DESPEJO IMEDIATO
INCIDENTE
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
EFEITOS
OBRAS
Sumário

1- No âmbito deste incidente de despejo imediato, o arrendatário pode discutir a qualidade de senhorio do demandante, o dever de pagar as rendas, a validade do contrato de arrendamento ou a mora do senhorio pois que uma interpretação do citado artigo 14.º/4, do NRA que limitasse a defesa do réu à apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que havia procedido ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da indemnização legal devida, seria incompatível com o princípio da proibição da indefesa contemplado no artigo 20.º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. Donde, havendo controvérsia, na ação principal, quanto à obrigação de pagamento das rendas por parte do arrendatário, a falta de impugnação do incidente de despejo imediato e a falta de comprovação do pagamento ou depósito das rendas vencidas durante a ação de despejo não têm efeito cominatório.
2 - A obrigação de pagamento das rendas é a obrigação principal do arrendatário, mostrando-se prevista no artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil. E esta obrigação de pagamento da renda não é correlativa da obrigação a cargo do senhorio de fazer obras no locado. Donde, em princípio, os arrendatários não podem deixar de cumprir a obrigação de pagamento das rendas com fundamento no facto de o senhorio não cumprir a obrigação da fazer obras no locado, obrigação essa meramente acessória e prevista no artigo 1074.º, n.º 1, do Código Civil.
3 - Os réus invocam patologias do imóvel mas nunca alegam concretamente que ele não tenha aptidão para continuar a servir o fim contratual, a saber, servir de sua habitação permanente, decorrendo do teor da sua contestação que ele sempre foi habitado apesar dos vícios que os réus alegam de forma genérica e difusa. Donde, tais vícios, a existirem, não podem justificar o não pagamento da renda.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 902/22.3T8ABV.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
1.ª Adjunta: Isabel Maria Socorro de Matos Peixoto Imaginário
2.º Adjunto: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), réus na ação declarativa com processo comum ordinário que lhes foi movida por (…) e (…), em representação da filha menor de ambos, de nome (…), interpuseram recurso da decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Albufeira, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou procedente o incidente de despejo imediato e, em conformidade, os condenou a entregar, completamente livre de pessoas e bens, a fração autónoma designada pela letra J do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…).

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«DO INCIDENTE DE DESPEJO IMEDIATO:
Por requerimento datado de 03-05-2024, vieram os Autores requerer o despejo imediato dos Réus, lançando mão do incidente previsto no artigo 14.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 6/2006, de 27.02, alegando para o efeito, e em síntese, que os Réus não pagaram as rendas vencidas na pendência da ação respeitantes aos meses compreendidos entre setembro de 2022 até à presente data.
Notificados para o efeito, os Réus nada disseram ou pagaram.
Cumpre decidir.
Dispõe o n.º 3 do artigo 14.º da Lei 6/2006, de 27-02 que “na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.”
Prevê o n.º 4 do mesmo artigo que “Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância
da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.”
Em caso de incumprimento do disposto naquele número, prevê o n.º 5 do mesmo artigo que “o senhorio pode requerer o despejo imediato, devendo, em caso de deferimento do requerimento, o juiz pronunciar-se sobre a autorização de entrada no domicílio, independentemente de ter sido requerida, aplicando-se com as necessárias adaptações os artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M.”
Ora, destes normativos é possível concluir que a pendência da ação não desonera o Réu (arrendatário) do cumprimento das suas obrigações, nomeadamente a respeitante ao pagamento das rendas que se vencerem, tendo a lei criado mecanismos para operar na falta de pagamento das rendas que se vencerem.
Na ação a autora, aqui representada pelos pais, pediu que o tribunal declarasse a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre ela e os réus, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27.02, e que os réus fossem condenados a proceder à desocupação do imóvel e a entregá-lo à autora livre de pessoas e bens, bem como no pagamento das rendas vencidas e vincendas até à efetiva desocupação do mesmo, acrescidas de juros legais.
Para tal desiderato, alegou, em síntese, que é proprietária da fração autónoma, que identifica, e que, representada pelos seus procuradores, celebrou com os réus um contrato de arrendamento com prazo certo, tendo por objeto a fração autónoma supra descrita, tendo sido convencionada uma renda no valor mensal de € 1.000,00, atualmente, por força de atualizações, no montante de € 1.105,00, a qual os réus não pagaram nos meses de abril a setembro de 2022, inclusive, encontrando-se em dívida, a esse título, o valor de € 6.090,00; que até à data os réus não pagaram aquelas rendas, não obstante terem recebido carta da autora na qual os interpelou para procederam no prazo de 30 dias ao pagamento das rendas em atraso, acrescidas da indemnização legal, sob pena de resolução do contrato.
Os réus contestaram, por exceção, invocando a incompetência material do tribunal, erro no valor da ação, e deduziram pedido reconvencional, a saber, a condenação da reconvinda no pagamento das quantias já apuradas e a apurar em sede de vistoria camarária relativas a patologias do imóvel que afetam as condições de habitabilidade do imóvel.
Foi apresentada resposta à contestação e, em 3 de maio de 2024, (…) e sua mulher, (…), apresentaram, em representação da sua filha menor de idade, (…), incidente de despejo imediato, contra os réus, os quais, apesar de notificados para se pronunciarem sobre o mesmo, nada disseram.
Este incidente surge como um sucedâneo do incidente anteriormente previsto no artigo 58.º do RAU. Nas palavras de Aragão Seia1: “A ação incidental regulada neste artigo, aplicável a todas as ações de despejo, inclusive às que têm por fundamento a falta de pagamento de rendas, já que não as exclui, coloca o arrendatário na obrigação de depositar as que se vencerem na pendência da ação, ainda que o senhorio não se desincumba da obrigação de as receber. (…) Tem uma dupla natureza, preventiva e coativa: Como medida preventiva, protege o arrendatário, evitando que a sua imprudência ou negligência fizessem avolumar de tal modo o montante das rendas não pagas que o viessem a impossibilitar de efetuar os pagamentos liberatórios. Isto geraria, como consequência, o despejo irremediável em ação posterior. Como medida coativa, ao mesmo tempo que protege o senhorio, compele o arrendatário a pagar as rendas que se vão vencendo, não deixando que se aproveite da demora do processo, sob pena de pesados depósitos liberatórios e de, caso os não efetue, ser imediatamente despejado. (…) O despejo imediato com base na falta de pagamento ou depósito de rendas vencidas na pendência da ação constitui um meio processual que, embora tenha a estrutura de uma nova ação declarativa, pressupõe a pendência de uma ação de despejo. (...)”.
Em virtude de a causa de pedir do incidente, atualmente previsto no artigo 14.º da Lei 6/2006, de 27.02, assentar na falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação de despejo, importa, a fim de aferir da verificação em concreto dos seus pressupostos, determinar quais são as rendas vencidas na pendência da ação de despejo, já que, tais pressupostos serão diferentes consoante o fundamento da ação (principal) de despejo seja a falta de pagamento de rendas ou qualquer outro deste diverso, legalmente previsto.
Assim, se o fundamento da ação de despejo for, designadamente um dos previstos no artigo 1083.º, n.º 2, do Código Civil, que não a falta de pagamento de rendas, as rendas vencidas na pendência da ação são as que se vencerem após o recebimento da petição inicial na secretaria do Tribunal (cfr. artigos 259.º e 144.º do CPC).
Caso o fundamento da ação principal seja a falta de pagamento de rendas, as rendas vencidas na pendência da ação são as que se vencerem após o termo do prazo para a contestação, atendendo ao disposto no artigo 1048.º do Código Civil que prescreve que “o direito a resolução do contrato por falta de pagamento de renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º”.
Nesses termos, no âmbito do incidente de despejo imediato enxertado em ação principal que tenha por causa de pedir outra causa que não a falta de pagamento de rendas, relevam todas as rendas vencidas e não pagas desde a propositura da ação. Contudo, já não fará assim sentido o senhorio requerer o despejo imediato por falta de pagamento de rendas vencidas no prazo que decorre entre a entrada da petição inicial e a contestação – quando esteja em causa despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas – pois o arrendatário pode pagá-las no prazo de apresentação deste articulado, fazendo caducar assim o direito de resolução do contrato de arrendamento.
Feita esta breve análise, cumpre verificar os pressupostos no caso concreto.
Ora, nos termos do alegado nos autos e que nesta parte não se mostra controvertido, efetivamente as partes celebraram acordo, tendo os Autores entregue aos Réus o imóvel objeto da ação para que dele fruísse temporariamente contra o pagamento de retribuição, convencionando-se a renda mensal de € 1.015,00, a pagar até ao dia 8 do mês a que dissesse respeito.
Dito isto, constata-se que, a ação tem por causa de pedir a alegada falta de pagamento de rendas pelos Réus aos Autores.
No caso a ação deu entrada a 09-09-2022.
Os Réus foram citados em 06-11-2022 [Ref.ª citius n.º 10649575 e 10649577].
Os Réus apresentaram contestação em 07-12-2022 [Ref.ª citius n.º 10749746], tendo sido paga multa pelo atraso processual.
Os Autores deduziram incidente de despejo imediato em 03-05-2024.
O Réus foram notificados do incidente por comunicação remetida naquela data, em observância do disposto no artigo 221.º do CPC. Os Réus foram igualmente notificados do despacho proferido em 29-05-2024 para, em 10 dias, se pronunciarem quanto ao presente incidente e para procederem ao depósito da quantia devida a título de rendas vencidas na pendência da ação.
Os Réus nada disseram ou pagaram.
Atentas as disposições conjugadas dos artigos 569.º, n.º 1 e 2 e 248.º do CPC, o prazo para contestar teve início em 07-11-2022 e terminou a 06-12-2022.
Face ao que supra se referiu, e considerando que está em causa despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas, apenas poderão ser tidas em conta como vencidas na pendência da ação as rendas que se tenham vencido após 06-12-2022 – termo do prazo da contestação e até ao qual os Réus podiam lançar mão do disposto no artigo 1048.º, n.º 1, do Código Civil.
Ora, a ser assim, a primeira renda após tal data venceu-se a 08-12-2022, seguindo-se todas as rendas que se venceram até à dedução do incidente pelos Autores em 03-05-2024, ou seja, até 08-04-2024, pelo que, tais rendas já se mostravam vencidas encontrando-se em mora superior a dois meses.
Ademais, sempre se dirá que os fundamentos que serviram de base à contestação / reconvenção apresentada pelos Réus – referentes à necessidade de obras de conservação do locado com redução do valor da renda – tal como se encontra configurada a contestação / reconvenção e, bem assim, não coloca em causa a validade do contrato, a existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda. Tal como tem sido defendido pela jurisprudência “A exceção do não cumprimento do contrato apenas pode ser aceite como fundamento para o não cumprimento de uma (contra)prestação desse contrato, quando por via desse não cumprimento se assegure o equilíbrio entre as obrigações no âmbito dos contratos sinalagmáticos. A não realização de obras de conservação pelo senhorio não pode motivar a falta de pagamento de rendas na pendência de ação de despejo de imóvel para habitação, salvo se da falta de realização das mesmas resultar a impossibilidade de uso do imóvel.” 2 E ainda, Ac. TRL 20-12-2018 Relator Carlos Oliveira “Deverá ser decretado o despejo imediato quando os fundamentos de defesa apresentados em nada afetam o cumprimento da obrigação de pagamento de renda e quando mais não sejam que uma forma de protelar o gozo da coisa de forma injustificada e à custa do senhorio. Não obsta ao despejo imediato o alegado incumprimento pela senhoria da obrigação de fazer obras, por ser ilegítima para esse efeito a invocação da exceção do não cumprimento do contrato, nos termos do artigo 428.º do C.C., uma vez que a obrigação de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo é uma obrigação principal do contrato de arrendamento (artigos 1022.º e 1038.º, alínea a), do C.C.) que não é correspetiva daquela outra obrigação, meramente acessória, a cargo do senhoria (artigo 1074.º do C.C.). O pedido reconvencional de indemnização por benfeitorias necessárias, realizadas com o consentimento do senhorio, não obsta ao despejo imediato com fundamento na falta de pagamento das rendas na pendência da ação, quando o inquilino não invoca expressamente a compensação e não aciona, nem faz cumprir, os mecanismos estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1074.º do C.C.” Veja-se também Ac. TRP de 14-12-2022 Relator Paulo Duarte Teixeira que prescreve “O incidente de despejo imediato visa evitar o não pagamento de rendas na pendência da ação. Esse incidente deve ser admitido, quando na própria tese da inquilina ocorreram factos que impediram a fruição, apenas parcial do locado.”
Face ao exposto e sem necessidades de mais considerações, encontram-se preenchidos os pressupostos legais para que seja decretado o despejo imediato dos Réus do imóvel objeto
dos autos, julgando-se procedente o incidente ora deduzido.
*
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos de direito invocados, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 4 e 5, do NRAU, julga-se procedente o incidente deduzido pelos Autores e, em consequência, decreta-se o despejo imediato e condena-se os Réus a entregar aos Autores, completamente livre e devoluto de pessoas e bens a fração autónoma designada pela letra J do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), da freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…).
Custas do incidente pela Autora, porquanto, apesar de não ter sido a parte vencida, não houve oposição pela Ré (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigos 1.º, n.º s 1 e 2, 7.º, n.º 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais).
Valor do incidente: o da causa.
Notifique.»

I.2.
Os recorrentes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Fruto das partes que figuram lá como Autores e aqui como Recorridos e face ao poder de cognição do Tribunal a quo, deverá a sentença ora em crise, no que concerne, o incidente de despejo imediato, ser substituída por uma sentença que absolva os réus da instância, por procedência da execução ilegitimidade ativa;
2. Face à complexidade do dever, ou não, no pagamento da renda, em virtude da problemática que subjaz à ação de despejo, deveria o Tribunal a quo não ter procedido ao deferimento do incidente de despejo imediato.
Termos em que V. Exas. revogando a Douta Sentença proferida e substituindo-a por nova decisão nos termos pugnados neste recurso, NÃO DANDO PROVIMENTO ao incidente de despejo imediato, e aguardando a desfecho da ação de despejo.
Fazendo-se assim, e por ora, a tão almejada JUSTIÇA!».

I.3. Na sua resposta às alegações de recurso, a recorrida termina com as seguintes conclusões:

«A. A Autora está representada em juízo pelos seus progenitores.

B. Sendo esta a proprietária do imóvel arrendado aos Réus, tendo celebrado o contrato de arrendamento, ainda que representada por procuradores (com legitimidade para o efeito).

C. Os danos causados pela falta de pagamento das rendas pelos Réus repercutem-se na sua esfera jurídica, conforme resulta da relação material controvertida.

D. Os requisitos para o deferimento do incidente de despejo imediato, não merecendo a sentença a quo qualquer reparo:

E. Os fundamentos que serviram de base à contestação/reconvenção apresentada pelos Réus – referente à necessidade de obras de conservação do locado com redução do valor da renda – tal como se encontra configurada a contestação/reconvenção e, bem assim, não coloca em causa a validade do contrato, a existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda.

F. Resulta claramente da contestação /reconvenção que os Réus, ora Recorrentes, nunca deixaram de residir no locado, ou seja, nunca deixaram de usufruir a coisa.

G. Alegar defeitos no locado (não confirmados pela vistoria camarária) que não impedem o gozo do locado (os mesmo continuam a usufruir do mesmo) e não proceder ao pagamento de qualquer valor de renda, é claramente abusivo e não impeditivo do diferimento do incidente de despejo imediato. Razões pelas quais, E outras havendo no mesmo sentido que se comete ao esclarecido suprimentos de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo de que aqui se conhece, tudo com as legais consequências, com o que se fará natural, inteira e esperada JUSTIÇA.»

I.3.

O recurso foi recebido pelo tribunal de primeira instância.

Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que cumpre conhecer são as seguintes:
1 – Avaliar se se verifica falta de legitimidade ativa.
2 – Avaliar do mérito da decisão.

II.3.
FUNDAMENTAÇÃO
II.3.1.
FACTOS
Os factos a considerar são os que constam da decisão recorrida e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1. Legitimidade ativa
No presente recurso está em causa a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância no incidente de despejo imediato deduzido ao abrigo disposto no artigo 14.º, n.º 4 e n.º 5, do NRAU, enxertado na ação declarativa de condenação movida por (…) e (…), em representação da filha de ambos, de nome (…), contra os réus, e ora apelantes, (…) e (…) e na qual foi pedido que: i. fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre (…), na qualidade de proprietária, e os réus, na qualidade de arrendatários, que teve por objeto fração autónoma designada pela letra J do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), com fundamento na falta de pagamento de rendas; ii. os réus fossem condenados a proceder à desocupação do imóvel locado e à sua entrega à autora e ainda no pagamento das rendas vencidas e vincendas até à efetiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até cumprimento efetivo.
No incidente no qual foi proferida a decisão sob recurso foi decretado o despejo imediato do locado com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação.
Na perspetiva dos apelantes verifica-se uma ilegitimidade ativa, quer para a ação, quer para o incidente referido, a qual implica a absolvição dos réus da instância, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Vejamos se lhes assiste razão.
A legitimidade enquanto pressuposto processual (sendo esta que está em causa no presente recurso na medida em que os recorrentes associam à invocada falta de legitimidade a (sua) absolvição da instância) consiste na possibilidade de estar em juízo quanto a certo objeto, ou seja, consiste na faculdade de demandar (legitimidade ativa) e na sujeição a ser demandado (legitimidade passiva) quanto a determinado objeto processual, o qual é conformado pelo pedido e respetiva causa de pedir (artigo 30.º, n.º 1, do CPC).
É consabido que a legitimidade, enquanto pressuposto processual, visa assegurar que estão em juízo os titulares da relação litigiosa e que o critério aferidor dessa legitimidade é a forma como o autor configura a relação jurídica na sua petição inicial (artigo 30.º, n.º 3, do CPC).
In casu, na ação principal está em causa o incumprimento de um contrato de arrendamento outorgado entre (…), na qualidade de proprietária da fração autónoma melhor identificada nos autos, e os réus, ora apelantes, na qualidade de arrendatários, consistindo o pedido na declaração de resolução do dito contrato por incumprimento da obrigação de pagamento das rendas respeitantes aos meses de abril a setembro de 2022, inclusive, num total de seis rendas, e na condenação dos réus a entregarem à autora o locado desocupado de pessoas e bens e a pagarem as rendas em dívida, acrescidas dos respetivos juros de mora até efetivo cumprimento.
Já no incidente em causa no presente recurso foi pedido o despejo imediato do locado com fundamento na falta de pagamento das rendas que se venceram na pendência da ação, ou seja, desde setembro de 2022 e até à data da instauração do incidente.
Na petição inicial da ação principal, na qual foi enxertado o presente incidente, foi alegado que (…) é a proprietária da fração autónoma designada pela letra J do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), da freguesia de (…) e que foi aquela quem, no ato representada pelos respetivos procuradores, celebrou com os réus o contrato de arrendamento cuja resolução é peticionada na ação. Donde, e em face do teor da petição inicial (…) é parte legítima à luz do disposto no artigo 30.º do Código de Processo Civil porque é sujeito da relação jurídica litigiosa, tendo, por isso, interesse em demandar os réus, na qualidade de arrendatários do imóvel, aos quais imputa um incumprimento contratual, e, por conseguinte, tem também legitimidade processual para deduzir o incidente da despejo imediato enxertado na ação principal.
Questão diversa da alegada falta de legitimidade ativa é a sua falta de capacidade para estar, por si só, em juízo (artigo 15.º, n.º 1, do CPC), em razão da sua menoridade (artigos 122.º e 123.º do Código Civil e artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), isto é, a sua falta de capacidade para decidir sobre a orientação da defesa dos seus interesses em juízo. Mas essa falta de capacidade judiciária (em razão da sua menoridade) é suprida por representação, nos termos do disposto nos artigos 1878.º, n.º 1 e 1881.º, ambos do Código Civil. Ora, foi justamente na qualidade de representantes da sua filha – qualidade essa que expressamente invocaram, quer na petição inicial, quer no requerimento em que deduziram o incidente de despejo imediato – que (…) e sua mulher (…) intentaram a ação principal e deduziram incidente de despejo imediato.
Resulta do disposto no artigo 1901.º, n.º 1, do Código Civil e do artigo 16.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que quando ambos os progenitores se encontrem ambos na titularidade do poder paternal – e, in casu, não foi alegado ou provado que aqueles não o estão – a representação do filho compete aos dois progenitores, não carecendo aqueles de autorização para representar a menor em juízo na ação em causa.
No caso concreto, como acabámos de assinalar, quer a petição inicial quer o requerimento de incidente de despejo imediato foram apresentados pelos progenitores de (…), com expressa menção de que o faziam «em representação da sua filha menor de idade (…)», sendo irrelevante que na plataforma citius os progenitores de (…) ali apareçam como “autores”.
Pelo exposto, improcede a alegação de recurso que pretende ver a sentença recorrida substituída por outra que absolva os réus da instância por procedência da exceção de ilegitimidade ativa.

II.4.2. Do mérito da decisão
Nas suas alegações de recurso os apelantes defendem que a questão do dever de pagamento da renda por parte dos arrendatários quando existem «impedimentos, constrangimentos e falhas no locado» que impedem os locadores de usar o locado é “complexa”, pelo que o tribunal não deveria ter procedido ao deferimento do incidente de despejo imediato.
Parece-nos que a questão traduzida agora à liça pelos apelantes – mas sem que aduzam qualquer fundamento jurídico em suporte de uma posição contrária àquela que foi seguida pelo julgador a quo – consiste em saber se o despejo imediato podia ser decretado quando na sua contestação os réus tinham invocado que o locado padece de patologias que não foram colmatadas pela senhoria de molde a «tornar o locado habitável em toda a extensão» (sic).
Vejamos.
O incidente de despejo imediato mostra-se previsto no artigo 14.º, n.ºs 3 a 5, da Lei n.º 6/2006, de 27/02.
Dispõem aqueles normativos que:
«3 – Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
4 – Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
5 – Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O» (negritos nossos).
O incidente em causa – enxertado na ação de despejo – tem um âmbito específico e temporalmente delimitado, a saber, o pagamento das rendas na pendência da ação de despejo, sendo a respetiva causa de pedir a falta de pagamento das rendas na pendência da ação e o pedido o despejo imediato do locado. Trata-se de um incidente que embora enxertado na ação principal é autónomo dela, com causa de pedir e pedido próprios. Ao criar este incidente o legislador pretendeu obstar a que alguém pudesse desfrutar o imóvel durante o longo período que pode durar uma ação até ao despejo efetivo, sem pagar a remuneração correspondente (durante o tempo daquela pendência).
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 327/2018[1] pronunciou-se sobre a limitação dos meios de defesa do arrendatário habitacional no incidente de despejo imediato deduzido na pendência da ação de despejo em face do teor do artigo 14.º, n.ºs 4 e 5, do NRAU, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, isto é, sobre a constitucionalidade da impossibilidade de o arrendatário exercer outros meios de defesa que não a apresentação de prova de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em dívida, tendo sido decidido no acórdão em referência «interpretar o artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, em conformidade com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, no sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa»[2]. Ou seja, no âmbito deste incidente de despejo imediato, o arrendatário pode discutir a qualidade de senhorio do demandante, o dever de pagar as rendas, a validade do contrato de arrendamento ou a mora do senhorio pois que uma interpretação do citado artigo 14.º/4, do NRA que limitasse a defesa do réu à apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que havia procedido ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da indemnização legal devida, seria incompatível com o princípio da proibição da indefesa contemplado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República[3]. Donde, havendo controvérsia, na ação principal, quanto à obrigação de pagamento das rendas por parte do arrendatário, a falta de impugnação do incidente de despejo imediato e a falta de comprovação do pagamento ou depósito das rendas vencidas durante a ação de despejo não têm efeito cominatório. E, assim sendo, cumpre avaliar se as rendas são efetivamente devidas ou se o fundamento invocado pelos réus na ação principal para o não pagamento das mesmas constitui causa justificativa bastante para não lhes ser exigível o cumprimento da obrigação de pagamento das rendas, nomeadamente daquelas que se venceram durante a pendência da ação pois como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2021[4] referido: «(…) Exigir a possibilidade de ampla dedução de defesa no incidente tem de ir a par com a exigência de que essa defesa assente numa controvérsia séria que possa ser atendida na ação principal».

No caso em apreço não vem posto em causa que na ação principal gerou-se controvérsia quanto à obrigação de pagamento das rendas por parte dos arrendatários pois que na sua contestação os réus alegaram que o locado – que dizem ser a sua habitação permanente – sofre de patologias várias impeditivas do uso e fruição do locado, o que justifica a redução da renda “proporcional ao tempo da privação ou diminuição do gozo da casa e à extensão dessa privação ou diminuição, nos termos do artigo 1040.º do CC” (sic). Donde julgarmos que a falta de impugnação do incidente de despejo imediato por banda dos réus e a falta de comprovação do pagamento ou depósito das rendas vencidas durante a ação de despejo não têm um efeito cominatório. E, assim sendo, cumpre avaliar se as rendas são efetivamente devidas ou se o fundamento invocado pelos réus na ação principal constitui causa justificativa bastante para não lhes ser exigível o pagamento das rendas, nomeadamente das rendas que se venceram na pendência da ação. O tribunal recorrido tratou a questão do seguinte modo: «(…) Ademais, sempre se dirá que os fundamentos que serviram de base à contestação/reconvenção apresentada pelos Réus – referentes à necessidade de obras de conservação do locado com redução do valor da renda – tal como se encontra configurada a contestação/reconvenção e, bem assim, não coloca em causa a validade do contrato, a existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda. Tal como tem sido defendido pela jurisprudência “A exceção do não cumprimento do contrato apenas pode ser aceite como fundamento para o não cumprimento de uma (contra)prestação desse contrato, quando por via desse não cumprimento se assegure o equilíbrio entre as obrigações no âmbito dos contratos sinalagmáticos. A não realização de obras de conservação pelo senhorio não pode motivar a falta de pagamento de rendas na pendência de ação de despejo de imóvel para habitação, salvo se da falta de realização das mesmas resultar a impossibilidade de uso do imóvel.” 2 E ainda, Ac. TRL 20-12-2018 Relator Carlos Oliveira, “Deverá ser decretado o despejo imediato quando os fundamentos de defesa apresentados em nada afetam o cumprimento da obrigação de pagamento de renda e quando mais não sejam que uma forma de protelar o gozo da coisa de forma injustificada e à custa do senhorio. Não obsta ao despejo imediato o alegado incumprimento pela senhoria da obrigação de fazer obras, por ser ilegítima para esse efeito a invocação da exceção do não cumprimento do contrato, nos termos do artigo 428.º do C.C., uma vez que a obrigação de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo é uma obrigação principal do contrato de arrendamento (artigos 1022.º e 1038.º, alínea a), do C.C.) que não é correspetiva daquela outra obrigação, meramente acessória, a cargo do senhoria (artigo 1074.º do C.C.). O pedido reconvencional de indemnização por benfeitorias necessárias, realizadas com o consentimento do senhorio, não obsta ao despejo imediato com fundamento na falta de pagamento das rendas na pendência da ação, quando o inquilino não invoca expressamente a compensação e não aciona, nem faz cumprir, os mecanismos estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1074.º do C.C.”. Veja-se também Ac. do TRP de 14-12-2022 Relator Paulo Duarte Teixeira, que prescreve: “O incidente de despejo imediato visa evitar o não pagamento de rendas na pendência da ação. Esse incidente deve ser admitido, quando na própria tese da inquilina ocorreram factos que impediram a fruição, apenas parcial do locado”».

A obrigação de pagamento das rendas é a obrigação principal do arrendatário, mostrando-se prevista no artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil. E esta obrigação de pagamento da renda não é correlativa da obrigação a cargo do senhorio de fazer obras no locado. Donde, em princípio, os arrendatários não podem deixar de cumprir a obrigação de pagamento das rendas com fundamento no facto de o senhorio não cumprir a obrigação da fazer obras no locado, obrigação essa meramente acessória e prevista no artigo 1074.º, n.º 1, do Código Civil. A propósito, transcreve-se pela sua clareza o seguinte trecho do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.07.2022[5]: «O artigo 1031.º, alínea b), do Código Civil impõe ao locador o dever de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que esta se destina. Entre as configurações que o cumprimento deste dever pode assumir cabe a obrigação de executar obras de conservação, ordinária ou extraordinária, requeridas pelas leis ou pelos fins do contrato, como dispõe o artigo 1074.º, n.º 1, do CC, na medida em que o artigo 1032.º do CC considera o contrato não cumprido quando a coisa locada apresente vícios que não lhe permitem realizar cabalmente o fim a que é destinada ou careça das qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador. Deste modo, incorrendo o locador em incumprimento, pode o locatário exigir-lhe o cumprimento da obrigação de assegurar o cumprimento do gozo do imóvel, realizando as obras que em concreto se revelem necessárias, na interpretação conjugada dos artigos 1031.º, alínea b), 1032.º e 1074.º, n.º 1, do Código Civil. Optando o arrendatário por seguir a via judicial, e persistindo o locador em não realizar as obras a que seja condenado, poderá o arrendatário, de seguida, mover ação executiva para prestação de facto (nos termos do artigo 868.º e seguintes do CPC). Optando pela interpelação extrajudicial, e verificando-se um incumprimento definitivo do locador, pode o arrendatário resolver o contrato nos termos gerais (artigo 801.º e seguintes. do CC), com ressalva das particularidades normativas das obrigações duradouras. Por outro lado, caso se verifiquem os pressupostos próprios do erro contratual ou do dolo, tem o arrendatário a faculdade de anular o contrato, nos termos do artigo 1035.º do CC. Caso o locado apresente defeitos que possam pôr em perigo a vida ou a saúde do arrendatário ou dos seus familiares, independentemente da responsabilidade do locador, pode o arrendatário, a todo o tempo, proceder à resolução do contrato, nos termos da alínea b) do artigo 1050.º. Para além destas soluções legais que conduzem à desvinculação contratual do arrendatário, a lei fornece-lhe meios de autotutela face à existência de vícios ou defeitos que afetem o gozo do imóvel, independentemente de se verificar, ou não, incumprimento contratual imputável ao locador. Assim, nos termos do artigo 1036.º, n.º 1, do CC, constando-se a necessidade de realização de obras urgentes, ao arrendatário é conferida a faculdade de se substituir ao locador na realização das obras ou reparações necessárias, logo que o locador entre em mora no cumprimento desse dever. Existindo urgência absoluta na realização de obras ou reparações, o arrendatário pode agir de imediato (em via substitutiva), sem ter de aguardar que o locador entre em mora, nos termos do artigo 1036.º do CC. Em qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 1036.º, tem o arrendatário a faculdade de compensar o custo das obras que realizou com o pagamento das rendas vincendas. Esta solução que se encontrava prevista no n.º 3 do artigo 1074.º do CC até à entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, encontra-se, a partir daí, prevista (de modo mais detalhado) nos artigos 22.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 2, em como no artigo 22.º-D do D/L n.º 157/2006 (os quais foram aditados pela Lei n.º 13/2019). Por outro lado, face à existência de vícios ou defeitos que conduzam à privação ou diminuição do gozo da coisa locada, tem ainda o arrendatário a faculdade de invocar a redução do valor da renda, proporcional ao tempo de privação ou diminuição e à correspondente extensão, nos termos do artigo 1040.º do CC. Conclui-se, assim, que entre as várias soluções legais potencialmente invocáveis pelo arrendatário face à existência de vícios ou defeitos na coisa locada, que afetem o seu gozo, não se encontra a hipótese de o arrendatário deixar de cumprir a sua obrigação principal, ou seja, a obrigação de pagar as rendas. Assim, enquanto o contrato se mantiver em vigor e, sobretudo, enquanto o arrendatário mantiver o gozo da coisa (ainda que diminuído) por o imóvel mantém, na essência, aptidão para servir o fim habitacional, não lhe é lícito deixar de cumprir o dever de pagar rendas, independentemente do concreto motivo que possa invocar para o efeito.» (negritos nossos).

No caso em apreço não vem posto em causa qual o valor devido a título de rendas vencidas “durante a pendência da ação”, ou seja, que são as rendas vencidas após o prazo da contestação. O que os apelantes defendem é que o (seu) dever de pagamento das rendas é controvertido. E, de facto, na ação principal os réus/apelantes invocaram a existência de vícios no locado mas que, no seu entender, justificariam uma redução do valor da renda na medida em que impediam o uso do locado «em toda a sua extensão». Porém, simultaneamente, reconheceram que o locado nunca deixou de ser utilizado para o fim habitacional a que se destina mesmo quando tiveram de se ausentar durante um período, que especificam, «para resolverem certos afazeres», tendo, então, a filha da ré ficado a habitar no locado. Ou seja, os réus invocam patologias do imóvel mas nunca alegam concretamente que ele não tenha aptidão para continuar a servir o fim contratual, a saber, servir de sua (deles) habitação permanente, decorrendo do teor da sua contestação que ele sempre foi habitado apesar dos vícios que os réus alegam, diga-se, de forma genérica e difusa. Donde, tais vícios, a existirem, não podem justificar o não pagamento da renda. Como se refere no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, «Entre as várias soluções legais potencialmente invocáveis pelo arrendatário (extinção do contrato, realização de obras, redução da renda), face à existência de vícios ou defeitos da coisa locada que diminuem o seu gozo, não se encontra a hipótese de o arrendatário deixar de cumprir a sua obrigação principal, ou seja, a obrigação de pagar as rendas. Assim, enquanto o contrato de arrendamento se mantiver em vigor, mantendo-se o arrendatário no gozo do imóvel (ainda que diminuído), e mantendo o imóvel aptidão para servir, na sua essência, o fim a que é destinado, não lhe é lícito, por ato de sua vontade unilateral, suspender o pagamento total das rendas».

Em face do exposto, julgamos correta a análise empreendida pelo julgador de primeira instância e acertada a sua decisão de decretar o despejo imediato do locado.

Improcede, assim, a apelação.


Sumário: (…)


III.
DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente e, em conformidade, mantêm a decisão recorrida.
As custas na presente instância recursiva são da responsabilidade dos apelantes, porque vencidos, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Notifique.
Registe.
DN.
Évora, 18 de setembro de 2025
Cristina Dá Mesquita
Isabel Maria Socorro de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho


____________________________________________
[1] Processo n.º 850/14, relator sr. Conselheiro Cláudio Monteiro.
[2] Esta decisão seguiu na fundamentação o que já havia sido decidido no acórdão n.º 673/2005, em relação ao artigo 58.º do RAU.
[3] Assim, por exemplo, se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2021, processo n.º 273/20.2T8AMD-B.L1-6, consultável em www.dgsi.pt., em cujo sumário se escreveu que «no incidente de despejo imediato o requerido tem disponíveis outras opções de defesa para além do pagamento ou depósito dos montantes das rendas vencidas na pendência da causa, sem o que incorreria em situação de violação do princípio da proibição de indefesa».
[4] Processo n.º 273/20.2T8AMD-B.L1-6, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 564/19.5YLPRT.L1.S1, relatora sra. Conselheira Maria Olinda Garcia.