assim, e de tudo o exposto, andou mal o tribunal a considerar que o episódio clínico foi o motivo da transferência da menor.

32. A verdade é que o mesmo foi a reação à notícia antecipada da subtração da menor por parte da progenitora.

33. Razão pela qual não podemos concordar com a decisão do tribunal a quo que considera não ilícita a subtração da menor.

34. Mesmo que se entendesse que a deslocação não é ilícita, o que meramente se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a retenção da menor em Portugal logo após decretado o arquivamento da queixa-crime e a falta de fundamento para a decisão de afastamento não pode senão ser considerada ilícita.

35. O tribunal aplicou de forma errónea os artigos 12.º ou 13.º da Convenção, isto porque a presente acção deu entrada volvidos 10 meses da subtração da menor e mesmo que não se considere a subtração ilícita, então, nesse caso, a acção foi colocada um mês antes da retenção ilegal da menor em território português se se considerar que a contagem de tempo conta a partir do momento em que se levanta a ordem de afastamento do progenitor e progenitora que aconteceu em Dezembro de 2024.

36. Importa referir que a ordem de afastamento essa que nunca foi relativa à filha, pelo que não estavam nem nunca estiveram em causa a capacidade parental do progenitor.

37. Mais, há que salientar que nem o progenitor (nem a menor) podem ser penalizados pela delonga da aplicação da justiça quer em Portugal, quer em Espanha. Note-se que após a entrada do pedido de retorno do menor foram necessários cerca de seis meses (de Novembro a Abril de 2025) para que a entidade Central Espanhola tomasse decisão e o Ministério Público desse entrada da acção.

38. Mais, foram necessários 50 dias para a prolação da sentença e sete meses desde a entrada do processo, o progenitor não pode ser sancionado pela demora da justiça.

39. Desde logo porque o corolário dos processos como o presente é a necessidade tramitação urgente, pelo que falha o cumprimento do princípio constitucional da celeridade processual, previsto no artigo 20.º, n.º 5, da CRP.

40. Demonstra-se provado que se encontram preenchidos na totalidade os pressupostos temporais.

41. Sucede que o tribunal a quo aplica a excepção prevista no n.º 2 do artigo 12.º da convenção. Para o efeito, o tribunal a quo menciona que a menor frequenta uma escola em (…), que é seguida na USF de (…) e que vive com a sua mãe no (…) há mais de 1 ano.

48. Acontece que os critérios aplicados pelo tribunal não são nem podem ser critério para considerar que a (…) se encontra integrada no novo ambiente, conforme bem esclarece o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 28-01-2016, proferido no âmbito do processo n.º 6987/13.6TBALM.L1.S1, atente-se aos critérios estabelecidos em conformidade com os parâmetros europeus descritos no Regulamento CE(…) relativamente à residência habitual do menor: «2 além da presença física desta num Estado-Membro, outros fatores suplementares (v.g. a duração, a regularidade, as condições e as razões de permanência num território de um Estado-Membro ou da mudança, a nacionalidade da criança, a idade e, bem assim, os laços familiares e sociais que a criança tiver no referido Estado-Membro) devem indicar que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional. (…)»

49. Atente-se aos critérios:

“A duração, a regularidade” – o tempo decorrido somente tem como fundamento a delonga da justiça;

“as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança” – transferência e retenção ilegal;

“a nacionalidade da criança” – tem dupla nacionalidade com residência em Espanha antes da subtração (conforme registo civil espanhol junto como Doc. 13, junto pelo progenitor no requerimento de dia 01/05/2025);

“os laços familiares e sociais que a criança tiver no referido Estado-Membro” – a (…) tinha laços familiares e com amigos muito fortes em Espanha, que sempre foram muito presentes na vida da menor.

50. Assim, não pode considerar-se provada a exceção prevista no n.º 2 do artigo 12.º da Convenção.

51. Por último, não poderá colher qualquer fundamento, a alegação de uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 3.º, 12.º 13.º 14.º e 15.º da Convenção de Haia de 1980, considerando toda a matéria provada e a menção expressa dos documentos da Autoridade Central Espanhola à explicação sobre o Direito aplicado ao caso, nomeadamente no que concerne aos artigos relevantes do código civil espanhol que regulam o exercício das responsabilidades parentais.

52. Andou mal o tribunal a quo ao considerar para a decisão os relatórios da escola Centro Social de (…) com avaliação descritiva de desenvolvimento da menor (…), uma vez que a directora do estabelecimento de ensino frequentado pela menor é a irmã da progenitora.

53. Esta circunstância compromete a imparcialidade dos elementos constantes desses relatórios, nomeadamente do estado e situação actual da (…), os quais foram, indevidamente, valorados pelo tribunal a quo.

54. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

“11. A partir desse momento, os progenitores passaram a ter frequentes discussões, nas quais o progenitor gritava com a progenitora, pegando frequentemente na menor ao colo durante as discussões, gritando e discutindo com esta ao colo, tendo, numa das discussões, nomeadamente em 01-01-2024, chamado a progenitora de «hija de puta».

22. O progenitor e os avós paternos da (…) têm visitado a menor regularmente, em regra de 15 em 15 dias, combinando com a progenitora para o efeito, sendo que a menor já pernoitou algumas noites com o progenitor.”

55. Sucede que, ambos os pontos não correspondem à verdade e à matéria de facto carreada nos autos.

56. Isto não foi o que aconteceu – atente-se ao teor do auto da queixa-crime às entidades espanholas, em que a progenitora, quando perguntada se na alegada agressão ou outras anteriores estavam presentes familiares menores de idade, a mesma responde que não.

57. Pelo que não se pode considerar provado que quando os progenitores discutiam, o progenitor pegava frequentemente na menor, tendo em conta o próprio depoimento da progenitora no âmbito da queixa-crime da alegada situação de violência doméstica, queixa-crime essa que foi arquivada por falta de fundamento.

58. Assim, deve o ponto 11 alterar-se para «A partir desse momento, os progenitores passam a ter frequentes discussões».

59. No que toca ao ponto 22, não acontece conforme consta das declarações do progenitor e bem assim, das tentativas frustradas de contacto e comunicações juntas como doc. 8, 9 e 16 pelo junto pelo requerido (Doc. 13 do Req. de 01.05.2025), tendo sido sempre dificultado o contacto com a (…).

60. Assim, deve alterar-se para «O progenitor e os avós paternos da (…) já visitaram a menor, combinando com a progenitora para o efeito, sendo que a menor pernoitou duas vezes com o progenitor.»

61. A acrescer, o tribunal a quo ignorou factos essenciais para a decisão da causa os quais obrigatoriamente têm de ser tidos em conta, entre os quais:

viii. Ficou provado que a menor tem nacionalidade Espanhola – através da junção do documento junto pela autoridade central e pelo junto pelo Requerido (Doc. 13 do Req. de 01.05.2025).

ix. Ficou provado por documento junto no requerimento inicial do Ministério Público (Doc. 30) e novamente pelo requerido que (…) fazia parte do agregado familiar conforme atestado do agregado familiar em Espanha (Doc. 3 do Req. de 01.05.2025).

x. Ficou provado que a menor se encontra inscrita no centro de Saúde de Espanha e esteve inscrita na creche, conforme (Doc. 14 do Req. de 01.05.2025).

xi. Ficou provado por documento junto aos autos que a queixa-crime em Espanha foi arquivada em dezembro de 2024, tendo sido levantada a ordem de afastamento entre os progenitores da (…).

xii. Ficou demonstrada a inexistência de quaisquer indícios de violência doméstica, conforme resulta do arquivamento da queixa-crime por ausência de fundamento, o que compromete integralmente a fundamentação da decisão que considerou lícita a subtração.

xiii. Ficou provado que a ordem de afastamento foi apenas contra a progenitora e nunca contra a (…).

xiv. Ficou provado que o episódio de stress agudo foi um episódio isolado, encontrando-se o progenitor saudável e estável desde a alta, conforme relatórios médicos e altas hospitalares juntas aos autos.

62. Por tudo o exposto o presente recurso aceite e a decisão do tribunal a quo ser substituída por outra que declare que a menor deve retornar a Espanha, com a condenação da mãe ao pagamento das custas deste processo e das despesas relativas ao retorno da menor.

Em face destas conclusões, as questões a resolver são as seguintes:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Se a deslocação da (…) para Portugal foi ilícita;

3 – Se a retenção da (…) em Portugal é ilícita;

4 – Se se verifica a excepção prevista no 2.º parágrafo do artigo 12.º da Convenção.

Os factos julgados provados na sentença recorrida são os seguintes:

1. Os progenitores iniciaram uma relação amorosa em 2021.

2. Dessa relação amorosa, nasceu a criança (…), em Lisboa, em 11.03.2022.

3. Logo após o nascimento da menor, a progenitora arrendou uma habitação em (…).

4. O progenitor, nesta altura, trabalhava em França, razão pela qual estava com a filha e com a progenitora apenas em alguns fins-de-semana, em que se deslocava a (…) para o efeito.

5. Em Julho de 2022, os progenitores adquiriram uma casa em (…), na Rua (…), n.º 38, 214000, aí fixando a sua residência.

6. O progenitor continuava a trabalhar em França, vindo alguns fins-de-semana a casa.

7. Durante o tempo em que esteve em (…) e, depois, em (…), a menor frequentou os seguintes equipamentos de infância, nas seguintes datas:

7.1. Desde Setembro de 2022 a Junho de 2023: «El (…)», em (…);

7.2. Desde Setembro de 2023 a 10 de Janeiro de 2024: «Cegonha (…)», em … (Algarve).

8. Durante o tempo que esteve em (…), a menor foi seguida, em termos de saúde, em Portugal, no Algarve.

9. Em Outubro de 2022, o progenitor conseguiu trabalho em (…) e a partir dessa data passou a vir todos os fins-de-semana a casa.

10. Mais tarde, em Junho de 2023, o progenitor passou a trabalhar a partir de casa e passou a viver em (…) com a progenitora e com a filha.

11. A partir desse momento, os progenitores passaram a ter frequentes discussões, nas quais o progenitor gritava com a progenitora, pegando frequentemente na menor ao colo durante as discussões, gritando e discutindo com esta ao colo, tendo, numa das discussões, nomeadamente em 01.01.2024, chamado a progenitora de «hija de puta».

12. No dia 09.01.2024, os progenitores tiveram uma violenta discussão na casa de (…), na sequência da qual o progenitor, na companhia de um vizinho, foi deslocado às urgências da «Unidad de Hospitalización de Salud Mental» em (…), aonde regressou no dia 11.01.2024, tendo sido internado voluntariamente, até ao dia 19.01.2024, constando da informação clínica junta pelo progenitor com o requerimento de 01.05.2025, como documento n.º 10, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, além do mais, o seguinte: (…)

13. No dia 10-01-2025, por volta das 06:00, durante o episódio de stress que levou ao seu internamento na «Unidad de Hospitalización de Salud Mental» em (…), o progenitor enviou um áudio de 30 minutos, a um(a) vizinho(a) dos progenitores em (…), junto aos autos pela progenitora, como documento n.º 1 do requerimento de 05.05.2025, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, onde o mesmo diz, além do mais, o seguinte: (…)

14. Na sequência da discussão referida em 12, a progenitora, sentindo medo, decidiu vir para Portugal com a menor, o que ocorreu no dia 10.01.2025, tendo vindo para a zona de … (para casa da sua irmã), sendo que a sua intenção inicial não era a de ficar permanentemente – uma vez que tinha acabado de comprar casa e tinha lá todas as suas coisas, sendo que vida da (…) era naquela zona, a escola era lá (…), pretendendo voltar –, mas a de regressar, ainda que não fosse a sua ideia reatar o relacionamento com o progenitor.

15. Após ouvir o áudio referido em 13, que lhe foi enviado pelo seu (sua) vizinho(a), a progenitora, sentindo medo e temendo pela sua segurança e da menor (…), tomou a decisão de não mais voltar para (…), uma vez que não tinha lá qualquer apoio, optando por ficar na zona de (…) onde tem familiares.

16. No dia 12.01.2024, a progenitora apresentou queixa junto da GNR de (…), a qual foi reduzida a escrito, e se mostra junta aos autos junto pela Autoridade Central, como documento n.º 6, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte: (…)

17. No dia 26.01.2024, a progenitora apresentou também queixa na Guarda Civil, em (…), a qual foi reduzida a escrito, e se mostra junta aos autos junto pela Autoridade Central, como documento n.º 11, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte: (…)

18. Foi proferida decisão, no dia 29.01.2024, no âmbito do processo n.º 135/2024 pelo Juzgado de Violencia sobre la Mujer n.º 1, (…), junta pela progenitora (versão traduzida em português), como documento n.º 1 do requerimento de 03.05.2025, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, pela qual se decidiu aplicada a medida de coação de proibição do progenitor (…) de se aproximar da progenitora (…), nomeadamente do seu domicílio, local de trabalho ou de qualquer outro lugar onde a mesma se encontre, a uma distância de 500 metros, bem como comunicar com ela por qualquer meio de comunicação verbal, visual, escrito, telefónico ou telemático.

19. Durante a medida de afastamento referida em 18, a progenitora e os avós paternos da (…) mantiveram sempre contacto, visitando estes frequentemente a (…).

20. A medida de coação referida em 18 não vigora no presente momento.

21. Foi proferida decisão no dia 02.04.2025, no âmbito do processo n.º 655/2024, que corre termos no Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.º 3 de (…), junta pela progenitora (em versão traduzida para português), como documento n.º 5 com o requerimento de 03-05-2025, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte:

«Primeiro - O requerente pretendia a declaração de ilicitude da mudança de residência da filha menor comum para Portugal, por parte da mãe, com base no artigo 158.º do Código Civil espanhol, com vista a futura ação ao abrigo da Convenção de Haia (...)

Segundo - No presente processo, a parte requerente alega que, sem que tivessem sido previamente reguladas as medidas relativas à guarda e custódia da filha menor, comum, a requerida, se deslocou com menor para Portugal, sem o seu consentimento, solicitando, por isso, a declaração de ilicitude do referido traslado para efeitos da sua eventual invocação em processo instaurado ao abrigo da Convenção de Haia.

Por seu lado, a parte requerida sustenta que, tendo em conta os interesses especiais existentes até a conclusão do processo penal instaurado entre ambos – tramitado conforme documentação junta –, a [requerida] se deslocou a Portugal, onde reside a sua família, devido à existência de uma medida cautelar de afastamento em vigor. Tal afastamento foi necessário pelas circunstâncias processuais e penais que enfrentava, e atualmente existe um acordo entre ambos os progenitores para regular o regime da menor.

Embora ambas as versões sustentem as respetivas pretensões, a análise da prova documental leva a concluir que não houve traslado ilícito da menor por parte da requerida. As partes estiveram envolvidas num processo penal que implicou a separação forçada, o que levou a que a menor ficasse sob os cuidados de apenas um dos progenitores. Dadas as circunstâncias então vividas pela [requerida], foi a mãe que assumiu os cuidados da menor até que o pai estivesse em condições de retomar esse papel, tendo, entretanto, sido concluído o processo penal.

Conforme alegado por ambos e confirmado documentalmente, a requerida deslocou-se para Portugal, onde reside a sua família, com o objetivo de se sentir apoiada, uma vez que em Espanha residia apenas por motivos afetivos relacionados com o requerente.

Desde o encerramento do processo penal, e de acordo com ambas as partes, tem havido uma aproximação entre os progenitores, ultrapassando-se os conflitos conjugais para reconstruir o vínculo entre o pai e a filha menor. Esse regime está a ser estabelecido por acordo mútuo, o que se encontra comprovado não só pelas declarações prestadas como também pela documentação, nomeadamente o pedido de desistência da requerente quanto às medidas cautelares e definitivas inicialmente requeridas, as quais foram assumidas de forma provisória por este juízo, dada a especialidade da matéria.

Importa ainda referir que os processos penais apresentados pelo requerente relacionados com a alegada subtração da menor foram arquivados, conforme resulta da documentação.

Tais circunstâncias demonstram que não existem fundamentos para considerar que a progenitora atuou com a intenção de reter ilicitamente a menor em Portugal, mas antes que tal se deveu a razões conjunturais, entretanto ultrapassadas.

Terceiro - Assim, conclui-se que não houve intenção ilícita por parte da mãe ao mudar-se para Portugal. A sua atuação deveu-se às circunstâncias da época, agora ultrapassadas».

22. O progenitor e os avós paternos da (…) têm visitado a menor regularmente, em regra de 15 em 15 dias, combinando com a progenitora para o efeito, sendo que a menor já pernoitou algumas noites com o progenitor.

23. A menor (…) frequenta, assiduamente, desde Fevereiro de 2024, a creche no Centro Social de (…).

24. O Centro Social de (…) elaborou relatório com avaliação descritiva de desenvolvimento da menor (…), datado de 05-07-2024, junto aos autos pela progenitora, como documento n.º 6, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, com os seguintes dizeres:

«AUTOCONHECIMENTO – INTERAÇÃO COM ADULTOS E PARES – COMPETÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

Sobre a socialização, a … fez um percurso positivo, na medida em que logo desde a sua integração na sala demonstrou iniciativa no estabelecimento de relações com crianças e adultos. Possui uma boa capacidade de observação do que se passa à sua volta, do que se fala e tende a introduzir-se nas conversas dos adultos de forma interagir com os mesmos e a divertir-se.

Sorri e troca gestos e sons com os seus pares, dando a entender que possui amigos de referência com quem procura diariamente desenvolver brincadeiras e descobertas.

Demonstra confiança em si e nos outros, solicitando ajuda quando percebe que não consegue atingir um objetivo sozinha.

Compreende conceitos de propriedade, como por exemplo: “é o meu copo!” ou “é a minha mãe!”. Coloca questões como por exemplo “onde está a mãe?”

Tal como referido anteriormente, é capaz de expressar os seus sentimentos claramente. Abraça ou afasta-se de alguém. Quando fica tensa, vira as costas a alguém. Comunica de forma verbal e não-verbal, apresentando um vocabulário cada vez mais rico.

Aponta e mostra objetos, pessoas e animais. Fala sobre o que faz e vê.

COMPETÊNCIAS COGNITIVAS – COMPETÊNCIAS LÓGICO-MATEMÁTICAS – COMPETÊNCIAS DE LEITURA E ESCRITA

Sobre este item, a (…) evidencia curiosidade sobre o que a rodeia, apresentando uma atitude exploradora quer na sala quer no exterior – equipamento da Creche, por exemplo.

Identifica figuras e fotografias familiares, nomeando os elementos identificados nas imagens.

Explora diferentes materiais de construção e expressão. Agrupa objetos de acordo com um determinado critério como por exemplo segundo a cor.

Começa a envolver-se em jogos simbólicos de complexidade crescente, atendendo cada vez a mais pormenores. Finge beber água de um copo vazio, lava a loiça no lava-loiças, por exemplo.

Explora noções de quantidade de número: explora “mais” colocando uma peça dentro do balde, depois outra, e outra…).

Indica apreciar histórias e canções, balançando-se ao som da música e rodando a cabeça em direção ao som que ouve. Acompanha uma história com interesse.

MOTRICIDADE GLOBAL E FINA

Sobre esta área, a … tem vindo a adquirir um maior controlo do seu corpo. Segura os lápis e pincéis de forma a explorar a folha de forma minuciosa e completa. Preenche espaços vazios e gosta de explorar esta atividade, demonstrando concentração. Reconhece-se a si própria. Nomeia e reconhece as partes do seu corpo e no corpo dos outros. Compreende que partes faltam no rosto, quando compomos figuras humanas ou animais.

Explora objetos com diferentes partes do corpo, evidenciando controlo e desenvoltura. Salta a pés juntos, deixa cair e transporta objetos, alcança, bate e dá pontapés.

Descalça-se sozinha e procura calçar-se.

HÁBITOS SAUDÁVEIS

Sobre este item, mantém-se o descrito no período anterior. Assim, a (…) revela autonomia e persistência, não se verificando igualmente necessidade de apoio na regulação do sono ou na hora da refeição.

Reconhece a importância de lavar as mãos antes das refeições.

Dá a mão ao adulto aquando da ida para o exterior, demonstrando cuidado na sua segurança.»

25. O Centro Social de (…) elaborou relatório com avaliação descritiva de desenvolvimento da menor (…), datado de 06-01-2025, junto aos autos pela progenitora como documento n.º 7, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, com os seguintes dizeres:

«AUTOCONHECIMENTO – INTERAÇÃO COM ADULTOS E PARES – COMPETÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

No início deste ano lectivo, e tendo em conta que a equipa de adultos sofreu alteração, assim como o espaço em que se inseriu, a (…) fez uma adaptação gradual. No início procurou sobretudo a educadora, com quem tinha maior referência e laços, mas aos poucos foi ganhando confiança com os restantes membros da equipa e não demonstra insegurança para ficar na escola, estabelecendo vinculação com todos os adultos. Envolve-se em brincadeiras e contacto com os adultos, dando início a conversas e solicitando mais alimentos na hora da refeição, por exemplo.

Com os seus pares, é igualmente capaz de manter uma relação de proximidade, uma vez que estes transitaram do grupo do ano lectivo anterior e por isso, não se revelam dificuldades. Brinca ao lado de outras crianças, estabelecendo brincadeiras paralelas, mas denota-se alguma dificuldade no conceito de partilha, uma vez que é necessária a constante intervenção do adulto para que possa partilhar os objetos que tem na sua posse, sobretudo com a sua prima.

Sobre as competências de Comunicação e Linguagem, demonstra um vocabulário rico e crescente. Coloca inúmeras questões sobre diversos temas, partilha acontecimentos de fim-de-semana em família, entre outros. Manifesta empatia pelos outros, demonstrando capacidade de relacionar a expressão facial dos seus pares com os seus estados emocionais.

Sobre as suas estratégias para lidar com conflitos, chora e corre para os braços da educadora tentando pedir ajuda ao adulto também com o intuito de se sentir confortada. Após se sentir mais calma, costuma adotar a postura de amuo, na tentativa de chamar atenção para si. No entanto, começa a dissipar-se este comportamento e aceita de melhor forma a ajuda do adulto, retomando a sua atividade.

Desenvolve uma crescente responsabilidade e respeito por regras e limites comuns, aguardando a sua vez para lavar as suas mãos, por exemplo.

COMPETÊNCIAS COGNITIVAS – COMPETÊNCIAS LÓGICO-MATEMÁTICAS – COMPETÊNCIAS DE LEITURA E ESCRITA

Ao longo do primeiro período, a (…) apresentou uma atitude exploradora, nomeadamente ao abrir a sua gaveta para procurar algo que precisava ou tentando alcançar objetos por baixo da mesa ou dos móveis.

É capaz de identificar figuras e fotografias familiares, nomeando elementos identificados nas imagens.

Envolveu-se em jogos simbólicos de complexidade crescente, imitando pessoas (por exemplo a falar ao telefone, a ler histórias ou a fazer a muda das fraldas com os bonecos).

Denota-se interesse ao ouvir histórias e canções, balançando-se ao som da música e pedindo mais.

Indica, igualmente, grande interesse em explorar livros de histórias, prestando atenção às imagens e colocando questões sobre as imagens que observa.

Nas atividades propostas, revelou capacidade de separar objetos por cores ou nomear quando solicitada.

MOTRICIDADE GLOBAL E FINA

Sobre a motricidade, a (…) reconhece-se a si própria e demonstra progressivamente controlar o seu corpo.

Movimenta-se com objetos na mão, sobe e desce degraus com maior destreza, sobe para cima dos móveis com segurança.

Reconhece a sua imagem ao espelho e em fotografias. Reconhece e nomeia as partes do corpo em si e nos outros.

Calça-se e descalça-se com autonomia e desenvoltura. Veste o seu bibe após a sesta.

HÁBITOS SAUDÁVEIS

Sobre esta área, a (…) revelou grande autonomia no que diz respeito principalmente ao controle dos esfíncteres. Vai à casa de banho sem precisar de ajuda, despindo-se e vestindo-se após fazer xixi.

Ao longo das atividades e apesar de ser incentivada pelos adultos para ir à casa de banho, começou a solicitar a ida à casa de banho autonomamente.

Ao longo deste período, e ainda sobre o controle dos esfíncteres, denotaram-se igualmente progressos na hora de dormir. Apesar de por vezes se descuidar, não manifesta necessidade do uso da fralda.

Regula o seu sono autonomamente, sem necessidade da presença do adulto.

Após acordar, mantém-se na sua cama e solicita a ida à casa de banho quando sente necessidade. Ainda a salientar pela positiva, refere-se já não necessitar da sua chucha para adormecer.

Sobre a hora das refeições, fá-lo com total autonomia, exceto quando encontra algum alimento de que não gosta (especialmente peixe cozido, sendo necessária a intervenção do adulto nesse caso).»

26. A menor (…) é acompanhada na consulta na Unidade de Saúde Familiar (USF) de (…) pertencente à Unidade Local de Saúde (ULS) da (…), tendo a sua primeira consulta ocorrido em Julho de 2024, constando de relatório médico de 26.02.2025, além do mais, o seguinte: «(…) consulta acompanhada pela mãe e de vigilância aos 2 anos, sem intercorrências e com Bom desenvolvimento estaturo-ponderal e psico-motor, em 2 consultas posteriores por intercorrência infecciosa teve resolução adequada, e tem a vacinação obrigatória, e tem a vacinação obrigatória actualizada (…)».

27. O progenitor apresentou o pedido de regresso junto da Autoridade Central Espanhola em 25.11.2024.

28. A Autoridade Central de Espanha requereu, no dia 30.01.2025, junto da Autoridade Central Portuguesa, o pedido de regresso a Espanha, referente à menor (…).

29. No seguimento da separação dos progenitores ainda não foram reguladas as responsabilidades parentais, sendo que correu termos para tal o processo n.º 879/24.0T8STB, no J3 deste Juízo de Família e Menores de Setúbal, o qual se declarou incompetente, com o argumento de que a residência da criança seria em Espanha.

30. Foram desenvolvidas diligências pela Autoridade Central da Portuguesa junto da progenitora com vista à reposição voluntária da criança, nos termos do artigo 7.º-c) da Convenção de Haia, tendo as mesmas resultado negativas, uma vez que a progenitora se opôs a tal regresso, por e-mail de 17.02.2025 remetido para a Autoridade Central Portuguesa, junto por esta entidade como documento n.º 4, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:

«É essencial destacar que foi instaurado um processo penal por subtração de menores em Espanha, o qual foi arquivado em 29 de janeiro de 2025. Tanto o Juiz quanto o Procurador concluíram que não houve a prática de qualquer delito, nos termos do artigo 225.º do Código Penal Espanhol, que tipifica a subtração de menores, mas prevê exceções quando há um risco comprovado para a segurança do menor.

(…)

No dia 9 de janeiro de 2024, o progenitor teve um comportamento agressivo, culminando uma série de episódios de instabilidade, incluindo mensagens ameaçadoras. Nesse dia, senti-me ameaçada e temi pela minha vida e pela segurança da minha filha. Dias depois, recebi um áudio enviado por ele a um vizinho, no qual assume ser capaz de cometer uma "loucura" e menciona o consumo de drogas. Esta declaração agravou ainda mais o meu receio em relação à sua conduta.

Diante dessa situação, no dia 10 de janeiro de 2024, tomei a decisão de deixar aquela residência, onde não dispunha de qualquer apoio familiar ou social. Não possuía familiares ou amigos próximos, apenas conhecidos na vizinhança, e encontrava-me isolada. Assim, decidi procurar segurança junto da minha família em Portugal. Posteriormente, tive conhecimento do referido áudio com ameaças diretas, o que me levou a apresentar queixa na GNR, em Portugal, e na Guarda Civil, em Espanha. Mais tarde, soube que o progenitor foi internado, aparentemente devido a um surto psicótico. Ambos fomos avaliados pela medicina legal, da qual detenho os respetivos relatórios. Da queixa feita à Guarda Civil resultou uma ordem de afastamento imposta pelo Tribunal de (…), cujo termo ocorreu em 5 de janeiro de 2025.

(…)

Desde então, reorganizei a minha vida em Portugal, garantindo as necessidades e o bem-estar da minha filha. Inscrevi a (…) numa instituição de ensino que ela frequenta há mais de um ano, aluguei uma casa e restabeleci as nossas rotinas com o apoio necessário. O progenitor tem conhecimento de toda esta situação, incluindo a escola da (…) e a nossa morada. Ele tem visitado a filha e, inclusive, tentou realizar um fim de semana de convívio, porém, a (…) demonstrou resistência em permanecer mais tempo com ele.

Atualmente, decorre um processo de negociação entre as partes, com intervenção dos respetivos advogados, para regulamentar o exercício das responsabilidades parentais. É importante salientar que, embora a residência anterior estivesse localizada em Espanha, esta se situava a apenas 5 km da fronteira com Portugal. Toda a vida da (…) sempre esteve ligada a Portugal: frequentava a creche em Portugal, possuía médico de família em Portugal e nunca teve contacto significativo com serviços de educação ou saúde em Espanha. Além disso, os familiares espanhóis do progenitor não mantinham contacto regular com a menor naquela residência.

Ademais, a casa onde residíamos encontra-se atualmente vazia e foi colocada à venda pelo próprio (…). Não há, portanto, condições para retomar a vida nesse local, visto que a (…) já tem toda a sua estrutura estabelecida em Portugal, tanto a nível escolar quanto médico e social. Em dezembro de 2024, quando me desloquei à antiga residência em (…) para recolher os nossos pertences, ele não se opôs e consentiu que eu trouxesse quase tudo o que estava na casa, incluindo todos os bens da (…).»


*


1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

1.1. O recorrente pretende que o ponto 11 do enunciado dos factos provados (EFP) seja alterado nos seguintes termos:

Redacção actual: A partir desse momento, os progenitores passaram a ter frequentes discussões, nas quais o progenitor gritava com a progenitora, pegando frequentemente na menor ao colo durante as discussões, gritando e discutindo com esta ao colo, tendo, numa das discussões, nomeadamente em 01.01.2024, chamado a progenitora de «hija de puta».

Redacção proposta: A partir desse momento, os progenitores passam a ter frequentes discussões.

Como fundamento para a alteração pretendida, o recorrente invoca o facto de, no auto do seu interrogatório pela polícia espanhola, a recorrida, quando perguntada sobre se, na alegada agressão ou noutras anteriores, estavam presentes familiares menores de idade, ter respondido negativamente.

Resulta do referido auto que a recorrida respondeu nos termos descritos pelo recorrente, o que é suficiente para suscitar a dúvida sobre se a (…) assistiu realmente às discussões em questão, nomeadamente por se encontrar ao colo do recorrente.

Porém, isso apenas deverá determinar a eliminação, no ponto 11 do EFP, da referência ao facto de o recorrente pegar frequentemente na (…) ao colo durante as discussões que tinha com a recorrida. No mais, o conteúdo do ponto 11 do EFP foi corroborado pela recorrida quando foi interrogada pela polícia espanhola.

Pelo exposto, o ponto 11 do EFP passa a ter a seguinte redacção: A partir desse momento, os progenitores passaram a ter frequentes discussões, nas quais o progenitor gritava com a progenitora, tendo, numa das discussões, nomeadamente em 01.01.2024, chamado a progenitora de «hija de puta».

1.2. O recorrente pretende que o ponto 22 do EFP seja alterado nos seguintes termos:

Redacção actual: O progenitor e os avós paternos da (…) têm visitado a menor regularmente, em regra de 15 em 15 dias, combinando com a progenitora para o efeito, sendo que a menor já pernoitou algumas noites com o progenitor.

Redacção proposta: O progenitor e os avós paternos da (…) já visitaram a menor, combinando com a progenitora para o efeito, sendo que a menor pernoitou duas vezes com o progenitor.

Como melhor resultará da fundamentação subsequente, a alteração proposta pelo recorrente é inócua. A maior ou menor colaboração da recorrida nas visitas que o recorrente e seus pais fazem, ou pretendem fazer, à (…), é um facto irrelevante para ajuizar sobre a licitude da deslocação e retenção desta em Portugal.

Consequentemente, a apreciação da decisão do tribunal a quo sobre o ponto 22 do EFP traduzir-se-ia na prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC, que consagra o princípio da limitação dos actos. Subsistirá, pois, o decidido pelo tribunal a quo, que é, repetimos, inócuo para a decisão da causa.

1.3. O recorrente pretende que seja aditado, ao EFP, que a Noa tem nacionalidade espanhola, fazia parte do agregado familiar e encontrava-se inscrita no centro de saúde em Espanha e na creche de (…).

Tal aditamento carece de fundamento.

Por um lado, a (…) ter a nacionalidade espanhola ou estar inscrita num centro de saúde e numa creche em Espanha são factos sem relevância para ajuizar sobre a licitude da sua deslocação para Portugal e a sua permanência aqui. Logo, carece de razão de ser a sua inclusão no EFP.

Por outro lado, já resulta do EFP, em particular do seu ponto 10, que a (…) integrava o agregado familiar do recorrente e da recorrida.

1.4. O recorrente pretende que seja aditado, ao EFP, que a queixa criminal que a recorrida apresentou em Espanha foi arquivada em Dezembro de 2024 e que a ordem de afastamento foi levantada.

Porém, o recorrente não cumpriu o ónus estabelecido pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, pois limitou-se a invocar «documento junto aos autos». Constam dos autos inúmeros documentos, pelo que se impunha, ao recorrente, especificar que documento tinha em vista.

1.5. O recorrente pretende que seja aditado, ao EFP, que inexistem indícios de violência doméstica, que a ordem de afastamento foi apenas da recorrida e não da (…) e que sofreu um único episódio de stress agudo, encontrando-se saudável e estável desde a alta.

Também este aditamento não tem razão de ser.

A existência ou inexistência de indícios de violência doméstica não é um facto, susceptível de ser julgado provado ou não provado, mas sim uma conclusão. Logo, não tem lugar no EFP.

Já resulta do EFP, concretamente do seu ponto 18, que a medida de coacção de proibição de contactos por parte do recorrente visava apenas a recorrida.

A natureza isolada do episódio a que o recorrente se reporta já resulta do EFP. Não há necessidade de inserir, no EFP, a conclusão de que nele é referenciado um único episódio dessa natureza.

2 – Se a deslocação da (…) para Portugal foi ilícita:

O tribunal a quo valorou o facto de a deslocação da (…) para Portugal ter ocorrido num contexto de grande tensão e mal-estar entre o recorrente e a recorrida, de tal ordem que o primeiro acabou por necessitar de internamento numa unidade hospitalar de saúde mental. Salientou que, no relatório da alta, está escrito, nomeadamente, que o recorrente, num registo de evidente perturbação mental, falou sobre conflitos com a recorrida e medo de que algo pudesse acontecer com a (…), ou de que ele pudesse perder o controle das suas acções. Perante este quadro factual, o tribunal a quo concluiu que «é mais do que compreensível, e excludente da ilicitude do seu comportamento, que a progenitora tenha saído de casa e vindo com a sua filha para a casa da sua irmã: foi uma atitude sensata perante a situação em causa. Efetivamente, ainda que o progenitor não viesse a praticar qualquer ato provocador de lesão na integridade física ou na vida da menor ou da mãe, o receio de que algo pudesse ocorrer era justificado. Mais: os atos consistentes nas discussões intensas entre os progenitores causavam, por si só, dano psíquico na menor.»

A este entendimento, o recorrente opõe, em síntese, o seguinte:

- De acordo com a lei espanhola, o exercício das responsabilidades parentais relativas à (…) competia a ambos os progenitores;

- Daí que, ao deslocar a (…) para Portugal sem o consentimento do recorrente, a recorrida tenha violado o seu direito de custódia;

- O episódio de stress emocional de que o recorrente foi acometido, causado pelas ameaças da recorrida de que levaria a (…) para longe, impossibilitando-o de a contactar, não justifica a deslocação e retenção ilícitas desta;

- Tanto mais que se tratou de um episódio isolado e já ultrapassado e que foi o próprio recorrente quem, voluntariamente, se deslocou à unidade de saúde e pediu o internamento de forma a repor a sua saúde mental para lidar com a nova situação de ser pai sem a filha presente.

Analisemos a questão.

O artigo 1.º da Convenção estabelece que esta tem por objecto:

a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado contratante ou neste retidas indevidamente;

b) Fazer respeitar, de maneira efectiva, nos outros Estados contratantes, os direitos de custódia e de visita existentes num Estado contratante.

O artigo 3.º da Convenção estabelece que a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

A parte final do mesmo artigo dispõe que o direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar, quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.

A alínea a) do artigo 5.º da Convenção estabelece que o direito de custódia inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência.

O recorrente, a recorrida e a (…) residiam, juntos, em Espanha. Cabendo as responsabilidades parentais relativas à (…), em conjunto, a ambos os progenitores, a nenhum destes era permitido alterar unilateralmente a residência daquela para outro local, maxime para outro país. Logo, em princípio, a deslocação da (…) para Portugal, levada a cabo pela recorrida, seria ilícita, à luz das normas da Convenção que transcrevemos.

Importa, contudo, ter em conta as singulares circunstâncias da deslocação da (…) para Portugal, descritas no EFP. Tal deslocação ocorreu num contexto de violência doméstica, que tivera início logo que o recorrente passara a residir em permanência com a recorrida e a (…) e se prolongava havia cerca de seis meses. Nesse contexto, eram frequentes as discussões entre o recorrente e a recorrida, nas quais o primeiro gritava com a segunda. Numa dessas discussões, ocorrida em 01.01.2024, o recorrente chamou «filha da puta» (na sua língua materna) à recorrida.

No dia 09.01.2024, foi tão violenta a discussão, que o recorrente, levado por um vizinho, deu entrada nas urgências de uma unidade hospitalar de saúde mental sita em (…). Dois dias depois, o próprio recorrente solicitou internamento nessa unidade, onde permaneceu até ao dia 19.01.2024. O relatório da alta e o documento referido no ponto 13 do EFP revelam que o recorrente se encontrava deveras perturbado.

Compreensivelmente, a recorrida ficou com medo do que o recorrente pudesse fazer, a si e/ou à (…). Daí que, logo no dia 10.01.2024, tenha fugido para Portugal, trazendo a (…) consigo e refugiando-se em casa de uma irmã, na zona de (…). Após ouvir a gravação referida no ponto 13 do EFP, que lhe foi enviada pelo seu vizinho, ainda mais medo a recorrida sentiu. Temendo pela sua segurança e pela da (…), tomou, então, a decisão de não regressar a (…).

Através da actuação descrita, a recorrida visou exclusivamente salvaguardar a sua segurança e a da (…), perante uma ameaça actual e muito efectiva, levada a cabo pelo recorrente. Perante os acontecimentos ocorridos em 09.01.2024, em especial a agressividade e o desequilíbrio mental evidenciados pelo recorrente, que alternativa tinha a recorrida? Permanecer na casa de morada de família, em (…), com a (…), sujeita a que o recorrente regressasse tão ou ainda mais alterado do que quando saíra, seria um erro, pois implicaria expor-se, bem como à (…), ao perigo que, nesse momento, aquele representava. Em vez disso, a recorrida limitou-se a fazer aquilo que uma pessoa sensata faria naquelas circunstâncias: fugiu e refugiou-se num local seguro. Sendo portuguesa e estando a sua família em Portugal, é natural que tenha procurado refúgio no seu país, junto dos seus.

O Direito não pode ignorar esta realidade, mantendo um juízo de ilicitude sobre a deslocação da (…) só por não ter sido autorizada pelo recorrente. Em vez disso, tem de se entender que se verifica uma causa de exclusão da ilicitude, próxima da legítima defesa (artigos 337.º do CC e 32.º do CP), com fundamento numa ponderação entre o bem jurídico que foi sacrificado (o direito de custódia do recorrente) e aquele que a recorrida salvaguardou através da sua conduta (a sua própria vida e integridade física, bem como as da …). Tenha-se em conta que as causas de exclusão da ilicitude não estão sujeitas ao princípio da tipicidade, como resulta do artigo 31.º do CP[1].

Sendo assim, impõe-se concluir, secundando o tribunal a quo, que a deslocação da (…) para Portugal, não obstante não ter sido autorizada pelo recorrente, foi lícita, a coberto de uma causa de exclusão da ilicitude.

3 – Se a retenção da (…) em Portugal é ilícita:

O tribunal a quo considerou que a retenção da (…) em Portugal é lícita, com fundamentação que assim se resume:

- Pelo menos numa fase inicial, a licitude da deslocação implicou a da retenção, pois os motivos que justificaram a primeira tiveram o mesmo efeito relativamente à segunda;

- Após a cessação da medida de afastamento, a licitude da retenção decorre da circunstância de, estando a (…) integrada num novo ambiente, em Portugal, o seu regresso a (…) seria contraproducente e não protector do seu superior interesse.

O recorrente sustenta que, ainda que se conclua pela licitude da deslocação da (…) para Portugal, sempre a retenção desta no nosso país teria passado a ser ilícita após o arquivamento da queixa-crime e o reconhecimento da falta de fundamento para a decisão de afastamento. O recorrente salienta ainda que a decisão de afastamento nunca foi relativa à (…) , pelo que nunca esteve em causa a sua capacidade parental.

À semelhança do tribunal a quo, embora com fundamentação não coincidente, consideramos que a retenção da (…) em Portugal é lícita.

Como vimos no ponto 2, a deslocação da (…) para Portugal foi lícita, porque motivada por um contexto de violência doméstica, levada a cabo pelo recorrente ao longo de cerca de 6 meses e que culminou na particularmente violenta discussão ocorrida no dia 09.01.2024, na sequência da qual aquele deu entrada nas urgências de uma unidade hospitalar de saúde mental. Completa este quadro o facto de o recorrente ter ficado internado na referida unidade hospitalar entre 11.01.2024 e 19.01.2024, resultando do relatório da alta e do documento referido no ponto 13 do EFP que ele se encontrava muito perturbado e apresentava um discurso verdadeiramente preocupante.

Note-se, a propósito, que, para concluirmos pela existência de um quadro de violência doméstica, prescindimos do que foi decidido pela justiça espanhola. Formulámos um juízo próprio sobre essa matéria, tendo em consideração o conteúdo dos pontos 10 a 15 do EFP.

Os únicos factos, relativos ao recorrido, posteriores à deslocação da (…) para Portugal, que resultam do EFP, são o de que ele esteve internado na supra referida unidade hospitalar de saúde mental até ao dia 19.01.2024 e o de que ele já pernoitou algumas vezes (duas, segundo ele, embora o número exacto seja irrelevante) com a (…). Nada mais resulta do EFP acerca da situação pessoal do recorrente durante este período de mais de um ano e meio.

Também não resulta do EFP que a recorrida esteja ao corrente dessa situação. Ou seja, tanto quanto resulta do EFP, aquilo que, de relevante, a recorrida sabe acerca da situação pessoal do recorrente, é, além do que consta desse enunciado, que a casa onde eles residiam, em (…), se encontra vazia e foi posta à venda.

Sendo assim, não se sabe – não sabe o tribunal e, aparentemente, não sabe a recorrida – se a situação pessoal do recorrente lhe permitiria ter a (…) à sua guarda sem risco para esta. Nada se sabe sobre a saúde mental e a situação sócio-económica do recorrente.

Nestas circunstâncias, a recorrida nunca esteve, nem está, obrigada a entregar a (…) ao recorrente. Não se sabendo se a situação de risco em que a Noa se encontrava quando foi deslocada para Portugal, legitimando essa deslocação, se encontra sanada, não pode concluir-se pela existência de uma obrigação de entrega da mesma ao recorrente, cujo incumprimento gerasse a ilicitude da retenção. Atendendo à gravidade dos acontecimentos que culminaram na sua deslocação para Portugal, a entrega da (…) ao recorrente sem se saber se este reúne as condições necessárias para a receber implicaria a exposição daquela a uma situação de risco que atentaria, nomeadamente, contra o seu direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, consagrado no artigo 69.º da nossa Constituição. Ao não proceder a essa entrega, a recorrida limitou-se a cumprir o seu dever de protecção da (…). Consequentemente, é lícita a retenção desta em Portugal.

4 – Se se verifica a excepção prevista no 2.º parágrafo do artigo 12.º da Convenção:

Concluímos, nos pontos 2 e 3, pela licitude da deslocação e da retenção da (…) por parte da recorrida. Em face disso, fica prejudicada a questão de saber se se verifica a excepção prevista no 2.º parágrafo do artigo 12.º da Convenção, que pressupõe a ilicitude da deslocação ou da retenção. É líquido que, em consequência da não verificação deste pressuposto, não existe fundamento para ordenar o regresso da (…) a Espanha, para ficar sob a custódia do recorrente, improcedendo, assim, a acção, bem como o recurso interposto da sentença nesta proferida.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.


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Sumário: (…)

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18.09.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Maria Domingas Simões (1ª adjunta)

Cristina Dá Mesquita (2ª adjunta)

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[1] Sobre esta problemática, leia-se Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, págs. 362 a 369.