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INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
PRECLUSÃO
Sumário
I. A previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º do CPCiv. reporta-se às exceções dilatórias que afectam a instância executiva. II. Sendo o título executivo uma sentença transitada, ainda que proferida no âmbito de ação especial para cobrança de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não pode o requerimento inicial ser rejeitado ao abrigo do disposto na citada alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º, com fundamento em exceção dilatória inominada verificada na instância declarativa, por ter ficado precludido o seu conhecimento. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
PROCESSON.º56101/20.4YIPRT.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 1
I. Relatório
(…) Comunicações, SA veio instaurar contra (…) ação executiva para cobrança da quantia de € 1.103,69 (mil, cento e três euros e sessenta e nove cêntimos), dando à execução a sentença proferida no processo de injunção transmutado, face à frustração da citação do R., em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, a tramitar nos termos do diploma anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro, e que conferiu força executiva à petição inicial.
Tendo cumprido o prévio contraditório, veio a ser proferido despacho [Ref.ª 34196407] que, com fundamento na exceção dilatória inominada de uso indevido de procedimento de injunção, que julgou verificada, indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Inconformada, apresentou a exequente o presente recurso e, tendo desenvolvido na alegação os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: 1. O título executivo que fundamenta a acção executiva é uma Sentença. 2. Com a recusa do requerimento executivo verifica-se ofensa ao Caso Julgado. 3. Por outro lado, foi indeferido, liminarmente, o requerimento executivo pelo Tribunal a quo, tendo decidindo “julgar verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção e, em consequência, indefiro liminarmente o requerimento executivo, declarando extinta a execução” relativamente à importância de € 356,65 (incumprimento contratual). 4. Tal decisão carece de oportunidade e fundamento, uma vez que, 5. Inicialmente a ora Apelante deu entrada de um requerimento de injunção, mas dada a frustração da citação, os autos foram distribuídos ao Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Unidade Central de Elvas tendo sido proferida Sentença, no âmbito do processo Judicial. 6. Por outro lado, desde logo se afirma que não pode o Tribunal a quo, ex officio, determinar a verificação de tal exceção, atendendo a que, enquanto vício que incide sobre o título executivo, apenas cabe ao tribunal pronunciar-se caso tal exceção seja invocada pelo executado em sede de embargos à execução. 7. Assim, não poderá aceitar-se a conclusão vertida na sentença objeto de recurso, porquanto a exceção em apreço não respeita à ação executiva em que foi proferida a sentença de que ora se recorre.
Indicando como violadas as normas contidas nos artigos 619.º, 590.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPCiv., conclui pela revogação da decisão recorrida.
Notificado para os termos do recurso e da causa, o executado nada disse.
*
Assente que pelo teor das conclusões se delimita o objeto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pela apelante:
a) violação do caso julgado;
b) preclusão do conhecimento das exceções;
c) impossibilidade de conhecimento oficioso.
* II. Fundamentação De facto
Resulta dos autos a seguinte factualidade com relevo para decisão:
1. A apelante apresentou no BNI requerimento injuntivo, sendo requerido (…), a fim de lhe ser conferida força executiva, visando obter título que lhe permitisse a cobrança coerciva da quantia de € 821,88, respeitando € 608,09 a dívida de capital, € 15,67 aos juros de mora vencidos, computados à taxa de 7%, reclamando ainda € 121,62 de outras quantias.
2. Em fundamento da pretensão formulada alegou ter celebrado com o requerido contrato de prestação de bens e serviços, tendo este aceitado o plano tarifário.
3. Mais alegou ter prestado os serviços discriminados nas faturas que identificou, as quais não foram pagas pelo requerido nas datas dos respetivos vencimentos, nem posteriormente.
4. Reclamou ainda a quantia de € 121,62 a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida e o valor da indemnização fixada a título de cláusula penal que seria devido em caso de “rescisão antecipada do contrato”.
5. Tendo-se frustrado a citação do requerido, foram os autos remetidos à distribuição nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
6. Citado o requerido no domicílio convencionado e presentes os autos ao Sr. Juiz, proferiu sentença em 21/1/2021 [Ref.ª 5619120.4YIPRT] na qual, após afirmar a regularidade do processo e a inexistência de exceções que obstassem ao conhecimento do mérito da causa, conferiu “força executiva à petição inicial”.
* De Direito Do caso julgado e do efeito preclusivo
Como se vê do teor da decisão proferida, extensamente fundamentada, nela se entendeu que “a cláusula penal, mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito” e que “a transmutação do procedimento de injunção, por via da dedução de oposição, em acção declarativa de condenação – acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato –, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que possibilitaria aquele procedimento”.
Assim tendo considerado que a “Exequente usou de forma indevida, no que tange ao valor exigido a título de indemnização, o procedimento de injunção, situação que configura uma excepção dilatória inominada” e que “nunca deveria ter sido conferida força executiva ao requerimento de injunção”, indeferiu o Sr. Juiz liminarmente o requerimento executivo, convocando o disposto no artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
Insurge-se a recorrente com fundamento na violação do caso julgado, alegando ainda ter ficado precludido o conhecimento pelo Tribunal de exceções que, podendo ter sido apreciadas na sentença proferida, não o foram. E tem, cremos, razão.
Com efeito, podendo embora subscrever-se os fundamentos invocados na decisão recorrida para indeferir liminarmente o requerimento executivo caso estivesse em causa um requerimento injuntivo ao qual tivesse sido aposta pelo sr. Secretário do BNI a fórmula executiva, a verdade é que o título aqui dado à execução é uma sentença. O que faz toda a diferença.
Vejamos:
Conforme tivemos oportunidade de referir anteriormente (acórdão deste mesmo Tribunal de 30/1/2025, proferido no processo 2870/20.7T8ENT.E1, acessível em www.dgsi.pt), o regime aprovado pelo DL 269/98, de 1 de Setembro, abrange a ação declarativa de condenação com processo especial a que se reportam os artigos 1.º a 5.º do anexo e o procedimento de injunção previsto e regulado nos artigos 7.º a 20.º, tendo assim os credores de obrigações pecuniárias decorrentes de contratos à sua disposição um ou outro dos referidos procedimentos especiais se o respectivo valor não exceder os € 15.000,00 (não interessando aqui o regime do DL n.º 62/2013, suscetível de abranger créditos de valor superior).
O artigo 7.º do regime da injunção define-a como “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro[1]”.
Como explica Salvador da Costa “Em rigor, não envolve um pedido de pagamento de determinada quantia em dinheiro, mas sim o de injunção, ou seja, o de atribuição de força executiva ao requerimento que o credor dirigiu ao Banco Nacional de Injunções.
Não se trata de um título executivo estritamente administrativo, porque é formado num procedimento sob algum controlo jurisdicional, mas também não é um título executivo judicial, porque se constitui sob a chancela de um oficial de justiça. Em razão da sua natureza e modo de formação, justifica-se qualificá-lo de título executivo judicial impróprio ou, noutra perspetiva, título executivo especial ou atípico”[2]. E é esta natureza que não pode, em nosso entender, deixar de ser tida em conta quando se averigue da possibilidade do conhecimento oficioso, já em sede de execução, da exceção do uso indevido do procedimento de injunção.
A adequação deste procedimento simplificado, e que pode correr inteiramente sem controlo jurisdicional, à pretensão formulada pelo requerente, preocupou o legislador, que sobre este fez recair o ónus de expor sucintamente os factos que a fundamentam e formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas” (alíneas d) e e) do artigo 10.º), sendo motivo de recusa do requerimento por parte do secretário “o pedido não se ajustar ao montante ou finalidade do procedimento” (cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 11.º). Tendo falhado este primeiro nível de verificação, se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, ainda assim o secretário pode – deve – recusar a aposição da fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento (cfr. n.º 3 do artigo 14.º), sendo esta inadequação o único fundamento de recusa previsto nesta fase, assim erigido em verdadeiro pressuposto processual necessário.
Formado, porém, o título executivo sem que o secretário judicial tenha exercido o controlo sobre o título, afigura-se que, não só o executado pode suscitar a questão em sede de embargos de executado, conforme parece admitir a apelante, como a mesma pode ser oficiosamente conhecida pelo juiz. E assim é desde logo porque, conforme se refere no acórdão deste mesmo TRE de 27/6/2024 (processo 51820/22.3YIPRT.E1, subscrito pela ora relatora como 1ª adjunta), e ainda que a propósito da falta de integração do cliente consumidor no PERSI, “A regra do conhecimento oficioso das exceções dilatórias é uma manifestação do princípio constitucional dalegalidade do conteúdo da decisão e significa que o juiz não está sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação da norma de direito (seja ela de direito substantivo, seja de direito processual); logo, a violação de norma que determina o pressuposto processualé oficiosamente cognoscível pelo que, independentemente de a parte a invocar, a falta de pressuposto processual é constatada pelo julgador que dela retira a consequência devida (a absolvição da instância ou, no caso da incompetência relativa de conhecimento oficioso, a da remessa do processo ao tribunal competente)”. E compreende-se que assim seja, uma vez que, conforme se referiu, pode o executado ver-se confrontado com diligências executivas em execução promovida com base em título formado sem qualquer controlo judicial.
Mas a argumentação expendida já não procede quando, como é o caso, o título executivo é uma sentença, ainda que proferida no âmbito do processo especial, muito simplificado, previsto e regulado nos artigos 1.º a 5.º do anexo ao citado DL 269/98.
A recorrente imputa à decisão recorrida a violação do caso julgado que se teria formado sobre a questão com o proferimento da sentença exequenda, que se mostra transitada.
O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do artigo 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal que, dizendo respeito às sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cfr. artigo 620.º, n.º 1), e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o artigo 619.º.
Do caso julgado, como é sabido, decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, assim obstando a que repita a decisão antes proferida ou a contradiga – efeito negativo –, e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado[3].
Tendo presentes tais considerandos, estando em causa decisão que recaiu sobre a relação processual, verifica-se que a questão nela oficiosamente conhecida não foi apreciada na sentença proferida, na qual se declarou genericamente que o processo se mostrava isento de nulidades e não se verificavam exceções de que cumprisse conhecer. Esta declaração genérica ou tabelar, conforme sem divergência vem sendo entendido, não forma caso julgado para efeitos de obstar à sua posterior apreciação (cfr., neste preciso sentido, o acórdão do STJ de 28 de Junho de 2023, processo n.º 164/21.0T8GMR.G1.S1, e, desenvolvidamente, com recenseamento de jurisprudência variada, o acórdão deste TRE de 11/1/2018 – processo n.º 566/12.2TBLLE.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Mas se não se verifica caso julgado, não deixou de operar a preclusão: com a prolação da sentença ficou precludida a possibilidade de apreciação da referida exceção, fosse oficiosamente, fosse por iniciativa do executado. Com efeito, respeitando a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º do CPCiv. às exceções dilatórias que afetam a instância executiva, não autorizam o conhecimento de eventuais exceções que se verificassem no âmbito do processo declarativo em que foi proferida a sentença exequenda, as quais aí poderiam ter sido arguidas pelo réu ou oficiosamente conhecidas pelo juiz (cfr. artigo 2.º, 2ª parte, do anexo ao DL 269/98). Não deixa de ser, a este respeito, significativo, quanto consta da decisão recorrida quando nela se refere que “Caso o requerimento de injunção tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, a referida excepção dilatória inominada obstaria ao conhecimento do mérito da causa e daria lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, ambos do Código do Processo Civil (:..)”. Sucede, porém, que o requerimento inicial, com valor de petição, foi efetivamente submetido a apreciação jurisdicional, tendo o juiz proferido sentença, transitada, a condenar o Réu no pedido formulado, operando a preclusão do que, podendo/devendo ter sido conhecido na ação declarativa, nela não foi suscitado.
Sendo o título executivo uma sentença judicial e não se verificando nenhum dos fundamentos de indeferimento liminar do requerimento executivo previstos no n.º 2 do artigo 726.º do CPC, não pode subsistir a decisão recorrida, que se revoga, resultando prejudicada a apreciação da última questão enunciada (artigo 609.º, n.º 1, do CPCiv.).
* III. Decisão Acordam os juízes da 2.ª secção cível em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine a regular tramitação dos autos.
Não são devidas custas.
Évora, 18 de Setembro de 2025
Maria Domingas Simões
Cristina Dá Mesquita
Tomé de Carvalho
* Sumário: (…)
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[1] Diploma revogado pelo já identificado no texto DL 62/2013, de 10 de Maio, dele subsistindo apenas, como alerta Salvador da Costa, “Injunção e as Conexas Ação e Execução”, 7.ª edição, Almedina, 2020, pág. 64, “o que este último diploma transitoriamente salvaguardou nos artigos 13.º e 14.º e o previsto nos artigos 6.º e 8.º”.
[2] “Injunção e as Conexas Ação e Execução” citado pág. 65.
[3] Na lição do Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. III, Reimpressão, págs. 92-93, o caso julgado exerce uma função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade), e uma função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.